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Influências das redes de poder nas atividades de inteligência

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02/06/2014 às 18:06

Resumo:


  • As atividades de Inteligência visam obter informações estratégicas por meio de redes de poder, influenciando decisões importantes.

  • Os processos de produção de conhecimento em Inteligência envolvem a definição do problema, coleta de dados, análise, produção do conhecimento e apresentação dos resultados.

  • Princípios como oportunidade, simplicidade, objetividade e segurança guiam as atividades de Inteligência, visando eficácia e eficiência na obtenção e análise de informações.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

 4 POSSÍVEIS INFLUÊNCIAS DAS REDES DE PODER NA INTELIGÊNCIA

4.1. POLÍTICA E ATIVIDADES DE INTELIGÊNCIA

Um dos maiores fiascos contemporâneos da Atividade de Inteligência reside no fato de não ter sido encontradas quaisquer armas de destruição em massa no território do Iraque, invadido pelos EUA. Uma discussão bastante divulgada, tanto pelo público especializado quanto pelo público leigo, é a de que tal fiasco não foi senão a onsequência de uma “armação” para que o Iraque fosse invadido de qualquer maneira. Portanto, a existência ou não das armas acima citadas não passaria de uma desculpa para justificar a operação. Apesar de possível, tal raciocínio não parece muito lógico: várias outras desculpas poderiam ser utilizadas sem que envolvessem a maior agência de Inteligência americana, a CIA. De qualquer forma, sendo a justificativa uma mera desculpa para a guerra que se seguiu ou não, o que se constata pelas fontes disponíveis é que ao não encontrar quaisquer armas de destruição em massa, os EUA protagonizaram mais um episódio que expôs, negativamente, a Inteligência do país.

Em apertada síntese, parece que o maior problema foi a produção de conhecimento de Inteligência baseada tão somente numa única fonte. Internacionalmente, o conhecimento de Inteligência não pode ser produzido baseado numa única fonte haja vista que a análise tem como parâmetro o cruzamento de diversas fontes, das mais variadas espécies. E, principalmente, em assuntos de importância internacional esta regra é rigorosamente aplicada. É verdade, também, que o contexto geral da problemática precisa ser levado em consideração: obter dados e/ou informações de boa qualidade, em algumas regiões do globo, não é tarefa fácil. Talvez em função disso é que o informante curveball[1] tenha adquirido tamanha relevância. Tal informante, supostamente engenheiro iraquiano, pretendendo ter algumas regalias como refugiado na Alemanha, passou a descrever ao serviço secreto alemão, supostas fábricas de armas de destruição em massa em território alemão. Repassados os dados obtidos para a CIA, a agência de Inteligência americana, fez um contraponto às declarações, afirmando que escaneamentos feitos por satélites em território iraquiano não haviam identificado plantas de fábricas com as características informadas. O informante iraquiano confrontado, afirmou que tais fábricas estavam abrigadas em caminhões que permanentemente rodavam pelo território iraquiano, dificultando tanto a localização das mesmas, como suas possíveis destruições. Tais argumentos convenceram os americanos, pelo menos até onde se sabe e foi relatado.

As acusações de Ahmed Alwan Rafid (conhecido pelo codinome Curveball) davam conta de que o Iraque possuía estoques de armas biológicas em fábricas móveis, razões estas que se constituíram em parte principal da justificativa dos EUA para a invasão, segundo declarações do Secretário de Estado Colin L. Powell, no Conselho de Segurança da ONU, em 5 de fevereiro de 2003.[2] (THE NATIONAL SECURITY ARCHIVE, 2007).

Parece que o caso em questão sugere duas interpretações possíveis: a primeira é a divergência entre os interesses políticos e as possíveis direções que a Inteligência pode indicar. O segundo é a falha na produção de conhecimento de Inteligência.

A primeira interpretação prende-se ao fato de que os interesses políticos são multivariados. Podem coincidir ou não com as indicações da produção de conhecimentos estratégicos.

