Resumo: O Direito Penal já admite o princípio da insignificância nos delitos contra o patrimônio. Nesse sentido, os magistrados também começaram a aplicar esta princípio nos crimes contra o meio ambiente. Como analisaremos, porém, o Direito Ambiental deve possuir uma perspectiva própria na análise nos delitos de bagatela.
Sumário: 1. Introdução. 2. Conceitos Fundamentais. 2.1. Meio Ambiente 3. Natureza Jurídica. 4. Autonomía do Direito Ambiental. 5. Princípios. 5.1. Aspectos Gerais. 5.2. As teorias da conduta. 5.3. Teoria Causalista. 5.4. Teoria Finalista. 5.5. Teoria Social da ação. 6. Princípio da Insignificância 7. A interpretação do princípio da Insignificância no Direito Ambiental. 7.1. A importância da interpretação no Direito Ambiental. 7.2. O princípio da Insignificância no Direito Ambiental. 7.3. A interpretação e aplicação do princípio da insignificância no Direito Ambiental. 8. Conclusão 9. Referência bibliográfica 10. Notas
PALAVRAS CHAVES: meio ambiente; princípio; princípio da insignificância; interpretação; critérios técnicos-ambientais.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo consiste em um trabalho apresentado junto ao Núcleo Acadêmico de Pesquisa - NAP da PUC-MG. Discutiremos um tema que nos chamou atenção pela escassez de comentários na doutrina especializada.
Abordaremos temas como a autonomia do Direito Ambiental, sua natureza jurídica e principalmente a interpretação do princípio da insignificância no Direito Ambiental.
Ao analisarmos algumas decisões de tribunais brasileiros, constatamos uma constante aplicação do princípio da insignificância nos crimes contra a fauna. Nestes casos as condutas dos infratores foram sempre analisadas sem que se considerassem critérios técnicos-ambientais. Passamos a entender então que a aplicação do princípio da insignificância desprovida de uma análise técnica poderia se tornar perigosa ao equilíbrio do ambiente, visto que certas condutas são aparentemente inofensivas, porém na realidade causam danos ao meio ambiente.
Assim, ao tratarmos de assuntos tão pouco explorados no universo jurídico, assumimos o risco de tomarmos certas posições polêmicas do ponto de vista de grande parte da doutrina conservadora brasileira.
Vemos nos dias atuais uma verdadeira batalha ideológica entre dois setores de nossa sociedade. Se de um lado se encontram os desenvolvimentistas pregando o crescimento econômico como valor supremo, doutro estão os ecologistas advogando por um desenvolvimento parcimonioso que supra as necessidades atuais, porém preservando o direito à vida das futuras gerações. Este conflito se mostra presente nos diversos setores, tais como: empresariado, sociedade civil organizada e do próprio Estado.
Esta lide ideológica, porém, emana da própria natureza humana, visto que os recursos naturais são de ordem finita e o desenvolvimento cultural- tecnológico do Homem é e sempre será infinito. "De modo que na natureza do homem encontramos três causas principais de discórdia. Primeiro, a competição; segundo, a desconfiança e terceiro, a glória." [1]
Destarte, a Assembléia Geral das Nações Unidas ao perceber a necessidade de se criar elementos normativos, a fim de se regulamentar a relação Homem-Meio Ambiente engenhou em junho de 1972, o divisor de águas em matéria normativa ambiental, a Declaração da ONU sobre o Ambiente Humano. Ao todo, foram estabelecidos vinte e três princípios com o fito de se determinar um norte no conturbado relacionamento do Homem com o Meio Ambiente. "A Conferência de Estocolmo lançou as bases da Ecologia Humana, alterando de forma substancial os paradigmas do desenvolvimento econômico até então adotados em todo mundo." [2]
No sistema normativo ambiental pátrio, a matéria meio ambiente se encontra de maneira esparsa, porém quatro momentos chamam nossa atenção pela felicidade de suas redações. O primeiro dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n.º 6.938/81). Logo em seguida entraria em vigor a Lei n.º 7.347/85 que trata da Ação Civil Pública. Porém, com a promulgação de nossa Lei Maior, o constituinte passa a tratar o meio ambiente como macrobem, reservando um capítulo inteiro para a matéria. "As normas constitucionais assumiram a consciência de que o direito à vida, como matriz de todos os demais direitos fundamentais do homem, é que há de orientar todas as formas de atuação no campo da tutela do meio ambiente. Compreendeu que ele é um valor preponderante, que há de estar acima de quaisquer considerações como as de desenvolvimento, como as de direito a propriedade, como as da iniciativa privada." [3] Recentemente é publicada a Lei n.º 9.605/98, a "Lei de crimes ambientais". Apesar de muito criticada por vários juristas, devido a alguns erros técnicos, este diploma legal é considerado por muitos como uma das Leis ambientais mais modernas do mundo.
