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Súmula de jurisprudência uniforme do Tribunal Superior do Trabalho não é fonte formal de direito

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17/05/2014 às 14:45
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Embora seja indiscutível a importância do papel da jurisprudência no Direito, seja no estudo de sua teoria, seja em sua aplicação prática, ela não pode ser classificada como fonte formal do direito do trabalho.

Resumo: O presente ensaio analisa a inviabilidade de se considerar a súmula de jurisprudência uniforme do Tribunal Superior do Trabalho como fonte formal de direito do trabalho.

Palavras-chave: Fonte formal. Direito do Trabalho. Súmula. Jurisprudência. Tribunal Superior do Trabalho.


1. INTRODUÇÃO

A cada ano que passa, o Judiciário Trabalhista fica cada vez mais abarrotado de processos a serem julgados. É visível o aumento no número de demandas, em especial após o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, que ampliou as competências da Justiça do Trabalho. Os operadores do Direito e os cidadãos reclamam da morosidade na tramitação dos processos, ao mesmo tempo em que exigem uma prestação jurisdicional perfeita.

Ao Poder Judiciário cumpre a árdua missão de “fazer justiça”. Todavia, aguardar por uma solução judicial pode gerar a injustiça da longa espera pela concretização de um direito.

Nesse contexto, a jurisprudência e sua uniformização sumulada são ferramentas que facilitam a interpretação do direito, o que, de fato, torna mais célere a prestação jurisdicional.

Por outro lado, o Judiciário Trabalhista não pode legislar através de suas súmulas de jurisprudência uniforme.

Assim, o presente ensaio pretende demonstrar que a súmula de jurisprudência uniforme do Tribunal Superior do Trabalho não é fonte formal.

Para tanto, serão verificados os principais aspectos atinentes às fontes formais do Direito do Trabalho, com ênfase na jurisprudência e nas súmulas do Tribunal Superior do Trabalho.

Sedimentada a base em que se desenvolverá o tema proposto, na parte final deste estudo o grande foco de atenção será direcionado ao caso da súmula nº 228 do TST, cuja redação foi alterada em 2008, causando polêmica na época entre trabalhadores e empregadores, que como cidadãos leigos, restaram totalmente confusos, porque a impressão que tinham é que uma nova lei estava entrando em vigor, muito embora não tenham ouvido falar de projeto de lei sobre a nova base de cálculo do adicional de insalubridade.


2. ASPECTOS GERAIS SOBRE FONTES FORMAIS DO DIREITO DO TRABALHO

A expressão “fonte” é proveniente da utilização de uma figura de linguagem, a metáfora, e significa “origem”, “causa”, “de onde é proveniente”.

As fontes do direito do trabalho podem ser divididas em materiais ou formais.

As fontes materiais, também denominadas como reais ou primárias, são os fatos que determinam o surgimento e o conteúdo das normas, ou seja, são decorrentes do confronto de interesses e valores sociais.

As fontes materiais são definidas por Sérgio Pinto Martins como:

O complexo de fatores que ocasionam o surgimento de normas, envolvendo fatos e valores. São analisados fatores sociais, psicológicos, econômicos, históricos, etc., ou seja, os fatores reais que irão influenciar na criação da norma jurídica, valores que o Direito procura realizar.1

José Martins Catharino cita em uma de suas obras como exemplos de fonte material a liberdade do trabalho, a intervenção do Estado e a Primeira Revolução Industrial.2

As fontes formais consistem nos mecanismos de a norma ingressar e se expressar na ordem jurídica, podendo se vislumbrar sua positividade.

O Mestre Mozart Victor Russomano conceituou fontes formais como “os modos de revelação do Direito, se preferirmos, as roupagens ou formas de que o direito se reveste para se impor, coercitivamente, à vida social”.3

As fontes formais do direito do trabalho são divididas em heterônomas e autônomas.

As fontes formais heterônomas são as normas provenientes de fora da vontade das partes destinatárias, como, por exemplo, a Constituição Federal, a lei, a sentença normativa e o regulamento de empresa unilateral.

Já as fontes formais autônomas são as normas formuladas pelas próprias partes interessadas, sendo exemplos a convenção coletiva, o contrato de trabalho, o regulamento de empresa bilateral e o costume.

