Com a previsão do oferecimento de Resposta à Denúncia (art. 396-A do CPP) e possibilidade de absolvição sumária, trazidos pela 11.719/2008, o Ministério Público vem requerendo vista dos autos para manifestação após a defesa do réu e antes do pronunciamento judicial do art. 397 do CPP.
O intuito do pleito ministerial é garantir resposta às questões suscitadas pela defesa que podem ensejar o encerramento sumário do processo, atuando para influir na decisão judicial em equiparação aos artigos 327 do CPC[1], 409 do CPP[2] e art. 5º da lei 8.038/90[3].
Outro argumento em prol da réplica ministerial, defendida pela doutrina, é o de que a manifestação da acusação após a resposta à denúncia representa a aplicação do contraditório. Nesse sentido, complementando que tal garantia “não é somente garantia de participação do acusado, mas também da acusação”, a doutrina de Flaviane de Magalhães Barros conclui que “deve-se, antes de o juiz decidir sobre os pedidos formulados na defesa inicial, abrir vista a acusação para garantir o contraditório, já que a decisão de absolvição sumária extingue o processo, fazendo coisa julgada formal e material, que não pode ser desconstituída por revisão criminal” [4].
Assim, a medida vem sendo largamente aplicada pelo Judiciário, já sendo corriqueira a remessa dos autos à parte acusatória antes da conclusão do feito para decisão acerca da absolvição sumária x deflagração da instrução.
A indagação que se faz a partir dessa prática é: (I) uma vez concedida ao MP a oportunidade de replicar a resposta prevista no art. 396-A, estar-se-ia vinculando o feito à necessidade de uma nova manifestação da defesa (tréplica)? Pensamos que sim, pelo seguinte:
I. Em primeiro lugar, não há respaldo legal na legislação processual penal para a manifestação ministerial pós-resposta à denúncia. E não se diga que o assunto passou despercebido ao legislador, uma vez que a redação do PL 4.207/01 previa tal possibilidade (no mesmo sentido do art. 409 do CPP, trazido pela lei 11.689/08) e foi excluída da redação final da lei 11.719/2008. Nesse raciocínio, a réplica ministerial, no procedimento ordinário, só é adotada através da aplicação analógica de outros dispositivos.
II. Em segundo lugar, entendemos que o princípio do contraditório já fora estabelecido com a denúncia e resposta à denúncia, considerada a “contestação” da peça inicial. A nova manifestação acerca dos argumentos do réu consiste em mais um desdobramento do procedimento, que, além de não previsto em lei, pode causar desequilíbrio entre as partes.
Perceba-se que, diferentemente do processo civil, a denúncia penal deve conter a descrição fática em sua integralidade, relacionando-a ao acusado para a perfeita individualização da conduta. Assim, acaso fosse permitido ao Parquet oferecer réplica aos argumentos da Resposta à denúncia, essa manifestação não poderia trazer quaisquer explicações fáticas que já não estivessem contidas na peça vestibular, sob pena de ser vista como um aditamento à denúncia (e dar ensejo, de logo, a uma nova manifestação da defesa). Assim, qualquer fato novo trazido para explicar ou robustecer os elementos indicados na exordial já implicaria na necessidade de nova vista à defesa.
Por outro lado, se a réplica ministerial obrigatoriamente se vincula aos elementos já indicados na denúncia (sem referências a novos fatos ou argumentos), sua desnecessidade é evidente, figurando apenas como uma discordância aos argumentos do réu.
Tome-se, por exemplo, a alegação de inépcia da denúncia por ausência de descrição e individualização a conduta do acusado, realizada através da Resposta à denúncia[5]. Dada a oportunidade de réplica ao MP e sendo-lhe vedada a inovação na descrição fática, restar-lhe-ia aduzir, tão somente, que a denúncia preenche os requisitos legais, fato que poderia ser constatado ou refutado da leitura da própria denúncia pelo Juiz. Ao revés, o que se vê é Ministério Público tentar sanar a inépcia da inicial cuidando de, a destempo, trazer na sua manifestação o detalhamento que deveria ter constado na peça vestibular. Nesses casos, manifesta é a necessidade de tréplica do réu.
