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A suspensão condicional do processo ante a nova definição de infração de menor potencial ofensivo.

Lei nº 10.259/2001 (Lei dos Juizados Especiais Federais)

01/07/2002 às 00:00
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A Lei Federal nº 9.099/95 efetivamente modificou o sistema penal nacional. Está evidente que a desburocratização, despenalização, ressocialização e reparação do dano, se tornaram realidades e isto se deve à orientação de princípios como o da simplicidade, oralidade, economia processual, informalidade e celeridade, como forma de evitar a aplicação da pena de prisão.

Assim foi instituído o conceito de crime de menor potencial ofensivo, no qual, segundo a aludida lei, estão inseridas as contravenções penais e os delitos a que a lei comine pena máxima não superior a 01 (um) ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial (art. 61).

A definição do que vinha a ser crime de menor potencial ofensivo, por conseqüência lógica, mostrou-nos que existiam também delitos de médio e grande potencial ofensivo. Enquanto para os de menor potencial ofensivo a Lei nº 9.099/95 apresentava uma forma procedimental nova, informada pelos princípios acima mencionados, alguns delitos de médio potencial ofensivo, cuja pena mínima fosse igual ou inferior a 01 (um) ano, abrangidas ou não por esta lei poderiam ser beneficiados com a suspensão condicional do processo, pelo período de 02 (dois) a 04 (quatro) anos, desde que o acusado não estivesse sendo processado ou tivesse sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional do processo (art. 89, Lei nº 9.099/95). Assim, a suspensão condicional do processo passou a ser utilizada, sendo cada vez mais, dirimidas as eventuais dúvidas sobre o instituto, que vem merecendo tratamento específico na doutrina e jurisprudência.

A partir de 13 de janeiro de 2002, com a vigência da Lei nº 10.259, de 12.07.2001, foram instituídos os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal. Em relação à Lei nº 9.099/95, a nova legislação, que é muito menor (possui apenas 27 artigos), trouxe uma grande inovação com repercussão imediata nos Juizados Especiais Criminais dos Estados. Trata-se da nova definição de infração de menor potencial ofensivo. É que o único artigo da nova lei que dispõe sobre a matéria (artigo 2º e seu parágrafo único), informa que "consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa".

Renomados doutrinadores já publicaram suas primeiras impressões da nova lei e, segundo eles, a atual definição de infração de menor potencial ofensivo é de aplicação imediata, inclusive nos Juizados Especiais Criminais dos Estados. Não obstante a Lei nº 10.259/2001 tenha procurado restringir os seus postulados ao âmbito federal, tal tentativa resulta impróspera, na medida em que afeta o princípio da igualdade, assegurado na Carta Maior, além do que, como bem afirmou GOMES, "nenhum texto legal ordinário pode, sem justo motivo, discriminar situações. Se o crime da mesma natureza é julgado pela Justiça Estadual e Federal, deve receber o mesmo tratamento jurídico" [1].

A partir de agora, toda e qualquer infração cuja pena máxima não é superior a dois anos, ou multa, passa a ser considerada de menor potencial ofensivo no âmbito federal e estadual. O contrário resultaria em absurdos como bem exemplifica GOMES, ao referir-se à hipótese de desacato (cuja pena não ultrapassa os dois anos). Se fosse da alçada da Justiça Federal caracterizaria infração de menor potencial ofensivo. Já na esfera estadual não. Por isso que, segundo o próprio GOMES, "crimes da mesma natureza não podem contar com duplo particularismo jurídico, sem haver um motivo justo, uma razão pertinente, uma base adequada, uma causa justificativa razoável". [2]

Na mesma esteira de raciocínio seguem Cláudio dell’Orto [3], Damásio de Jesus [4], Fernando da Costa Tourinho Filho [5] e outros consagrados pensadores do Direito.

Como se vê, é indiscutível no âmbito da doutrina que infração de menor potencial ofensivo sofreu nova definição. E isto traz conseqüências outras, que não se restringem apenas à constatação de que sua aplicação há de ser feita também nos Juizados Estaduais, já que inegavelmente derrogado o artigo 61 da Lei nº 9.099/95. Vai mais além.

Ora, mudando-se o limite do quantum máximo da pena para a infração ser considerada de menor potencial ofensivo, muda também o conceito de infração de médio potencial ofensivo. Nosso interesse, nesta breve reflexão, limitar-se-á a este tipo de delito, exatamente porque para alguns deles é assegurada a aplicação do instituto da suspensão condicional do processo, previsto no art. 89 da Lei nº 9.099/95.

Em uma reflexão sobre algumas particularidades da aplicação da suspensão condicional do processo, afirmamos que este instituto "tem por base o princípio da oportunidade e sua finalidade suprema é a de evitar não só a estigmatização decorrente da sentença penal condenatória, como também, e sobretudo, a derivada do próprio processo. É indiscutivelmente a via mais promissora para solução de conflitos oriundos da média criminalidade, já que permite a pronta resposta estatal ao delito. Por outro lado, oportuniza o fim das prescrições, a ressocialização do autor do fato, sua não-reincidência e uma fenomenal economia de papéis, horas de trabalho, da disponibilização da prestação jurisdicional como um todo" [6].

Nas palavras de GOMES [7], "a suspensão condicional do processo, representa, segundo nosso ponto de vista, a maior revolução no processo penal nos últimos cinqüenta anos".

Assim, a suspensão condicional do processo ao longo dos anos tem demonstrado os benefícios de sua aplicação. Pois bem, a mudança do limite máximo para a definição de infração de menor potencial ofensivo ensejará, como afirmado, uma lógica mudança no conceito de crimes de médio potencial ofensivo, que agora são aqueles cujo mínimo da pena seja dois anos.

Ora, embora não haja uma maior relação entre crime de pequeno potencial ofensivo (para o qual se aplica todo o procedimento dos Juizados) e a suspensão condicional do processo, é um fato que ela originariamente não se destina a eles. De regra, é aplicada a alguns delitos de médio potencial ofensivo, sendo várias as hipóteses de incidência. Ocorre que o conceito de delito de menor potencial, como já dito, foi sensivelmente alterado e com isso também o de médio potencial. Não obstante a crítica de alguns doutrinadores, no sentido de que o instituto da suspensão condicional do processo não deveria constar na lei dos juizados especiais, o certo é que a utilização deste benefício legal tem apresentado bons resultados. Com a mudança conceitual acima referida, fica-nos a pergunta: também não seria momento para se reavaliar os referenciais adotados para a concessão do benefício da suspensão condicional do processo (atualmente destinada àqueles delitos cuja pena mínima seja igual ou inferior a 01 ano – art. 89, Lei n. 9.099/95) e a natureza dos crimes a fazerem jus ao mesmo, uma vez que, à primeira vista, não se afigura muito adequada, do ponto de vista da política criminal, a aplicação da suspensão processual a delitos que prevejam, como elementos do tipo, violência ou grave ameaça (v.g., lesão corporal de natureza grave)? Fica a pergunta, a merecer resposta.


BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

01) CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.(2000). org. Cláudio Brandão de Oliveira. Rio de Janeiro: DP&A. 215 p.

02) DELL’ORTO, Cláudio. Efeitos da Lei 10.259 de 2001 que instituiu os Juizados Especiais Criminais no âmbito da Justiça Federal. Disponível na internet: http://www.ibccrim.com.br, 23.07.2001.

03) GARCIA, Ismar Estulano.(1996). Juizados Especiais Criminais: prática processual penal. Goiânia: AB Editora, 363 p.

04) GOMES, Luís Flávio.(1997). Suspensão condicional do processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 421 p.

05) GOMES, Luis Flávio e MOLINA, Antonio Garcia-Pablos de.(2000). Criminologia. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 536 p.

06) GOMES, Luís Flávio. Lei dos juizados federais aplica-se para os juizados estaduais, in. www.direitocriminal.com.br, 27.07.2001.

07) GRINOVER, Ada Pellegrini et al.(1995) Juizados Especiais Criminais: comentários à Lei 9.099 de 26.09.1995. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 346 p.

08) GUIMARÃES, Cláudio Alberto Gabriel; MARQUES, Ednarg Fernandes. Da constitucionalidade da aplicação do art. 89 da Lei n.º 9.099/95, nos crimes dolosos contra a vida, cuja pena mínima seja igual ou inferior a um ano. Tese apresentada e aprovada no Congresso do Ministério Público, em novembro de 2000, na cidade de Maceió (Al).

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09) JESUS, Damásio Evangelista de.(1995). Lei dos Juizados Especiais Criminais anotada. São Paulo: Saraiva, 130 p.

10) JESUS, Damásio de. Ampliado o rol dos crimes de menor potencial ofensivo. In www.direitocriminal.com.br, 27.07.2001.

11) MIRABETE, Júlio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais: comentários, jurisprudência, legislação. 3. ed. São Paulo: Atlas, p. 150/181, 1998.

12) PAZZAGLINI FILHO, Marino et al.(1997) Juizado Especial Criminal: aspectos práticos da Lei n.º 9.099/95. São Paulo: Atlas, 246 p.

13) TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Lei 10.259/01 – Juizados Criminais Federais. Disponível na internet: http://www.ibccrim.com.br, 01.10.2001.


Notas

1. GOMES, Luís Flávio. Lei dos juizados federais aplica-se para os juizados estaduais, in. www.direitocriminal.com.br, 27.07.2001.

2. Id. Ibid.

3. "Nesse sentido, Cláudio dell’Orto afirma que a nova lei, antes mesmo de sua vigência, introduziu no sistema normativo um novo conceito, que deve ser aplicado imediatamente, porque amplia o espaço de consenso, numa sociedade conflitual. A alteração do art. 61 da Lei 9.099/95 torna-se inevitável e, até mesmo obrigatória, em homenagem ao princípio da igualdade". In DELL’ORTO, Cláudio. Efeitos da Lei 10.259 de 2001 que instituiu os Juizados Especiais Criminais no âmbito da Justiça Federal. Disponível na internet: http://www.ibccrim.com.br, 23.07.2001.

4. "Diante disso, de prevalecer a posterior, inegavelmente de direito penal material. Mais benéfica, ampliando o rol dos crimes de menor potencial ofensivo, derroga a anterior (CF, art. 5º, XL; CP, art. 2º, parágrafo único). Em face disso, entendemos que o parágrafo único do art. 2º da Lei n. 10.259/2001 derrogou o art. 61 da Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei n. 9.099/95). Em conseqüência, sejam da competência da Justiça Comum ou Federal, devem ser considerados delitos de menor potencial ofensivo aqueles a que a lei comine, no máximo, pena detentiva não superior a dois anos, ou multa". JESUS, Damásio de. Ampliado o rol dos crimes de menor potencial ofensivo. In www.direitocriminal.com.br, 27.07.2001.

5. "Assim, pode-se afirmar com absoluto acerto que o princípio da proporcionalidade, idéia de Justiça imanente a todo o Direito, quer dizer que os desiguais devem ser tratados com desigualdade e, logicamente, os iguais com igualdade. Não há dois tipos de infrações penais de menor potencial ofensivo. Todas elas ficaram niveladas. A lei posterior revogou a anterior. E seria um descabelado absurdo afirmar-se que para a Justiça Federal é de menor potencial ofensivo infração punida no seu grau máximo com 2 anos, sujeita ou não a procedimento especial, e para a Justiça Estadual essa mesma infração passa a ser de médio potencial ofensivo... não sujeita a transação." TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Lei 10.259/01 – Juizados Criminais Federais. Disponível na internet: http://www.ibccrim.com.br, 01.10.2001.

6. GUIMARÃES, Cláudio Alberto Gabriel; MARQUES, Ednarg Fernandes. Da constitucionalidade da aplicação do art. 89 da Lei n.º 9.099/95, nos crimes dolosos contra a vida, cuja pena mínima seja igual ou inferior a um ano. Tese apresentada e aprovada no Congresso do Ministério Público, em novembro de 2000, na cidade de Maceió (Al).

7. GOMES, Luis Flávio e MOLINA, Antonio Garcia-Pablos de. Criminologia. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 492.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES, Ednarg Fernandes. A suspensão condicional do processo ante a nova definição de infração de menor potencial ofensivo.: Lei nº 10.259/2001 (Lei dos Juizados Especiais Federais). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 57, 1 jul. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2976. Acesso em: 22 nov. 2024.

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