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Licitação sustentável

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05/07/2014 às 09:28
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3 PRINCÍPIOS APLICÁVEIS ÀS LICITAÇÕES SUSTENTÁVEIS

As licitações estão, porquanto procedimento administrativo, sujeitas aos princípios constitucionais que regem os atos administrativos: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, assim como aos princípios específicos contidos, expressa ou tacitamente na LGL: vantajosidade, economicidade, isonomia, vinculação ao instrumento convocatório e julgamento objetivo.

Entretanto, em função do caráter socioambiental encampado na sustentabilidade das licitações, se faz imperioso a observância dos princípios ambientais contidos na CF, assim definidos por Wagner Antônio Alves (apud BERTOGNA, 2011, p. 85):

Os princípios constitucionais ambientais expressam a natureza política, social e ideológica que deverá estar contida nas decisões dos governantes e da própria sociedade. Estão, nos princípios ambientais constitucionais, o espírito e as finalidades a serem obedecidas por todos, indistintamente.     

3.1 Princípio da obrigatoriedade da intervenção estatal 

O princípio da obrigatoriedade da intervenção estatal está contido no art. 225 da Lei Magna (2012), o qual impõe ao Poder Público o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.

Para Wagner Antônio Alves (apud BERTOGNA, 2011, p. 89)

[...] denota-se, por tal princípio, que o Poder Público, cujo principal objetivo é o bem comum, tem o dever de atuar na defesa do meio ambiente nas suas esferas administrativas, legislativa e judicial. Não se trata, portanto, de faculdade, mas de compulsoriedade e obrigatoriedade para agir. 

Ainda no mesmo dispositivo legal, o § 1º elenca quais as ações a serem tomadas em prol do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, exigindo prestações positivas por parte do Estado e não somente ações repressivas contidas no Poder de Polícia.

Sendo assim, no campo nas contratações públicas, o Estado tem o dever de atuar de forma ativa para a proteção ambiental, uma vez que, pelo vulto de recursos financeiros movimentados pela máquina pública, é possível direcionar as aquisições de materiais e serviços de todo o mercado.

3.2 Princípios da precaução e da prevenção 

O princípio da precaução pode ser conceituado de acordo com o Princípio 15 da Declaração do Rio de Janeiro de 1992 (2012):

Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irresistíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.

A mesma declaração menciona o princípio da prevenção da seguinte forma: “Para atingir o desenvolvimento sustentável e a mais alta qualidade de vida para todos, os Estados devem reduzir e eliminar padrões insustentáveis de produção e consumo e promover políticas demográficas adequadas”.

Entende-se, portanto, que a precaução é utilizada quando não há certeza científica acerca de determinado dano ambiental, permanecendo o dever de evitá-lo. Por outro lado, a prevenção opera para evitar danos que são ou poderiam ser sabidos (GOMES, 2008).

Tais princípios são decorrentes da obrigatoriedade da intervenção estatal, pois, sem ela estes não se justificariam.

Sua aplicação na seara ora estudada pode ser compreendida nas lições de Bertogna (2011, p. 94):

A adoção de tais princípios pelo texto constitucional é expressa em todo o art. 225. Assim é que o inciso IV de seu § 1º exige para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade. No mesmo sentido, o inciso V determina ao Poder Público que não se omita no exame das técnicas e métodos utilizados nas atividades humanas que ensejem risco para a saúde humana e o meio ambiente. O zoneamento ambiental, sucintamente descrito no inciso III, também materializa as medidas de controle e gestão exigidas pelos princípios da precaução e da prevenção na conservação do meio ambiente.

Ambos os princípios, portanto, devem estar contidos nas políticas públicas e nos atos administrativos, inclusive nas licitações.

3.3 Princípio do poluidor pagador

A definição do princípio do poluidor pagador foi dada pela Comunidade Econômica Europeia (apud BERTOGNA, 2011, P. 95), nos seguintes termos:

[...] as pessoas naturais ou jurídicas, sejam regidas pelo direito público ou pelo direito privado, devem pagar os custos das medidas que sejam necessárias para eliminar a contaminação ou para reduzi-la ao limite fixado pelos padrões ou medidas equivalentes que assegurem a qualidade de vida, inclusive os fixados pelo Poder Público competente.

Ensina Sirvinskas (2011):

Que o poluidor deverá arcar com o prejuízo causado ao meio ambiente da forma mais ampla possível. Impera, em nosso sistema, a responsabilidade objetiva, ou seja, basta a comprovação do dano ao meio ambiente, a autoria e o nexo causal, independentemente da existência da culpa.