Em assuntos que as suas diferentes orientações são complementares inteligência e política colaboram tranquilamente. Todavia, é geralmente nos mais importantes tópicos, aqueles envolvendo controversas escolhas políticas, que a relação entre as duas tribos é abalada ( AMBROS, 2010,  p.31).

Principalmente quando as coisas são relacionadas a assuntos sensíveis, de alta complexidade ou de searas que envolvem interesses variados. E as especificidades da área de Inteligência propiciam, ainda, posturas que – respeitando os parâmetros técnicos da produção de Inteligência – acabam distanciando os profissionais de Inteligência, na maior parte das vezes, daqueles que efetivamente decidem baseados nesse mesmo conhecimento. Parecem compartimentos estanques, vasos incomunicáveis, e tão somente assumem tal forma por uma questão enfatizada na própria doutrina de Inteligência.

Ou seja, produção de Inteligência encomendada parece funcionar de forma que a interessada principal (quem encomenda) recebe o produto pronto e decide o que fazer com ele:

Na área dos Estudos de Inteligência, muitos autores e pesquisadores não consideram os tomadores de decisões como parte do processo da Inteligência, afirmando que o ciclo de inteligência está completo uma vez que ela chega ao seu consumidor final (a comunidade política), que geralmente está somente associada ao início (requisições) e ao fim (consumo) do ciclo. Ou seja, deste ponto de vista, a Inteligência é um processo isento da esfera política ( AMBROS, 2010, p.28).

Além disso, sendo a esfera política a que se serve dos se4rviços de Inteligência, os interesses podem divergir, apesar do objetivo, em tese, estar sempre ligado ao bem comum do país e da sociedade em geral.

Pragmáticos, os oficiais de inteligência geralmente impõem os seus limites dentro daquilo que é possível, ao contrário da comunidade política que estabelece limites dentro daquilo que elas querem alcançar. Estas funções não são fáceis de se manterem separadas, sendo que a diferença nas responsabilidades das duas comunidades desenvolve diferentes perspectivas, atitudes, prioridades e comportamentos. A essência desta lógica é que tanto os oficiais de inteligência quanto os políticos estão certos dentro do papel proposto a cada uma delas no sistema, entretanto, esta diferença básica impacta diretamente no relacionamento entre as duas comunidades, além de criar fatores que tendem a fazer com que o sistema falhe.

O fato de o governo não ser uma organização monolítica ajuda a explicar porque os tomadores de decisão e os oficiais de inteligência têm diferentes interesses. De uma perspectiva macro, todos buscam o mesmo objetivo – sucesso nas políticas de segurança nacional -, todavia, o sucesso pode significar coisas diferentes para cada comunidade (AMBROS, 2010, pp.31-32).

Mas tal dinâmica não justifica todos os problemas relacionados à área. A obtenção de dados negados, ou seja, aqueles que não são de fácil acesso sempre foram alvo das maiores especulações. Operações de vários matizes, oficiais ou não, deram origem a uma série de reportagens, livros e documentários refletindo detalhes de tais operações. Várias obras de ficção foram criadas levando em conta tais atividades.

A agência governamental mais famosa nessas práticas possivelmente é a americana CIA. Sua fama é internacional e o número de operações em que se envolve é objeto dos mais variados estudos e pesquisas, além de considerações e especulações. Conhecida como a “rainha das agências de Inteligência”, muitas vezes protagoniza as ações cuja alimentação pode ter sido oriunda de outras do sistema americano, como a DIA. Mas, de qualquer forma, a CIA aparece quase sempre no “centro do furacão”:

