Artigo Destaque dos editores

Responsabilidade civil objetiva derivada de execução de medida cautelar ou medida de antecipação de tutela

Exibindo página 2 de 3
01/04/2002 às 00:00
Leia nesta página:

4. DOS DANOS INDENIZÁVEIS E SUA EXECUÇÃO

Executada a medida judicial provisória posteriormente revogada, cassada ou extinta por força de decisão contrária definitiva, fará jus o réu a indenização se comprovar que da execução da medida decorreram danos. Tal comprovação, consoante prevê o art. 811, parágrafo único do CPC, far-se-á por meio de liqüidação "nos autos do procedimento cautelar".

Em um antigo acórdão do TJRGS encontra-se uma distinção que, a meu ver, não se justifica e que é a seguinte: a) Na exegese contida no aresto a respeito do art. 811, parágrafo único, do CPC, "se a sentença de improcedência da ação cautelar ou da ação principal resultar ao autor a obrigação de prestar indenização ao réu, a apuração do quantum debeatur será feita em liqüidação de sentença"; b) "Mas, se houver necessidade de apurar a real existência do dano ou da relação de causalidade, necessário será o juízo amplo de cognição, a findar por sentença passível de apelação" [24]. Uma ação condenatória, e não apenas uma liqüidação, seria necessária na última hipótese.

Não me parece, data venia, razoável a distinção. Primeiro, porque o dispositivo legal que impõe a responsabilidade civil em análise não cogita de uma condenação, mas sim de uma obrigação de reparar que se funda diretamente na lei [25]. Logo, basta a configuração de uma das hipóteses arroladas nos itens do art. 811 do CPC, para que se tenha como configurada a responsabilidade do promovente da medida cautelar pela reparação do prejuízo que ela causou ao promovido.

Segundo, porque o dispositivo legal, sem qualquer discriminação, autoriza a liqüidação dos prejuízos a indenizar nos próprios autos do procedimento cautelar frustrado. Logo, pouco importa o tipo de dano que tenha a medida cautelar produzido. Sempre será liqüidado, sem necessidade de ação condenatória. Necessário apenas será comprovar a ocorrência do prejuízo e seu nexo de causalidade com a medida cautelar.

Terceiro, porque a liqüidação, tal como a disciplina o Código de Processo Civil, pode assumir a forma de procedimento ordinário, sempre que, para se chegar ao quantum debeatur, houver necessidade de alegar e provar fatos novos, ou seja, fatos não apurados anteriormente à sentença genérica (CPC, art. 608). Logo, não há motivo para se encaminhar a parte prejudicada para uma ação ordinária de condenação apenas porque a liqüidação esteja a reclamar comprovação de fatos novos. Bastará usar-se o procedimento da "liqüidação por artigos".

Por último, revela-se despido de maior significado o argumento de que haveria necessidade da ação de conhecimento, para propiciar um juízo mais amplo, "a findar por sentença passível de apelação". Ora, todo procedimento liquidatório termina por sentença (CPC, art. 607, parágrafo único e 611) que, naturalmente propicia o recurso de apelação (CPC, art. 520, III). Não há, pois, necessidade de remeter as partes para uma ação condenatória, tão somente para promover juízo amplo e sujeito a recurso de apelação.

Daí que, conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, "a melhor exegese do art. 811, do código processual, conduz à conclusão de que quaisquer danos, porventura advindos da execução da cautela liminar, direta ou indiretamente, serão, em tese, liquidáveis nos próprios autos da cautelar, pelo procedimento que melhor se amoldar à espécie" [26].

Para ter direito à indenização, basta, pois, à vítima, demonstrar que houve dano e que o dano decorreu da execução da medida, nada mais [27]. E isto, como explicita a lei, poderá ser liquidado nos mesmos autos do provimento cautelar [28], sem necessidade de prévia e expressa condenação, visto que se trata de responsabilização automática [29].

O entendimento de que os danos sofridos pelo requerido, decorrentes da execução de medida cautelar ou antecipatória de tutela, podem ser liquidados e executados no próprio processo em que se deferiu a tutela provisória, corresponde à jurisprudência amplamente dominante nos Tribunais. A liquidação do montante devido a título de indenização, com efeito, se dará "nos próprios autos do procedimento cautelar frustrado" [30]. E a execução da indenização independe de sentença condenatória "uma vez que a obrigação de indenizar deriva da simples extinção da medida cautelar", já que objetiva [31].

Em suma: "A obrigação de indenizar nos casos previstos no artigo 811, do Código de Processo Civil, que resulta da responsabilidade objetiva do autor da medida cautelar pelos prejuízos causados à parte contrária, não depende de condenação judicial, bastando a parte promover a liquidação, observados os meios previstos nos artigos 603 a 611, do Código de Processo Civil" (TAPR, Ap. 124998900, Rel. Juiz Rogério Coelho, ac. 29.09.98) [32].

