A administração dos bens na recuperação judicial

Leia nesta página:

Durante o processo de Recuperação Judicial, há grande impasse entre doutrina, jurisprudência e legislação sobre a quem deverá ser destinado os bens objetos do lide. O presente trabalho busca, de forma suscinta e objetiva, explicar tal matéria.

A ADMINISTRAÇÃO DOS BENS NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

O objetivo da recuperação judicial é tornar viável a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, com o objetivo de garantir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, incentivando, desse modo, a preservação da empresa, o estímulo à atividade econômica e a sua função social. Portanto, visa permitir que a empresa não paralise seu funcionamento, dando-lhe nova chance de êxito, conforme destaca o art. 47 da lei 11101/05:

A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

O judiciário deve fazer o exame da viabilidade da recuperação da empresa, por ser este um procedimento custoso à população como um todo, não podendo tornar viável toda e qualquer recuperação judicial. Sendo assim, deve levar em conta alguns aspectos primordiais como a importância social da empresa, o volume ativo e passivo, o tempo de existência, a mão-de-obra e tecnologia aplicada, bem como seu porte econômico.

É importante mencionar que de acordo com o § 1º do art. 48 da lei 11101/05, a recuperação judicial poderá ser requerida pelo cônjuge sobrevivente, herdeiros do devedor, inventariante ou sócio remanescente ou pelo devedor, isto é, própria pessoa jurídica que exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos, no momento do pedido, atendendo também alguns requisitos, sendo estes dispostos no artigo 48 em seus incisos de I a IV:

  I – não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes;

   II – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial;

   III – não ter, há menos de 8 (oito) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo;

    IV – não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei.

Na recuperação judicial, o devedor empresário continua na administração dos bens, sendo que o administrador judicial vai funcionar como fiscal da atividade da empresa, já que os credores tendem a associar o devedor ao insucesso da empresa. Percebe-se a preservação do direito do devedor em relação a administração dos seus bens na análise do seguinte julgado:

EMPRESA EM REGIME DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL - AUSÊNCIA DO RECOLHIMENTO DO DEPÓSITO RECURSAL - DESERÇÃO CONFIGURADA. Segundo o disposto no artigo 47 da Lei nº. 11.101/2005, o devedor, ao requerer a recuperação judicial da empresa, não perde o direito de administrá-la e tampouco sofre a indisponibilidade de seus bens. Em face dessas circunstâncias, as empresas em regime de recuperação judicial não guardam identidade com a massa falida, não lhes sendo aplicável, portanto, a diretriz da Súmula nº 86 do C. TST. Deixando a Reclamada de efetuar o recolhimento do depósito recursal (CLT, art. 899), resta configurada a deserção que inviabiliza o conhecimento do recurso ordinário. Agravo de instrumento conhecido e não provido.” (Proc. 03486-2010-000-10-00-3-AIRO; Data de Publicação: 12/11/2010; Órgão Julgador: 3ª Turma; Relator: Desembargador Douglas Alencar Rodrigues; Revisora: Desembargadora Márcia Mazoni Cúrcio Ribeiro). Recurso da reclamada não conhecido. (TRT-10 - RO: 38201200510001 DF 00038-2012-005-10-00-1 RO, Relator: Juiz Paulo Henrique Blair , Data de Julgamento: 03/10/2012, 3ª Turma, Data de Publicação: 19/10/2012 no DEJT) (grifo nosso)

Conforme Waldo Fazzio Junior “a recuperação judicial, em regra, não implica o desapossamento nem a perda da gestão empresarial. O regime pressupõe administração custodiada”[1]. Portanto, o devedor ou seus administradores poderão continuar na administração da empresa durante o processo de recuperação judicial, desempenhando normalmente suas atividades, prosseguindo com seu negócio, “(...) oferecendo demonstrativos mensais de contas, enfim, praticando os atos de gestão empresarial. Serão fiscalizados pelo administrador judicial e, se for o caso, pelo Comitê de recuperação judicial”[2], como se pode observar no seguinte julgado:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. ISENÇÃO DE CUSTAS. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DESERÇÃO MANTIDA. Tem-se que na recuperação judicial a empresa é preservada, de forma que o devedor não é afastado de suas atividades, ao contrário, mantém a administração de seus bens, sendo essas atividades apenas fiscalizadas pelo administrador judicial. De forma que a situação da
recuperação judicial é diferente da falência, pois nessa as massas falidas estão dispensadas da realização do depósito, ao passo que as empresas em recuperação judicial ou extrajudicial deverão realizá-lo para poderem recorrer. Agravo improvido. ACORDAM os Magistrados da 12ª TURMA do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região em: por unanimidade de votos, NEGAR PROVIMENTO ao Agravo de Instrumento, mantendo o r. despacho agravado, nos termos da fundamentação do voto. (AGRAVO DE INSTRUMENTO EM R.O. RITO SUMARISSIMO - 03 VT de São Paulo TRT-2 1596200600302010 SP , Relator: NELSON NAZAR, 12ª TURMA, Data de Publicação: 19/10/2007)