A partir de sua agência de inteligência externa, a CIA, os americanos intervieram em distintas partes do globo, alterando o destino de nações inteiras. Tentativas de assassinato, sabotagem, planejamento de golpes militares, criação de movimentos políticos, financiamento de partidos, assassinatos. Tudo isso e muito mais. Dezenas foram os países atingidos, que vão da Itália, com o financiamento da democracia cristã em 1948 contra os comunistas, passando pelo oriente médio com a derrubada do governo democraticamente eleito do Irã em 1953, pela América central com o golpe militar na Guatemala em 1954 e a fracassada tentativa de invasão de Cuba em 1963. Diga-se de passagem, que as tentativas de assassinar Fidel Castro contam-se na casa das dezenas. Na América do Sul a CIA financiou os adversários de Jânio Quadros nas eleições de 1962 e depois planejou e deu garantias ao golpe militar de 1964. Depois vieram as quarteladas no Uruguai, em 1973, no Chile, em 1973 e Argentina, em 1976. Na África os americanos financiaram as guerras civis, como em Angola e no Congo. Na Ásia sustentaram o governo corrupto do Vietnã do Sul e voltando ao oriente médio financiaram, no combate aos soviéticos, os mesmos radicais islâmicos que por ironia da história hoje enfrentam (BRITO, 2008, p.92).

É importante lembrar, também, que tal dinâmica é decidida nos bastidores da política, em grupos cujas decisões são permeadas de certo viés de urgência e confidencialidade, o que não permite discussões exaustivas a respeito dos temas. E, mais ainda: conveniências políticas podem estar, nos bastidores, como a real motivação na interpretação de certos relatórios de Inteligência.

Um exemplo é a classificação da Venezuela como safe haven[3] pelo Departamento de Estado americano.

É interessante notar que embora o texto supracitado esteja em um relatório que trate de terrorismo, em uma parte que trata dos safe havens ao redor do globo, os argumentos que acusam a Venezuela são baseados na questão do narcotráfico. Tal fato demonstra a falta de evidências empíricas que realmente a Venezuela seja um safe haven do terrorismo internacional. Além disso, infiro que a inclusão da Venezuela dentro dos safe havens do terrorismo internacional responda muito mais a uma questão de conflito ideológico-político entre este país e os EUA, do que uma real ameaça que o país sul-americano suporte o terrorismo (FERREIRA, 2009. P.10).

Independente de ser ou não o que o relatório classifica de safe haven, o simples suscitar de que certa influência política poderia intervir numa classificação própria de Inteligência, demonstra a suscetibilidade a qual toda uma área está efetivamente exposta: as técnicas de produção de conhecimento estratégico muitas vezes são “revogadas” por “interesses maiores”.

Outros problemas relacionados às influências políticas no uso do aparelho de Inteligência (no caso a Agência Brasileira de Inteligência – ABIN) podem comprometer, inclusive, a credibilidade de toda a atividade. Um exemplo disso foi a chamada operação Satiagraha[4]. Promovida pela Polícia Federal Brasileira, tal operação tinha por objetivo o combate de vários crimes classificados como de “colarinho branco”, envolvendo gente graúda do cenário financeiro brasileiro. Contudo, o sucesso da operação foi comprometido, dentre outras razões, pela utilização indevida – política e não técnica – do aparelho de Inteligência do estado:

A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça anulou todos os procedimentos decorrentes da Operação da Satiagraha da Polícia Federal, inclusive a condenação do banqueiro Daniel Dantas por corrupção ativa. Por três votos a dois, o STJ considerou que a atuação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na operação da PF violou os princípios constitucionais da impessoalidade, da legalidade e do devido processo legal.

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“Se a prova é natimorta, passemos desde logo o atestado de óbito, para que ela não seja usada contra nenhum cidadão”, disse o presidente da 5ª Turma, ministro Jorge Mussi, ao dar o voto que desempatou o julgamento.

O relator do caso, desembargador convocado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Adilson Macabu, entendeu que a atuação dos agentes da Abin extrapolou as atribuições legais da agência criada para assessorar a Presidência da República, e aconteceu de forma clandestina. Agentes da agência de inteligência da Presidência foram convocados informalmente para participar das investigações pelo então delegado da Polícia Federal, Protógenes Queiroz, que dirigia a operação (ROCHA, 2011).

Ora, independentemente das intenções do citado delegado, a força de Inteligência não pode ser utilizada meramente pela vontade de quem quer que seja: só pode ser utilizada dentro de um suporte legal, privilegiando os aspectos do “fazer certo” e não tão somente buscando resultados. E aqui cabe relembrar alguns conceitos administrativos referentes à eficiência e à eficácia: apesar de sinônimos, no âmbito da Ciência da Administração, eficiência refere-se, geralmente, aos meios utilizados e eficácia aos resultados obtidos[5]. Ora, a atividade de Inteligência é regida por princípios de eficiência e qualidade indissociáveis do escopo do próprio serviço. Conforme abordado no capítulo 3 (Atividades de Inteligência e suas especificidades), um dos princípios é o da segurança. E lato senso, tal princípio quer dizer não só a segurança do agente envolvido na operação, mas a segurança da instituição que produz Inteligência e, até por extensão, a salvaguarda da própria atividade como um todo. E expor, desnecessariamente, a principal agência brasileira, no caso a ABIN, associando-a a um fracasso operacional motivado pela não observação de preceitos éticos e legais, com certeza, é um desserviço.

Aliás, as influências políticas têm o viés de comprometer os preceitos de qualidade. Uma vez que os interesses deixam de ser técnicos e não mais vinculados aos princípios básicos da atividade de Inteligência, as atitudes podem ser as mais variadas possíveis. Um exemplo é o que aconteceu durante o período da Ditadura Militar brasileira (1964-1985). Os serviços de Inteligência foram utilizados de forma a atender determinados interesses políticos da época, resultando em operações problemáticas e desastradas.

Um dos órgãos da Ditadura Militar que trabalhou com policiais civis a seu serviço foi o DOI (Destacamento de Operações de Informações). Órgão da Inteligência Brasileira, o destacamento se estabeleceu em todos os estados brasileiros (...). Ao DOI era ligado o CODI (Centro de Operações de Defesa Interna) e a sigla DOI-CODI ficou famosa por reunir setores de inteligência e operações da Ditadura Militar. Em São Paulo, nas dependências do DOI-CODI, foi estabelecida a OBAN (Operação Bandeirante) cujo objetivo específico era o combate à subversão, reunindo equipes de militares e policiais estaduais (civis e militares).

Parece que a unidade da Polícia Civil de São Paulo mais envolvida com o DOI-CODI foi o DEOPS (Departamento Estadual de Ordem Política e Social), que na época era um órgão estadual (hoje ainda há, em São Paulo, uma unidade policial com o nome de Ordem Política e Social ligada à Polícia Federal). Seu representante mais famoso e controvertido foi o delegado Sérgio Fernando Paranhos Fleury (1933-1979), acusado de comandar inúmeras torturas e assassinatos num combate feroz aos militantes de esquerda durante o regime militar (ESPUNY, 2009, p.24).

Uma das operações consideradas problemáticas foi aquela conhecida como “Operação Rio Centro”. Uma ação de Inteligência desastrada que resultou na morte de um dos militares do Exército brasileiro envolvidos, o capitão Sérgio Machado e o sargento Guilherme do Rosário, num estacionamento do Rio Centro, uma casa de shows da cidade do Rio de Janeiro, no dia 01 de maio de 1981.  Ao que tudo indica dos relatos históricos, o objetivo da “operação secreta” era causar pânico no local que concentrava milhares de pessoas. Eles estavam num carro Puma:

A dupla, porém, não chegou a sair do carro. Depois de uma tremenda explosão, o sargento Guilherme do Rosário, eviscerado, agonizou e morreu dentro do carro, enquanto o colega ao lado tombou, gravemente ferido. Socorrido, pouco depois, sobreviveria ao golpe, mas o fato não pode ser ocultado da opinião pública. Repercutiu pesadamente. Os militares tentaram criar uma outra história, arquitetando a versão de que eles – os atacantes – teriam sido justiçados por terroristas. O inquérito foi grosseiro e, embora as conclusões fossem divulgadas com estardalhaço, ninguém, acreditou. Era evidente que a dupla estava a serviço, mesmo que por iniciativa própria (MORAIS, 2008, p.201).

Independentemente de estarem agindo por conta própria ou em função de alguma “armação” coletiva, o fato é que a atividade de Inteligência acabou servindo, no mínimo, a interesses não bem identificados.

