Análise doutrinária e jurisprudencial princípio da bagatela sob a ótica das limitações do Supremo Tribunal Federal
Resumo
O presente artigo tem por finalidade demonstrar a importância do princípio da insignificância em nosso ordenamento jurídico de forma simples e objetivo. Além disso, acrescentamos casos concretos para que seja mais fácil a localização da aplicação do devido princípio penal em casos reais e também recentes. Assim, demonstramos que apesar do princípio ter um viés de “pormenorizar as coisas”, o mesmo é extremamente importante e significante para que o nosso ordenamento jurídico brasileiro não pese sua mão de forma exagerada em casos que não são significativos para receber a devida pena que outros merecem, dando novos ares para a máquina judiciária que, como sabemos, anda extremamente sobrecarregada e necessitando cada vez mais de métodos que viabilizem formas de pacificar as lides sem a necessidade de uma sanção expressa judicial.
Palavras-Chaves: Insignificância, ordenamento jurídico, importância jurisdicional.
1. Introdução.
Para início de conversa é necessário tratarmos da importância e devido uso deste importante princípio do ordenamento jurídico brasileiro.
O princípio da insignificância.
Este princípio é utilizado para descriminalizar pequenos delitos de furtos, de bagatelas em geral, isto é, coisas que de pouco valor e justamente pelo fato de o objeto possuir irrelevância material não causa prejuízo ao patrimônio da vítima, não se verifica assim, lesão ao bem jurídico protegido que nesse caso é o patrimônio. A vítima não empobrece diante desses pequenos furtos , pois o valor da coisa furtada é ínfimo.
Então, o direito penal entende que não há a necessidade de efetuar a prisão para os indivíduos que cometem esses delitos e os casos são solucionados com o simples ressarcimento dos objetos furtados, ou seja, com a devolução. São exemplos, o pequeno furto e o estelionato em que a insignificância para a sociedade impede a sua tipificação como crime, tornando-se um fato atípico por analogia como lembra Fernando Capez:
“Analogia em norma penal incriminadora: a aplicação da analogia em norma penal incriminadora fere o princípio da reserva legal, uma vez que um fato não definido em lei como crime estaria sendo considerado como tal. Imagine considerar típico o furto de uso (subtração de coisa alheia móvel para uso), por força da aplicação analógica do art. 155 do Código Penal (subtrair coisa alheia móvel com ânimo de assenhoreamento definitivo). Neste caso, um fato não considerado criminoso pela lei passaria a sê-lo, em evidente afronta ao princípio constitucional do art. 5º, XXXIX (reserva legal). A analogia in bonam partem, em princípio, seria impossível, pois jamais será benéfica ao acusado a incriminação de um fato atípico.” (CAPEZ, 2012, p. 49).
O princípio da insignificância é utilizado pelo juiz como critério de interpretação para a tipificação ou não dos casos concretos, afinal esses devem ser analisados de uma forma específica, pois existem elementos que necessitam de verificação individual:
“Em sentido contrário, fato atípico é a conduta que não encontra correspondência em nenhum tipo penal. Por exemplo, a ação do pai consistente em manter relação sexual consentida com sua filha maior de idade e plenamente capaz é atípica, POIS o incesto, ainda que imoral, não é crime. São quatro os elementos do fato típico: conduta, resultado naturalístico, relação de causalidade (nexo causal) e tipicidade. Tais elementos estarão presentes, simultaneamente, nos crimes materiais consumados.” (MASSON, 2011, p. 134).
O importante é sabermos que a conduta vai ser sempre inadequada, tendo em vista que furtar é um ato reprovável em qualquer sociedade, entretanto esse princípio analisa a irrelevância de delitos que não causam dano grave às vitimas.
Aplicabilidade do princípio da insignificância.
