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Parlamentares federais e foro por prerrogativa de função face à Lei n º 10.628/2002

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26/09/2014 às 16:22
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vimos no decorrer de nosso estudo que compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar os membros do Congresso Nacional nos crimes comuns. O rol do art. 102 da Constituição Federal é exaustivo e não comporta interpretação extensiva para alcançar ex-parlamentares. É perfeitamente legítimo que aquele enquanto detentor de cargo ou função pública deve gozar de foro especial por prerrogativa de função, pois o que se pretende tutelar é o cargo. Ora, se de fato admitirmos a possibilidade de se processar e julgar um ex-detentor do poder no órgão superior, estaremos diante de privilégio que visa beneficiar à pessoa e não o cargo.

Também vimos que o Supremo Tribunal Federal, acertadamente, cancelou a Súmula nº 394 em 1999 por entender que na atual Carta Política não mais se justificaria a extensão do foro especial para aqueles crimes praticados após o término do mandato. Após o cancelamento da referida súmula, adveio a Emenda Constitucional nº 35/2001 que alterou o regime das imunidades parlamentares, principalmente quanto à imunidade formal processual o que garante ao parlamentar a impossibilidade de ser ou permanecer preso e a possibilidade de sustação do andamento da ação para os delitos praticados após a diplomação. Observe-se aqui que o processo já se encontra em curso, cabendo à respectiva Casa apenas opinar por sua suspensão.

Mas, enquanto tudo caminhava muito bem, o legislador ordinário, ao elaborar a Lei nº 10.628/02, inobservou diversos princípios que norteiam um Estado Democrático de Direito quais sejam: o princípio da razoabilidade e proporcionalidade e, principalmente, o da isonomia, tendo em vista que após o término do mandato o ex-parlamentar não mais goza de foro especial, sendo considerado, portanto, como qualquer do povo. Assim, deverá ser julgado no Foro Comum em observância à primeira parte da máxima aristotélica que diz “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades”.

Além do mais, como a matéria do foro especial por prerrogativa de função é tratada em nível constitucional, apenas por meio de Emenda Constitucional é que seria possível alterar a questão do foro especial e jamais por intermédio de legislação infraconstitucional. No que diz respeito à ação de improbidade administrativa de que trata a respectiva lei, basta uma simples leitura do texto constitucional em seu parágrafo 4º do art. 37 para se inferir que o instituto é de natureza eminentemente cível. E é essa interpretação que entende boa parte da doutrina.

Quanto ao controle de constitucionalidade em face da Lei nº 10.628/02, a maioria da doutrina, para não falar a unanimidade, tende pela inconstitucionalidade tanto no aspecto formal quanto no material. É formalmente inconstitucional pois no trâmite do projeto de lei as Comissões de Constituição e Justiça não refutou a referida lei com os ditames da Constituição Federal. E é materialmente inconstitucional porque feriu gravemente princípios fundamentais como o da isonomia e o da razoabilidade.

Ainda em sede de controle de constitucionalidade, é possível exercer, no caso concreto, o controle difuso, também chamado de exceção ou defesa, que se caracteriza pela possibilidade de todo e qualquer juiz ou tribunal realizar a análise sobre a compatibilidade de uma lei em face da Constituição Federal. Quanto aos efeitos jurídicos nesta espécie de controle e após a manifestação do Supremo Tribunal em fase de recurso, terão eficácia entre as partes envolvidas e opera com efeito ex tunc. Já no controle concentrado ou via de ação direta, apenas a Suprema Corte é competente para processar e julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade, tendo sua decisão eficácia erga omnes e como regra geral o efeito ex tunc, já que a Lei nº 9.868/99, que trata do processo e julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade, possibilita ao Supremo conceder efeito ex nunc tendo como pressupostos razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social.

Por último, espera-se que a Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela CONAMP (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público), ainda em tramitação no Supremo Tribunal Federal, seja julgada procedente para que o princípio da supremacia do interesse público seja preservado e não uma mera classe de privilegiados.


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Notas

[1] Número restrito, taxativo.

[2] Perpetuação da jurisdição.

[3] A partir de agora.

[4] O tempo rege o ato.

[5] Processo simultâneo.

[6] Antes do fato.

[7] O único tribunal competente para o juízo é aquele designado como tal pela lei vigente ao momento em que se comete o fato punível objeto do procedimento. (tradução nossa).

[8] Com a devida permissão.

[9] Número legal ou estatutário.

[10] Cabeça.

[11] Assim. Conforme está escrito.

[12] Devido processo legal.

[13] Vínculo de direito.

[14] No fim.

[15] Juiz ou Tribunal de onde se encaminha o processo.

[16] Contra todos.

[17] De ofício.

[1]8 Amigo do Juiz.

[19] De pleno direito.

[20] Entre as partes.

[21] Associação Nacional dos Membros do Ministério Público.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, Levi José Silva. Parlamentares federais e foro por prerrogativa de função face à Lei n º 10.628/2002. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4104, 26 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29633. Acesso em: 4 mai. 2024.

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MONOGRAFIA APRESENTADA AO NÚCLEO DE TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO DA FACULDADE DE DIREITO DE ANÁPOLIS COMO EXIGÊNCIA PARCIAL PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE BACHAREL EM DIREITO, SOB A ORIENTAÇÃO DA PROFESSORA ALINE SEABRA TOSCHI.

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