Falências e recuperação de empresas

18/05/2014 às 22:53
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O presente artigo visa tratar de aspectos gerais da Falência e Recuperação de Empresas

Falências e Recuperação de Empresas

    Historicamente tínhamos a lei 7661/45, que era a chamada Lei de Falências e Concordata. Hoje temos a lei 11.101/05.A primeira lei foi revogada pela segunda. Sempre houve surgimento de dúvidas em razão do dinamismo do mercado empresarial. Dificilmente se chega a uma pacificação.

    A falência, entre os anos de 1500 a 1800, era tido como um crime. O empresário que viesse a falir tinha que sumir daquele local. Passou-se a um outro patamar, quando a falência passou a ser um risco que o empresário corre ao exercer essa atividade. A lei de 45 se insere nesse segundo patamar. Aqui a prioridade é pagar os credores.    

    Pela lei de 2005 aplica-se a regra da maçã podre, ou seja, quando uma empresa alcança a falência, ela deve ser retirada do mercado por decreto judicial, pois se ali continuar muito provavelmente causará problemas a terceiros e ao próprio mercado. A atividade empresarial é menos importante para o credor e mais importante para o país e sua economia. Pagar os credores não é mais prioridade. Tem-se como prioridade a manutenção da atividade, da riqueza e da paz social. Se a sociedade empresaria está em crise, deve-se analisar se a crise é superável ou não, indo para a recuperação ou para a falência, dependendo da análise. Mantendo a atividade empresarial, mantem-se empregos e gera-se riquezas para o país e para o cumprimento das obrigações perante os credores.

    Em 1929 houve a crise da Bolsa de NY. As empresas americanas estavam falindo. Para se encontrar uma solução, surgiu o Chapter 11. Este capítulo 11, alterado em 1934, teve como objetivo tratar a crise sob o aspecto de dar oportunidade às sociedades para que se recuperassem. Instalou-se, portanto, o capítulo 11 do código comercial americano, havendo a chance de recuperar a empresa quando a crise analisada por superável.

    Hoje a Lei 11.101/05 também traz essa possibilidade.

    Falência não é mais considerada crime, no entanto, há probabilidade de prática de crime falimentar, pois o empresário em crise sempre tenta “salvar” bens. Isso significa desviar os bens para que não seja arrecadado pela falência, e isso é crime (Capítulo VIII da Lei).

    A Lei traz três grandes institutos de natureza civil: falência, recuperação judicial e a recuperação extrajudicial. Além disso, temos o capítulo destinado ao aspecto criminal.

    Essa legislação é complexa, pois quando se tem uma execução individual, ocorre a discussão entre duas pessoas físicas em razão de um negócio comum. A falência é execução coletiva, pois eu empresário ou pessoa física (credor) entro na falência junto com  outros credores. Haverá a arrecadação de todos os bens (massa falida). Após a venda desses bens, tem-se a massa falida objetiva (todos os bens transformados em dinheiro) e, por meio desta, paga-se a massa falida subjetiva (quadro geral de credores). 

    A diferença entre a execução individual e a coletiva é que na primeira atinge-se um ou alguns bens do devedor, enquanto na falência atinge-se todos os bens do devedor.

    A sociedade empresária vai para a falência quando entra numa situação de crise econômico financeira insuperável. Dessa forma, tira-se do mercado a empresa que, a partir de dado momento, prejudicará seus próprios empregados e o mercado.

    A falência começa e termina em juízo. Além da arrecadação dos bens, junção dos credores, resolução dos contratos, pagamento dos credores, deve-se analisar o aspecto criminal. Por se tratar se um processo complexo, vários autores simbolizam o processo falimentar na forma dos chamados três rios. Essa ideia é a de que tem-se um rio principal (pedido – citação – defesa - decretação da falência – arrecadação dos bens – avaliação - venda). Esse rio principal tem por objetivo a massa falida objetiva. Os credores são localizados no rio das habilitações (decretada a falência chamam-se os credores para habilitar-se à falência – para cada habilitação forma-se um “mini processo” para que se avalie o direito do credor). O rio das habilitações tem por fim a massa falida subjetiva (QGC). Por fim, tem-se o rio penal. Neste rio, o juiz manda cópia para instauração de inquérito pelo MP. Havendo crime, teremos também um processo criminal. 

