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Da motivação da recusa à sucessão processual gerada pela transferência do direito ou coisa litigiosa

29/07/2014 às 10:16

Resumo:


  • A sucessão processual decorrente da transferência de direito litigioso exige consentimento da parte contrária, mas a legislação não deixa claro se a recusa deve ser motivada.

  • O princípio da estabilidade subjetiva da demanda visa preservar a autonomia do processo, mas a recusa da parte contrária à sucessão deve ser fundamentada para evitar arbitrariedade e assegurar o interesse jurídico.

  • Se a parte contrária não motivar sua recusa, o juiz pode não considerá-la, promovendo uma condução processual ativa e evitando a atuação sem interesse jurídico.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Investiga-se a necessidade da motivação da parte contrária para discordar da consumação da sucessão processual, diante da literalidade do que dispõe o § 2º do artigo 42 do Código de Processo Civil.

INTRODUÇÃO

A transferência da coisa ou do direito litigioso no curso do processo, como se sabe, exige do operador do direito, máxime do Juiz na condução material do processo, um exame sobre o modo como a alienação irá repercutir na relação processual, partindo-se da premissa de que o negócio jurídico transmissivo entabulado é válido e eficaz e não tem o condão de alterar, de forma automática, a legitimidade das partes no processo.

O presente artigo tem por objetivo, sem a pretensão de esgotar o tema, a análise da necessidade ou não de a parte contrária fundamentar e/ou motivar sua recusa quanto ao pedido de sucessão processual levado a cabo pelo adquirente ou cessionário, uma vez que a legislação processual faz referência apenas à necessidade do consentimento da parte contrária, sem deixar claro se a negativa quanto à sucessão do cedente/alienante pelo adquirente/cessionário no processo deverá ocorrer de forma motivada.

Antes, porém, de ser feita uma incursão no tema proposto, faz-se indispensável um rápido exame do instituto da sucessão processual no Código de Processo Civil em decorrência da transferência do direito material litigioso.

Deflui da dicção do caput do artigo 42 do Código de Processo Civil que a alienação da coisa ou do direito litigioso, a título particular, por ato entre vivos, não altera a legitimidade das partes. O mencionado dispositivo encerra o princípio da estabilidade subjetiva da demanda[1], que tem como finalidade preservar o quanto possível a autonomia do processo em relação ao direito material, diante dos negócios jurídicos que poderão recair sobre o objeto litigioso da relação processual.

Contudo, o § 1º do artigo 42 do Código de Processo Civil excepciona o princípio em comento quando condiciona o ingresso do cessionário ou adquirente no processo, sucedendo o cedente ou alienante, ao consentimento da parte contrária. É perfeitamente possível, portanto, que a sucessão no direito litigioso acarrete uma sucessão processual.

Assim, à guisa de exemplo, se o autor, no curso de uma ação reivindicatória, aliena em favor de terceiro, a qualquer título, o bem da vida perseguido, o adquirente – terceiro – só poderá suceder ao alienante mediante o consentimento da parte ré. Importante ressaltar, porém, que o consentimento exigido poderá se dar de forma tácita, quando a parte contrária, uma vez intimada para manifestar-se sobre o requerimento de sucessão, quedar-se em silêncio. Não consentindo a parte contrária com a sucessão processual[2] postulada, só restará ao adquirente ou cessionário intervir no processo na condição de assistente litisconsorcial[3] do alienante ou cedente, conforme ressumbra da redação do § 2º do mesmo dispositivo.

Por outro lado, se o adquirente ou cessionário não comparecer no processo sucedendo o alienante ou cedente ou não ingressar na condição de assistente consorcial, a parte que transferiu o bem da vida perseguido passará a figurar no processo na condição de substituto processual, uma vez que não é mais o titular do direito material (a coisa ou direito agora pertence ao adquirente/cessionário), passando a agir em nome próprio na defesa de interesse alheio, no caso do adquirente ou do cessionário.

Impende acrescentar, destarte, que a sentença proferida entre as partes originárias, quando não tenha sido consumada a sucessão e, de consequência, se verificar a substituição processual, amplia os seus efeitos ao adquirente ou ao cessionário, fazendo com que a coisa julgada atinja o substituído (adquirente ou cessionário), situação que excepciona a regra que limita a eficácia subjetiva da coisa julgada apenas às partes que integraram a relação jurídica processual, conforme preconizado pelo artigo 472 do Código de Processo Civil.

Feitas estas considerações preliminares, apenas para recordar como se opera na sistemática processual civil a estabilização subjetiva da demanda, a qual, diga-se de passagem, não é absoluta, passo ao exame mais acurado do tema proposto.