III. Todos os dispositivos processuais que permitem a réplica ministerial após a defesa do acusado limitam os comentários do Parquet às hipóteses de o réu ter arguido preliminares ou ter juntado documentos em sua defesa (vide art. 409 do CPP; art. 327 do CPC; art. 5º da lei 8.038). Assim, mesmo nos casos em que lei permite a manifestação do autor após a defesa do réu, tal manifestação é restrita às hipóteses legais acima mencionadas. A aplicação analógica desses dispositivos ao caso em comento, portanto, teria que apresentar as mesmas restrições, e o Ministério Público só poderia se pronunciar acerca das preliminares levantadas na Resposta à acusação ou com relação aos documentos a ela acostados.
No entanto, o art. 397 do CPP prevê que a absolvição sumária só é verificada em quatro situações, quais sejam, (I) a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; (II) a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; (III) que o fato narrado evidentemente não constitua crime; ou (IV) esteja extinta a punibilidade do agente. Desses casos, apenas a hipótese de extinção da punibilidade é suscitada como preliminar. Todos os demais argumentos, salvo melhor juízo, implicam na discussão meritória acerca do fato e suas circunstâncias. Ora, na esteira do raciocínio de aplicação analógica, todos os argumentos que ensejam a incidência dos incisos I, II e III do art. 397, por não representarem discussão de preliminares, não poderiam ser objeto de comentários na réplica ministerial.
Por outro lado, ao se justificar a adoção da réplica ministerial através do princípio do contraditório – possibilitando ao parquet contestar todos os argumentos que possam influir na decisão de absolvição sumária –, estar-se-ia permitindo inusitada “interpretação extensiva em aplicação analógica de artigo processual em desfavor do acusado”. A solução nos parece bem absurda.
IV. Por fim, a réplica do Parquet ignora a lógica processual que assegura à defesa a possibilidade de falar por derradeiro. Nesse sentido, não procede o argumento de que a decisão do juiz só seria definitiva se adotada em favor do acusado, e, se assim não o for, novas manifestações da defesa estariam garantidas em sua plenitude durante toda a fase instrutória e debates orais. Tal raciocínio, com a devida vênia à doutrina que o expõe, desmerece a importância da fase de absolvição sumária. Ora, uma vez deflagrada a instrução, é inegável o constrangimento do acusado em submeter-se a todas as demais fases processuais para, somente no momento final, rebater os argumentos ministeriais em sua inteireza. Como a fase de absolvição sumária não pode, em tese, ser renovada em momento posterior, o indeferimento dos argumentos defensivos na fase inicial é definitivo e contra ele não cabe recurso. Mais uma razão a possibilitar ao réu usufruir do contraditório prévio e dar efetividade ao seu direito de pleitear a absolvição sumária.
Ante o exposto, entendemos que a réplica ministerial sem tréplica defensiva desnivela a balança da igualdade processual do contraditório prévio, ofendendo o devido processo legal e a ampla defesa.
Notas
[1] “Art. 327 do CPC. Se o réu alegar qualquer das matérias enumeradas no art. 301, o juiz mandará ouvir o autor no prazo de 10 (dez) dias, permitindo-lhe a produção de prova documental (...)”.
[2] O art. 409 do CPP, com a nova redação dada pela lei 11.689/08, dispõe, para o rito relativo aos processos de competência do Tribunal do Júri, que, “apresentada a defesa, o juiz ouvirá o Ministério Público ou o querelante sobre preliminares e documentos, em 05 (cinco) dias”.
[3]A oportunidade de o Ministério Público contrariar a defesa preliminar do acusado também é prevista no art. 5º da Lei 8.038/90 (competência originária dos Tribunais): “se, com a resposta [do acusado], forem apresentados novos documentos, será intimada a parte contrária para sobre eles se manifestar, no prazo de 05 dias”.
[4] BARROS, Flaviane de Magalhães. (Re)forma do Processo Penal: comentários críticos dos artigos modificados pelas leis n. 11.690/08 e n. 11.719/08. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 17/18.
[5] Muito embora os artigos 395 e 396 do CPP indiquem que a rejeição liminar da denúncia seja efetuada antes da Defesa do réu, defende-se que o julgador deve, quando da análise da aplicação da absolvição sumária, empreender nova verificação das condições da ação e requisitos da peça vestibular, quando alegadas as causas de rejeição do art. 395 do CPP. Tal raciocínio é baseado no fato de que o artigo 399 do CPP prevê um novo momento de recebimento da denúncia, após a Resposta do acusado.