Nota-se que o princípio da insignificância aplica-se aos crimes patrimoniais sem violência, como por exemplo, o furto de um chocolate em um supermercado que não irá prejudicar o patrimônio do dono do estabelecimento. Formalmente houve um fato típico de acordo com o artigo 155 do código penal, houve subtração de coisa alheia móvel; entretanto com relação ao valor total do patrimônio do proprietário do supermercado que é avaliado em milhões no nosso caso, não houve um dano significativo. Todavia, em casos de roubo não iremos utilizar o princípio da bagatela, tendo em vista que é um crime complexo praticado mediante aplicação de violência causando assim, lesão ao bem-jurídico protegido tais como a liberdade e a violação da integridade física. Portanto, a regra para poder fazer uso desse princípio deve levar em consideração o vínculo valorativo do objeto furtado e seu dono, pois tem que haver a exclusão de tipicidade, porém todo crime possui culpabilidade:
“Funciona como causa de exclusão da tipicidade, desempenhando uma interpretação restritiva do tipo penal. Para o Supremo Tribunal Federal, a mínima ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica constituem os requisitos de ordem objetiva autorizadores da aplicação desse princípio. ' Entretanto, o reduzido valor patrimonial do objeto material não autoriza, por SI só, o reconhecimento da criminalidade de bagatela. Exigem-se também requisitos subjetivos. Na esfera da orientação do Superior Tribunal de Justiça: Há que se conjugar a importância do objeto material para a vítima, levando-se em consideração a sua condição econômica. o valor sentimental do bem. Como também as circunstâncias e o resultado do ente. Tudo de modo a determinar, subjetivamente, se houve relevante lesão.” (MASSON, 2011, p. 41)
Já de acordo com o entendimento doutrinário de Bitencourt, nota-se a ênfase no quesito culpa delitiva na constatação da consequente aplicação do princípio da bagatela. Logo, de acordo com o entendimento supracitado e devidamente pacificado na atualidade, sem a culpa não há o que se falar em princípio da insignificância.
Bitencourt afirma:
“Segundo o princípio de culpabilidade, em sua configuração mais elementar, “não há crime sem culpabilidade”. No entanto, o Direito Penal primitivo caracterizou-se pela responsabilidade objetiva, isto é, pela simples produção do resultado. Porém, essa forma de responsabilidade objetiva está praticamente erradicada do Direito Penal contemporâneo, vigindo o princípio nullum crimen sine culpa. A culpabilidade, como afirma Muñoz Conde, não é um fenômeno isolado, individual, afetando somente o autor do delito, mas é um fenômeno social; “não é uma qualidade da ação, mas uma característica que se lhe atribui, para poder ser imputada a alguém como seu autor e fazê-lo responder por ela. Assim, em última instância, será a correlação de forças sociais existentes em um determinado momento que irá determinar os limites do culpável e do não culpável, da liberdade e da não liberdade”. Dessa forma, não há uma culpabilidade em si, individualmente concebida, mas uma culpabilidade em relação aos demais membros da sociedade, propugnando-se, atualmente, por um fundamento social, em vez de psicológico, para o conceito de culpabilidade. Ainda, segundo Muñoz Conde, a culpabilidade “não é uma categoria abstrata ou a-histórica, à margem, ou contrária às finalidades preventivas do Direito Penal, mas a culminação de todo um processo de elaboração conceitual, destinado a explicar por quê, e para quê, em um determinado momento histórico, recorre-se a um meio defensivo da sociedade tão grave como a pena, e em que medida se deve fazer uso desse meio” (BITENCOURT, 2012, P. 64)
Cabe lembrar que a negativa do cabimento independe do crime e potencial lesivo dele, uma vez que nem o mesmo é existente no plano fático. Lembremos que didaticamente o crime constituiu um fato típico, antijurídico e culpável. Logo, se não há presença de culpabilidade não há imputabilidade penal e consequente não há aplicação de princípio algum senão a presunção de inocência.
Visão histórica e contextualizada na ótica de Capez.
Esse princípio foi originado no direito romano e introduzido por Claus Roxin no sistema penal. O direito penal não deve preocupar-se com bagatelas, ou seja, com furtos de pequenos objetos que são incapazes de lesar o bem-jurídico protegido. Nesse caso não haverá adequação típica:
“De acordo com Zaffaroni e Pierangelli, “A lei formal ou material que completa a lei penal em branco integra o tipo penal, de modo que, se a lei penal em branco remete a uma lei que ainda não existe, não terá validade e vigência até que a lei que a completa seja sancionada”. Aliás, tratando-se de norma penal em branco, a própria denúncia do Parquet deve identificar qual lei complementar satisfaz a elementar exigida pela norma incriminadora, ou seja, deve constar da narrativa fático-jurídica qual lei desautoriza a prática da conduta imputada, sob pena de se revelar inepta, pois a falta de tal descrição impede o aperfeiçoamento da adequação típica.” (BITENCOURT, 2012, p. 225).