Sobreleva citar o ensinamento de Carmen Camino,4 que entende que as fontes formais podem ser comuns ou específicas, sendo que as primeiras são as aplicáveis a todos os ramos do Direito, como a Constituição, a lei em sentido amplo e o costume. As fontes formais específicas seriam as invocáveis somente no direito do trabalho, como a sentença normativa, o contrato coletivo de trabalho, o acordo coletivo de trabalho, o contrato individual de trabalho e o regulamento da empresa.

Consoante o parágrafo único do art. 8° da CLT, o direito comum será fonte formal subsidiária do Direito do Trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios trabalhistas.

Já o caput do art. 8° da CLT tem a seguinte redação:

Art. 8 As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito de trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direto comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

Antonio Lamarca em seus estudos sobre interpretação do Direito do Trabalho refere que: “o art. 8°, caput, da CLT estatui diretivas de interpretação, não fontes formais do direito do trabalho”.5

Não existe consenso na doutrina de que a jurisprudência, a analogia, a equidade e os princípios gerais de direito possam ser considerados como fontes de direito em sentido estrito.6

Parece mais acertada a doutrina que entende que a analogia, a equidade e os princípios gerais de direito não podem ser considerados fontes, mas apenas métodos de integração na norma jurídica.7

De acordo com o entendimento de João da Gama Cerqueira a lei é a fonte principal do direito, e o costume é a fonte subsidiária, a qual se recorre quando a lei é omissa, sendo que se ainda assim a omissão persistir, o intérprete deveria buscar normas (legais ou consuetudinárias) referentes a casos análogos.8

Tal lição de Gama Cerqueira esclarece o que é analogia, e não deixa dúvidas de que não se trata de uma fonte de direito, mas de um modo de aplicar a lei.

Aluysio Sampaio, em seu clássico “Dicionário de Direito do Trabalho” define com propriedade a palavra equidade: “É a interpretação mais branda e favorável da norma jurídica, despindo-a do seu rigor, fundamentada no sentimento do dever e da consciência e inspirada na disposição de reconhecer igualmente o direito de cada um”.9

Ainda, os princípios gerais de direito diferem da analogia porque quando utilizados não resultam na aplicação de uma norma positivada, mas, sim, na utilização de preceitos jurídicos abstratos.

Para Catharino, a equidade também é princípio geral de direito, identificando como o preceito mais geral de todos.10

No que tange à jurisprudência, como será analisado de forma mais aprofundada adiante, a mesma não pode ser considerada como fonte formal, pois é meramente indicativa da tendência decisória dos Tribunais.

Tendo em vista todo o acima analisado, é interessante citar o que Antonio Lamarca lecionou sobre o assunto em comento:

A doutrina, a jurisprudência, o direito comparado e a analogia não são fontes do Direito. Falecem-lhes, respectivamente, quanto à doutrina e a jurisprudência, obrigatoriedade e generalidade. O Direito Comparado pode auxiliar na interpretação de normas que tenham alcançado dimensão internacional.11

Quanto à inclusão do uso e do costume como fonte, entendeu José Martins Catharino que se “exige uma tomada de posição quanto à sua positividade”.12 Para Catharino (1981, p. 89), o direito de legislar pertence ao povo, sendo que o costume seria tão somente uma forma direta e tácita de fazê-lo; a força obrigatória dos usos e costumes seria atribuição da lei escrita.

O costume poderia ser conceituado como a “prática reiterada e uniforme de atos idênticos ou muito semelhantes” somado ao “dever que se entende de ter de obedecer aos costumes”. Pode ser avaliado o grau de positividade através da divisão dos costumes em três espécies: secundum legem, praeter legem e contra legem. Em sistemas de direito escrito, como o nosso, somente o costume secundum legem é normativo.13

Para Bezerra Leite,14 o costume somente passa a ser considerado como fonte normativa quando judicializado, quer dizer quando a ordem jurídica prevê autorização para o Juiz aplicar o costume, o que é denominado costume sucundum legem, como está previsto no art. 128 do CPC.15

Nesse contexto, dentro da melhor técnica jurídica, podem ser apontados como fontes formais do direito do trabalho:

- Constituição e emendas constitucionais;

- Lei;

- Regulamento;

- Portaria;

- Sentença normativa;

- Convenção coletiva de trabalho;

- Acordo coletivo de trabalho;

- Contrato individual de trabalho;

- Regulamento de empresa;

- Costume.


3. DA JURISPRUDÊNCIA

Como já referido anteriormente, sempre foi muito discutido na doutrina se a jurisprudência consiste ou não em fonte formal do direito do trabalho.