Nesse sentindo, é interessante pontuar que as funções do administrador judicial[3], na recuperação, variam de acordo com dois segmentos: caso exista ou não o comitê, pois este é um órgão facultativo; e caso tenha sido ou não decretado o afastamento dos administradores da empresa em recuperação. Sobre o primeiro aspecto, caso exista o comitê, caberá ao administrador judicial somente proceder à verificação dos créditos, dirigir a assembléia dos credores e fiscalizar a sociedade devedora. Se o comitê não existir, por sua vez, o administrador além destas funções, assumirá também a competência deste órgão colegiado, salvo se houver incompatibilidade.
              No que se refere ao segundo ponto, no momento em que o juiz decretar o afastamento dos diretores da sociedade empresária, o administrador assume o poder para administrar e representar a sociedade requerente da recuperação, até que seja eleito o gestor judicial pela assembléia geral. Caso o juiz não afaste os diretores ou administradores da sociedade que está requerendo a recuperação, o administrador atuará como mero fiscal da empresa, responsável pela verificação dos créditos e presidente da assembleia geral. É importante salientar também que além do administrador judicial, também podem fiscalizar o procedimento os credores e o MP, este último atuando como custos legis.

Neste sentido, durante a recuperação judicial o devedor ou seus administradores permanecerão na condução da atividade, sob a fiscalização do Comitê se houver e do administrador judicial, salvo se qualquer um deles não incorrer nas irregularidades dispostas nos incisos e parágrafo único do art. 64 da lei 11101/05:

        I – houver sido condenado em sentença penal transitada em julgado por crime cometido em recuperação judicial ou falência anteriores ou por crime contra o patrimônio, a economia popular ou a ordem econômica previstos na legislação vigente;

        II – houver indícios veementes de ter cometido crime previsto nesta Lei;

        III – houver agido com dolo, simulação ou fraude contra os interesses de seus credores;

        IV – houver praticado qualquer das seguintes condutas:

        a) efetuar gastos pessoais manifestamente excessivos em relação a sua situação patrimonial;

        b) efetuar despesas injustificáveis por sua natureza ou vulto, em relação ao capital ou gênero do negócio, ao movimento das operações e a outras circunstâncias análogas;

        c) descapitalizar injustificadamente a empresa ou realizar operações prejudiciais ao seu funcionamento regular;

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

        d) simular ou omitir créditos ao apresentar a relação de que trata o inciso III do caput do art. 51 desta Lei, sem relevante razão de direito ou amparo de decisão judicial;

        V – negar-se a prestar informações solicitadas pelo administrador judicial ou pelos demais membros do Comitê;

        VI – tiver seu afastamento previsto no plano de recuperação judicial.

        Parágrafo único. Verificada qualquer das hipóteses do caput deste artigo, o juiz destituirá o administrador, que será substituído na forma prevista nos atos constitutivos do devedor ou do plano de recuperação judicial.

É nesta perspectiva que Fazzio Junior destaca que “(...) militem ou não as causas de afastamento previstas no art. 64 da LRE, em geral, algumas modificações na gestão da empresa precisarão necessariamente ser efetivadas”[4], ou seja, objetivando ultrapassar as deficiências administrativas geradas pelo devedor, seja por sua imperícia ou negligência.

            Por este motivo, com a recuperação judicial são observadas certas alterações no que se refere a gestão da empresa pelo devedor, visto que este apesar de não ser afastado totalmente da administração dos seus bens, sofre algumas restrições, visto que “(...) não poderá alienar nem onerar bens e direitos de seu ativo permanente, salvo no caso de evidente utilidade ou daqueles bens previamente relacionados no plano”[5]. Assim, qualquer alienação ou oneração sempre será apreciada previamente pelo Comitê.

            Portanto, no caso especifico do administrador judicial conduzir o plano de recuperação judicial, este deverá primar pela fiscalização das atividades do devedor e o respectivo cumprimento do plano de recuperação judicial. E no caso de efetivo descumprimento das obrigações devidamente assumidas no referido plano de recuperação judicial ele deverá requerer a falência.

REFERÊNCIAS

CASTRO, Ana Paula Soares da Silva de. O papel do administrador judicial na falência e na recuperação judicial. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 65, jun 2009. Disponível em:<http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6148>. Acesso em 20 nov 2013.

FAZZIO JUNIOR, Waldo. Lei de Falência e Recuperação de empresas. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2010


[1] FAZZIO JUNIOR, Waldo. Lei de Falência e Recuperação de empresas. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 165.

[2] FAZZIO JUNIOR, Waldo. Op. cit. p. 165.                                                                                                                                               

[3] Sobre o papel do administrador judicial na recuperação judicial ver CASTRO, Ana Paula Soares da Silva de. O papel do administrador judicial na falência e na recuperação judicial. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 65, jun 2009. Disponível em:<http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6148>. Acesso em 20 nov 2013.

[4] FAZZIO JUNIOR, Waldo. Lei de Falência e Recuperação de empresas. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 166.            

[5] FAZZIO JUNIOR, Waldo. op. Cit. P. 166.

Assuntos relacionados
Sobre as autoras
Renata Neves de Jesus

Graduada em Direito pela Universidade da Amazônia/PA<br>Advogada.

Daniella de Almeida Moura

Mestra em História pela Universidade Federal do Pará Bacharel em Direito pela Universidade da Amazônia

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos