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Influências das redes de poder nas atividades de inteligência

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02/06/2014 às 18:06
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As Atividades de Inteligência sempre permearam as atividades humanas, seja de forma empírica e menos estruturada, como há notícias desde os primeiros tempos da História, seja de forma organizada e estruturada como produção de conhecimento estratégico, praticada pelas mais variadas instituições – públicas ou privadas – nas últimas décadas.

Ligada à Gestão de Conhecimento e fruto da gigantesca quantidade de dados atualmente disponíveis, as Atividades de Inteligências praticadas contemporaneamente tem o objetivo principal de filtrar parte deste oceano de dados, canalizá-lo para os interesses fundamentais da organização e produzir o conhecimento capaz de subsidiar decisões estratégicas. Evidentemente que estes mesmos princípios podem ser aplicados para objetivos menos abrangentes, como aqueles exarados dos níveis tático e/ou operacional das organizações. Mas, o mais importante, é que tal processo se constitui em bases técnicas, apropriadas para a finalidade e que exigem treinamento qualificado para o seu bom desempenho.

O pessoal de Inteligência tem essa perspectiva. Sabe que a busca da verdade, desenhada pelos procedimentos universalmente aceitos como de Inteligência, precisa de determinadas vertentes também estabelecidas no processo. Uma delas é o princípio da Oportunidade. Não adianta muito um conhecimento completo a respeito de determinada situação se tal conhecimento não puder ser utilizado de forma tempestiva. Muitas vezes saber que em tal localidade há um projeto criminoso secreto que pode representar um perigo para a sociedade ou o país pode ser milhões de vezes mais importante que saber que naquela localidade há a produção de um artefato explosivo com todas as suas características bem estabelecidas, depois que o projeto virar realidade. A informação do projeto pode ser útil para que as forças de segurança possam agir previdentemente. Detalhes maiores de todo o artefato explosivo, se concluído, podem não ser tão úteis, uma vez que a ameaça da utilização do artefato é muito maior.

Portanto as Atividades de Inteligência possuem as suas especificidades. Contudo tais especificidades devem originar-se da essência da atividade. Não podem ser resultado de influências oriundas das diferentes redes de poder que a Inteligência assessore.

Influências políticas, de motivação pessoal e egoística ou de motivações escusas de todos os gêneros devem ficar de fora das atuações da Inteligência.

Os gestores responsáveis pelos departamentos de Inteligência de vários focos devem deixar claro que a produção de conhecimento estratégico é uma atividade que precisa atender tão somente a seus preceitos de qualidade na confecção. E para bem cumprir este mister algumas recomendações podem auxiliar:

a)      O pessoal de operações deve ser o mais isento possível de todo o contexto da operação. Aqui a regra da departamentalização precisa ser observada em grau máximo. É a forma na qual o material, que foi objeto de busca, chegar sem quaisquer influências e/ou direcionamentos para o pessoal de análise;

b)      Os analistas precisam ter a ideia de que o contágio com os aspectos políticos ou pessoais podem representar uma influência desnecessária e perigosa para a análise de Inteligência. Tal contágio, consciente ou inconsciente, deve e precisa ser discutido constantemente entre o pessoal de análise para se constituir em antídoto permanente de contextos que prejudiquem o trabalho técnico da análise;

c)      O gestor de Inteligência, consciente de tais problemas, deve separar ampla e irrestritamente a questão da produção do conhecimento com a sua aplicabilidade. A departamentalização como princípio fundamental, deve ser colocada constantemente e de forma sempre inequívoca.  A produção do conhecimento não deve ser iniciada já visando quaisquer interesses que não seja o próprio conhecimento. Não se inicia a Atividade de Inteligência com um argumento tipo “precisamos saber alguma coisa que incrimine tal fulano ou tal organização”... Inicia-se a produção do conhecimento buscando identificar quem são “os responsáveis por tal comportamento ou atividade indevida ou criminosa”... Desta forma, cabe à Inteligência tão somente conhecer e disponibilizar tal conhecimento para quem tem a responsabilidade de decidir... Mas, a atividade precisa ser permeada e orientada por diretrizes éticas efetivas para não ser utilizada de forma distorcida e inadequada. Os profissionais de Inteligência são especializados e não podem colocar suas técnicas e habilidades a serviço de interesses escusos.

Finalmente, como uma última consideração, é necessário lembrar que as atividades de inteligência são atividades humanas e passíveis de uma série de interferências, erros e omissões. Cabe ao gestor estabelecer, cada vez mais, instrumentos de controle adequados para que os profissionais possam errar menos, visando – sempre – aperfeiçoar a busca, a coleta, a análise e a produção do conhecimento mais adequado para o cumprimento da verdadeira missão da Inteligência: a proteção da organização e dos integrantes a ela ligados. Se for um país, a Inteligência de Estado e de Defesa protegendo seus habitantes de perigos internos ou externos. Ou ainda, se for a Inteligência de Segurança, a proteção da sociedade de grupos e ações criminosas. Se for uma empresa ou uma organização qualquer, sua planta, seus segredos industriais ou comerciais e seus funcionários.


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Notas

[1] Curveball foi o codinome de um informante, de origem iraquiana, que foi cooptado pelo serviço secreto alemão.

[2] Texto original:  Rafid Ahmed Alwan’s charges that Iraq possessed stockpiles of biological weapons and the mobile plants to produce them formed a critical part of the U.S. justification for the invasion in Spring 2003. Secretary of State Colin L. Powell’s celebrated and globally televised briefing to the United Nations Security Council on February 5, 2003, relied on CURVEBALL as the main source of intelligence on the biological issue.Tradução livre feita pelo pesquisador. Parênteses do pesquisador.

[3] Safe Haven, ou “santuários terroristas” é o termo pelo qual ficou conhecida a região propícia às atividades terroristas. Tal conceito é, principalmente, debatido pelos pesquisadores Michael Innes e Richard Jackson.

[4] Satiagraha é o nome dado a uma operação desenvolvida pela Polícia Federal Brasileira contra corrupção, desvio de dinheiro público e lavagem de dinheiro, ocorrida em 2004 que culminou com a prisão de banqueiros, diretores de bancos e investidores. O termo foi utilizado por Mahatma Gandhi, na Índia, e quer dizer a “firmeza da verdade” (Nota do Pesquisador).

[5] Conforme Peter Drucker, na obra The effective executive. Harper Collins Publishers, 1993.

[6] The Entity. Five Centuries of Secret Vatican Espionage. New York City: St. Martin Press, 2008.

[7] Comunidade de Inteligência é a expressão utilizada para se referir às agências e aos agentes de Inteligência que compõe uma determinada área ou segmento e que trocam dados, informações e conhecimentos entre eles próprios (Nota do Pesquisador).

[8] Página oficial: http://www.nsa.gov/

[9] Página oficial: www.gchq.gov.uk

[10] Página oficial: https://www.cia.gov/index.html

[11] Página oficial: https://www.sis.gov.uk/

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Sobre o autor
Herbert Gonçalves Espuny

Doutor pela Universidade Paulista - UNIP, com pesquisa específica na área de Inteligência. Mestre na área interdisciplinar Adolescente em Conflito com a Lei, pela Universidade Bandeirante de São Paulo - UNIBAN. Administrador, registrado no CRA-SP. Bacharel em Direito. Corregedor, na Controladoria Geral da Administração, Governo do Estado de São Paulo. Professor universitário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ESPUNY, Herbert Gonçalves. Influências das redes de poder nas atividades de inteligência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3988, 2 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29141. Acesso em: 18 abr. 2024.

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