2. CONCEITOS FUNDAMENTAIS
Devido a seu caráter multidisciplinar, é mister o estabelecimento de conceitos essenciais ao entendimento de qualquer matéria no que tange o emergente ramo do Direito Ambiental.
São conceitos, que fogem à seara do Direito e invadem a Biologia, a Ecologia, a Geografia, entre outras ciências.
2.1. MEIO AMBIENTE
O conceito de Meio Ambiente é, talvez, o que desperta maiores controvérsias tanto nas doutrinas, como nas legislações vigentes.
Em sentido amplo, Meio Ambiente é o sistema de interações de ordem natural e cultural que o Homem exerce sobre determinado "habitat".
É mister que ressaltemos o aspecto amplo desta definição, pois ela considera, como veremos, os elementos naturais e culturais em suas feições lato sensu.
O meio ambiente devido a seu caráter interativo é a nosso ver, um sistema e não um simples conjunto, pois este nada mais é que a reunião das partes comuns na formação do uno. Enquanto aquele é o "conjunto das partes coordenadas entre si." [4]
"Se dice que determinados elementos forman un conjunto cuando posuen un atributo común. Se dice, en cambio, que un conjunto es un sistema cuando los elementos se relacionan entre sí y con un entorno del que se diferencian y con el que se comunican." [5]
Elementos naturais são todos aqueles de ordem química, física, e biológica que integram, junto aos seres vivos, um determinado espaço geográfico.
Entende-se por meios culturais toda modificação realizada pelo Homem que de qualquer maneira altera o seu meio. "O mundo da cultura compõe-se do produto das realizações humanas; de todas as coisas que o homem cria, visando atender às suas múltiplas necessidades. É resultante do trabalho humano. Dotado de inteligência, o homem modifica a paisagem da natureza, adequando-se à sua vida. Os elementos que a Terra oferece são manipulados e transformados, até atingirem a forma e funcionalidade necessárias ao uso do homem." [6]
De forma ímpar assim define, de maneira mais específica, meio ambiente o Prof. Édis Milaré [7]: "O ambiente elevado a categoria de bem jurídico essencial à vida, à saúde, e à felicidade do homem, integra-se, em verdade, de um conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais, de molde a possibilitar o seguinte detalhamento: meio ambiente natural (constituído pelo solo, água, o ar atmosférico, a flora, a fauna, enfim a biosfera), meio ambiente cultural (integrado pelo patrimônio artístico, histórico, turístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico) e meio ambiente artificial (formado pelo espaço urbano construído, consubstanciado no conjunto de edificações, e pelos equipamentos públicos: ruas, praças, áreas verdes, enfim, todos os assentamentos de reflexo urbanístico)." [8]
3. NATUREZA JURÍDICA
De certo, a natureza jurídica do Direito Ambiental é um dos temas mais polêmicos trazidos por este novo ramo do Direito. É evidente que assim como as demais disciplinas jurídicas, o Direito Ambiental também possui seu caráter multidisciplinar.
Portanto, assim como o Direito Penal guarda íntima relação com a criminologia, a medicina legal, a vitimologia; o Direito Ambiental da mesma forma mantém uma estreita relação com a Biologia, a Geografia e a Engenharia Florestal.
Contudo, o Direito Ambiental possui ainda um caráter interdisciplinar, pois se relaciona com os outros ramos do Direito de forma própria, especial.
Esta divisão entre multidisciplinar e interdisciplinar, nos parece pertinente e didaticamente recomendável pois nos ajuda a esclarecer a natureza jurídica do Direito Ambiental. Há dois pontos portanto que devemos considerar:
1) O Direito Ambiental mantém íntimo relacionamento com as diversas áreas das Ciências, sejam elas exatas, humanas ou biológicas. Possuindo assim uma multidisciplinariedade, mais complexa e variada que os demais ramos do Direito. "Não raro o intérprete terá que valer-se da geografia, da botânica, da engenharia florestal e mesmo de costumes e termos regionais" [9].
