O uso adequado da internet nos ambientes de trabalho deveria ser hoje o principal assunto tratado nos treinamentos iniciais de todo funcionário recém admitido, já que se trata de um dos ferramentais mais importantes dentro de uma empresa. É certo que há muitas profissões em que as atividades são feitas sem o uso de computadores, mas todos, até mesmo o trabalhador braçal, podem usufruir dos benefícios da internet, por exemplo, fazendo algum curso de aprimoramento por meio do estudo à distância, ou ampliando sua rede de relacionamentos via redes sociais. O fato é que o moderno universo on line precisa ser corretamente explorado por todos, seja qual for sua profissão. Suas regras básicas precisam ser bem compreendidas e seus recursos devem ser usados de forma ética, sobretudo quando se trata da utilização da internet nos locais de trabalho. Quem se coloca alheio a essa realidade, seja patrão ou funcionário, pode sofrer algumas conseqüências indesejáveis, além de deixar de aproveitar os benefícios que podem ser colhidos do universo on line.
Na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD, realizada em 2011, verificou-se que do ano de 2005 até 2011 o percentual de usuários de internet no Brasil saltou de 20,9 % para 46,5 %. O estudo levou em conta apenas pessoas com 10 anos ou mais de idade.[1] Sabendo desse panorama, quase a totalidade das empresas e instituições públicas já entendeu que investir do jeito certo na internet enquanto ferramenta de trabalho é decisivo para o êxito do negócio. A facilitação e rapidez da comunicação com o público alvo, o sucesso do comércio virtual e a expansão do marketing via redes sociais são apenas alguns dos indicativos de que esse campo merece muita atenção e bastante investimento.
No âmbito público também já se reconhece a importância de explorar os benefícios das redes sociais. A Portaria Nº 38, de 11 de junho de 2012, que homologa a Norma Complementar nº 15/IN 01/DSIC/GSIPR, a qual estabelece as Diretrizes para o uso seguro das redes sociais na Administração Pública Federal (APF), prevê, no seu item 2.1 que: “O fenômeno das redes sociais é uma realidade mundial. No Brasil, o seu uso vem crescendo exponencialmente, inclusive nos órgãos e entidades da APF, como uma ferramenta para aproximarem-se ainda mais do cidadão brasileiro e prestar atendimento e serviços públicos de forma mais ágil e transparente, em consonância com os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.”[2]
O governo federal, por meio de sua política de Governo Eletrônico, assume a responsabilidade de investir da maneira correta na interação com os cidadãos por meio da internet e seus recursos. Já se estabeleceu em todas as esferas governamentais e em quase todo o país a regra segundo a qual “os administradores dos perfis nas redes sociais devem buscar sugestões para as políticas do governo, utilizar estratégias para estimular a interação com os usuários, disseminar boas práticas e promover respostas ágeis aos questionamentos feitos pelos usuários.”[3]
O Decreto nº 7.675, de 20 de janeiro de 2012, no seu art. 35, inciso IV, prevê que compete ao Departamento de Governo Eletrônico “definir e publicar padrões e melhores práticas de uso da internet, inclusive de redes sociais, para melhoria da gestão e disponibilização de conteúdos públicos digitais”.
O aumento dos investimentos em internet e redes sociais tem sido encarado como um ponto fundamental tanto para quem trabalha no comércio como para a implementação de políticas públicas e aprimoramento do atendimento aos cidadãos.
Recentemente foi publicada a Lei n. 12.695, de 23 de abril de 2014, que trata dos princípios, garantias e deveres para o uso da Internet no Brasil. Ela prevê explicitamente, em seu art. 4º, que a internet no Brasil tem por objetivo a promoção do direito de acesso à internet a todos e do acesso à informação, ao conhecimento e à participação na vida cultural e na condução dos assuntos públicos.
No ambiente virtual, contudo, as pessoas e instituições precisam conhecer melhor as regras éticas de relacionamento na rede. Alguns casos servem de exemplo para termos uma noção correta da importância de se ter cuidado quanto ao uso da internet nos ambientes de trabalho, eis alguns que tomaram destaque:
Em decisão unânime prolatada em novembro de 2012, no Recurso de Revista de n.º 625-74.2011.5.09.0001, o Tribunal Superior do Trabalho manteve entendimento do Juízo da 1ª Vara de Trabalho de Curitiba, em que uma ex-empregada da Clínica Veterinária Portal dos Bichos foi condenada a indenizar seus dois patrões no valor de R$ 2.000,00 cada, por danos morais. O motivo da condenação foi o fato de a ex-empregada, após a demissão, ter difamado os requerentes pelo site de relacionamentos Orkut, fazendo comentários depreciativos, além de ter confessado que maltratava os cachorros de propriedade dos requerentes. O Ministro relator entendeu que “as ofensas e expressões pejorativas proferidas pela reclamada, constantes das atas notariais juntadas aos autos, causaram dano de ordem moral aos reclamantes, pois lhes atingiram a dignidade, a intimidade e a honra, causando constrangimento e angústia.”
Em outro processo, a Segunda Turma do TST negou o Agravo de Instrumento em Recurso de Revista de n.º 5078-36.2010.5.06.0000 de uma enfermeira da Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) do Prontolinda Ltda., em Olinda (PE), que foi demitida por justa causa após postar, numa rede social da internet, fotos da equipe de trabalho tiradas durante o expediente. Na decisão mantida ao final da ação ficou reconhecido que a conduta da enfermeira foi grave e justificou sua demissão. Os juízes entenderam que o empregador agiu corretamente ao aplicar a justa causa, porque as fotos revelam que a equipe estava em "ambiente de brincadeiras nitidamente inadequadas". O acórdão cita inclusive episódio com "uma das enfermeiras semiagachada e uma mão supostamente tentando apalpá-la"[4]
No processo número AIRR-1542/2005-055-02-40.4, a sétima turma do TST aceitou a tese de que não há ilicitude no ato da empresa que acessa caixa de correio eletrônico corporativo de empregado, se o empregado estava utilizando o e-mail para assuntos particulares. Nesse caso, segundo o Tribunal, o acesso das mensagens pelo empregador não representa violação de correspondência pessoal nem de privacidade ou intimidade, já que o computador, a internet e o e-mail corporativo são ferramentas fornecidos pela empresa para utilização exclusiva para o trabalho.[5]
Como já foi comentado, é preciso entender que o ambiente da internet tem regras semelhantes às do ambiente físico. A ética necessária para se portar em um território virtual são basicamente as mesmas usadas no mundo real. Fazendo esse alerta aos internautas, a escritora Patrícia Peck Pinheiro, especialista em Direito Digital, cita em sua obra[6] Direito Digital algumas dicas interessantes para as empresas e organizações públicas realizarem um monitoramento corporativo eficiente das atividades on line de seus funcionários:
- Evitar subjetividade e/ou generalizações;
- Deixar claro o conceito de identidade digital (não apenas de senhas) e alinhar com alçadas e poderes;
- Deixar claro que há monitoramento (e prever as duas hipóteses tanto para fins de segurança como de produtividade);
- Deixar claro que há inspeção física de equipamentos da empresa, particulares e/ou de terceiros;
- Deixar claro que os recursos devem ser usados só para fins profissionais;
- Prever que a mera tentativa de burlar também é uma infração às normas;
- Deixar clara a proibição de infração de direitos autorais, prática de pirataria, pornografia, pedofilia, guarda, manuseio de conteúdos ilícitos ou de origem duvidosa e que a empresa vai colaborar com as autoridades;
- Tratar sobre a má conduta (infração mais ética do que jurídica);
- Prever a divulgação da norma;
- Deixar claro papéis e responsabilidades;
- Definir aplicabilidade;
- Gerar assinatura física e/ou eletrônica do termo de ciência;
- Deixar claro que é a empresa que detém a propriedade dos recursos, bem como direitos autorais das criações e demais proteções de ativos intangíveis;
- Reforçar o dever de confidencialidade e sigilo;
- Determinar a possibilidade de processo disciplinar;
- Determinar requisito de inserção de cláusulas específicas em contratos (se possível, atualizar contrato de trabalho para prever monitoramento);
- Prever procedimento de resposta a incidentes de SI (como coletar as provas sem cometer infração a privacidade ou crime de interceptação;
- Tratar da questão da mobilidade;
- Implementar vacinas legais (avisos) nas próprias interfaces gráficas.” (P. 174)
Patrícia também elenca algumas regras básicas para orientar o uso dos computadores pelos trabalhadores:
- “não abrir arquivos anexados, pois geralmente são programas executáveis que podem causar danos ao computador ou capturar informações confidenciais;
- não clicar em links para endereços da Internet, mesmo que conste o nome da empresa ou instituição, ou, ainda, mensagens como ‘clique aqui’.”