Não podemos confundir delito insignificante com crimes de menor potencial ofensivo, sendo que nestes últimos a ofensa não pode ser considerada insignificante porque possui gravidade de acordo com o princípio da consunção:
“Pelo princípio da consunção, ou absorção, a norma definidora de um crime constitui meio necessário ou fase normal de preparação ou execução de outro crime. Em termos bem esquemáticos, há consunção quando o fato previsto em determinada norma é compreendido em outra, mais abrangente, aplicando-se somente esta. Na relação consuntiva, os fatos não se apresentam em relação de gênero e espécie, mas de minus e plus, de continente e conteúdo, de todo e parte, de inteiro e fração. Por isso, o crime consumado absorve o crime tentado, o crime de perigo é absorvido pelo crime de dano. A norma consuntiva constitui fase mais avançada na realização da ofensa a um bem jurídico, aplicando-se o princípio major absorbet minorem. Assim, as lesões corporais que determinam a morte são absorvidas pela tipificação do homicídio, ou o furto com arrombamento em casa habitada absorve os crimes de dano e de violação de domicílio etc. A norma consuntiva exclui a aplicação da norma consunta, por abranger o delito definido por esta. Há consunção quando o crime-meio é realizado como uma fase ou etapa do crime-fim, onde vai esgotar seu potencial ofensivo, sendo, por isso, a punição somente da conduta criminosa final do agente” (BITENCOURT, 2012, p. 284).
Segundo a conceituação do próprio Capez, não podemos confundir adequação social com insignificância:
“Não se pode confundir adequação social com o princípio da insignificância. Neste, o fato é socialmente inadequado, mas considerado atípico dada a sua ínfima lesividade; na adequação social, a conduta deixa de ser punida porque a sociedade não a reputa mais injusta. A teoria social pode levar a arriscados desdobramentos: a partir do momento em que uma ação considerada pelo legislador como criminosa passa a ser compreendida como normal e justa pela coletividade, pode o juiz deixar de reprimi-la, passando a tê-la como atípica, porque, para o enquadramento na norma, é necessária a inadequação social. Ocorre que o costume, ainda que contra legem, em nosso sistema não revoga a lei (LINDB, art. 2º, caput), do mesmo modo que ao julgador não é dado legislar, revogando regras editadas pelo Poder Legislativo. Inequivocamente, há um certo risco de subversão da ordem jurídica, pois o direito positivo encontra-se em grau hierarquicamente superior ao consuetudinário e por este jamais poderá ser revogado. No caso da contravenção do jogo do bicho, para a orientação social da ação, pode muito bem constituir fato atípico, já que a simples aposta em nome de animal não mais colide com o sentimento coletivo de justiça.” (CAPEZ, 2012, p. 128)
Limitações dadas pelo Supremo Tribunal Federal.
O STF estabeleceu alguns critérios para orientar o uso desse princípio, classificamos em tópicos simples e diretos nas questões taxativas do uso do devido princípio.
- Mínima ofensividade da conduta do agente
- Nenhuma periculosidade social da ação
- Reduzido grau de reprovabilidade do comportamento
- Inexpressividade da lesão jurídica provocada
Assim, se faz mister colocarmos em pauta a questão das causas supra legais, ou seja, a tipicidade material é importantíssima para a aplicação do princípio da insignificância no caso concreto, conforme lembra a conceituação de Fennando Capez:
Causas supralegais: com a moderna concepção constitucionalista do Direito Penal, o fato típico deixa de ser produto de simples operação de enquadramento formal, exigindo-se, ao contrário, que tenha conteúdo de crime. A isso denomina-se tipicidade material (a conduta não deve ter apenas forma, mas conteúdo de crime). Como a tipicidade se tornou material, a ilicitude ficou praticamente esvaziada, tornando-se meramente formal. Dito de outro modo, se um fato é típico, isso é sinal de que já foram verificados todos os aspectos axiológicos e concretos da conduta. Assim, quando se ingressa na segunda etapa, que é o exame da ilicitude, basta verificar se o fato é contrário ou não à lei. À vista disso, já não se pode falar em causas supralegais de exclusão da ilicitude, pois comportamentos como furar a orelha para colocar um brinco configuram fatos atípicos e não típicos, porém lícitos. A tipicidade é material, e a ilicitude meramente formal, de modo que causas supralegais, quando existem, são excludentes de tipicidade. (CAPEZ, 2012, p. 251).
