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Influências das redes de poder nas atividades de inteligência

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02/06/2014 às 18:06
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3       ATIVIDADES DE INTELIGÊNCIA E SUAS ESPECIFICIDADES

3.1. DEFINIÇÃO E CONCEITOS BÁSICOS

As Atividades de Inteligência, no sentido mais lato, existem desde o início dos tempos. Os antigos guerreiros utilizavam espiões para conseguirem saber das posições, número de homens e armamentos de seus inimigos.

Desde os tempos mais remotos, os líderes militares sempre procuraram obter informações sobre o inimigo, seus pontos fortes, suas debilidades, suas intenções e sua organização bélica. Visitantes estrangeiros vindos de terras que mais tarde Alexandre, o Grande, conquistaria recordam a insistência de suas perguntas a respeito do tamanho da população em seus países, da produtividade do solo, da direção dos rios e estradas que os atravessavam, da localização das cidades, baías e praças fortificadoras e da identidade dos cidadãos importantes(...) (KEEGAN, 2006, p.25).

Tais dados eram fundamentais para que fossem planejadas as operações que resultariam nas conquistas futuras. O elemento que conhecemos hoje como agente de inteligência esteve presente em vários contextos históricos:

Las cartas asirias fechadas em el siglo VII a.C. mustran, por ejemplo, la actuación de pastores como confidentes, informes de desertores del ejército enemigo, así como la presencia de um oficial de información entre el conjunto de tropas que componían el contingente com el que la corte asiria pasaría al país de Mazamua (em la antigua Persia) (NAVARRO, 2009, p.39).

No decorrer da História, várias situações ficaram caracterizadas como próprias destas atividades sempre lembradas como de espionagem, mas indubitavelmente consideradas como estratégicas. O foco principal sempre foi o de obter segredos... Obter determinados dados nem sempre disponibilizados publicamente... Obter dados que fariam diferença na condução de uma batalha, muitas vezes da própria guerra...

Cabem aqui alguns conceitos fundamentais da área de Inteligência para uma perfeita compreensão do texto:

DADO:  É o elemento sem qualquer tratamento. Um dado é uma situação, um fato que chegou ao analista de Inteligência sem o aval de qualquer órgão de Inteligência. É o que pode ser chamada de informação não confirmada.

INFORMAÇÃO: O termo informação, para o pessoal de Inteligência, refere-se ao fato ou situação já verificada. Ou seja, enquanto o dado pode ser um boato, a informação já foi checada seja pelo próprio órgão de Inteligência, seja por algum órgão congênere.

CONHECIMENTO: O conhecimento é a produção do órgão de Inteligência. São as informações submetidas a determinados processos de análise que produzem o conhecimento de Inteligência. Tal conhecimento, depois de devidamente apresentado, ou seja, colocado em parâmetros que possa ser lido ou estudado (um power point, por exemplo) por aquele ou aqueles quem têm o dever de tomar decisões, se constitui na razão principal de toda a Atividade de Inteligência.

3.2. PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO ESTRATÉGICO

Um conhecimento produzido por uma agência de Inteligência é sempre considerado seguro e confiável. Tem tais características porque passou por um tratamento adequado que lhe conferiu tal segurança e tal confiabilidade.

O processo de produção do conhecimento de Inteligência passa por cinco fases principais:

a) DEFINIÇÃO DO PROBLEMA;

b) COLETA E BUSCA DE DADOS E INFORMAÇÕES;

c) ANÁLISE DO MATERIAL OBTIDO;

d) PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO;

e) APRESENTAÇÃO.

DEFINIÇÃO DO PROBLEMA: Esta é uma fase importante de todo o trabalho, pois permitirá ao analista determinar o foco inicial de todo o trabalho. Algumas agências podem chamar esta fase de Planejamento. A Polícia Civil de São Paulo, por exemplo, ensina:

Portanto, sinteticamente, temos como etapas do planejamento do conhecimento:1. Delimitação do tema com seus aspectos essenciais, conhecidos e a conhecer;2. Definição do Objetivo, estabelecendo qual o resultado que se pretende com o texto, aquilo que se busca que o leitor compreenda;3. Seleção de Ideias capazes de sustentar o texto, já que podemos utilizar vários recursos para fundamentar a exposição como argumentos, exemplos, comparações, etc.(POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2002, p.125).

Ou seja, esta é a fase na qual os elementos devem ser bem escolhidos, pois o trabalho vai ser fundamentado nesta identificação inicial. Se o objetivo é identificar um traficante de armas não há sentido em redigir missões para o pessoal de operações chamando a atenção para outras incidências criminais, como por exemplo, furtos a residências.

