Redução da maioridade penal: uma análise numa perspectiva sociojurídica

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REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL X CLÁUSULAS PÉTREAS

Diante desta atual necessidade de alteração do art. 228 de nossa Constituição, o qual trata sobre a fixação da imputabilidade penal aos 18 anos de idade, existem interpretações que entendem que tal alteração seria uma medida impossível, pois consistiria em “direitos e garantias fundamentais” e, de acordo com o § 4º do art. 60 da CF, em cláusula pétrea.

Sob este enfoque, a argumentação utilizada pela corrente contrária à redução da maioridade penal é que a questão da antecipação da responsabilidade penal aos menores de 18 anos acabaria colidindo em cláusula pétrea, considerando tal direito, de forma análoga, como aqueles abarcados pelos direitos e garantias individuais (art. 5º, CF). Dessa forma, entendem que estes direitos estão espalhados nos mais diversos artigos de nossa Constituição e não apenas naqueles contidos no art. 5º.

No entanto, Guilherme de Souza Nucci (Apud AFONSO, 2008, p. 32), expõe:

Não é possível defender a impossibilidade de redução da maioridade penal, visto que, se esta fosse a vontade do legislador constituinte, a inimputabilidade teria sido inserida no artigo 5.º da Constituição Federal. [...] a responsabilidade penal foi inserida no capítulo da família, da criança, do adolescente e do idoso, e não no contexto dos direitos e garantias individuais (Capítulo I, art. 5º da CF.) Não podemos concordar com a tese de que há direitos e garantias humanas fundamentais soltos em outros trechos da Carta [...] inseridas na impossibilidade de emenda previstas no art. 60, § 4º, IV, CF [...].

Contudo, diante da divergência de interpretações sob a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de alteração do art. 228 de nossa Constituição, o Mestre e Doutor em Direito Constitucional, José Carlos Francisco (Apud SANNINI NETO, 2013), entende sobre as cláusulas pétreas:

[...] as cláusulas pétreas não podem ser consideradas absolutamente imutáveis, impedindo totalmente o exercício do poder constituinte derivado reformador, sendo necessária a existência de mecanismos ágeis e econômicos de alteração do núcleo das constituições sem o recurso à elaboração de toda uma nova Constituição.

Indiferentemente da redução da maioridade penal chocar-se ou não em cláusula pétrea, a Constituição não pode estabilizar-se diante às necessidades e mudanças sociais. É natural a evolução. A Constituição precisa está numa perfeita sincronia com a realidade, atualizando-se concomitantemente de acordo com o contexto social.

Em outubro de 2012 o atual Ministro do Supremo Tribunal Federal, Teori Zavascki, ao ser sabatinado no Senado Federal, afirmou que a maioridade penal não seria uma cláusula pétrea. Sendo que esta interpretação favorecia a adaptação da Constituição à dinâmica das mudanças sociais, o que valorizaria, inclusive, o trabalho realizado pelo próprio Congresso Nacional (SANNINI NETO, 2013).

Conforme o parágrafo único do art. 1º e os meios de consulta popular do art. 14 de nossa Carta Maior: "todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente através de plebiscito ou referendo". Ou seja, o legítimo titular do poder constituinte é o povo e, assim, não há qualquer inconstitucionalidade quanto à alteração do art. 228 de nossa Constituição. 90% da população, como exposto, são favoráveis à redução da maioridade penal.

Assim como reforça o Professor e Delegado de Polícia do Estado de São Paulo, Sannini Neto (2013):

Considerando que o titular do poder constituinte originário é o povo, não há qualquer inconstitucionalidade se o próprio povo optar pela alteração da Constituição. Aliás, nada mais justo que a sociedade se manifeste sobre essa questão, pois, assim, ninguém poderia questionar a legitimidade da escolha efetuada.

Sobre a constitucionalidade da redução da responsabilidade penal, Pedro Lenza (Apud AFONSO, 2008, p. 34) reforça:

A sociedade evoluiu, e, atualmente, uma pessoa de 16 anos de idade tem total consciência de seus atos, tanto é que exerce os direitos de cidadania, podendo propor a ação popular e votar. Portanto, em nosso entender, eventual PEC que reduza a maioridade penal de 18 para 16 anos é totalmente constitucional. O limite de 16 anos já está sendo utilizado e é o fundamento no parâmetro do exercício do direito de votar e à luz da razoabilidade e maturidade do ser humano.

Contudo, é lamentável o posicionamento acolhido pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) em reunião realizada no dia 19 de fevereiro de 2014. Em debate sobre o projeto de alteração da idade penal, a CCJ rejeitou a PEC 33/2012 de autoria do Senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), derrubando-a com 11 votos contrários a oito favoráveis. Dessa forma, decidiram optar por mudanças no ECA ao invés de antecipar a responsabilidade penal. O grande problema é fazer com que o Estatuto da Criança e do Adolescente cumpra uma de suas funções que a intimidação dos menores infratores. Tal rejeição não significa dizer que o assunto não será mais objeto de deliberação. De todo modo, a situação não pode continuar como está.