A indenização há de ser ampla, abrangendo os danos emergentes e os lucros cessantes, todos os prejuízos provenientes da limitação do poder de disposição ou de gestão do objeto submetido à medida cautelar ou antecipatória, e, ainda, todas as influências desfavoráveis que tenha tido a execução sobre a situação patrimonial do promovido. Até mesmo os danos morais, quando evidenciados pela ofensa à honra e ao crédito, derivada da medida frustrada, têm de ser indenizados. Dentre os possíveis danos incluem-se, portanto, deterioração e desvalorização dos bens, privação de frutos civis, custas processuais, honorários advocatícios, toda e qualquer diminuição patrimonial decorrente da gestão do depositário da coisa ou da empresa.

Indenização completa é a que promove a efetiva recomposição do patrimônio do réu ao estado em que se encontrava na data da execução da medida, assegurando-lhe o pagamento dos danos emergentes e dos lucros que certamente auferiria se acaso não tivesse havido a intervenção da outra parte. É bom lembrar, ademais, que não se indagará de culpa, de boa ou má gestão do negócio alheio. Todos os danos advindos da execução da medida provisória, ainda que não labore com culpa o autor, deverão ser recompostos, porque o promovente optou por assumir o risco inerente à execução provisória de sentença, de tutela antecipada ou de medida cautelar.

Em nenhuma circunstância se exigirá - repita-se - prova de culpa ou dolo do promovente da ação cautelar ou da medida de antecipação de tutela. A responsabilidade civil, na espécie, é puramente objetiva, de sorte que seus fundamentos são apenas a lesão do requerido, a frustração da medida cautelar e o nexo causal entre a medida e o dano [33].


5. RISCOS DECORRENTES DA ALTERAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO SOCIAL POR MEIO DE MEDIDA JUDICIAL PROVISÓRIA

Sendo freqüentes os casos de medidas cautelares ou antecipatórias que interferem na administração de sociedades mercantis, seja suspendendo os efeitos de deliberação assemblear, seja assegurando voto contra acordo de acionistas, seja afastando ou substituindo diretores e até provocando intervenção judicial na empresa, vetando negócios ou investimentos, e tantas outras hipóteses similares [34], é interessante definir a responsabilidade daqueles que promovem a medida urgente, bem como dos terceiros que se investem na gestão social por força do ato judicial.

Já se demonstrou à saciedade que a parte que promove execução de medida judicial provisória responde objetivamente pelos danos daí decorrentes à contraparte. Destarte, os acionistas que, recorrendo à tutela jurisdicional de urgência, se investem na administração de companhia por força de medida cautelar responderão, objetivamente, pelos maus resultados da gestão realizada, independentemente, de má-fé, dolo ou culpa, caso a solução do processo principal ou cautelar venha a ser-lhes adversa. É uma conseqüência natural da regra traçada no art. 811, que, em suma, prevê que as medidas cautelares são promovidas e executadas a conta e risco do requerente.

Não poderá o controlador da companhia, investido do poder de gestão por força judicial, invocar a favor de si, as regras normais da Lei das Sociedades Anônimas, relativas ao acionista controlador e ao administrador da S/A, porque, aqui, não se trata de responsabilidade de direito material, mas de direito processual, decorrente da utilização do processo em situação provisória e precária.

Basta, portanto, que os resultados da gestão provisória sejam negativos ou desfavoráveis à empresa para que surja o dever de indenizar. Não haverá perquirição acerca de abuso ou desvio de poder, nem de ofensa ao estatuto ou à lei, tampouco do ânimo doloso ou da má-fé, muito menos das diligências e da capacidade intelectual e gerencial dos controladores e seus administradores. O risco contraído pelos acionistas que assumem forçosamente o controle social por meio de medida judicial provisória vai além da culpa e aloja-se no puro e simples risco do resultado positivo ou negativo da administração empresarial. A obrigação passa a ser de resultado, ao menos de manutenção do resultado anterior e dos lucros legitimamente esperados em decorrência do planejamento anterior. Responderão, pois, os autores da medida judicial precária pelo insucesso da companhia, decorrente da política e dos métodos administrativos adotados, pelas avaliações e opções mercadológicas e de investimentos, ainda que envidem todos os esforços visando o cumprimento do fim social. Trata-se de responsabilidade objetiva, para a qual não tem relevo o elemento subjetivo da culpa, mas apenas a existência do dano e o nexo causal que o ligue à execução da medida judicial de urgência.


6. RESPONSABILIDADE CIVIL DOS GESTORES INVESTIDOS POR FORÇA DE MEDIDA JUDICIAL PROVISÓRIA

Dúvida não há de que os acionistas autores da medida judicial provisória (cautelar ou antecipatória) responderão pelos prejuízos eventualmente provocados pela administração que eles impuseram à companhia, durante a vigência do provimento jurisdicional provisório.