4.2. RELIGIÕES E ATIVIDADES DE INTELIGÊNCIA

Além da influência política nas atividades de Inteligência, outras influências podem ser verificadas através de outras esferas, como as religiosas e/ou místicas de vários matizes.

Desde os tempos mais remotos, religião e inteligência compartilham atividades. Na Bíblia, “Disse o Senhor a Moisés: envie homens que espionem a terra de Canaã, que eu hei de dar aos filhos de Israel; de cada tribo de seus pais, envie um homem, e cada um desses será um príncipe entre eles”, Velho Testamento, Números 13: 1-2. Apesar de não exatamente sistematizada como produção de conhecimento, a busca de dado negado parece estar bem representada na suposta ordem divina. Aliás, a Igreja Católica sempre foi zelosa na guarda de seus segredos e mistérios:

Os arquivos secretos do Vaticano sempre estiveram envoltos em polêmica. Isso porque a imagem que se tornou comum ao público era a de que possuiriam, como nos arquivos do FBI, informações sobre pessoas de destaque, grupos e seitas que iriam contra as doutrinas da igreja e até provas de que existiriam extraterrestres. Como o acesso sempre foi difícil até mesmo para os acadêmicos que deles necessitavam, muitos espalharam notícias ainda mais capciosas sobre seu verdadeiro conteúdo (COUTO, 2010, p.111).

 E, mais, algumas destas religiões ou seitas são capazes de promover verdadeiras “operações secretas” com as mais diversas justificativas.

Um exemplo disso ocorreu no Japão:

No dia 27 de junho de 1994, em Matsumoto (região central do Japão), vários adeptos da seita de Shoko Asahara assassinaram sete pessoas e feriram cerca de trezentas. E na manhã de 20 de março de 1995, extremistas de Aum Shiinrikyo lançaram no sistema de transporte subterrâneo de Tóquio cinco sacos plásticos cheios de gás sarin, atentado que, segundo foi dito, foi meticulosamente planejado para ser consumado em horas de maior afluência de pessoas. Causou um desastre maciço; deixou como saldo doze mortos, quarenta pessoas seriamente afetadas e um número indeterminado de expostos, além de mais de cinco mil pessoas vítimas de intoxicação que precisaram ser encaminhadas aos hospitais mais próximos (ALLEGRITTI, 2010, p.68).

Operações tais, se bem sucedidas, não puderam ser detectadas pelos órgãos de Inteligência da região. As religiões muitas vezes foram protagonistas de verdadeiras “operações de Inteligência” apesar de não incluídas tecnicamente como tais, mas que se pautaram por uma série de preceitos como a departamentalização da atividade, a objetividade, o sigilo e a análise de dados obtidos. Uma destas operações, que teve como ápice a publicação de um livro chamado “Brasil: Nunca Mais”, em 1985, sob a coordenação do arcebispo Dom Paulo de Evaristo Arns e que comprovava, através de relatos obtidos em tribunais brasileiros, a prática de tortura:

Em relação ao Brasil: Nunca Mais – elaborado por uma equipe anônima coordenada pelo arcebispo dom Paulo Evaristo Arns –, sua constituição foi marcada pela atuação silenciosa, quase clandestina, de pessoas vinculadas aos setores progressistas da Igreja Católica, que se dedicaram àdenúncia dos desrespeitos aos Direitos Humanos durante a ditadura civil-militar brasileira (1964-1985). Mesmo com a promulgação da Lei de Anistia, em 28 de agosto de 1979, que trouxe à tona relatos interditados durante o período mais repressivo do regime, a memória sobre a tortura, que aos poucos era construída pelo grupo da Arquidiocese de São Paulo, permaneceu subterrânea até o lançamento do Projeto B. A partir do momento da publicização do conteúdo do Brasil: Nunca Mais, essa memória passou a adquirir certa oficialidade, o que levou os militares brasileiros a afirmar, em meados da década de 1990, que haviam vencido a guerra contra a subversão, mas perdido a batalha contra memória (BAUER, 2008, p.15).