Renomados juristas, como Sérgio Pinto Martins, Evaristo de Moraes Filho, Antonio Carlos Flores de Moraes, João da Gama Cerqueira, Antonio Lamarca, e outros, comungam do entendimento de que a jurisprudência não é fonte formal de direito do trabalho.

É inegável a função importantíssima da jurisprudência, no tocante a aplicação e interpretação da lei, mas não podemos confundi-la com fonte formal de direito.

A jurisprudência, conforme Emílio Gonçalves, pode ser denominada de forma geral como o “conjunto dos pronunciamentos dos Tribunais sobre as lides e questões submetidas à sua autoridade”, e de forma mais restrita como “decisões constantes, reiteradas e uniformes sobre determinado ponto de Direito”.16

Para José Martins Catharino, “a jurisprudência pode ser entendida amplamente e particularmente, mas, de qualquer maneira, decisões isoladas não a constituem, e sim as que se repetem, sem variação substancial, sobre determinadas questões”.17

Gama Cerqueira, por exemplo, de forma muito simples e lógica esclarece que “a jurisprudência constitui importante fonte de interpretação das normas jurídicas”.18

O caput do art. 8º da Consolidação das Leis do Trabalho prevê diretrizes de interpretação, dentre elas a jurisprudência, que não podem ser confundidas com fontes formais. Uma leitura atenta do caput do artigo 8º consolidado demonstra a sábia previsão legal de que não apenas na falta de lei, mas se também inexistirem disposições contratuais, as autoridades administrativas e o Julgador tomarão a decisão se valendo dos critérios ali insertos (jurisprudência, analogia, equidade, princípios gerais de direitos, usos e costumes e direito comparado), que não são fontes de direito subsidiárias, mas, sim, métodos de interpretação do caso concreto para integração do ordenamento jurídico. Aliás, não é sem razão que está localizado em parágrafo único do art. 8º da Consolidação a previsão do direito comum como fonte subsidiária.

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Gama Cerqueira ao discorrer sobre fontes do direito do trabalho demonstrou o entendimento equivocado de Cesarino Júnior que considerava que o caput do artigo 8º da CLT estatuía as fontes do Direito do Trabalho.19

Consoante bem destacado por Gama Cerqueira, Cesarino Júnior, na segunda edição de sua obra intitulada “Direito Social Brasileiro”, de 1943, indicou como fontes do direito do trabalho a lei, os princípios gerais de direito social e a equidade, ressalvando que esta última não era propriamente uma fonte de direito, mas um meio de resolver as questões. Cesarino Júnior também entendia que os usos e costumes poderiam ser acrescentados em tal rol.

Posteriormente, na ocasião da quarta edição da referida obra, Cesarino Júnior, baseado no artigo 8º da Consolidação das Leis do Trabalho, alterou sua classificação de fontes do direito do trabalho, considerando as seguintes: a lei (Constituição, leis trabalhistas, leis civis, comerciais e outras contendo normas trabalhistas), os princípios gerais de direito do trabalho, o direito comparado, a equidade, e, ainda, na falta de dispositivo legal pertinente, os usos e costumes do local.

Nessa senda, se faz necessário ressaltar a observação de João da Gama Cerqueira, que explica que se fosse seguir o artigo 8º da Consolidação, teriam que ser incluídas no elenco das fontes o contrato, a jurisprudência e a analogia, que restaram omitidos por Cesarino Júnior.20

Ainda, nesse passo, sobreleva citar a observação crítica de Gama Cerqueira sobre a classificação das fontes formais do Direito do Trabalho de Cesarino Júnior, senão vejamos:

O art. 8º da Consolidação das leis do Trabalho, em que se funda o autor, ao contrário do seu parágrafo único, não cogita das fontes do direito do trabalho. O dispositivo, sem dúvida, envolve a questão das fontes do direito, como a dos métodos de interpretação; não visa, porém,  estabelecer o sistema das fontes do direito do trabalho. O que faz, na previsão de lacunas ou omissões da lei, fonte imediata do direito, é prescrever a orientação que, nesses casos, devem seguir as autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, para integrar o ordenamento jurídico. É de diretrizes e não de fontes que ali se trata.21

Já na obra “Direito Social”, editada em 1980, Cesarino Júnior indica como fontes: a lei, os princípios gerais do direito do trabalho, o direito comparado e os usos e costumes.22

As observações acima aduzidas reforçam o entendimento de que a jurisprudência não pode ser classificada como fonte formal de direito. Como conclui com precisão Gama Cerqueira, a jurisprudência é fonte, mas de interpretação jurídica, e não fonte de direito.