Então, a norma penal não é somente aquela que formalmente descreve um fato como infração penal, pois o tipo incriminador deverá selecionar apenas os comportamentos humanos que realmente causem lesividade social.
Exemplificação da devida aplicação do princípio da bagatela.
- No crime de descaminho: Segundo o art. 20 da lei nº 10.522/02 determina o arquivamento das execuções fiscais, sem baixa na distribuição se os débitos inscritos como dívida da união foram iguais ou inferiores à 10 mil reais (R$ 10.000)
- Nos crimes ambientais: A prevenção ambiental deve ser feita de forma preventiva e repressiva, em benefício das próximas gerações.
- No crime de furto: Furto de dois botijões, tentativa de furto de 2 frascos de xampu ou subtração de gêneros alimentícios não ultrapassam o exame da tipicidade material e não revela no comportamento do agente, lesividade suficiente para justificar a condenação.
- Nos crimes contra a administração pública: O STF se manifestou no sentido de que não se aplica o princípio estudado nesse artigo quando estamos tratando de prefeito e de coisa pública, ou seja, deve-se observar o agente e os valores envolvidos conforme nos lembra Capez:
“Quanto aos Prefeitos, não há que se falar nem em imunidade processual, nem penal, tendo direito somente ao foro por prerrogativa de função perante os Tribunais de Justiça. “Terminada a investigação criminal, em caso de ação pública, abre-se vista ao Procurador-Geral da República, que tem quinze dias para se manifestar. Em se tratando de preso, cinco dias. Cuidando-se de ação privada, aguarda-se a manifestação do interessado (RISTF, arts. 201 e s.). Em caso de pedido de arquivamento do feito pelo Procurador-Geral da República, só resta ao STF determinar esse arquivamento porque, por força do princípio da iniciativa das partes, ne procedat iudex ex officio: RT 672, p. 384; STF, Pleno, Inq. 510-DF, Celso de Mello, DJU de 19-4-91, p. 4581. O tribunal competente, doravante, para receber a denúncia ou a queixa, como já se salientou, não precisa pedir licença à Casa legislativa respectiva. Necessita, isso sim, antes do recebimento, respeitar o procedimento previsto na Lei 8.038/90, que prevê defesa preliminar” (CAPEZ, 2012, p. 92)
Análise do princípio no caso concreto - HABEAS CORPUS 106.045.
Seguimos para uma etapa extremamente importante que é a de encaixar no caso concreto o princípio da insignificância e encontrar na norma onde ele foi aplicado:
“E M E N T A
HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. FURTO. PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA. VALOR EXCESSIVO DA RES FURTIVA.
INGRESSO NA RESIDÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE.
A pertinência do princípio da insignificância deve ser avaliada, em casos de pequenos furtos, considerando não só o valor do bem subtraído, mas igualmente outros aspectos relevantes da conduta imputada. O elevado valor do bem furtado, avaliado acima da metade do salário mínimo da época dos fatos, atesta reprovabilidade suficiente a afastar aplicação do princípio da insignificância. Não tem pertinência o princípio da insignificância se o crime de furto é praticado mediante ingresso subreptício na residência da vítima, com violação da privacidade e tranquilidade pessoal desta.
Ordem denegada.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Primeira Turma, sob a Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em denegar a ordem de habeas corpus, nos termos do voto da relatora.
R E L A T Ó R I O
A Senhora Ministra Rosa Weber (Relatora): Trata-se de habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública da União em favor de Everton Cristiano Belisário contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça que denegou a ordem no HC 164.799/RS.
Narra a inicial que o paciente foi denunciado pela suposta prática do crime previsto no art. 155 c/c art. 71 do Código Penal, por ter subtraído quatro cadeiras de praia da casa da vítima Fábio Dorneles e uma bandeira de time de futebol da casa da vítima Cezar Augusto Anger Silveira.