Mas, em relação à Inteligência como sistema organizado de produção de conhecimento, a Igreja Católica não só praticou e influenciou tal atividade, mas também criou e mantém um serviço próprio batizado de Santa Aliança:

Em toda a história dos serviços de Inteligência, existe uma que é das mais intrigantes deste mundo subterrâneo e que reflete um mundo quase não existente na mente popular: a história do serviço secreto do Vaticano, ou da Santa Aliança, o serviço de espionagem do Papa. Considerado o mais antigo em funcionamento, é também reconhecido como o melhor do mundo, no aspecto de suas ações clandestinas e do segredo em que suas ações são tratadas (ABIN, 2011 , p.81).

Relatos de estudiosos dão conta de que esse serviço secreto batizado de Santa Aliança conduziu as mais diversas operações de todos os tipos. Ora, se o dogma mais importante do catolicismo consiste no reconhecimento de Deus e na vinda de Seu Filho, Jesus, como representante divino, a fim de salvar os homens, era de se esperar que um serviço secreto ligado a tal sistema de credo promovesse a difusão tão somente dos ensinamentos e procurasse colher dados e informações, no máximo, da concorrência. Contudo, enquanto rede de poder parece que aqueles que mandavam na Santa Aliança foram muito mais longe que isso:

Durante mais de cinco séculos de história, a Santa Aliança participou de várias operações e atentados, inclusive da matança da “noite de São Bartolomeu”, do assassinato de Guilherme de Orange e doRei Henrique IV da França, da Guerra da Sucessão Espanhola, da crise com os cardeais Richelieu e Manzarino da França, do atentado contra o Rei José I de Portugal, da articulação na Revolução Francesa, da ascendência e da queda de Napoleão Bonaparte, da guerra de Secessão Americana, das relações secretas com o Kaise Guilherme II, durante a Primeira Grande Guerra, além de articulações amistosas com Adolf Hitler, na Segunda Grande Guerra, e também apoiou a organização secreta ‘Odessa’, que ajudava na fuga de nazistas da Alemanha, principalmente para a Argentina e o Brasil, a luta contra o grupo terrorista Setembro Negro, em apoio ao Mossad (...) (ABIN, 2011 , p.84-85).

Ora, acima dos superiores interesses doutrinários não há como negar de que as religiões necessitam de espaços, sejam geográficos, sejam políticos, para prosperar e arrebanhar o máximo possível de fiéis. Desta forma, a influência direta sobre os destinos mundanos pode propiciar tal prática de forma tranquila e produtiva, haja vista que as redes religiosas precisam se manter e equilibrar suas finanças tal qual qualquer outra organização. E parece que a Santa Aliança tem servido muito mais a estes últimos interesses que aqueles ligados à espiritualidade.

A propagação da fé católica de forma intensa na mídia, as ações para neutralizar o avanço do comunismo (como estratégia básica de um polonês no pontificado), além de medidas para combater o terrorismo internacional, foram situações da qual a Santa Aliança participou intensamente como ‘a mão secreta do Papa’, incluindo operações escusas e contrarias aos ensinamentos de Cristo.

Hoje, em pleno século XXI, nada pode ser conhecido sobre o serviço secreto do Vaticano, ou a Santa Aliança, por uma razão simples: espionagem, poder, política e, principalmente, religião não devem se misturar, mas com certeza sempre serão assuntos integrados na história da humanidade (ABIN, 2011 , p.86).

O serviço secreto do Vaticano é chamado, atualmente, de “A Entidade” e esta nova denominação já é de domínio público. Com este mesmo título já foi publicado, no exterior, pelo ensaísta e professor universitário Eric Franttini, um livro[6] que trata das peripécias do serviço secreto do vaticano.

O desembargador aposentado, Wálter Fanganiello Maierovitch, num artigo para a Carta Capital, fala abertamente do serviço secreto do Vaticano ao se referir a crimes cometidos em operações encobertas:

 O ministro da Justiça, Tarso Genro, repetiu uma lição que se colhe da concepção positivista do Direito Natural e dos tratados e convenções internacionais: torturas e assassinatos não são crimes políticos. À fala de Genro faltou acrescentar que o direito à verdade não pode ser escondido pelos Estados. Nem blindado o acesso à informação, a favorecer, por exemplo, tiranos, agentes assassinos de serviços secretos, quer da KGB, quer da CIA, quer do SNI, quer da “A Entidade”, nome do serviço secreto do Vaticano.  (MAIEROVITCH, 2008).