Outros autores dividem esta fase em outras, com nomenclaturas diferentes. O grande mestre Platt desdobra tal fase em outras duas:

Levantamento Geral. Um levantamento do problema completo e dos campos adjacentes onde se pode colher algum auxílio. Plano geral para a conduta do trabalho, incluindo prazo, pessoal e principais fontes de informes julgadas disponíveis. (...). A compreensão, o discernimento, o senso comum e o realismo, aplicados, desde o início, a este planejamento e levantamento geral, exercerão influência poderosa no sucesso do projeto como um todo.Definição dos Termos: É essencial uma definição e explicação do que queremos, ou não queremos, dizer com cada termo ou conceito, deixando tudo bem claro, para nós mesmos, para nossos revisores e para nossos clientes.(PLATT, 1974, pp.102-103).

A fundamentação inicial do trabalho em Inteligência depende de uma boa definição do problema, com todos os elementos bem delineados. Um trabalho desfocado, sem os devidos parâmetros iniciais, pode gerar uma produção de conhecimento ineficaz ou ineficiente.

COLETA E BUSCA DE DADOS E INFORMAÇÕES: Esta é a fase na qual são reunidos os elementos que subsidiarão as analises de Inteligência. Os dados são todos aqueles pertinentes ao conhecimento que se pretenda produzir.

De uma forma geral, coleta define o aproveitamento de dados e informações que estejam à mão, publicadas em fontes oficiais ou não. São obtidas em publicações especializadas, em consultas aos arquivos da própria organização, dentre outros.

Já a busca é uma operação especializada. Consiste em se obter a informação ou o dado protegido, cujo acesso é protegido. É o chamado dado negado. Todo o romantismo e a ação dos filmes de espionagem e de agentes secretos, em última análise, são baseados no dado negado: é o esforço máximo que uma agência de Inteligência precisa fazer para obter a complementação necessária para produzir o conhecimento.

A polícia Civil de São Paulo classifica esta fase como a de Reunião:

Nesta fase busca-se a coleta de material e de dados, que pode ser feita de diversas formas:1) Consulta aos arquivos do órgão de inteligência;2) pesquisas de dados através de contatos, quando os dados são obtidos através de outra pessoa; estudos e ligações, que ocorrem quando o profissional de inteligência busca informações junto a uma congênere, através de pedido de busca (PB) dos conhecimentos constantes de seus arquivos;3) Acionamento do elemento operacional, por intermédio de solicitação a colegas que produzam relatório com as informações requeridas(POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2002, p.125).

O especialista internacional Washington Platt afirma que a coleta pode ser feita onde quer que estejam os dados, inclusive em outros países (PLATT, 1974, p.108). A mais completa reunião possível de dados e informações propiciam uma análise de Inteligência adequada.

ANÁLISE DO MATERIAL OBTIDO: Nesta fase entra o trabalho do analista de Inteligência. Com todos os dados e informações reunidos começa, então, a montagem do grande quebra-cabeça.   Como leciona Platt:

Este título é pequeno diante do vulto do trabalho e estudo a realizar com os informes, para tirar o que contem e observar o progresso e as limitações do nosso trabalho, à medida em que avança. Esta fase inclui avaliação, classificação, análise e interpretação dos informes. Algumas vezes, os dados podem ser proveitosamente transformados em gráficos, submetidos à análise estatística etc.(PLATT, 1974, p.104).

Informes, no contexto das observações de Platt deve ser interpretado como dados e informações até então obtidas. A Polícia Civil de São Paulo nomeia esta fase como a de “Análise e Síntese”, nomenclatura bastante interessante se for considerada a etimologia da palavra análise. O dicionário digital Aulete explica que o vocábulo análise (a.ná.li.se) é um substantivo feminino que possui três significados: “1. Estudo de um todo pelo exame de suas partes: análise de uma amostra de sangue; análise de um texto; 2. O resultado desse estudo; 3. Exame, avaliação, crítica” (IDICIONÁRIO AULETE). A ideia central é o decompor as partes para melhor onseq-las. E, posteriormente, novamente reuni-las para produzir o conhecimento desejado. Por este princípio é que o analista de Inteligência se utiliza de várias partes obtidas nas mais diferentes fontes e, então, monta o quebra-cabeça do conhecimento.

(...) A avaliação de dados é o processo a que são submetidos os dados de interesse para o exercício da atividade de inteligência, compreendendo o julgamento da fonte e do conteúdo dos dados obtidos.Nessa fase se procede à estruturação daquilo que foi escolhido como assunto, para conhecimentos e dados obtidos, decompondo-os em frações significativas e, em seguida, estabelecer a credibilidade das informações por ocasião da sua formalização, através de recursos de linguagem que expressem o estado de certeza ou de opinião do profissional de inteligência (POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2002, p.126).

Apesar de não ser o objetivo deste trabalho um aprofundamento na doutrina de Inteligência, é importante o estabelecimento de alguns preceitos que facilitem a compreensão geral. Quando o analista de Inteligência estabelece a credibilidade das fontes ele atribui uma gradação que pode incluir desde uma fonte totalmente qualificada até aquela que não é digna de qualquer crédito. Se um analista for atribuir a credibilidade de uma opinião de um engenheiro eletricista a respeito das instalações elétricas de um determinado local vistoriado por ele, será uma avaliação diferente de uma opinião de um corretor, por exemplo, que queira vender o local. Estas avaliações de credibilidade são importantíssimas na hora de produzir o conhecimento de Inteligência, pois fornecem os subsídios para tanto.