Surpreendido e preso em flagrante logo após o crime na posse de uma cadeira, uma bandeira, R$ 26,00 (vinte e seis reais) e um rádio, confessou aos policiais que havia vendido as outras três cadeiras por R$ 5,00 (cinco reais), cada uma. Todos os bens furtados foram avaliados em R$ 223,00. A magistrada rejeitou a denúncia por atipicidade da conduta do paciente com base no princípio da insignificância. Entretanto, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul deu provimento à apelação interposta pelo Ministério Público e recebeu a denúncia oferecida em desfavor do paciente. No Superior Tribunal de Justiça, a Quinta Turma denegou o HC 164.799/RS impetrado em favor do ora paciente. Daí o presente writ. Neste habeas corpus, busca a paciente que seja reconhecida a atipicidade da conduta pela aplicação do princípio da insignificância. Em 04.11.2010, a eminente Ministra Ellen Gracie indeferiu a liminar. O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do Subprocurador-Geral da República Edson Oliveira de Almeida, manifestou-se pela denegação da ordem.
PRIMEIRA TURMA, HABEAS CORPUS 106.045, RIO GRANDE DO SUL, 19/06/2012”
A aplicação do princípio da insignificância diante deste caso julgado não foi procedente, tendo a jurisprudência considerado que além da subtração dos bens, houve violação de princípio fundamental, tal como invasão de privacidade, atestando tipicidade penal ao ato praticado. O Supremo Tribunal Federal estipulou alguns critérios na tentativa de dar materialidade à tipicidade penal, são eles: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. Dessa forma, a tipicidade está diretamente relacionada com a importância do bem jurídico atingido no caso concreto. Cita Fernando Capez:
(...) Assim, já se considerou que não se deve levar em conta apenas e tão somente o valor subtraído (ou pretendido à subtração) como parâmetro para aplicação do princípio da insignificância.(...) Não se pode, porém, confundir delito insignificante ou de bagatela com crimes de menor potencial ofensivo. Estes últimos são definidos pelo art. 61 da Lei n. 9.099/95 e submetem-se aos Juizados Especiais Criminais, sendo que neles a ofensa não pode ser acoimada de insignificante, pois possui gravidade ao menos perceptível socialmente, não podendo falar-se em aplicação desse princípio. (Capez, p.30)
O Art. 150 do Código Penal Brasileiro (CP) de Crime contra a Inviolabilidade do Domicílio estabelece que, “Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências”, caracteriza violação de domicílio, e que consequentemente fere o direito de propriedade e de segurança. Não podendo, no caso citado relevar a conduta do paciente.
Embora não se tenha estabelecido um valor para a aplicação do Princípio da insignificância, a jurisprudência considera que um valor maior que metade do salário mínimo vigente à época do caso não deve ser considerado baixo, havendo sim, lesão de patrimônio.
Assim, pode-se dizer que o princípio da insignificância não pode ser aplicado nos casos que houve violação de princípios fundamentais. Estes são bens jurídicos, que quando violados geram consequências sociais, e por isto devem receber proteção do Estado.
Análise da aplicação da insignificância no caso concreto – HC 106.490.
“Habeas Corpus. Penal. Furto tentado. Incidência do princípio da insignificância. Inviabilidade. Crime praticado em concurso de agentes e mediante o ingresso na residência da vítima durante a noite. Reincidência e habitualidade delitiva comprovadas. Ordem denegada. É entendimento reiterado desta Corte que a aplicação do princípio da insignificância exige a satisfação dos seguintes vetores: (a) mínima ofensividade da conduta do agente; (b) ausência de periculosidade social da ação; (c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. As peculiaridades do delito, o qual foi praticado por criminoso reincidente, em concurso de agentes e com ingresso na residência da vítima sem seu consentimento e em período noturno, demonstram significativa reprovabilidade do comportamento e relevante periculosidade da ação, fato este suficiente ao afastamento da incidência do princípio da insignificância. Ordem denegada. (HC 108.282, rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, Dje 09.3.2012)”. Assim, a pertinência do princípio da insignificância deve ser avaliada, em casos de pequeno furto reitero, considerando não só o valor do bem subtraído, mas igualmente outros aspectos relevantes da conduta imputada. No presente caso, diante das circunstâncias concretas da conduta, inviável reputá-la insignificante. Agrego, por oportuno, que o paciente possui, ao que tudo indica, registros criminais pretéritos, estando especificamente a responder a várias outras ações penais por furtos, sem informação quanto a eventuais condenações, o que, segundo a jurisprudência desta Primeira Turma, com ressalva de meu entendimento pessoal também, tem sido compreendido como óbice à aplicação do princípio da insignificância (v.g.: HC 109.739/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 14.02.2012; HC 110.951, rel. Min.Dias Toffoli, DJe 27.02.2012; HC 108.696 rel. Min. Dias Toffoli, DJe 20.10.2011; e HC 107.674, rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 14.9.2011).