2) Dentre os vários ramos do Direito é possível constatar relações dos mais diversos níveis entre as disciplina. O Direito Ambiental, contudo, relaciona-se de maneira peculiar com as demais matérias. A esta forte e inédita conexão disciplinar, damos o nome de interdisciplinariedade.. O prof. Paulo Affonso Leme Machado transcreve o ensinamento do prof. Michel Priur: "Na medida em que o ambiente é a expressão de uma versão global das intenções e das relações dos seres vivos entre eles e com seu meio, não é surpreendente que o Direito do Ambiente seja um Direito de caráter horizontal, que recubra os diferentes ramos clássicos do Direito (Direito Civil, Direito Administrativo, Direito Penal, Direito Internacional), e um Direito de interações que se encontra disperso nas várias regulamentações. Mais do que um novo ramo do Direito com seu próprio corpo de regras, o Direito do Ambiente tende a penetrar todos os sistemas jurídicos existentes para orientar num sentido ambientalista." [10]
Surgem, assim, sub-ramos como o Direito Constitucional Ambiental, Direito Administrativo Ambiental, Direito Penal Ambiental, Direito Processual Ambiental, Direito Internacional Ambiental, entre outros.
Estes sub-ramos conservam seus princípios, métodos e institutos. Esta aglutinação de ramos faz nascer muitas vezes controvérsias em torno da aplicação e interpretação de princípios, institutos e da própria norma ambiental.
Se o Direito é uma grande árvore, onde o Direito Constitucional é o seu tronco normativo supremo que se dispersa em diversos caules representando os mais variados ramos do Direito, o Direito Ambiental seria um lesto camaleão que percorre toda esta árvore jurídica.
4. AUTONOMIA DO DIREITO AMBIENTAL
Não pretendemos neste tópico aprofundarmos na questão da autonomia do Direito Ambiental. Consideramos o assunto dogmaticamente denso e interessante, sendo que nosso escopo ao tratarmos da matéria consiste unicamente em exteriorizarmos nossa opinião, abandonando portanto a investigação científica necessária para o tema.
Não são poucos os autores que ainda não admitiram a autonomia do Direito Ambiental. Para muitos "Direito Ambiental é uma especialização do Direito Administrativo que estuda as normas que tratam das relações do homem com o espaço que o envolve." [11]
Para Diogo de Figueiredo Moreira Neto, um dos precursores da discussão jurídica-ambiental no Brasil, em 1977, negava a autonomia da disciplina assim afirmando "Surge, então, o problema taxionômico: como classificar o Direito Ecológico no contexto do jurismo? Desde logo não se lhe reconhece autonomia científica; faltam-lhe, para tanto, princípios e métodos próprios." [12]
Partindo do pressuposto que para adquirir autonomia uma disciplina requer princípios e métodos próprios, concluímos, assim que em relação ao Direito Ambiental não há como lhe negarmos autonomia.
São inúmeros os princípios pertencentes ao Direito Ambiental. Apesar de existirem alguns princípios que mantém íntima conexão com outros ramos do Direito, v.g., o princípio da Função Administrativa - princípio da Função Ambiental, existem, porém, outros princípios que são especificamente ambientais, v.g., o princípio da precaução, princípio do desenvolvimento sustentável, princípio da cooperação, entre outros.
O Direito Ambiental também possui métodos próprios. Estes métodos apesar, de específicos ainda necessitam de maior aperfeiçoamento. Um exemplo que retrata o que pensamos é: a fixação e aplicação da pena em pessoa jurídica, a composição do dano ambiental, e as próprias interpretações de princípios e regras no Direito Ambiental, como a que faremos a seguir.
5. PRINCÍPIOS
5.1- Aspectos gerais
Entendemos por princípios como todo conceito abstrato-normativo, genérico de uma determinada ciência. Todo ramo do Direito é, portanto, constituído de princípios, que são o alicerce de todas as Ciências.
O Prof. Marcelo Campos Galuppo transcreve o conceito de princípio na visão de Roberto Alexy "Princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Portanto, os princípios são mandados de otimização, que estão caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferentes graus, e que a medida devida de seu cumprimento não só depende das possibilidades reais mas também jurídicas.[...]." [13]
5.2- As teorias da conduta
Para considerarmos um comportamento delituoso, é necessário que este seja constituído de tipicidade, antijuricidade, culpabilidade.
Fato típico é aquele que se enquadra perfeitamente no modelo de conduta descrito no tipo. Todo delito é constituído dos seguintes elementos:
- Conduta (ação ou omissão);
- Resultado;
- Nexo causal;
- Tipicidade.
A doutrina, divide em três as teoria sobre a conduta penal. São elas: a teoria causalista, teoria finalista, teoria social da ação.