Já quando se fala em estado de opinião ou certeza é a prevalência de status em que se encontra a informação trabalhada. Quando o analista emite uma opinião ele expressa o resultado de seu convencimento a respeito do material analisado. Ele informa uma direção, uma forte possibilidade em relação a uma situação, pessoa ou acontecimento. Diferentemente da certeza, em que o analista não tem dúvidas da realidade apontada. O resultado do estado mental do analista em relação ao conhecimento produzido, vai determinar, inclusive, o tipo de conhecimento.

PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO: Há três tipos de conhecimento que podem ser produzidos pela Inteligência. Como ensina Ferro Júnior (2008, p.39):

Conhecimento Descritivo: O Conhecimento Descritivo é resultante do processamento das informações confirmadas sobre determinado assunto, das quais se tem convicção, finalizado por uma conclusão baseada nos aspectos que o integram e que sejam pertinentes para a ação organizacional.

Conhecimento Avaliativo: O Conhecimento Avaliativo é o resultante do processamento de informações disponíveis e/ou do conhecimento do próprio profissional de Inteligência de Segurança Pública sobre determinado assunto, conhecimento no qual são apreciados um fato ou situação e seus desdobramentos numa faixa de tempo e espaço.

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Conhecimento Estimativo: O Conhecimento Estimativo é resultante do processamento de informações disponíveis sobre fato ou situação, no qual se projetam cenários futuros e hipóteses quanto à sua evolução a curto, médio ou longo prazo, no qual se pode realizar diagnósticos e sugerir prognósticos acerca de um fenômeno.

De acordo com o grau de certeza que o analista possui de determinado assunto é emitido o documento pertinente.

APRESENTAÇÃO: Nesta parte o conhecimento produzido é apresentado. De acordo com o tipo do documento, aquele que é o responsável pelas decisões pode ter uma ideia do grau de certeza da agência sobre o assunto. Como ensinam Lento e Schauffert (2008, pp.108-109):

 INFORME: elaborado pelo profissional de inteligência, expressa seu estado de certeza ou de opinião frente à verdade sobre fatos ou situação passados e/ou presentes; não ultrapassa os limites do juízo e requer do profissional de inteligência capacidade de julgamento, análise e síntese; (...) narrativa apenas no pretérito ou no presente sem traduzir qualquer tipo de evolução futura;

INFORMAÇÃO: elaborado por profissional de inteligência resultante de raciocínio, expressa estado de certeza frente à verdade sobre fato ou situação passados e/ou presentes; (...) não comporta qualquer tipo de projeção dos fatos ou situações futuras.

APRECIAÇÃO: resultante de raciocínio elaborado pelo profissional de inteligência, expressa opinião sobre fato ou situação passados e/ou presentes; difere-se da informação pelo fato de expressar uma opinião e não estado de certeza como é na informação; e

ESTIMATIVA: resultante de raciocínio elaborado pelo profissional de inteligência, expressa seu estado de opinião frente à verdade, sobre a evolução futura de um fato ou de uma situação; requer raciocínio prospectivo e conhecimento compatível com a complexidade da técnica de previsão.

3.3. PRINCÍPIOS DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA

Além das características já apresentadas, as atividades de Inteligência primam por seguirem princípios importantes que constituem parte da doutrina de Inteligência. Autores como Lento e Schauffert (2008, pp.130-131) e o Manual Operacional da Polícia Civil do Estado de São Paulo (2002, p.121) especificam, dentre outros:

 OPORTUNIDADE: O tempo necessário para aprofundar um estudo nem sempre é o tempo que a agência tem para subsidiar uma determinada operação. É necessário que o analista tenha em mente que a tempestividade das ações é tão importante quanto a própria ação. Uma ação desenvolvida fora de seu tempo pode – ao invés de ajudar – prejudicar todo um trabalho.

SIMPLICIDADE: Desde que a Segurança seja totalmente atendida, o princípio da simplicidade implica em economizar recursos estabelecendo os caminhos mais simples para a execução das ações.

OBJETIVIDADE: O objetivo das ações é a produção do conhecimento. Todos os atos devem seguir esta diretriz e estarem tão somente focados neste objetivo.

SEGURANÇA: Princípio importante, procura resguardar a integridade da agência de Inteligência, seus integrantes e o sigilo de sua missão.

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Sobre o autor
Herbert Gonçalves Espuny

Doutor pela Universidade Paulista - UNIP, com pesquisa específica na área de Inteligência. Mestre na área interdisciplinar Adolescente em Conflito com a Lei, pela Universidade Bandeirante de São Paulo - UNIBAN. Administrador, registrado no CRA-SP. Bacharel em Direito. Corregedor, na Controladoria Geral da Administração, Governo do Estado de São Paulo. Professor universitário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ESPUNY, Herbert Gonçalves. Influências das redes de poder nas atividades de inteligência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3988, 2 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29141. Acesso em: 26 abr. 2024.

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