Ante o exposto, denego a ordem.
É como voto.
Condenar alguém por crimes diminutos seria desproporcional. O princípio da insignificância é inaplicável visto que o réu ingressou na residência da vítima sem o seu consentimento, havendo violação da privacidade desa. Então, houve situação de perigo social, além do comportamento reprovável do réu. Ademais, o paciente possui registros criminais no passado, ou seja, é reincidente. Tendo cometido vários furtos anteriormente o que torna inviável a aplicação do princípio. A reincidência é um obstáculo para a aplicação daquele. Assim sendo, o Habeas Corpos não foi concedido devido à lesão grave à privacidade da vítima, o que revela grande culpa do agente.
É importante ressaltar que se deve considerar não só o valor do objeto furtado, mas também a conduta (do agente) avaliada, que no presente caso tem reincidência comprovada a partir de registros criminais de ações penais por furtos que ainda estão sendo julgados.
Portanto, não é viável a aplicação do princípio da bagatela neste caso, pois poderia gerar grandes injustiças devido aos casos de impunidade. Causar-se-ia medo e insegurança à sociedade em virtude do perigo social da conduta do criminoso.
Aplicabilidade do princípio da insignificância em casos de furto qualificado
Por sua essência, é normal haver o entendimento de que, prioritariamente, o princípio da insignificância, ou também chamado de princípio da bagatela, seja considerado na maioria dos casos de furto qualificado, desde que o mesmo possua os requisitos básicos exigidos para que o princípio da bagatela seja efetivamente aplicado.
Resumidamente, é importante salientar que:
Originário do Direito Romano, e de cunho civilista, tal princípio funda-se no conhecido brocardo de minimis non curat praetor. Em 1964 acabou sendo introduzido no sistema penal por Claus Roxin, tendo em vista sua utilidade na realização dos objetivos sociais traçados pela moderna política criminal. Segundo tal princípio, o Direito Penal não deve preocupar-se com bagatelas, do mesmo modo que não podem ser admitidos tipos incriminadores que descrevam condutas incapazes de lesar o bem jurídico. A tipicidade penal exige um mínimo de lesividade ao bem jurídico protegido, pois é inconcebível que o legislador tenha imaginado inserir em um tipo penal condutas totalmente inofensivas ou incapazes de lesar o interesse protegido. Se a finalidade do tipo penal é tutelar um bem jurídico, sempre que a lesão for insignificante, a ponto de se tornar incapaz de lesar o interesse protegido, não haverá adequação típica. É que no tipo não estão descritas condutas incapazes de ofender o bem tutelado, razão pela qual os danos de nenhuma monta devem ser considerados fatos atípicos. (CAPEZ, 2013, p. 34).
Assim, a presença de uma qualificadora no crime de furto pode tornar muito difícil a aplicação do princípio da insignificância pelo fato de que essas mesmas qualificadoras dão ao crime um aspecto de maior gravidade do que se o mesmo não as possuísse. Contudo, a possibilidade de um crime de furto qualificado ser de difícil enquadramento no princípio da insignificância não significa, necessariamente, que isso uma questão inviável, até porque a mera presença de um fator qualificador não enseja na impossibilidade de adequação do crime em questão ao caso do uso do dito princípio.
Para exemplificar vamos utilizar o concurso de agentes como um possível qualificador do crime de furto (art 155º, §4, IV do código penal brasileiro), o fato de haver aqui a presença de um qualificador, não há impedimento nele em ser pertencente a seara de crimes onde se aplica o princípio da insignificância (Segundo a visão de Luiz Flávio Gomes). Aliás, isso ocorre pelo fato de haver uma relação íntima entre o agente determinante da qualificadora da conduta juntamente com o fator causador do ato de desvalorização dessa mesma conduta, havendo assim também nuances de acordo com o caso concreto no qual se desejar realizar uma análise.