Verifica-se, assim, que no ordenamento jurídico brasileiro o poluidor, seja pessoa natural ou pessoa jurídica, deve arcar com os custos da reparação do dano causado ou minimizá-lo o quanto possível, independentemente de culpa.

Na atuação estatal, melhor assiste razão a aquisição de bens e contratação de serviços sustentáveis, evitando qualquer tipo de degradação ambiental. Assim, o verdadeiro custo encontra-se na atuação preventiva, consistente no preenchimento da norma de proteção ambiental, de acordo com Bertogna (2011, p. 98).

E ainda para Bertogna (2011, p. 98) “Não se olvide ainda, que, consumado o dano ambiental, sua reparação é sempre incerta ou exige custos excessivamente onerosos, fatores que também têm que ser levados em conta, por parte do Poder Público, na análise da opção mais vantajosa.”

3.4 Princípio do equilíbrio 

Explica Sirvinskas (2011, p. 107) no que consiste o princípio do equilíbrio:

[...] é o princípio pelo qual devem ser pesadas todas as implicações de uma intervenção no meio ambiente, [...] ressaltando os benefícios que essa medida pode trazer de útil ao ser humano sem sobrecarregar sobremaneira o meio ambiente. Em outras palavras, devem ser sopesadas todas as implicações do projeto a ser implantado na localidade, tais como: aspectos ambientais, aspectos econômicos, aspectos sociais etc.

Nesse contexto, infere-se que é imperiosa a observância desse princípio nas licitações sustentáveis, em especial na fase de julgamento, quando o responsável analisará o custo benefício da proposta ofertada, de maneira a equilibrar o preço com o aspecto socioambiental do objeto licitado (bens ou serviços).

3.5 Princípio da solidariedade intergeracional ou equidade 

Este princípio está contido na parte final do caput do art. 225 da CF (2012), no qual se assegura o dever de preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.

Juliana Santini (apud BERTOGNA, 2011, p. 99) assevera que, pela primeira vez, são assegurados direitos a gerações que ainda não existem, e tais direitos restringem e condicionam a utilização e o consumo dos recursos naturais pelas presentes gerações, bem como as políticas a serem adotadas pelo Estado, que deverão considerar sempre a sustentabilidade dos recursos naturais em longo prazo.

Ao aplicar este princípio na licitação sustentável, verifica-se que a melhor proposta será aquela que contém na prestação do serviço ou no bem a ser adquirido critério que assegure a preservação do meio ambiente para as gerações futuras.


 CONCLUSÃO 

Ante todo o exposto neste trabalho, partindo do entendimento doutrinário e também de artigos específicos sobre o tema, é possível concluir que a inclusão da sustentabilidade nas licitações tem o nobre objetivo de garantir a qualidade de vida, preservando o planeta do consumo desmedido de recursos naturais não renováveis. E ainda, as licitações sustentáveis gozam de plena constitucionalidade e amparo de normas infraconstitucionais.

Nesse contexto, infere-se que a utilização de licitações sustentáveis torna-se não somente um ato discricionário do administrador público, mas uma obrigatoriedade frente aos mandamentos constitucionais e uma importante ferramenta de mudança de hábitos da iniciativa privada.

Ademais, a implantação de licitações sustentáveis é um dever do Estado, uma vez que a Constituição Federal impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Quanto ao modo de se efetivar essa importante política pública, verificou-se que o poder executivo federal editou decreto regulamentando que os critérios e práticas de sustentabilidade deverão ser veiculados como especificação do objeto ou como obrigação da contratada, o que se enquadra aos princípios constitucionais e aos princípios específicos das licitações.

Outrossim, em se tratando de meio ambiente, devem ser observados os princípios inerentes ao direito ambiental, concluindo que nesse caso o menor preço nem sempre será a proposta mais vantajosa para a Administração, pois, devem ser consideradas as consequências a longo prazo da contratação, verificando por exemplo, se os materiais utilizados pela contratada estão dentro dos padrões aceitos pelos órgãos reguladores ambientais.

Importante análise recai sobre o princípio da obrigatoriedade da intervenção estatal, uma vez que, como visto, o Estado deve atuar de modo compulsório para defesa do meio ambiente. A Administração Pública, se não é a maior, está entre as maiores contratantes do país, o que a torna, certamente, capaz de viabilizar novas formas de produção e induzir a certas práticas no mercado consumidor. Em outras palavras: cabe à administração pública liderar pelo exemplo.


REFERÊNCIAS

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Sobre o autor
Alexandre Pedra

Agente Estadual de Trânsito. Consultor em Licitações e Contratos. Pregoeiro. Especialista em Direito Administrativo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEDRA, Alexandre. Licitação sustentável. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4021, 5 jul. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28499. Acesso em: 19 abr. 2024.

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