- em caso de dúvidas sobre a origem e veracidade de determinada mensagem, procurar excluir o e-mail evitando executar anexos ou acessar os links presentes em seu conteúdo;
- em casos de contaminação por vírus ou outro código malicioso, reformatar a máquina, reinstalar totalmente o sistema operacional e os aplicativos, evitando restaurar backups antigos.
- utilizar softwares de proteção (antivírus, anti-spam, anti-spyware e firewall pessoal) nos computadores de uso doméstico e corporativo, mantendo-os com as versões, assinaturas e configurações atualizadas;
- não emprestar sua senha de e-mail, de Internet, de rede da empresa em hipótese alguma;
- duvidar do perfil de pessoas que se comunicam, em ambientes não seguros e anônimos, como Orkut, Messenger, blogs, chats, evitando clicar e abrir imagens, principalmente;
- denunciar na delegacia de crimes eletrônicos, bom como também em sites especializados, como o ‘www.denunciar.org.br’”.
Toda instituição moderna conta – ou pelo menos deveria contar - com um setor interno de suporte na área de informática. Mesmo assim, devido à quantidade de informações a que temos acesso, muitos funcionários já habituados à navegação na rede se acham aptos a reparar sozinhos quaisquer problemas que surgem com o seu computador. É sempre recomendado que as pequenas panes e demais problemas que surgem durante a execução de nosso trabalho com o computador sejam imediatamente comunicadas ao responsável pela área de Tecnologia da Informação da empresa, para que se adotem, em tempo hábil, as medidas técnicas corretas para solucionar tais problemas. Os riscos da navegação on line têm aumentado na mesma proporção que se ampliam as boas oportunidades e possibilidades na rede. Cada dia que passa aumenta-se também a velocidade em que se navega virtualmente. Cientes disso, devemos nos policiar para agirmos com cautela em tudo que fizermos on line, sempre lendo tudo atentamente e com muita calma antes de dar o simples, mas decisivo, clique.
OBRAS CONSULTADAS
Consulta de legislação no link <planejamento.gov.br/conlegis/legislacao>
Consulta processual no site www.tst.jus.br: Recurso de Revista de n.º 625-74.2011.5.09.0001, Agravo de Instrumento em Recurso de Revista de n.º 5078-36.2010.5.06.0000, AIRR-1542/2005-055-02-40.4.
Da Silva, Ronaldo Pedroso e Cristiano Alvarenga: A Internet como instrumento da aldeia global - Revista da Católica, Uberlândia, v. 1, n. 2, p. 140-148, 2009, disponível em: <catolicaonline.com.br/revistadacatolica>
HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Co-autores Mauro de Sales Villar e Francisco Manoel de Mello Franco. 1ª edição. Rio de Janeiro-RJ: Objetiva, 2001.
PINHEIRO, Patrícia Peck. Direito Digital. 4ª edição. São Paulo-SP: Editora Saraiva, 2010.
Secretaria de comunicação social da Presidência da República. Manual de orientação para atuação em redes sociais, disponível em http://www.governoeletronico.gov.br/acoes/acoes-e-projetos/redes-sociais.
Notas
[1] Fonte: ftp://ftp.ibge.gov.br/Acesso_a_internet_e_posse_celular/2011/PNAD_Inter_2011.pdf .
[2] Publicada no DOU (Diário Oficial da União), de 21/06/2012, Seção 1, pág. 3 , em www.in.gov.br.
[3] Disponível em: www.governoeletronico.gov.br/acoes-e-projetos/redes-sociais
[4]Fonte: http://www.tst.jus.br
[5] Fonte: http://www.tst.jus.br
[6] PINHEIRO, Patrícia Peck. Direito Digital. 4ª edição. São Paulo-SP: Editora Saraiva, 2010.