Entretanto, é importante ressaltar que a modalidade de crime de furto qualificado que hipoteticamente poderia contar como solução de sua lide o princípio da bagatela é crime tentado, pois se assim não fosse, haveria uma discrepante incompatibilidade entre o princípio e a conduta qualificadora do delito em análise.
Atualmente, o entendimento de nosso ordenamento jurídico já permite o uso desse princípio ao caso concreto embora haja devolução como podemos verificar a seguir:
HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO DE UM BONÉ. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. MÍNIMO DESVALOR DA AÇÃO. BEM SUBTRAÍDO RESTITUÍDO À VITIMA. IRRELEVÂNCIA DA CONDUTA NA ESPERA PENAL. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
1. A conduta perpetrada pelo agente – furto qualificado de um boné, que foi recuperado pela vítima no mesmo dia –, insere-se na concepção doutrinária e jurisprudencial de crime de bagatela.
2. Em caso de furto, para considerar que o fato não lesionou o bem jurídico tutelado pela norma, excluindo a tipicidade penal, deve-se conjugar o dano ao patrimônio da vítima com a mínima periculosidade social e o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do agente, elementos que estão presentes na espécie, porque o desvalor da ação é mínimo e o fato não causou qualquer conseqüência danosa.
3. Precedentes do Supremo Tribunal Federal.
4. Ordem concedida para anular a decisão condenatória.
(HC 114176/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 18/11/2008, DJe 15/12/2008)[1]
Assim, percebe-se que o princípio da bagatela não é apenas uma ferramenta que possui utilidade para condutas ilícitas ínfimas, mas também como forma de enxugar a máquina judiciária não levando ao contencioso jurídico casos que não podem e nem devem ser apreciados devido ao fato do dolo ser convertido em restituição integral e voluntária. De acordo com o entendimento jurisprudencial supracitado, a restituição voluntária e imediata do bem configura insignificância. Cabe aqui a crítica quanto ao valor do bem que é devolvido mesmo que é imediatamente, uma vez que o valor sentimental não pode ser mensurado tampouco quantificado no âmbito temporal.
Conclusão
Mediante os casos aqui demonstrados podemos concluir que a aplicabilidade do princípio da insignificância não é fixa e necessita de uma exímia análise a despeito da pretensão da parte em exaurir sua responsabilidade fazendo uso da ferramenta deste princípio. Vimos que da mesma forma em que o princípio da bagatela favorece a parte, o mesmo pode desfavorecer, acarretando pesadas sanções a quem pensa que a utilização desse princípio se resume apenas a excluir responsabilidades.
Podemos concluir também que uma das principais características da insignificância, senão a principal, ao nosso entendimento baseando-se na pesquisa bibliográfica de doutrinas e entendimento de tribunais, é a exclusão da tipicidade penal. Sem a tipicidade, como pudemos notar nas figuras ilustres de Capez, Bitencourt e Masson, não há como delegar sanção expressa ao crime e consequentemente ao réu que tenta fazer uso da insignificância em bem próprio.
Em relação aos atos atípicos, podemos concluir sem sombra de dúvidas que eles possuem culpabilidade e antijuridicidade, embora não esteja previsto neles uma sanção da norma incriminadora pelo fato de não haver aqui a possibilidade de incriminação por falta do caráter típico exigível pela norma penal e subsequentes. Portanto, o princípio que tem por característica “Insignificar” as normas penais incriminadoras, acaba tendo como efeito colateral a respectiva incriminação pela reprovabilidade de seu uso, pois como vimos, a análise de casos em que ocorre esse princípio é individual e não fixa como a maioria dos princípios taxativos de nosso ordenamento jurídico.
Referências
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: volume 1, parte geral. Ed. Saraiva, São Paulo, 2012.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: Parte geral. Ed. Saraiva, São Paulo, 2012.
MASSON, Cléber Rogério. Direito Penal esquematizado: Parte geral. Ed. Método, São Paulo, 2011.
[1] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus. HC nº. 114.176. Impetrante: Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Relator: Min. Laurita Vaz. Brasília, DF, 18 de novembro de 2008. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/jurisprudencia/>. Acesso em: 18 mar. 2014.