DA RECUSA DA PARTE CONTRÁRIA À PERFECTIBILIZAÇÃO DA SUCESSÃO PROCESSUAL

Como foi visto acima, revela-se imprescindível o consentimento da parte contrária para que seja consumada a sucessão processual, a fim de que o terceiro beneficiado pela transferência do direito material litigioso passe a ocupar a posição passiva ou ativa que até então era ocupada pela parte primitiva - cedente ou alienante. Porém, será necessário que a parte contrária, ao ser ouvida a respeito do pedido de sucessão, motive ou fundamente sua recusa?

A resposta a esta indagação constitui o ponto nodal deste artigo, uma vez que não é incomum no cotidiano processual que a parte contrária, quando ouvida, limite-se a recusar que o adquirente/cessionário suceda o alienante ou cedente na posição que ocupava no processo, sem apresentar qualquer motivação ou fundamentação para a discordância. Esta questão vem sendo objeto de divergência em sede doutrinária. Afirma CLITO FORNACIARI JÚNIOR que, ainda que inexista qualquer motivo plausível para se opor à sucessão, ela é de ser preservada, pois a lei concedeu esta faculdade ao litigante (p. 52-61, 1981).

Não vislumbro como correto o posicionamento jurídico de que basta a recusa pura e simples da parte contrária, sem a apresentação de qualquer razão que a justifique, para que não seja admitido o aperfeiçoamento da sucessão processual . O entendimento de que cabe ao arbítrio da parte contrária concordar ou não com a sucessão pugnada pelo adquirente ou cessionário é consequência de uma interpretação literal do § 1º do artigo 42 do Código de Processo Civil, como se a incidência ou não do princípio da perpetuatio legitimationis pudesse ficar atrelada a uma vontade caprichosa e desmedida da parte contrária. Tal pensamento malfere o princípio da boa-fé processual, que exige das partes uma conduta ética no processo, com a necessidade de que os incidentes suscitados sejam fundamentados. É verdade que o direito de a parte contrária não emprestar seu consentimento à sucessão se fundamenta em previsão legal, não podendo, por outro lado, ser olvidado que a sua negativa deve ser suficientemente valorada pelo Juiz, sob pena de ser admitido, em sede do processo, intolerável direito processual potestativo, com a permissão de que o processo dê abrigo a conduta egoística injustificável, afastando-se do caminho da probidade.

Desta forma, a recusa da parte contrária à sucessão do alienante/cedente pelo adquirente/cessionário deve ser suficientemente motivada, com a demonstração de que a sucessão lhe causará agravamento, de alguma forma, na sua condição de parte, até mesmo como meio de assegurar ao juiz a realização do controle sobre a discordância. É recorrente na práxis processual o juiz não acolher pedido de sucessão processual formulado por adquirente/cessionário, com o fundamento de que a parte contrária tenha manifestado sua recusa, ou seja, tenha discordado apenas por discordar. É imperioso lembrar a necessidade de ter o juiz, mercê do atual modelo constitucional do processo, uma conduta mais ativa na condução do processo, exigindo das partes que fundamentem os incidentes articulados, demonstrando interesse jurídico em atuar no processo, como maneira eficaz de evitar o arbítrio das partes e dar efetividade à inafastável garantia constitucional de que todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas, imprimindo-lhes, assim, transparência e legitimidade.

Neste sentido, aponta o eminente processualista CARLOS ALBERTO ALVARO OLIVEIRA (p. 190, 1986) algumas situações que configuram justos motivos a serem utilizados pela parte contrária para a recusa da sucessão processual, a saber :

A inexistência ou falsidade do ato de transmissão; o se tratar de direito intransmissível, segundo o direito material; o perigo de não ser possível obter do sucessor o reembolso das despesas processuais e o pagamento da verba honorária decorrente da sucumbência; ou de modo geral, se a substituição vem agravar, de alguma maneira, a posição da parte contrária.

Igualmente, entendendo ser imprescindível a apresentação de motivação para que a parte contrária discorde da sucessão processual pretendida pelo adquirente/cessionário, encontra-se o escorreito magistério de FREDIE DIDIER JR. (p. 458, 2013), o qual obtempera que “a recusa não pode ser imotivada; não se admite atuação processual sem interesse jurídico (art. 3º do CPC), que deve ser sempre avaliável pelo juiz”.