Outras situações refletem a profunda influência das redes de poder de base religiosa influenciando ou, diretamente, patrocinando as atividades de Inteligência. Talvez o maior exemplo desta dinâmica seja a situação do Oriente Médio:

O palestino Mosab Hassan Yousef tinha 18 anos quando virou informante do serviço secreto de Israel, o Shin Bet, após ser preso por porte de armas. Sua intenção era se fingir de colaborador para se vingar dos “inimigos”. Hoje, aos 32, ele dá graças a Deus por ter mudado de idéia — e se tornado um espião do país que odiara. Convertido ao cristianismo, por uma década repassou informações que culminaram na prisão ou morte de líderes palestinos e evitaram o assassinato de israelenses, entre eles o atual presidente de Israel, Shimon Peres. Isso só foi possível porque Yousef é filho de um dos sete fundadores do grupo extremista islâmico Hamas, o xeque Hassan Yousef, que atua na Cisjordânia e na Faixa de Gaza e é conhecido pelos atentados suicidas. Nesta entrevista à ISTOÉ, por email, ele fala sobre sua traição —  revelada no livro “Filho do Hamas” (Sextante), que chega ao Brasil após causar polêmica no mundo todo —, bate pesado no Islamismo e diz que revelou sua identidade para mostrar a seus conterrâneos que a liberdade é possível.   Yousef vive na Califórnia, Estados Unidos, mas espera um dia voltar ao Oriente Médio onde, provavelmente, seria assassinado. Foi ameaçado de morte pelo Hamas e renegado pelo pai, que está na cadeia. Mas ele acha que está cumprindo sua missão de alertar os compatriotas: o Islamismo é “a maior mentira da História.”  “Eu já quis matar judeus, mas me orgulho de dizer que hoje meus melhores amigos são judeus”, contou. Combater o que chama de “ideologia do ódio” seria fundamental para o sucesso de qualquer projeto de paz na região: “O Deus do Islã representa ódio e tortura. Ele ordena a morte de todos os que não acreditam nele”. Para Yousef, nem a criação de um Estado palestino nos territórios ocupados colocaria fim aos conflitos (ISTO É ON LINE, 2010).

Independentemente de tal situação expressar certa “propaganda” de um dos lados da história é indiscutível que a realidade no Oriente Médio é feita de incompreensões, radicalismos, armadilhas e as mais diversas situações típicas de uma atividade de Inteligência permeada de interesses políticos, estratégicos e religiosos.

4.3. OUTRAS INFLUÊNCIAS NAS ATIVIDADES DE INTELIGÊNCIA

Além de possíveis influências políticas e/ou religiosas, outras vertentes podem comprometer as atividades de Inteligência enquanto atividade estruturada. Até mesmo entre os membros da própria Comunidade de Inteligência[7], determinadas vaidades são inevitáveis:

O desprezo demonstrado pelas agências “duras” – o NSA, a GCHQ – em relação às “brandas” – a CIA, o SIS – não pode ser mais bem ilustrado do que por meio da história, tantas vezes recontada, dos espiões de Cambridge no início da Guerra Fria. Donald Maclean, Guy Burgess, Kim Philby, Anthony Blunt, John Cairncross e os que os rodeavam eram jovens elegantes de boas famílias, educados em escolas caras e universidades famosas, que foram seduzidos, pela lógica retorcida do marxismo, a tornar-se agentes soviéticos antes de entrarem para o serviço diplomático britânico ou para serviços de inteligência. Eventualmente, após 1945, todos se tornaram suspeitos e três deles, Maclean, Burgess e mais tarde Philby, desertaram para a União Soviética em meio a um ruidoso sensacionalismo da mídia. Causaram grandes prejuízos às agências em que trabalhavam e à confiança entre os estados Unidos e a Grã-Bretanha, que levou muitos anos para ser restaurada. Com efeito, durante um longo período os norte-americanos mantiveram a opinião de que os serviços britânicos de inteligência eram fundamentalmente falhos, e mesmo corruptos, e só depois de muito tempo, quando os próprios norte-americanos sofreram uma série de graves quebras de segurança dentro da CIA e dos serviços de inteligência militar, cometidas sabidamente por agentes motivados por ganância, e não pela ideologia, as relações entre as duas comunidades de informação voltaram a níveis estáveis (KEEGAN, 2006, p.397).