 Concorda-se, assim, com o raciocínio do Delegado Sannini Neto (2013) que diz:

Perenizar a maioridade penal nesta faixa etária seria fechar os olhos para a evolução da humanidade. O Direito não é uma ciência exata, não podendo ficar parado no tempo, devendo se adaptar às mudanças e às necessidades da sociedade.

Para o poder soberano popular não existe barreiras que impeça a sua vontade de transformação!


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da análise exposta, levando em consideração a opinião da maioria dos magistrados e o forte clamor social, a redução da maioridade penal apresenta-se como uma questão sociojurídica que ainda merece prioridade nas pautas legislativas. Sob a ineficácia do Estatuto da Criança e do Adolescente, a sociedade não pode continuar tolerando o aumento da criminalidade por jovens menores de idade. E cabe ao Estado a tentativa de minimizar o problema, já que solucionar torna-se praticamente impossível.

No entanto, a aplicação da redução da maioridade penal de forma isolada, não levará a resultados satisfatórios. Apesar de sua relevante contribuição, a questão apresenta-se de maneira muito mais complexa.

Da mesma forma que os adolescentes infratores não podem continuar livres, aterrorizando a harmonia social, não bastará apenas colocá-los entre quatro paredes. O objetivo não será tão somente puni-los, mas efetivamente recuperá-los, elencando as consequências de seus atos ilegais, e, principalmente, preparando-os psíquico e profissionalmente para o posterior regresso à sociedade.

Não podemos omitir os reais problemas que assolam a nossa sociedade. O Estado não deverá apenas punir e recuperar os jovens após o cometimento infracional, mas responsabilizar-se de prevenir o seu ingresso nos caminhos obscuros do crime. O investimento em políticas fortalecendo a estrutura pública e oferecendo, não só ao adolescente infrator, mas a toda a sociedade, oportunidades de uma vida digna tornar-se-ia um forte aliado contra este problema.

Contudo, a responsabilidade também deve ser atribuída à família, a qual deve evidenciar, em seu próprio seio, quais os valores que devem ser respeitados, educando seus filhos desde pequenos para a vida social. Tendo em vista que as relações familiares são as que impõem os primeiros limites aos indivíduos.

Para a aplicação da redução da idade penal, a justiça necessitará ser efetivamente universalizada e juridicamente assegurada, estendendo-se a todo e qualquer cidadão, sem nenhuma distinção. Num país em que a maioria dos políticos são mestres em corrupção e em ausência de punição, a aplicação da justiça precisa, obrigatoriamente, ser reflexionada, sob o risco da impunidade torna-se legal pelo próprio aparelho estatal.

Não bastará punir apenas uns e outros não.


REFERÊNCIAS

AFONSO, Edinaldo de Araújo. A Redução da Maioridade PenalPresidente Prudente, 2008, 56 p. (Trabalho de Conclusão de Curso apresentando às Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo, para obtenção do grau de Bacharel em Direito). Disponível em: <http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/Juridica/article/viewFile/813/790> Acesso em: 23 fev. 2014.

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AMARO, Jorge Wohney Ferreira. O debate sobre a maioridade penalRevista de Psiquiatria Clínica - vol. 31. No. 3, p. 142-144. São Paulo, 2004. Disponível em:  <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-60832004000300004&lng=en&nrm=iso> Acesso em: 23 jan. 2014.

Associação dos Magistrados Brasileiros. Redução da maioridade penal tem o apoio de juízes. Brasília, 27 nov. 2006. Disponível em: < http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=1390823&tit=90-apoiam-reducao-da-idade-penal> Acesso em: 24 jan. 2014.

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CCJ rejeita redução da maioridade penal e senadores sugerem mudanças no ECA. Senado Federal. Brasília, 19 fev. 2014. Disponível em: <http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2014/02/19/ccj-rejeita-reducao-da-maioridade-penal-e-senadores-sugerem-mudancas-no-eca> Acesso em: 06 mar. 2014.

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Maria de Andrade; Metodologia do Trabalho Científico. 2. Ed. São Paulo: Atlas, 1987.

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Aspectos da aplicação das medidas protetivas e sócio-educativas do Estatuto da Criança e do Adolescente: teoria e prática. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 515, 4 dez. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/5993>. Acesso em: 21 jan. 2014.

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NOTAS

[1] Abolido pelo Código Criminal de 1830 por apresentar medidas punitivas consideradas bárbaras.

[2] Promulgado em 10 de outubro, o Código de Menores de 1979 elencava em suas disposições sobre a “assistência, proteção e vigilância aos menores”. Revogado pela Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente).

[3] Considera-se ato infracional os comportamentos equiparados a crimes ou contravenções penais, de acordo com o art. 103 do ECA.

[4] A execução das medidas elencadas neste artigo ficará sob responsabilidade dos conselhos tutelares, Juízes da infância e da juventude e do Ministério Público.

[5 ] O Código Penal apenas é aplicado às pessoas maiores de 18 anos, quando devidamente analisadas pelo critério biopsicológico e constatado a culpabilidade.

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Sobre o autor
Guilherme Alves de Figueirêdo

Acadêmico de Direito do Centro de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade Federal de Campina Grande.

Informações sobre o texto

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