Inclusive, muitos juristas quando fazem referência à jurisprudência, a denominam como fonte indireta (ou mediata), ou seja, que não gera regra jurídica. Carlos Henrique Bezerra Leite, por exemplo, identifica a jurisprudência como fonte formal indireta (junto com a doutrina) do direito processual trabalhista, mas deixa bem claro que o papel da jurisprudência é atinente a interpretação das normas processuais.23

A jurisprudência é despida do caráter de obrigatoriedade de aplicação e observância, sendo apenas um elemento orientador do entendimento dos tribunais acerca da interpretação e aplicação da lei, carecendo, também de caráter vinculativo.

Contudo, tendo em vista o disposto na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 102, parágrafo segundo, cumpre sinalar que decisões definitivas do Supremo Tribunal Federal, proferidas em ações diretas de inconstitucionalidade e em ações declaratórias de constitucionalidade produzem eficácia erga omnes e são dotadas de efeito vinculante em relação aos demais órgãos integrantes do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nos âmbitos federal, estadual e municipal.

3.1 Súmula de jurisprudência uniforme do Tribunal Superior do Trabalho

Súmula de jurisprudência, nas palavras de Amador Paes de Almeida, “é a síntese, o resumo das decisões dos Tribunais Superiores” e finaliza “uniformizar a jurisprudência, traçando orientação precisa e segura nas questões mais controvertidas.”24

A súmula de jurisprudência uniforme adentrou no ordenamento jurídico pátrio pelo Supremo Tribunal Federal, graças à iniciativa do Ministro Nunes Leal, em 13 de dezembro de 1963. O Tribunal Superior do Trabalho adotou a súmula em 21 de agosto de 1969, através da resolução Administrativa 28/69.

Nesse contexto, a uniformização da jurisprudência através de súmula está prevista no artigo 479 de nosso Código de Processo Civil: “o julgamento, tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram o tribunal, será objeto de súmula e constituirá precedente na uniformização da jurisprudência”.

Até 1982 o Tribunal Superior do Trabalho expedia prejulgados, que estavam previstos no art. 902 da Consolidação das Leis do Trabalho, dispositivo este revogado com o advento da Lei 7.033/82.

Os prejulgados consistiam em decisões que refletiam a jurisprudência dominante do Tribunal Superior do Trabalho com força obrigatória sobre magistrados e tribunais, que não podiam emitir decisões que não estivessem alinhadas com as diretrizes fixadas no prejulgado.25

De acordo com Valentin Carrion, a previsão do art. 902 consolidado referente ao prejulgado já tinha sido revogada tacitamente com o advento da Constituição Federal de 1946.26 Curiosamente, somente em 1963 o Tribunal Superior do Trabalho emitiu seu primeiro prejulgado.

Na época em que os prejulgados vinham sendo expedidos pelo Tribunal Superior do Trabalho, boa parte da doutrina posicionava-se contrária a sua aplicação. José Marthins Catharino, por exemplo, ressaltava que o prejulgado vinha sendo considerado pela doutrina como inconstitucional já há muito tempo.27

Com a revogação do artigo 902 consolidado, os prejulgados foram transformados em súmulas. A partir daí, juízes e tribunais não estavam mais submetidos aos prejulgados, podendo, assim, decidir em desacordo com as súmulas, que servem apenas como elemento orientador.

Emílio Gonçalves destaca que as súmulas de jurisprudência uniforme do Tribunal Superior do Trabalho são dotadas de indiscutível importância, por agilizarem o julgamento dos feitos e facilitarem o conhecimento da jurisprudência dominante naquela Corte Superior.28

A súmula de jurisprudência uniforme do Tribunal Superior do Trabalho é caracterizada pela ausência de eficácia vinculativa, ou seja, diferente dos antigos prejulgados, posto que os juízes de instâncias inferiores não se vinculam às súmulas.

Esclarecedora é a lição de Catharino, que esclarece que as súmulas não servem como exemplos de criação normativa por tribunal, e que são dotadas de finalidade prática, que servem como um “antídoto” à excessiva variação na aplicação do Direito e da constante movimentação dos juízes nos tribunais.29

Assim, súmula da jurisprudência uniforme do Tribunal Superior do Trabalho não pode ser utilizada como fonte formal do direito do trabalho, tendo em vista fundamentalmente nossos princípios constitucionais, a saber:

a) Princípio Democrático: está previsto no artigo 1º da Constituição, que reza que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representante eleitos ou diretamente.

b) Princípio da Legalidade: nossa Carta Magna o enuncia no inciso II de seu artigo 5º como preceito basilar do Estado Democrático de Direito, e a essência de seu conceito, conforme a doutrina de José Afonso da Silva, é “subordinar-se à Constituição e fundar-se na legalidade democrática”.30

c) Princípio da divisão dos Poderes: que consiste na tripartição dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, conforme o artigo 2º da Lei Maior.

Ainda, o sistema jurídico utilizado em nosso país, Civil Law, consolida a lei como fonte basilar do direito, sendo que a jurisprudência, no máximo, pode ser considerada uma fonte indireta ou mediata do direito, ou seja, serve de apoio para a interpretação da lei, como uma verdadeira ferramenta, que agiliza a prestação jurisdicional e evita a interposição de recursos inúteis.

Ou seja, a súmula não tem caráter normativo, o que resta confirmado pelas palavras de Wagner Giglio e Claudia Giglio Côrrea:

As súmulas são, hoje, imprescindíveis para a simplificação do procedimento recursal, e o Direito Processual do Trabalho delas não poderia abrir mão. A perspectiva é de que aumentem em número, ampliem sua função e restrinjam, ainda mais, o acesso ao Tribunal Superior do Trabalho.31

No mesmo sentido, é relevante citar a opinião de Sergio Pinto Martins:

A doutrina e a jurisprudência também exercem importante papel, ao analisar as disposições processuais trabalhistas, mas a verdadeira fonte é a legislação. A jurisprudência não pode ser considerada como fonte do direito. Ela não se configura como regra obrigatória, mas apenas o caminho predominante em que os tribunais entendem de aplicar a lei, suprimindo, inclusive, eventuais lacunas desta última.32

Assim, não é possível que o Poder Judiciário legisle através de edição de súmula de jurisprudência uniforme, como ocorreu em 2008 no Tribunal Superior do Trabalho, que em sessão do Tribunal Pleno conferiu nova redação à Súmula nº 228, que passou a ter a seguinte redação:

ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. BASE DE CALCULO. A partir de 9 de maio de 2008, data da publicação da Súmula Vinculante nº 4 do Supremo Tribunal Federal, o adicional de insalubridade será calculado sobre o salário básico, salvo critério mais vantajoso fixado em instrumento coletivo.

Como pode ser observado na redação da súmula acima transcrita, o Tribunal Superior do Trabalho pretendeu convencer que para o fim de se atender o entendimento do Supremo Tribunal Federal, cristalizado em sua súmula vinculante nº 4, de que o salário mínimo não pode ser utilizado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, mudou a redação da súmula nº 228 e definiu uma nova base de cálculo para o adicional de insalubridade, como se fosse um legislador.

Contudo, a leitura completa da súmula vinculante nº 4 não deixa dúvidas que o Supremo Tribunal Federal não autorizou que os juízes e os Tribunais estabeleçam qual a base de cálculo do adicional insalutífero: “Salvo os casos previstos na Constituição Federal, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial”.

Nessa senda, inclusive, a Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho, em julgamento ocorrido exatamente um mês antes da publicação no Diário da Justiça da equivocada redação da súmula nº 228, deixou bastante claro no acórdão referente ao julgamento de um recurso de revista que:

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, fundando-se no disposto no art. 27 da Lei nº 9.868/99 e na doutrina constitucional alemã, permite que ao ser declarada a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, por razões de segurança jurídica, estabeleça-se a restrição de sua eficácia para momento outro protraído no tempo (ADI 2.240/BA, Relator o eminente Ministro Gilmar Mendes, DJ de 03/8/2007).

2. Ante a superveniência da edição da Súmula Vinculante nº 4 do STF, a vedar a utilização do salário mínimo como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, e impedir que o Poder Judiciário proceda a sua substituição, tem-se que o disposto no artigo 192 da CLT, não obstante em dissonância com o referido verbete sumular, tenha seus efeitos mantidos até que seja editada norma legal dispondo em outro sentido ou até que as categorias interessadas se componham em negociação coletiva.33

A parte final da súmula vinculante nº 4 do Supremo Tribunal Federal e o entendimento da Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho demonstram que súmula de jurisprudência uniforme não é fonte formal do direito do trabalho.

Nesse contexto, após a publicação de sua Súmula Vinculante nº 4, o Supremo Tribunal Federal, através de seu Boletim Informativo, na edição publicada em 19 de junho de 2008, consignou o seguinte:

Adicional de Insalubridade e Vinculação ao Salário Mínimo - 2

Em que pese o reconhecimento da não-recepção dos dispositivos legais, o Tribunal negou provimento ao recurso extraordinário, mantendo o acórdão que autorizava a utilização do salário mínimo no caso concreto, asseverando que a alteração da base de cálculo do adicional de insalubridade e do correspondente critério de reajuste dependerá de lei de iniciativa do Poder Executivo, e que não cabe ao Poder Judiciário atuar como legislador positivo, para substituir os critérios legais de cálculo. A relatora, Min. Cármen Lúcia, durante a sessão e após os debates, reajustou seu voto, que inicialmente previa a conversão em reais do valor do salário mínimo e a sua atualização por índices oficiais, para assentar a impossibilidade da substituição do parâmetro até que o legislador o faça. Alguns precedentes citados: RE 217700/GO (DJU de 17.12.99); RE 236396/MG (DJU de 20.11.98); RE 351611/RS (DJU de 7.2.2003); RE 284627/SP (DJU de 24.5.2002); RE 221234/PR (DJU de 5.5.2000); AI 432622 ED/BA (DJU de 15.9.2006); RE 439035/ES (DJE de 28.3.2008). [grifei] 34

Ou seja, a Suprema Corte Brasileira entende que não cabe ao Judiciário legislar e que o parâmetro de cálculo do adicional de insalubridade deverá continuar a ser o mesmo, até que o legislador faça norma pertinente.

Cumpre destacar que Confederação Nacional da Indústria ajuizou reclamação (nº 6.266-MC/DF) perante o STF, com pedido de liminar, em face da decisão proferida pelo Plenário do Tribunal Superior do Trabalho que editou a Resolução n° 148/2008 e que deu nova redação para sua súmula nº 228. A liminar foi deferida pelo Ministro Gilmar Mendes do Supremo Tribunal Federal, suspendendo a aplicação da Súmula n° 228/TST na parte em que permite a utilização do salário básico para calcular o adicional de insalubridade.

A decisão em comento pautou-se na decisão do Recurso Extraordinário nº 565.714/SP e n entendimento constante na Súmula Vinculante n° 4, onde a Suprema Corte entendeu que não é possível a substituição do salário mínimo, seja como base de cálculo, seja como indexador, antes da edição de lei ou celebração de convenção coletiva que regule o adicional de insalubridade.

Súmula nº 228 do TST

ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. BASE DE CÁLCULO (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno em 26.06.2008) - Res. 148/2008, DJ 04 e 07.07.2008 - Republicada DJ 08, 09 e 10.07.2008

Suspensa a aplicação na parte em que permite a utilização do salário básico, em decorrência de liminar concedida no processo Rcl. 6.266-MC/DF.

A partir de 9 de maio de 2008, data da publicação da Súmula Vinculante nº 4 do Supremo Tribunal Federal, o adicional de insalubridade será calculado sobre o salário básico, salvo critério mais vantajoso fixado em instrumento coletivo.

Histórico:

Nova redação - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003

Nº 228 Adicional de insalubridade. Base de cálculo

O percentual do adicional de insalubridade incide sobre o salário mínimo de que cogita o art. 76 da CLT, salvo as hipóteses previstas na Súmula nº 17.

Redação original - Res. 14/1985, DJ 19.09.1985 e 24, 25 e 26.09.1985

Nº 228 Adicional de Insalubridade. Base de cálculo

O percentual do adicional de insalubridade incide sobre o salário-mínimo de que cogita o art. 76 da Consolidação das Leis do Trabalho.

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Sobre a autora
Ellen Lindemann Wother

Advogada trabalhista. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – São Leopoldo/RS. Pós-graduada lato sensu (especialista) em Direito do Trabalho pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – São Leopoldo/RS. Editora do blog jurídico Direito do Trabalho em Ação

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

WOTHER, Ellen Lindemann. Súmula de jurisprudência uniforme do Tribunal Superior do Trabalho não é fonte formal de direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3972, 17 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28517. Acesso em: 26 abr. 2024.

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