Resta examinar a situação dos gestores, que não promoveram a medida cautelar, mas que os promoventes da medida provisória investiram na administração da sociedade, escudados na decisão judicial de urgência.

Em caráter geral, o administrador da companhia não responde pessoalmente pelas obrigações que contrair em nome da sociedade ou em virtude de regular gestão (art. 158, caput, da Lei 6.404/76). Responde civilmente, no entanto, pelos prejuízos que causar à companhia, quando, mesmo dentro de suas atribuições ou poderes, proceder com culpa ou dolo (art. 158, inc. I, idem).

A culpa, na gestão social, afere-se através de atividade comparativa dos "padrões de conduta geralmente aceitos" em face dos "usos e costumes da administração societária". "Ao negligenciar, ao agir com deslealdade ou imprudência, ao abusar de seu poder ou desviá-lo, o administrador assume a responsabilidade por sua ação ou negligente omissão em face do cumprimento da lei e a defesa dos interesses sociais e institucionais da companhia" [35].

Haverá, portanto, presunção de culpa sempre que a má conduta (objetivamente apreciada e independente do ânimo de lesar) gerar dano jurídico (nexo causal). Parâmetro para a constatação da má conduta são os "padrões de cautela normalmente utilizados para a deliberação, gestão e representação da companhia" [36]. Explica MODESTO CARVALHOSA:

"Trata-se de critério apriorístico da culpa, ou seja, de que ela se caracterizará na medida em que o administrador se conduza fora dos padrões adotados para a administração de companhias assemelhadas. Se evidenciado por comparação que, pelos costumes normais da atividade empresarial, agiu o administrador com desídia, deslealdade, abuso ou desvio de poder, presume-se que agiu com culpa, sendo por isso responsável à frente da companhia" [37].

Dentro dessa ótica, a conduta do administrador sofrerá impacto da natureza provisória e reversível da medida judicial que sustenta a sua investidura. Terá de se conduzir à frente da administração social levando sempre em conta a obrigação legal de preservar a reversibilidade daquilo que praticar. O correto será limitar-se à rotina indispensável ao funcionamento normal da empresa, abstendo-se de inovações profundas nas práticas gerenciais e, principalmente, de operações arrojadas e de risco.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

É certo que, nas operações de rotina, o risco é normalmente da empresa e não do administrador. Mas, numa situação precária de administração provisória e necessariamente reversível, qualquer negócio que fuja do corriqueiro, faz com que o gestor assuma responsabilidade pessoal pelo risco de eventuais prejuízos para a sociedade.

O que induz a responsabilidade pessoal do gestor da companhia é a ocorrência de dolo ou culpa na prática do ato de gestão gerador do prejuízo; é a conduta desatenta aos deveres normais do bom administrador. Na hipótese de administração limitada pelo caráter provisório da autorização judicial, o administrador está naturalmente advertido, por força até mesmo da lei processual, de que não pode praticar atos de conseqüências irreversíveis, fora da rotina empresarial. Destarte, qualquer operação arriscada, com previsibilidade do perigo de resultado adverso não lhe será autorizada. Se se dispuser a atuar nessa área de risco estará se omitindo quanto às cautelas que a investidura extraordinária lhe exige. Omitir cautelas necessárias configura justamente o fundamento da culpa, sobre que se assenta a teoria da responsabilidade civil.

Em suma: se a gestão decorre de medida judicial provisória (cautelar ou antecipatória), o prejuízo imposto à sociedade por negócio que ultrapassa a rotina administrativa e se insere no risco desnecessário, haverá de provocar a responsabilidade civil pessoal de que cogita o art. 158, I, da Lei das Sociedades Anônimas. Terá o administrador, mesmo sem dolo ou má-fé, agido imputavelmente a título de culpa stricto sensu. Se não provocou intencionalmente a lesão para a sociedade, assumiu o risco de provocá-la, ao não manter sua gestão nos limites da rotina administrativa, o que, sem dúvida, configura, no campo da responsabilidade civil, a culpa.

Não se dará, em face dos gestores que não foram parte na ação cautelar ou no feito em que ocorreu a antecipação de tutela, a responsabilidade objetiva prevista no art. 811 do CPC, mas poderá configurar-se a responsabilidade subjetiva, nos moldes da lei comercial.

Uma vez que investidos na gestão por força de medida judicial essencialmente reversível, os administradores, cujo mandato tenha como fonte medida cautelar ou antecipatória, se tornarão responsáveis pelos danos que, fora do risco rotineiro dos negócios da empresa, venham a causar ao patrimônio social. A culpa, na hipótese, decorre da adoção de conduta à frente da companhia, que não tenha respeitado o dever de preservar a reversibilidade da situação nova criada em razão de provimento judicial liminar e provisório.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Humberto Theodoro Júnior

professor titular de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, doutor em Direito, advogado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Responsabilidade civil objetiva derivada de execução de medida cautelar ou medida de antecipação de tutela. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2905. Acesso em: 23 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos