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A pertinência do princípio da proteção nos dias atuais.

70 anos da Consolidação das Leis do Trabalho

Leia nesta página:

Analisa-se o princípio da proteção como elemento base do Direito Trabalhista, questionando, principalmente, se a imputação protecionista conferida à Justiça do Trabalho é verdadeira, e se o for, quão nocivo seria este instituto.

1 INTRODUÇÃO 

O tema “70 Anos da Consolidação das Leis do Trabalho”, abre um enorme leque de possibilidades. Há muito que se dizer sobre o Decreto-lei nº 5.452 que, sem dúvida, foi a maior conquista do trabalhador brasileiro. Poder-se-ia enaltecer os benefícios trazidos por esta obra legislativa, ou questionar alguns de seus dispositivos, enumerando as diversas discussões que ensejam ainda nos dias atuais. Entretanto, em vista da brevidade inerente à construção de um Artigo Científico, este irá se limitar a um ponto que já foi objeto de diversos estudos, e que é de extrema relevância nos âmbitos acadêmico e social.

Trata-se da Pertinência do Princípio da Proteção diante da atual conjuntura das relações de trabalho. Neste sentido, a intenção é analisar quão protecionista é a Justiça do Trabalho, ponderando sua atuação frente a empregadores e empregados; observar como este Princípio variou entre sua aplicação máxima e mínima ao longo dos anos; e como se dá nos dias atuais.

Como não se pode olvidar, a construção de um bom Artigo pressupõe a utilização de obras já consagradas, de modo a nortear e engrandecer as discussões do trabalho. Deste modo, poder-se-ão encontrar diversas inspirações oriundas da obra de Américo Plá Rodriguez – Princípios de Direito do Trabalho, referência na abordagem do tema, Ana Virgínia Moreira Gomes, autora da obra “A aplicação do Princípio Protetor no Direito do Trabalho”, que perfeitamente se encaixa no trabalho que ora se inicia. Foram também de grande valia os estudos da história do proletariado brasileiro, empreendidos por Vito Giannotti, e outros trabalhos acadêmicos referentes ao tema.


2 HISTÓRICO DA CLASSE OPERÁRIA E EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA PROTEÇÃO AO TRABALHADOR 

Em 1.943, há precisos setenta anos da publicação deste Artigo, foi promulgado o Decreto-lei nº 5.452, a Consolidação das Leis do Trabalho, pelo então Presidente da República Getúlio Vargas. Antes dela, não havia tutela sistematizada do trabalho. Existiam apenas legislações esparsas de algumas categorias que, na época, já eram organizadas (como os trabalhadores de estradas de ferro), mas muito incipientes e muito fragmentadas. A CLT universalizou e organizou um novo direito, o Direito do Trabalho, estabelecendo princípios em uma lógica diferenciada do Direito Civil que existia anteriormente.[1]

As primeiras indústrias se formaram no Brasil entre 1850 e 1900, quando a Europa já possuía milhões de operários. As condições de vida e de trabalho eram as que os patrões impunham: jornadas de trabalho excessivamente longas, chegando até a 20 horas por dia; trabalho noturno para mulheres e crianças e locais insalubres de trabalho.[2]

Neste diapasão, a categoria de trabalhadores no Brasil permaneceu por bastante tempo reprimida e isenta de direitos. É possível que seja esta uma das razões para que, quando finalmente regulamentou-se sua situação, tenha-se dado especial atenção em proteger a hipossuficiência obreira diante da classe burguesa, preocupação que permeou toda a construção da Justiça do Trabalho.


3 PRINCÍPIOS NO DIREITO DO TRABALHO

A importância dos princípios dentro das ciências jurídicas é perfeitamente descrita por Miguel Reale:

 Um edifício tem sempre suas vigas mestras, suas colunas primeiras, que são o ponto de referência e, ao mesmo tempo, elementos que dão unidade ao todo. Uma ciência é como um grande edifício que possui também colunas mestras. A tais elementos básicos, que servem de apoio lógico ao edifício científico, é que chamamos de princípios, havendo entre eles diferenças de distinção e de índices, na estrutura geral do conhecimento humano.[3]

Deste modo, a Consolidação das Leis do Trabalho restou informada por diversos princípios. Américo Plá Rodriguez (3ª ed., p.24, 2000) enumera os seguintes:

1) princípio de proteção;

2) princípio da irrenunciabilidade dos direitos;

3) princípio da continuidade da relação de emprego;

4) princípio da primazia da realidade;

5) princípio da razoabilidade;

6) princípio da boa-fé; e

7) princípio de não discriminação.

A CLT é atual em seus princípios, embora, após sete décadas de existência, necessite de atualizações em função das mudanças na sociedade contemporânea. Entretanto, segundo Maria Helena Mallmann, presidente do TRT da 4ª Região, “[a] Justiça do Trabalho é a razão desta CLT, e, se precisa de aprimoramentos, é para buscar mais tutelas, nunca retirar direitos.”


4  PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO 

Por ocasião deste trabalho, ater-nos-emos ao primeiro dos princípios citados, qual seja, o Princípio da Proteção. Segundo Plá Rodriguez (3ª ed., p.35, 2000),

O princípio de proteção se refere ao critério fundamental que orienta o Direito do Trabalho, pois este, ao invés de inspirar-se num propósito de igualdade, responde ao objetivo de estabelecer um amparo preferencial a uma das partes: o trabalhador.

Enquanto no direito comum uma constante preocupação parece assegurar a igualdade jurídica entre os contratantes, no Direito do Trabalho a preocupação central parece ser a de proteger uma das partes com o objetivo de, mediante essa proteção, alcançar-se uma igualdade substancial e verdadeira entre as partes.

Deve-se entender que existem diversas normas processuais com sentido de proteção; a título de exemplo: a gratuidade do processo, a não sucumbência, a inversão do ônus da prova, o arquivamento do processo quando o empregado não comparece à audiência e a revelia se o empregador não comparece, dentre outros. O princípio da proteção não é uno, mas desdobra-se em diversos institutos imprescindíveis ao processo laboral.

Apenas a título informativo, Ana Virginia Gomes e Luiz de Pinho Pedreira da Silva o denominam de princípio protetor, Mozart Victor Russomano faz menção ao princípio de proteção tutelar; Karlke-Dersch utiliza a expressão princípio protetor; Monteiro Fernandes fala do princípio de favorecimento, e  Adomeit, o chama de princípio de favorabilidade. Os autores Américo Plá Rodrigues e Mauricio Godinho Delgado o denominam de princípio da proteção.

4.1 CRÍTICAS AO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO

Em contrapartida à ideologia humanitária do referido princípio, são diversas as críticas impostas por autores e correntes de pensamentos às suas reais intenções e fundamentos. Questionam se o princípio da proteção proporcionaria melhores condições ao trabalhador ou se, ao mesmo tempo, prejudicaria as atividades econômicas das empresas, minando o poder de atuação dos empregadores.[4]

Entretanto, é falsa a premissa de que a legislação trabalhista é obstáculo ao desenvolvimento econômico e empresarial. Segundo dados do Banco Mundial, quando comparado a outros países, o Brasil apresenta um índice de dificuldades para a despedida de um trabalhador igual a zero. Se a legislação de fato tolhesse o poder diretivo dos empregadores, estatísticas como esta não seriam possíveis.

Muito se fala também a respeito da influência do referido principio no processo do trabalho, interferindo na imparcialidade do magistrado. Ora, a tentativa de excluir o princípio da proteção e seu desdobramento no in dubio pro operario da análise da matéria probatória não condiz com a justiça social. Citando Pinho Pedreira, "o princípio in dubio pro operario incide nos processos trabalhistas quando no espírito do julgador não existe uma convicção absoluta derivada da análise das provas produzidas". Ou seja, o referido subprincípio só será aplicado quando houver paridade nas provas, e sua aplicação é justa, no sentido de que, para retificar desigualdades, é necessário incorporar outras.

O princípio da proteção é a norma predominante no Direito do Trabalho. Este princípio expressa a possibilidade de intervenção do Estado na autonomia das relações de trabalho, com a intenção de amenizar a desigualdade material existente entre empregado e empregador. Ao fazê-lo, distingue o ordenamento laboral daquele do Direito Comum, para o qual o desequilíbrio de poder entre os contratantes não constitui elemento relevante na formação da livre vontade das partes.

De fato, trata-se de um conflito interno inerente à própria ciência trabalhista, que é dual em sua essência, como se pode inferir perfeitamente da descrição da natureza jurídica do Direito do Trabalho dada por André Horta Moreno Veneziano:

Natureza jurídica é o lugar que um instituto jurídico ocupa na ciência do Direito. O caráter social da sua essência e a existência de normas de ordem pública (restringindo a autonomia da vontade) não afastam a natureza contratual da relação estabelecida entre empregado e empregador. Por isso, o Direito do Trabalho é um ramo do Direito Privado.

Como, então, solucionar uma desavença oriunda da própria natureza jurídica do Direito do Trabalho?

Na tentativa de responder a essa pergunta, tem-se proposto o fim deste princípio como forma de dotar as relações laborais de maior flexibilidade diante das exigências de competitividade empresarial e da luta contra o desemprego, que acusam a rigidez do Direito Laboral como uma de suas causas.  Neste contexto, surgem as ideias de desregulamentação e flexibilização do ordenamento trabalhista, como propostas que implicam a predominância do princípio da autonomia privada em detrimento do princípio protetor. O conflito entre esses princípios revela o principal aspecto jurídico da crise pela qual atravessa o Direito do Trabalho.  


5 DESREGULAMENTAÇÃO E FLEXIBILIZAÇÃO 

A doutrina tem apresentado duas propostas básicas, uma denominada desregulamentação e a outra flexibilização, ambas objetivando a transição de um modelo protecionista a um modelo autônomo das relações de trabalho.

Não seria exagero dizer que a desregulamentação se manifesta pela extinção de qualquer mecanismo de garantia legal, e dos elementos protetores, pois os entende como uma violação da autonomia dos atores sociais, além de ser economicamente ineficaz. O posicionamento excessivamente radical desta corrente faz com que ela não pareça uma boa alternativa, pois, eliminar por completo os elementos protetores seria o mesmo que extinguir o próprio Direito do Trabalho, visto que estão intimamente ligados.

Além disso, a desregulamentação do Direito do Trabalho poderia gerar a inviabilidade do modo de produção capitalista, pois o aumento das desigualdades sociais atingiria níveis tão alarmantes que poderiam ser capazes de fazer ruir o próprio sistema.

Eis que, seguindo a mesma linha de raciocínio de ineficiência econômica das políticas protecionistas, se deu a existência do conceito de flexibilização, que visa à diminuição das limitações impostas pelo Direito do Trabalho aos empregadores.

A flexibilização difere da desregulamentação porque seus defensores afirmam que a meta seria constituir um ordenamento flexível, pronto a se adaptar às exigências empresariais e criar novos postos de trabalho.

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O conceito de flexibilização, colocado de maneira simplista, parece atrativo e justo. No entanto, quando analisado mais a fundo, encontra sérias objeções. Assim esclarece Maria Helena Mallmann:

Sua flexibilização [da legislação trabalhista], sob o tênue argumento da livre disposição da vontade das partes, afastando o papel do equilíbrio reservado ao Estado, fragilizaria gerações de trabalhadores.  (grifei)

Inobstante a tentativa doutrinária de incorporá-los ao ordenamento brasileiro, o fato é que os fenômenos da desregulamentação e flexibilização têm encontrado fundada resistência. 


6 PERTINÊNCIA DO PRINCÍPIO PROTETOR NOS DIAS ATUAIS 

Como exposto no início do desenvolvimento, o Direito do Trabalho surgiu como consequência de uma sucessão de acontecimentos que culminaram em uma grande desigualdade social, configurada pela inferioridade econômica da classe trabalhadora diante de seus empregadores.

Neste sentido, esclarece Américo Plá Rodriguez:

As desigualdades somente se corrigem com desigualdades de sentido oposto. Durante certo tempo, conseguiu-se a desigualdade compensatória porque o Estado colocou a favor do trabalhador o peso da lei. Surgiu, assim, a legislação do trabalho.

Contudo, mais tarde, a desigualdade compensatória foi obtida por via mais adequada - no sentido de mais sua e mais apropriada -, criando a força que resulta da união.

Por isso, em todo o Direito do Trabalho há um ponto de partida: a união dos trabalhadores; e há um ponto de chegada: a melhoria das condições dos trabalhadores. Direito individual e direito coletivo do trabalho são apenas caminhos diversos para percorrer o mesmo itinerário.

Deste trecho, é possível inferir que o Direito Individual e o Direito Coletivo do Trabalho são duas maneiras de consecução do mesmo fim, sendo regidos pelos mesmos princípios juslaborais já citados.

Assim, seria possível questionar o alcance do princípio protetor, que, apesar de reger os dois ramos do direito laboral, apresenta formas diversas de aplicação. Novamente citando Plá Rodriguez:

No direito individual criam-se normas. Por isso, o princípio se refere à seleção, aplicação e interpretação dessas normas. No direito coletivo, ao contrário, criam-se instrumentos cuja eficácia resulta do número, ela disciplina, da organização técnica e administrativa, do poder material de cada uma das partes.

Deve-se garantir a possibilidade da criação desse instrumento, assim como respeitar sua autenticidade e sua liberdade de ação e de funcionamento. Uma vez restabelecida a igualdade por meio da força sindical que deriva da união, desaparece a razão de ser do tratamento desigual por parte do Estado. Deve-se buscar a desigualdade compensatória por um caminho ou por outro, pois estabelecê-la simultaneamente por ambas as vias pode significar uma superposição de proteções que engendre outro desequilíbrio de sentido oposto, que teria um efeito perturbador.

A razão de ser do Direito do Trabalho consiste na proteção dos hipossuficientes, tendo se iniciado numa época em que não tinham condições de se defenderem sozinhos, numa situação de total inferioridade e dependência econômica.

Não se deve olvidar que hoje os trabalhadores tornaram-se mais unidos e ganharam força e voz na defesa de seus direitos. Entretanto, este motivo não pode ensejar o desmerecimento da contribuição dada pela CLT à solução dos conflitos trabalhistas. O que ela tem feito é apenas resguardar o mínimo necessário ao desenvolvimento do trabalhador com dignidade. Nas palavras de Maria Helena Mallmann “[r]epresenta apenas parcela de um ideal de expectativas a ser assegurado pelo estado civilizado, em favor de um mínimo de harmonização entre os interesses do lucro e da atividade laboral humana.”


7 CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto, pode-se concluir que o maior desafio nestes 70 anos da Consolidação das Leis do Trabalho consiste em lidar com seu conflito interno, pois, malgrado seja uma ciência de Direito Privado, possui peculiaridades totalmente contrárias a esta condição, limitando a autonomia das partes.

Em que pesem as críticas feitas ao Princípio da Proteção, é impossível extingui-lo completamente do Direito Laboral. Ainda nos dias atuais, a intervenção estatal é essencial para conter os empregadores, que tentam se aproveitar de seus empregados para obter proveito econômico.

Os trabalhadores são cada vez mais independentes, e sua reunião em sindicatos tem se mostrado bastante eficiente na proteção de seus direitos. É uma grande conquista que os acordos e convenções coletivas de trabalho possuam tamanha força normativa. Aliando suas conquistas à proteção conferida pela CLT, as classes trabalhadoras só tem a ganhar, e com elas, a sociedade em geral.

Assim, resta claro que princípio da proteção enaltece a condição do trabalhador brasileiro e que, o Direito do Trabalho, iluminado por este princípio e por outros, concede ao trabalhador o reconhecimento de seus direitos e valoração de sua pessoa, concretizando a importância da classe trabalhadora tanto na sociedade quanto no ordenamento jurídico.                        


Notas

[1]  Carlos Alberto Reis de Paula, Presidente do Tribunal Superior do Trabalho e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho.

[2] GIANNOTTI, Vito. Cem Anos De Lutas Da Classe Operária No Brasil 1880-1980, 1ª Ed.

[3] REALE, Miguel. Filosofia do Direito, 1975, p.57

[4] Evandro de Oliveira Belém e José Roberto Dantas Oliva

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Sobre o autor
Marco Aurélio Lustosa Caminha

Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região. Ex-Procurador Regional do Trabalho. Professor Associado de Direito na Universidade Federal do Piauí. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino (Buenos Aires, Argentina). Doutor em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMINHA, Marco Aurélio Lustosa. A pertinência do princípio da proteção nos dias atuais.: 70 anos da Consolidação das Leis do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4101, 23 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29540. Acesso em: 19 abr. 2024.

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