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O Supremo Tribunal Federal não sabe o que fazer com o art. 81 do Código de Processo Penal: a perpetuação da jurisdição

21/05/2014 às 15:24
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Uma vez reconhecida ao Tribunal do Júri a competência por conexão ou continência para julgar outro crime que não seja doloso contra a vida, se o Juiz desclassificar a infração ou impronunciar ou absolver o acusado, excluindo a competência do júri, remeterá o processo ao juízo competente.

É cediço, e se aprende logo nas primeiras aulas de Direito Processual Penal, que verificada a reunião de duas infrações penais em razão da conexão (art. 76, I, II e III, CPP) ou continência (art. 77, I e II CPP), ainda que na infração penal que atraiu o outro ilícito (pela conexão ou pela continência) venha o Magistrado ou o Tribunal a proferir sentença absolutória ou que desclassifique a infração para outra que não se inclua na sua competência, continuará competente em relação aos demais processos.

Ainda a propósito, reconhecida inicialmente ao Tribunal do Júri a competência por conexão ou continência para julgar outro crime que não seja doloso contra a vida, ainda assim, se Magistrado vier a desclassificar a infração ou impronunciar ou absolver o acusado, de maneira que exclua a competência do júri, remeterá o processo ao juízo competente.

Conferir, neste sentido, o art. 81 do Código de Processo Penal, de uma clareza solar.

Evidentemente, que a solução não será a mesma (nem poderia sê-lo por falta de competência do Conselho de Sentença), se a desclassificação for proferida pelos próprios jurados, hipótese em que o crime conexo que não seja doloso contra a vida deverá ser julgado pelo Juiz Presidente do Tribunal do Júri, nos termos do art. 492, § 2º., do Código de Processo Penal.

Pois bem.

Continuando com a sua epopeia às avessas, o Supremo Tribunal Federal, recentemente, por votação unânime (Segunda Turma) concedeu o Habeas Corpus (HC) 113845 para declarar nula sentença condenatória prolatada pelo juízo federal da 8ª Vara Criminal de São Paulo contra D.S.S., pelo suposto crime de receptação e posse ilegal de arma de fogo, e determinar a remessa do processo para a Justiça estadual comum de São Paulo, competente para julgar o caso.

Ao mesmo tempo, a Turma confirmou liminar concedida neste processo, em junho do ano passado, por seu relator original, ministro Cezar Peluso (aposentado), que determinou a expedição de mandado de soltura de D.S.S., por entender que havia razoabilidade jurídica na tese da defesa quanto à alegação de incompetência da Justiça Federal.Conforme relatório do ministro Teori Zavascki, que sucedeu o ministro Peluso na Corte e assumiu a relatoria do processo, a denúncia inicial era de contrabando e posse ilegal de arma de fogo. Portanto, em função do crime de contrabando, atraiu a competência da Justiça Federal. Entretanto, em sua sentença condenatória, o juiz federal que julgou o caso reclassificou o crime para receptação e posse ilegal de arma de fogo, crimes que atraem a competência da Justiça estadual.

A decisão de primeiro grau foi contestada pela defesa, e o caso chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Este, no entanto, confirmou a sentença, ante o entendimento de que se tratava de um caso de perpetuação da jurisdição previsto no artigo 81 do Código de Processo Penal (CPP). De acordo com tal dispositivo, tratando-se de crimes reunidos por conexão ou continência (no caso contrabando e posse de arma de fogo), o juiz continuará competente, mesmo que desclassifique a infração para outra que não seja de sua competência.

O ministro Teori Zavascki discordou desse entendimento, sendo acompanhado pelos demais ministros presentes à sessão da Turma. Segundo ele, com a reclassificação do crime imputado ao réu, “deixou de existir razão para se instaurar a competência absoluta da Justiça Federal. Isso porque a norma do artigo 81, caput, do CPP, ainda que busque privilegiar a celeridade, economia e efetividade processual, não possui aptidão para modificar a competência absoluta, constitucionalmente estabelecida, como é o caso da Justiça Federal ”.

Assim, segundo o ministro Teori, cabe aplicar ao caso o disposto no artigo 383, caput e parágrafo 2º, do Código de Processo Penal (CPP). De acordo com tais dispositivos, o juiz poderá dar ao fato definição jurídica diversa da que conste da denúncia e, quando se tratar de infração de competência de outro juízo, deverá encaminhar os autos do processo. Segundo o Ministro Teori Zavascki, ao prorrogar a competência e julgar o caso, o juiz federal contrariou o princípio constitucional do juiz natural. Por isso, ele votou no sentido de anular a sentença condenatória e remeter o caso à Justiça estadual de São Paulo.

Ou seja, aplicou-se o art. 81 do Código de Processo Penal.

Ocorre que em sessão anterior, o Plenário do Supremo Tribunal Federal rejeitou o recurso de embargos de declaração opostos pelos advogados do ex-presidente da Caixa Econômica Federal. A defesa de Mattoso questionava o fato de, no julgamento da Petição (PET) 3898, a Corte ter acolhido a denúncia contra ele pela quebra do sigilo bancário do caseiro, e pela divulgação dessa informação para a imprensa, mesmo depois de ter rejeitado quanto ao ex-ministro da Fazenda – que por sua condição de deputado federal era o único que detinha foro por prerrogativa de função no STF. Para a defesa, depois que rejeitou a denúncia contra o deputado federal, o Supremo não teria mais competência para julgar os demais denunciados, uma vez que não haveria autoridade com foro que justificasse a análise do caso pela Corte Suprema.

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Ao analisar o recurso, o relator do caso, ministro Gilmar Mendes, frisou, contudo, que este fato não passou despercebido dos ministros durante o julgamento da PET 3898, em agosto de 2009. Tanto que alguns ministros chegaram a se manifestar sobre esse aspecto, lembrou o ministro. Segundo Gilmar Mendes, ficou claro, durante o julgamento, que as posições e comportamentos dos três denunciados no caso eram inextrincáveis, e que não haveria como analisar o recebimento quanto a um denunciado (que detinha foro) e deixar para que um juiz de primeira instância analisasse, eventualmente, a mesma denúncia quanto aos demais denunciados.

Assim, concluiu Gilmar Mendes ao votar pela rejeição do recurso, os argumentos trazidos pela defesa do ex-presidente da CEF foram devidamente analisados durante o julgamento, não havendo contradição ou omissão a ser resolvida por meio de embargos de declaração. Todos os ministros presentes à sessão desta quarta-feira acompanharam o voto do relator.

E agora o que dizer? Ou o que fazer? Ou como decicidir? Mais uma vez, haja insegurança jurídica, haja incompetência; haja, haja, haja... paciência.

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Sobre o autor
Rômulo de Andrade Moreira

Procurador-Geral de Justiça Adjunto para Assuntos Jurídicos do Ministério Público do Estado da Bahia. Foi Assessor Especial da Procuradoria Geral de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador - UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador - UNIFACS (Curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e Membro fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (atualmente exercendo a função de Secretário). Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação dos Cursos JusPodivm (BA), Praetorium (MG) e IELF (SP). Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA, Rômulo Andrade. O Supremo Tribunal Federal não sabe o que fazer com o art. 81 do Código de Processo Penal: a perpetuação da jurisdição. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3976, 21 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28680. Acesso em: 28 dez. 2024.

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