Falência (Lei 11.101/05)

Existem 3 “rios processuais”: o das habilitações, o “rio penal” (inquérito e processo crime) e o principal. Todos os rios processuais caminham ao mesmo tempo, mesmo sendo independentes, um interfere no outro. 

O rio principal começa na petição inicial. É o capítulo 5 da Lei de Falências. Olhar GRÁFICO DO PROCESSAMENTO DA FALÊNCIA COM HABILITAÇÕES E PARTE CRIMINAL.

Aplica-se subsidiariamente a essa lei o CPC e o CPP. 

Art. 94 da Lei 11.101/05 – O juiz analisa se a petição inicial está em termos, caso contrário, dará o prazo de 10 dias para regularizar a inicial (juízo de admissibilidade ou prelibação). Estando em termos a petição inicial, observa-se o artigo 98 da Lei 11.101/05 e tem-se a citação do devedor e apresentação de defesa (prazo de 10 dias para a contestação). O devedor pode apresentar a defesa, caso o juiz julgue improcedente o pedido inicial o processo de falência acaba aqui, caso contrário haverá instrução e o juiz irá decretar a falência.

Antes havia, por exemplo, Rodrigues e Pereira Ltda., após a decretação da falência haverá a massa falida administrada pelo administrador judicial. Massa falida objetiva -> são os objetos/bens que são arrecadados e que serão posteriormente transformados em dinheiro e destinam-se a pagar a massa falida subjetiva, que é o quadro geral de credores. 

Do artigo 94 até o artigo 99 da Lei 11.101/05 fala-se em processo pré-falimentar, processo que caminha em juízo até decretar a falência.

Art.99, IV – o juiz abre o prazo para as habilitações. Precisa-se saber quem são os credores e para isso há o processo de habilitações.  Finalidade da habilitação: fazer o quadro geral dos credores (são todos os credores, seguido do valor e da ordem a ser seguida para receber).

Todos os credores apresentam as habilitações e após abre-se o prazo para as impugnações pelos outros credores, MP e falido. 

O administrador judicial, então, estando tudo certo com as habilitações e não havendo impugnações, aplica o artigo 83 da LF sobre a lista de habilitação, formando-se o quadro geral de credores. Na prática, contudo, sempre haverá impugnações (pelo MP, falido e outros credores). Para cada impugnação formam-se autos (“um processinho”), além de serem formados pra a habilitação retardatária (para aqueles que não se habilitaram no prazo).

A habilitação retardatária e a impugnação tem o mesmo procedimento. Depois são julgados pelo juiz, conforme o artigo 18 da LF, podendo ser apresentados recursos de Agravo de Instrumento contra tal decisão. Assim, é juntada a decisão do juiz nos autos principais, formando-se o quadro geral de credores. 

Entram no quadro geral de credores os créditos habilitados impugnados e julgados, os créditos retardatários e julgados, e todos os créditos que não sofreram impugnações.

Após a fase de habilitação, poderão ocorrer alguns incidentes, tais como de avaliação, arrecadação, restituição. 

Quando o juiz decreta a falência ele manda lacrar a empresa falida, com a arrecadação de todos os bens da sociedade. Depois procede-se a venda dos bens judicialmente, para transformar em dinheiro. Segundo o artigo 142, par. 1º, o juiz avisa que vai vender judicialmente os bens para transformar em dinheiro.

Depois de transformados os bens em dinheiro, e já formado o quadro geral de credores, haverá o pagamento dos credores, pagando-se o que for possível (arts. 149 a 153 LF), na ordem estabelecida pelo art. 83 LF. Após far-se-á a prestação de contas nos autos pelo administrador judicial (art. 154 LF). Depois, o administrador judicial irá elaborar um relatório final, com o intuito de colocar nos autos um roteiro de tudo que aconteceu, já que foi ele quem acompanhou o processo desde o início (art.155 LF).

Depois, haverá sentença de encerramento (art. 156 LF), que será publicada por edital e desafia Recurso de Apelação. “Observadas que foram as formalidades legais, encerro o processo de falência, ficando o devedor responsável pelo débito”.

Após, haverá a sentença de extinção das obrigações, conforme artigo 159 da LF. Após o trânsito em julgado, encerra-se definitivamente a falência.

O juiz encerra a falência por sentença (art. 156 LF), permanecendo o credor pela responsabilidade de seus débitos. Essa sentença não encerra de fato a falência e não tem carga decisória. Ela serve como marco inicial para 5 caminhos, que estão no art. 158 da LF.