MONIZ DE ARAGÃO (p. 481, 1996), por sua vez, com peculiar clareza, é enfático no sentido de que “a exigência do consentimento não significa o direito de negá-lo por mero arbítrio, ou caprichosamente, e a última palavra será sempre do juiz, ao qual competirá apreciar as razões em que se funda a negativa, que acolherá, ou não”.

Como pode ser vislumbrado, torna-se imperioso que no modelo constitucional do processo os incidentes suscitados sejam fundamentados e que a atuação da parte na relação processual seja marcada pela demonstração do interesse jurídico.

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CONCLUSÃO

A recusa da parte contrária à concretização da sucessão, conforme previsto no § 1º do artigo 42 do Código de Processo Civil, deverá ser sempre motivada e/ou fundamentada, para que o juiz possa verificar se no caso concreto o princípio da estabilidade subjetiva do processo (perpetuatio legitimationis) deverá ser excepcionado ou não, com a admissão do ingresso do adquirente/cessionário no processo, passando ele a ocupar a posição em que até então figurava o cedente/alienante.

Revela-se necessário, como acima observado, que a parte contrária, ao ser ouvida sobre o requerimento de ingresso do terceiro cessionário/adquirente, apresente qual o seu interesse jurídico[4] no sentido de que a sucessão processual não ocorra, sob pena de não ser considerada a sua recusa, por total ausência de fundamentação .

Em suma, a recusa ou discordância da parte contrária ao requerimento de sucessão processual levado a efeito pelo adquirente/cessionário deverá ser sempre motivada, não obstante a literalidade do § 1º do artigo 42 do Estatuto Processual Civil.

REFERÊNCIAS

FORNACIARI JUNIOR, Clito. Sucessão Processual. Revista do Processo, v. 24, 1981;

OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Alienação da Coisa Litigiosa, 2 ed. , Rio de Janeiro: Forense, 1986;

DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil, 15 ed., v. 1, Salvador: Editora Podivm, 2013;

ARAGÃO, Moniz. Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, v. 2, 1996.

[1]A estabilização subjetiva do processo deve ser observada, igualmente, nos termos do regramento insculpido no artigo 264 do CPC, do qual se infere que a necessidade do consentimento da parte contrária para que a sucessão processual seja concretizada apenas após a citação, quando já angularizada a relação processual. É que a citação válida torna litigiosa a coisa, conforme se infere da redação do artigo 219 do CPC, a partir de quando para a alteração subjetiva do processo será exigido o consentimento do réu.

[2]O legislador usou a palavra “substituição” apesar de não ser tecnicamente a correta. É que o termo substituição serve para indicar o fenômeno de alguém estar em juízo em nome próprio na defesa de interesse alheio. Assim, utilizo no texto a palavra “sucessão”, para representar o fato de terceiro ingressar no processo passando a ocupar a posição que anteriormente se encontrava a parte sucedida.

[3]O assistente litisconsorcial é sujeito da relação jurídica de direito material controvertida (sujeito da lide), razão pela qual deve ser considerado como parte ao ingressar no processo. Assim, afigura-se correto afirmar que a assistência qualificada constitui modalidade de litisconsórcio superveniente, facultativo e unitário.

[4]Da mesma forma, quando o réu é ouvido sobre a manifestação da desistência da ação, quando necessário, caso o réu discorde da extinção do processo sem resolução do mérito em razão da desistência manifestada, deverá ele fundamentar, apresentando seus motivos para que o processo não seja extinto. Enfim, o réu deverá apresentar em que consiste o seu interesse jurídico a fim de o processo ter curso regular. Na recusa à sucessão ocorre o mesmo fenômeno, com a necessária demonstração do interesse jurídico em que a sucessão não seja implementada no âmbito do processo, no qual ocorreu a transferência a título particular da coisa ou do direito litigioso .

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Sobre o autor
Reinaldo Alves Ferreira

Juiz de Direito na Comarca de Goiânia; <br>Atualmente na função de Juiz Auxiliar da Presidência do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás; <br>Especialista em Direito Processual Civil e Mestre em Direito pela Universidade de Franca - UNIFRAN;<br>Professor concursado da UNIRV - Universidade de Rio Verde;<br>Professor da Escola Superior da Magistratura do Estado de Goiás - ESMEG;<br>Professor convidado da ESA - Escola Superior da Advocacia da OAB/GO; <br>Professor em diversos cursos preparatórios para ingresso nas carreiras jurídicas;<br>Professor em cursos de pós-graduação em Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Reinaldo Alves. Da motivação da recusa à sucessão processual gerada pela transferência do direito ou coisa litigiosa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4045, 29 jul. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29163. Acesso em: 22 dez. 2024.

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