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A inadmissibilidade da utilização de documento produzido em procedimento de justificação em sede de mandado de segurança

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Suscita controvérsia a questão relacionada ao emprego de documentos, em Mandado de Segurança, originados em procedimento de justificação. Não se pode olvidar que, à solução de tal controvérsia, é imprescindível a compreensão das nuances que envolvem a finalidade do Mandado de Segurança e do procedimento de justificação.

O Mandado de Segurança, previsto na Constituição da República e disciplinado pela Lei 1.533/51, não se presta à defesa de um direito qualquer, mas à proteção de direito qualificado legalmente como "líquido e certo" e que não seja amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.

Direito líquido e certo, por sua vez, é aquele cuja existência é indubitável, possuindo extensão delimitada precisamente, exercício e aplicação passíveis de realização imediata, independentemente de requisitos e condições a ser preenchidos posteriormente. Hely Lopes Meirelles, em sua obra "Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, ‘Habeas Data’", leciona de maneira brilhante: "Quando a lei alude a direito líquido e certo, está exigindo que esse direito se apresente com todos os requisitos para seu reconhecimento e exercício no momento da impetração.(...) Se depender de comprovação posterior, não é líquido nem certo, para fins de segurança."

Analisando-se o procedimento de justificação, por seu turno, regulado no Código de Processo Civil, nos arts. 861 a 866, constata-se que, embora destinado a justificar a existência de fato ou relação jurídica, seja no intuito de produzir documento sem caráter contencioso, seja para produzir prova em processo regular (art. 861), o juiz não faz pronunciamento sobre o mérito da prova, limitando-se a observar o cumprimento das formalidades legais (art. 866, parágrafo único). Fica o conteúdo da prova, portanto, sujeito à discussão.

Desta forma, a justificação é procedimento para produção de documentação probatória unilateral, atestando, apenas, que testemunhas compareceram perante o juiz e fizeram declarações constantes do termo. Não há análise sobre o conteúdo das informações, constituindo-se documento cujo valor será discutido, oportunamente, noutro processo. O que resulta do procedimento de justificação é, portanto, a produção formal e unilateral de documento relativo à situação ou à relação jurídica, que, por não permitir, no seu bojo, qualquer discussão acerca do mérito ou do conteúdo declarado, é passível de questionamento e confrontação quando da apresentação do citado documento. Assim, embora de tal procedimento resulte uma prova, não há geração de prova de direito líquido e certo.

Ora, a constatação do direito líquido e certo é questão prévia, sem a qual não é possível o legítimo exercício da ação de Mandado de Segurança. Assim, o direito invocado deve ser comprovado de plano, sem o quê, por ser questão prévia, o mérito da segurança não deverá ser apreciado. Em sendo o documento, que instruir o Mandado de Segurança, passível de discussão e contraditório, implicando na necessidade da fase de instrução probatória, não pode ser o mesmo utilizado, pois tal fase é inexistente em sede do mandamus. Insista-se, pois, que o procedimento de justificação não resulta em prova pré-constituída de direito líquido e certo.

Destaca-se, outrossim, que nem combinado com outros documentos é devida a utilização de documento produzido em justificação, em sede de Mandado de Segurança. No entanto, a 1.ª Turma Suplementar do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região entendeu diferentemente ao julgar Apelação em Mandado de Segurança (Apelação em MS 96.01.00675-3/MG), expondo o seguinte:

"MANDADO DE SEGURANÇA. PREVIDÊNCIA SOCIAL. COMPROVAÇÃO DE EXERCÍCIO DE ATIVIDADE RURAL. INÍCIO RAZOÁVEL DE PROVA MATERIAL SOMADO AOS DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS COLHIDOS NA JUSTIFICAÇÃO JUDICIAL TRAZIDA AOS AUTOS. CONJUNTO PROBATÓRIO HARMÔNICO. POSSIBILIDADE. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA 40 DESTA CORTE.

1. No presente caso, o Impetrante-apelado pretende comprovar o exercício de atividade rural no período de 1954 a 1956. Para tanto, juntou vários documentos que, somados aos depoimentos colhidos na Justificação Judicial, trazida aos autos com a inicial, coerentes e harmônicos, formam um conjunto probatório que ratifica as alegações postas na peça inaugural.

2. Não é o caso de se aplicar a Súmula 40 desta Corte nem de entender-se inadequada a via eleita tendo em vista que o conjunto probatório é suficiente para formar a convicção do Magistrado e dispensa, pela sua robustez, a necessidade de produção de outras provas atendendo, portanto, a exigência legal de comprovação da certeza e liquidez do direito reclamado.

3. Apelo e remessa oficial a que se nega provimento. (...)"

(Juiz RICARDO MACHADO RABELO - Relator da 1ª Turma Suplementar)

Embora respeitável a decisão acima, frise-se que a questão exige enfrentamento mais incisivo.

Como entender que um documento impróprio para a caracterização de direito líquido e certo, por ser passível de questionamento e oposição, necessitando de contraditório para admissão de sua validade, possa, ainda que em conjunto, ser utilizado para provar a existência daquele direito? Estariam, assim, os interessados impedidos de discutir o mérito daquela prova, em específico, simplesmente por existirem outras? Então, o fato de estar combinado ou em conjunto retira a impropriedade intrínseca a tal documento?