Art. 158. Extingue as obrigações do falido:

Caminho 1:        I – o pagamento de todos os créditos;

Caminho 2:        II – o pagamento, depois de realizado todo o ativo, de mais de 50% (cinqüenta por cento) dos créditos quirografários, sendo facultado ao falido o depósito da quantia necessária para atingir essa porcentagem se para tanto não bastou a integral liquidação do ativo;

Os caminhos 1 e 2 são soluções econômicas, pois envolvem dinheiro.

Caminho 3:        III – o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contado do encerramento da falência, se o falido não tiver sido condenado por prática de crime previsto nesta Lei;

O caminho 3 é uma solução que não envolve dinheiro. É uma solução jurídica.

Caminho 4:        IV – o decurso do prazo de 10 (dez) anos, contado do encerramento da falência, se o falido tiver sido condenado por prática de crime previsto nesta Lei.

Caminho 5:        Art. 160. Verificada a prescrição ou extintas as obrigações nos termos desta Lei, o sócio de responsabilidade ilimitada também poderá requerer que seja declarada por sentença a extinção de suas obrigações na falência. 

O artigo 159 da LF fala da sentença que extingue as obrigações do falido.  O que extingue as obrigações é a prolação da sentença de extinção das obrigações e o trânsito em julgado desta sentença, a sentença de encerramento não extingue. 

Exemplo: Transitada em julgado a sentença de extinção das obrigações em 15/10/2013 e um “credor” o procura em 07/01/2014 dizendo que teve conhecimento de uma propriedade do devedor maculada de fraude. Pode o advogado propor algo? Não, não cabe nenhuma medida jurídica, pois a sentença de extinção, extingue todas as obrigações, de modo que não há mais credores, não havendo interesse jurídico para entrar com ação.

O momento para se entrar com a revocatória é entre a sentença de encerramento e a de extinção. 

Quando o juiz decreta a falência, conforme art. 99 da LF, ele manda cópias do processo ao MP, que se for o caso, proporá denúncia por crime falimentar. Se o MP não tiver condições de apresentar denúncia por crime falimentar, irá instaurar o inquérito; instaurado o inquérito e o MP char a conclusão de que não há crime, o MP irá pedir o arquivamento dos autos do inquérito (“arquive-se, apensando-se”). Os autos do inquérito serão apensados aos autos principais.

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Se ao contrário, o MP entender que há crime, oferecerá a denúncia, no momento que o juiz receber a denúncia (art. 185) passa a existir ação penal e o juiz remete os autos ao juiz criminal da circunscrição. 

Art. 183 LF – compete ao juiz criminal da jurisdição em que houver sido decretada a falência conhecer a ação penal.

No Estado de SP quem julga crime falimentar é o próprio juiz da falência, não remete os autos ao juiz criminal (conforme o Código Judiciário do Estado).

RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Contexto Histórico

O primeiro patamar do pensamento sobre a falência é o faliti sunt fraudatores. Assim, tinha-se a visão de que a falência decorria sempre de má administração ou de fraude.

Posteriormente, surge um segundo patamar do pensamento sobre a falência, segundo o qual a tem-se a visão de que o risco é inerente à atividade empresarial, de modo que a falência nem sempre decorre de má-administração ou fraude, podendo decorrer de situações que não podem ser previstas pelo empresário. Por isso, acredita-se que a partir do momento que é decretada a falência, a empresa falida deixa de contaminar o meio empresarial. Nesse contexto, surge o Decreto-Lei 7661, de 21.06.1945, que trazia o ideal de que se a sociedade empresária estiver em crise deve-se decretar a falência o mais rápido possível, a fim de arrecadar bens e conseguir dinheiro para pagamento dos credores. Assim, a filosofia era de incentivar a confiança na atividade empresarial, que embora apresente risco, é muito importante para o país. Logo, a prioridade era defender o interesse dos credores.

