Em 2009, após vários anos de denúncias de irregularidades de correção nos Exames de Ordem em praticamente todos os Estados brasileiros, a OAB inovou e anunciou a unificação de seu teste de proficiência. Apesar das críticas, a promessa era de (ainda maior) lisura nos certames, e a esperança era de melhoria nos níveis de aprovação.
Passados três anos e onze exames unificados, os números impressionam de forma assustadora. Na última verificação, os números divulgados1 dão conta de que apenas cerca de doze por cento dos alunos foram aprovados – em um universo de mais de cem mil candidatos. Em um primeiro momento, o pensamento que vem é a já consolidada opinião do senso comum: por que a qualidade dos alunos anda tão baixa? Mas já é mais do que necessário mudar esse pré-conceito e redefinir o questionamento: que provas – e, principalmente, que corretores – estão sendo disponibilizados a esses alunos?
Em recente decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a Ordem dos Advogados do Brasil foi condenada ao pagamento de indenização por danos morais a advogada indevidamente reprovada em um de seus Exames de Ordem. Participando do concurso aplicado no primeiro semestre de 2005 na seccional do Rio Grande do Sul – à época os exames ainda eram regionalizados –, a profissional verificou, entre outros erros de correção, a falta de atribuição de grau a uma questão que não apenas estava respondida com total acerto, como contava cinco pontos da avaliação. Mesmo após o recurso regulamentar solicitando a correção da questão (literalmente) esquecida, a resposta foi de que “não cabia o pedido de revisão” realizado.
Apesar da grande dificuldade de demonstrar erros cometidos na esfera administrativa, em razão da linha tênue que divide a independência entre os Poderes, não havia outra decisão a ser proferida pelo Judiciário, que reconheceu o erro administrativo e, ante a correção da resposta, determinou a atribuição da nota devida, resultando na folgada aprovação da bacharel.
O Recurso Especial interposto pela entidade classista foi rechaçado pelo STJ, que confirmou a decisão proferida pelo TRF-4. Da divulgação do resultado da prova até o trânsito em julgado da decisão, a jovem foi submetida a várias situações que anularam completamente sua vida social e profissional, e comprometeram sua saúde de forma severa.
Há um aspecto crucial que emerge dessa decisão. Em tempo de reconhecido colapso do sistema judiciário, verifica-se que a própria OAB contribui para o caos dessa engrenagem. Porque assim como esse processo, muitos outros poderiam deixar de ser ajuizados, houvesse uma correção digna e escorreita das provas dos Exames de Ordem. Se, por um lado, é certo que há bacharéis despreparados e sem condições de aprovação nos testes de certificação de competências, há outros que são duramente punidos pela imperícia ou negligência de corretores desqualificados ou displicentes. Porque sejam professores iniciantes ou já há muito iniciados (a lista de corretores não é divulgada), todos devem ter extrema atenção nas verificações das respostas, observando a colocação de todos os quesitos que devem ali figurar. O processo mencionado teve origem pelo fato de que o corretor foi manifestamente negligente, e deixou de cumprir tarefa básica da correção: ler o que a examinanda havia escrito.
Repensar e reordenar o ensino jurídico no Brasil vai muito além de pensar apenas nas “faculdades ruins”. Além de combater os cursos de qualidade duvidosa, é necessário repensar e redimensionar todo o sistema. Ter alunos interessados em adquirir conhecimento, e não apenas alcançar notas para aprovação; professores interessados em disseminar o conhecimento que adquiriram, vendo os estudantes como orientandos que são, e não como (futuros) concorrentes. Oferecer aos formandos interessados na advocacia uma prova bem redigida, sem entendimento ambíguo, e corrigida por profissionais realmente comprometidos com o alcance de resultado satisfatório.
Se considerada somente sob o aspecto monetário, a decisão foi irrisória, diante de todos os percalços enfrentados pela autora da ação. Por diversos fatores, a prova do processo não foi suficientemente produzida. Mas a decisão vai muito além. Porque se mostra, sem sombra de dúvida, histórica, na medida em que é a primeira, em todo o país, a condenar a Ordem dos Advogados do Brasil pela negligência no trato com os bacharéis em exame. A condenação monetária toma seu vulto e demonstra sua importância na medida em que serve para a compreensão do verdadeiro sentido da expressão “caráter pedagógico da sentença”. Porque ela se presta a reconhecer que houve uma grande injustiça. Mas essa injustiça foi, de alguma maneira, reparada. E essa reparação é precedente de extrema importância para a coibição de novas irregularidades.
Além disso, a decisão mostra a coragem e hombridade de magistrados que, sem se curvar ou compactuar com irregularidades ou pressões de grupos que tenham grande influência política e/ ou social, julgam de acordo com a legislação vigente e, sobretudo, com seu senso de justiça. Profissionais que verdadeiramente merecem nosso respeito, nosso aplauso e nosso rogo de que se multipliquem, servindo de exemplo aos demais juristas que tomam para si a árdua tarefa de tomar decisões sobre as vidas das pessoas. Porque retidão de caráter é indispensável à imparcialidade do juiz, qualquer que seja a sua esfera de atuação.
Nota
1 Informações do site Portal Exame de Ordem: http://blog.portalexamedeordem.com.br/blog/2013/10/xi-exame-de-ordem-apenas-1227-dos-candidatos-foram-aprovados/