5.3.Teoria causalista
Para teoria causalista, tradicional, a ação é um movimento corpóreo voluntário. "É um processo mecânico, muscular, e voluntário (porque não é um ato reflexo), em que se prescinde do fim a que essa vontade se dirige." [14]
"Nela, a conduta é um simples comportamento. Por isso, não lhe importa o que o agente quis. Basta a voluntariedade da conduta, a manifestação da vontade na realização ou na não-realização de um movimento corpóreo." [15]
5.4. Teoria finalista
Para teoria finalista da ação, as condutas humanas são realizadas objetivando um determinado resultado. Toda ação ou omissão é constituída por um elemento psíquico, que determina a vontade do agente. "Para que a ação seja algo compreensível, é necessário ver o propósito com que foi praticada, ou seja, é preciso verificar desde logo se a ação tinha ou não, como fim, a realização do fato típico. Daí a máxima finalista de que a causalidade é cega, ao passo que a finalidade vê." [16]
5.5. A teoria social da ação
A teoria social da ação tem como seus maiores defensores, dentre outros: Johannes Wessels, C. Fiore, Soler, Engish Jescheck, Everardo da Cunha Luna, e entre nós Nilo Batista e Miguel Reale Júnior.
Para esta corrente a ação é a conduta de relevante valor social. "Como o Direito Penal só comina pena às condutas socialmente danosas e como socialmente relevante é toda conduta que afeta a relação do indivíduo para com seu meio, sem relevância social não há relevância jurídico-penal. Só haverá fato típico, portanto, segundo a relevância social da ação." [17]
A crítica feita a esta teoria, consiste na subjetividade de se determina a relevância social de uma ação. A tipificação desta ação, em socialmente relevante ou não, poderá torna-se mais árdua no Direito Penal Ambiental, onde a avaliação do ilícito ambiental depende de critérios técnicos, que fogem do conhecimentos de quaisquer juristas.
Deve-se entender a expressão "socialmente relevante" em seu sentido amplo considerando todos os aspectos que cercam o Homem, ou seja, deve-se analisar a conduta sob as faces econômicas, culturais, e principalmente ambientais.
De certo, a teoria social da ação possui em seu fundamento jurídico, íntima relação com o princípio da insignificância, o qual iremos comentar a seguir.
6. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
Ao realizar o trabalho de redação do tipo penal, o legislador apenas tem em mente os prejuízos relevantes que o comportamento incriminado possa causar à ordem jurídica e social. Todavia, não dispõe de meios para evitar que também sejam alcançados os casos leves. [18]
É possível encontrarmos condutas que embora tipificadas como crime, não são dotadas de nenhuma relevância social. Nestes casos, a condenação do infrator se mostrará mais maligna à sociedade, do que o próprio delito cometido.
Aplicar-se-á, então, o princípio da insignificância (bagatela, irrelevância), onde, devido a insignificância do dano ao bem jurídico tutelado, o Estado renuncia ao jus puniendi.
São duas as teorias sobre a origem do princípio da insignificância. Alguns doutrinadores acreditam que o berço do princípio encontra-se no Direito Romano. Para outros o princípio surge na primeira metade do século XX na Alemanha. Aqueles fundamentam sua posição a partir do brocado "minimis mon curat praetor (o pretor não cuida de ninharias)". [19] Para estes o princípio da insignificância surge na Europa no período da primeira Guerra Mundial, onde devido a situação desesperadora da população, iniciou-se furtos de pequenas quantias, ou seja crimes de bagatela (bagatelledelikteiz). [20]
O princípio da insignificância, não esta fundamentado no nosso direito positivo. Vem, portanto, se consolidando como forte instituto da nova política criminal.
Este princípio, contudo, é repetitivamente alvo de severas críticas. Entendem alguns operadores do Direito que a aplicação do princípio gera um clima de impunidade devido seu a caráter liberal. Para outros, a aplicação do princípio é inaceitável, pois criaria uma insegurança jurídica no momento em que reduziria sua aplicação a um juízo de valor.
Ousemos todavia discordar.
Para que se aplique o princípio da insignificância de maneira justa, é mister que não se confunda conduta irrelevante com conduta de menor potencial ofensivo. Neste o indivíduo praticou uma conduta descrita no verbo-tipo (tipicidade formal) e o juiz deve impor a pena. Sendo porém, o delito de menor potencial ofensivo, deve-se buscar alternativas diversas a pena privativa de liberdade (substituição por restritivas de direito, sursis processual- no caso da Lei n.º. 9099/95) [21]
Naquele, a lesão ao bem jurídico tutelado é insignificante. O indivíduo mesmo praticando um delito (tipicidade formal) não é possível impor-lhe pena, pois não há proporcionalidade entre sua conduta e o resultado (tipicidade material). Neste caso, não existindo tipicidade material, o fato é atípico, impossibilitando a formação do conceito analítico de crime. Marco Antônio Ribeiro Lopes ensina: "o que venho pretendendo firmar é a nocividade de se confundir o princípio da insignificância com crimes de pouca significação. Pelo princípio afasta-se a tipicidade do crime por ausência de seu elemento material, pelo segundo, busca-se uma alternativa processual mais célebre, pela menor importância do crime (que existe)." [22]