A partir do crack da bolsa de NY em 1929, surge um novo patamar de pensamento em relação à falência. A crise era tão grande que chegou-se a acreditar que chegara o momento da mudança do sistema econômico, com a instauração do comunismo. Porém, o capitalismo cria mecanismos de defesa, e foram tomadas então diversas providências, que é o famoso Chapter 11 do United States Code. Nesse terceiro patamar de pensamento sobre a falência, é prestigiada a atividade empresarial, isto é, a atividade empresarial promove emprego, produção, distribuição de mercadorias, sendo extremamente importante para o país. Assim não se podia colocar como prioridade o interesse dos credores, mas sim defender a própria sociedade empresária, eventualmente até contra o próprio empresário (a lei prevê situações em que pode ser afastado o empresário e colocado outro para continuar a atividade empresária). Assim, quando uma sociedade empresária estiver em crise econômico-financeira, ao contrário de decretar logo a falência, deve-se constatar se essa crise é superável ou insuperável. Se for insuperável, deverá ser decretada a falência. Se for superável, o caminho será conceder a essa sociedade empresária uma possibilidade de recuperação. É um sistema político e econômico pra permitir que essa sociedade empresária tenha certas defesas jurídicas a fim de sair da crise. É princípio da preservação da sociedade empresária, que surgiu em 1934 nos Estados Unidos e se espalhou pelo mundo, mas apenas foi positivado pelo Brasil na Lei 11.101/2005.

Se um credor pedir a falência da empresa devedora, poderá essa empresa pedir que ao invés da decretação da falência seja concedida a recuperação judicial. A petição inicial da recuperação judicial deve conter demonstração pelo credor de que pode ser viável a superação da crise. Assim, é deferido pelo juiz o processamento da recuperação judicial. 

A partir do deferimento do processamento, todas as ações e execuções contra essa empresa serão suspensas por 180 dias (esse prazo foi fixado pela lei porque na lei anterior, no instituto da concordada, a suspensão não tinha prazo definido, o que acarretava um abuso do devedor, que postergava o processo para que as ações e execuções contra ele não voltassem a correr). Hoje, se em 180 dias for aprovado o plano de recuperação judicial e concedida a recuperação judicial, então o devedor deverá apenas cumprir o plano. Ao contrário, se em 180 dias não for concedida a recuperação, a suspensão deixa de existir, e as ações e execuções voltam a correr, aumentando a probabilidade da decretação da falência.

Deferido o processamento da recuperação judicial o credor tem o prazo de 60 dias para apresentar o plano de recuperação judicial. Importante observar que o plano de recuperação judicial é uma circunstância em que o credor, em geral, terá prejuízo, pelo que não vai concordar, porque terá que abrir mão das condições de pagamento antes estabelecidas (pode ser dilatado o prazo para pagamento ou até mesmo o deságio, com pagamento de um percentual do valor total). Nesse aspecto, a lei se baseia na teoria dos jogos, segundo a qual irá se concordar com algo que traz prejuízo porque a outra alternativa trará ainda mais prejuízo. Assim, o credor irá concordar com o plano porque é melhor receber, daqui a mais tempo, do que querer cobrar agora e acabar não recebendo nada. Outra razão pela qual os credores poderão concordar com o plano é a sua consistência, ou seja, as medidas a serem tomadas pela empresa devedora parece que serão eficazes. 

Após a análise da Assembléia Geral dos Credores, e havendo concordância deles, o juiz concede a recuperação e o devedor começa a cumprir o plano.

Deve-se incluir todos os credores no plano de recuperação. O art. 49 da LF deixa de fora os credores fiduciários (que são os bancos). O banco não está sujeito aos efeitos da recuperação. Se o banco pedir busca e apreensão dos bens e o juiz deferir, o cumprimento do mandado ficará suspenso por 180 dias também. “Art. 49. § 3o Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4o do art. 6o desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.”

Para o credor fiscal não interessa a falência, e geralmente, eles são excluídos dos credores apresentados no plano. 

Na lei anterior, se não fossem preenchidos os requisitos para processamento da concordata, o único caminho legal possível seria a decretação da falência. Nesta lei, feito o juízo de admissibilidade, caso seja indeferido o pedido de processamento da recuperação judicial, não pode ser decretada a falência, sendo apenas extinto este processo. Ao devedor é possível fazer novo pedido de recuperação judicial.  

Se houver algum problema no plano, o juiz pode ou não intervir?

Há duas correntes:

1 – A Assembleia geral de credores é soberana, e irá decidir se interessa ou não a recuperação, ficando ao juiz apenas a análise dos aspectos formais, uma vez que o resultado da recuperação interessa sim aos credores.          

2 – Atualmente começou a se estabelecer o entendimento (recentemente no TJSP) que, se houver vício, o juiz pode recusar o plano de ofício, mesmo se aprovado pela Assembleia Geral de Credores (anulando a decisão da Assembleia e concedendo prazo ao devedor para apresentação de novo plano).

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