As agências citadas são: National Security Agency – NSA[8], especializada em Inteligência de sinais e criptografia; sua congênere inglesa, Government Communications Headquarters – GCHQ[9]; a Central Intelligence Agency[10]; e a também congênere inglesa Secret Intelligence Service – SIS[11], também conhecida como MI6.

Além da questão da corrupção e da influência de concepções ideológicas pessoais, o texto chama a atenção por revelar certa rivalidade entre determinadas agências que primam por um determinado modus operandi, como é o caso da americana NSA e da inglesa GCHQ, nas quais o escopo está na interceptação e decodificação de mensagens enquanto que a CIA e a SIS trabalham, dentre outros meios, com agentes e trabalhos de campo. Como lembra Keegan (2006, pp. 396-397) “não há rivalidade mais intensa do que a que existe entre os serviços de inteligência que, por meios diferentes, trabalham do mesmo lado”.

Ora, e aqui cabe uma observação: tal situação deve influenciar nos resultados de umas e outras. Considerando que a atividade de Inteligência tem por premissa a reunião do máximo possível de dados e informações para que a análise seja a mais fértil possível e, consequentemente, a produção de conhecimento seja profícua, situações de rivalidade em que há disputas deste tipo dificultam a colaboração entre as agências e o compartilhamento desejável para maiores eficiência e eficácia.

Outra situação na qual os mecanismos de Inteligência não foram suficientemente eficazes ou não foram levados a sério foi no episódio da Guerra das Malvinas ou Falklands, em 1982. Um conjunto de ilhas desde o século XIX disputado pelos ingleses e argentinos, tem uma população exclusivamente britânica (e que pretende continuar assim) embora geograficamente esteja, proporcionalmente, bem mais perto da Argentina.

A Grã-Bretanha havia muito estava acostumada às reivindicações da Argentina quanto às Malvinas, e não levou a sério seu renascimento entre 1981 e 1982. As negociações se deram nas Nações Unidas, em Nova York, sem caráter de urgência, e os britânicos consideraram razoável a disposição dos argentinos. O que não sabiam, contudo, era que a junta liderada pelo general Leopoldo Galtieri já resolvera organizar uma invasão o mais tardar para outubro de 1982 (...)(KEEGAN, 2006, p.354). .

No entanto, o conflito ocorreu antes, em abril de 1982 as ações bélicas foram até junho do mesmo ano, com a rendição da Argentina. Várias vertentes para o episódio foram discutidas. Uma delas é que a Ditadura argentina resolvera fazer das Malvinas (ou Ilhas Falklands) um símbolo de patriotismo para encobrir os diversos problemas internos. De uma forma ou de outra, a Inteligência dos dois países erraram: a da Inglaterra por ter avaliado mal a capacidade de mobilização argentina. E a da Argentina por achar que a Inglaterra não seria capaz de mobilizar seu poderio militar para rechaçar a invasão.

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Sobre o autor
Herbert Gonçalves Espuny

Doutor pela Universidade Paulista - UNIP, com pesquisa específica na área de Inteligência. Mestre na área interdisciplinar Adolescente em Conflito com a Lei, pela Universidade Bandeirante de São Paulo - UNIBAN. Administrador, registrado no CRA-SP. Bacharel em Direito. Corregedor, na Controladoria Geral da Administração, Governo do Estado de São Paulo. Professor universitário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ESPUNY, Herbert Gonçalves. Influências das redes de poder nas atividades de inteligência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3988, 2 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29141. Acesso em: 18 dez. 2024.

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