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Em que pesem os respeitáveis posicionamentos contrários, em especial os jurisprudenciais, entende-se que não, principalmente por considerar afronta ao princípio constitucional do devido processo legal, em especial, do contraditório – ao qual, repita-se, está vinculada a prova documental resultante do procedimento de justificação.

Ademais, não são as outras provas juntadas à inicial (ou em outro momento, conforme autorização em lei pertinente) que eliminarão, de tal documento, a sua insuficiência perante a necessidade da comprovação de direito líquido e certo. Assim, em ocorrendo a referida combinação com outros documentos, a eventual concessão da segurança é devida a estes ‘outros’ e não ao documento resultante da justificação, ou à apreciação em conjunto de todos os documentos. Caso contrário, estar-se-ia admitindo a configuração de direito líquido e certo mediante provas que não são, em sua inteireza, hábeis para comprovação do direito protegido pelo mandamus – o que, dada a natureza especial deste, é inconcebível.

Porém, muito mais força e embasamento jurídicos contém o entendimento da 5.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, a seguir demonstrado no julgamento do Recurso Ordinário, em Mandado de Segurança (ROMS 11166/RJ), cujo relator foi o Ministro Edson Vidigal, adiante transcrito:

"ADMINISTRATIVO. SERVIDOR. PEDIDO DE DEMISSÃO MOTIVADO POR COAÇÃO. EXAME DA PROVA OBTIDA MEDIANTE JUSTIFICAÇÃO JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE. MANDADO DE SEGURANÇA. RECURSO.

1. A prova obtida mediante justificação judicial deve ser examinada e submetida ao contraditório em Ação de conhecimento, não substituível por Mandado de Segurança.

2. Não comportando o Mandado de Segurança dilação probatória, impossível o reconhecimento do direito líquido e certo a ser protegido.

3. Recurso não provido."

(PUBLICADO EM 26/03/2001).

Em seu voto, o relator expôs com sapiência e argúcia:

"O EXMO. SR. MINISTRO EDSON VIDIGAL: Senhor Presidente, para o Tribunal local, "o mérito da prova colhida numa justificação, para adquirir foros de verdadeira, tem de passar pelo crivo do contraditório numa via contenciosa adequada, onde os fatos, objetos dessa prova, podem ser contrariados, contestados e impugnados por todas as formas pretendidas em direito" (fl. 222). É contra essa afirmação que se insurge o recorrente, buscando ver declarada a efetiva validade da prova produzida, exatamente porque obtida mediante o procedimento judicial pertinente.

Temos entendido, reiteradas vezes, que da justificação judicial não resulta declaração de relação jurídica. Trata-se, na verdade, de procedimento de jurisdição voluntária, utilizado quando o requerente pretende formar prova para eventual processo, submetendo-a então ao crivo do contraditório. Seria, por assim dizer, uma "ação preparatória" ou, nos ensinamentos de Pontes de Miranda, "ação constitutiva de provas, e não declaratória (...) constituir prova de relação jurídica e declarar são coisas distintas" (in Comentários ao Código de Processo Civil, tomo XII, ed. Forense, p. 295).

Isto posto, forçoso é concluir que a sentença homologatória, proferida em ação de justificação não cria direito nem estabelece vínculo jurídico que obriguem o Administrador Público acata-la como comando judicial absoluto. A apreciação do valor da prova colhida na justificação fica reservada à autoridade administrativa ou a judiciária a que for submetida a verificação.

Assim é que, ao contrário do que pretende o recorrente, o Tribunal local não negou valor probante à justificação judicial, mas tão-somente afastou sua validade para fins de Mandado de Segurança, onde não se admite qualquer dilação probatória. Em outras palavras, formulada a prova, caberia ao ora recorrente dela se utilizar em Ação de conhecimento, onde poderia, aí sim, demonstrar e comprovar sua pretensão.

Nego provimento ao Recurso.

É o voto".

Assim, conclui-se que o direito invocado deve ser expresso em norma legal, e a prova deste não deve depender de uma produção de prova documental mediante justificação. Objetivamente analisando, o direito líquido e certo, para o impetrante, existe ou não, e isto somente é verificado mediante prova pré-constituída – ou seja, que não dependa de dilação probatória, à qual está sujeito qualquer documento produzido em sede de procedimento de justificação.


Bibliografia

MEIRELLES, HELY LOPES. Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, "Habeas Data", Malheiros Editores, 20ª. edição, 1998.

GRECO FILHO, VICENTE. Direito Processual Civil Brasileiro, 3.º volume, Editora Saraiva, 14ª. edição, 2000.

THEODORO, HUMBERTO. Curso de Direito Processual Civil, vol. I e III, Editora Forense, 30ª. edição, 1999.

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Sobre a autora
Luciana Sekef Budaruiche Sousa

advogada em Teresina (PI), pós-graduanda em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUSA, Luciana Sekef Budaruiche. A inadmissibilidade da utilização de documento produzido em procedimento de justificação em sede de mandado de segurança. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2928. Acesso em: 22 nov. 2024.

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