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Alienação parental

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28/10/2014 às 09:16
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O estudo versa sobre a definição do tema proposto utilizando o conceito legal e doutrinário; faz-se uma análise do alienador, o perfil, suas características...

SUMÁRIO: Resumo.  Introdução.  1. Antecedentes históricos.  2. Conceito legal e doutrinário.  3. O alienador.  3.1. Perfil e práticas do alienador.  3.2. Sentimentos do genitor alienador. 4. Direitos violados.  5. O falso abuso. 6. Sequelas. 7. Processo. 8. Laudo psicológico ou biopsicossocial.  9. Sanções. Conclusão. Referências

RESUMO: Este artigo propõe um estudo acerca do fenômeno jurídico conhecido como “Alienação Parental.” O estudo versar sobre a definição do tema proposto utilizando o conceito legal e doutrinário; faz-se uma análise do alienador, o perfil, as características que o identificam e atos cometidos por ele; aborda-se também as consequências que a alienação parental causa perante aqueles envolvidos nesta síndrome, sanções e medidas a serem aplicadas ao(s) alienador(es) deste distúrbio, o instrumento processual da ação ora aplicada deste distúrbio, laudo psicológico ou biopsicossocial, comentários breves sobre a Lei que rege o assunto dentro dos tópicos ora mencionados, qual seja a Lei 12.318 de 26 de agosto de 2010, doutrinas, jurisprudências e demais artigos referentes ao tema em análise.

Palavras-chave: Síndrome de Alienação Parental. O alienador. Constituição Federal, Estatuto da Criança e Adolescente, Código Civil. O falso abuso.


INTRODUÇÃO

Na esfera do Direito de Família, a síndrome da Alienação Parental vislumbra as ações, atitudes e reações de distúrbios repugnantes do genitor (a) alienador (a) em relação ao genitor (a) alienado (a). A alienação parental é um tema atual, sendo retratado em telenovelas, manchetes de jornais, reportagens, etc. Entretanto, não é um assunto novo em vários campos, como o da medicina, da psicologia e da área jurídica.

Atualmente é um assunto que está sendo bastante abordado pela mídia, exemplo disto foi o trabalho desenvolvido pela autora Glória Perez na telenovela “Salve Jorge”. A mencionada obra televisiva ilustrou muito bem a história de um casal recém-divorciado, em que o pai, inconformado com a separação, utiliza sua filha para vingar de sua ex-mulher.

A Síndrome da Alienação Parental está associada a situações em que o fim do relacionamento conjugal, gera em um dos genitores um sentimento de vingança, e este tenta de forma abusiva afastar o filho do relacionamento com o outro genitor e sua família.

Desta forma serão expostas de maneira sistemática a análise feita por este instituto, bem como as polêmicas que o envolve, quem são os sujeitos desta relação, as consequências que ele gera para as partes envolvidas, quais as sanções aplicadas para inibir este distúrbio, breve menção sobre o instrumento processual apto para a ação interposta pelo alienante em face do alienado e uma análise resumida do trabalho da perícia para averiguar a existência da síndrome auxiliando-se assim o Poder Judiciário.   


1  ANTECEDENTES HISTÓRICOS

Como já ressaltado na Introdução deste artigo, a alienação parental é uma prática antiga, mas que vem ganhando destaque atualmente, sendo este tema retratado em telenovelas, manchetes de jornais e reportagens.

Ademais, a lei que disciplina o assunto é recente. Com isso, é chamativo o tema para a sociedade, pois praticamente todos já presenciaram ou ouviram casos de alienação, sendo que até alguns já foram vítimas ou são os próprios alienadores ou alienados do abuso.

Um dos primeiros profissionais a identificar a Alienação Parental foi o professor especialista do departamento de Psiquiatria Infantil da Universidade de Columbia e perito judicial, Richard Gardner, que em 1985 ao observar o comportamento das crianças perante os divórcios litigiosos de seus pais, Gardner publicou um artigo sobre as tendências atuais em litígios de divorcio e guarda.

Gardner² definiu a SAP (Síndrome da Alienação Parental) como:

[...] um distúrbio que surge principalmente no contexto de disputas de custódia da criança. Sua manifestação primária é a campanha do filho para denegrir progenitor, uma campanha sem justificativa. A desordem resultada da combinação da doutrinação pelo progenitor alienante e da própria contribuição pode ser deliberada ou inconsciente por parte do progenitor alienado.

Nessa descoberta sobre o que seria Alienação Parental, outros profissionais também pesquisaram sobre o assunto, entretanto, alguns deles nomearam de forma diferente os sintomas identificados na criança alienada.

Ross e Blush, peritos em tribunais de família traçaram um perfil dos pais separados, e observaram que o genitor alienador, fazia falsas acusações de abuso sexual cometidos pelo genitor alienante, ou seja, o progenitor alienador inseria na criança a ideia de que ela teria sofrido abuso sexual do seu progenitor (alienante), no qual nomeou esta falsa acusação de Síndrome de SAID.

Outras nomenclaturas foram utilizadas, tais como a Síndrome da Mãe Maliciosa, associada diretamente ao divorcio, quando a mãe impõe um castigo da mulher contra o ex-marido, interferindo ou mesmo impedindo o registro de visitas e acesso ás crianças.


2  CONCEITO LEGAL E DOUTRINÁRIO

O conceito legal de Alienação Parental é disposto no art. 2º da Lei 12.318, de 2010, no qual é definido:

Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.

Com base na definição legal, dentre as várias definições doutrinárias existentes acerca do tema, segue uma delas. Segundo Jorge Trindade[4] :

“A Síndrome de Alienação Parental é um transtorno psicológico que se caracteriza por um conjunto de sintomas pelos quais um genitor, denominado cônjuge alienador, transforma a consciência de seus filhos, mediante diferentes formas e estratégias de atuação, com objetivo de impedir, obstaculizar ou destruir seus vínculos com o outro genitor, denominado cônjuge alienado, sem que existam motivos reais que justifiquem essa condição. Em outras palavras, consiste num processo de programar uma criança para que odeie um de seus genitores sem justificativa, de modo que a própria criança ingressa na trajetória de desmoralização desse mesmo genitor”.


3  O ALIENADOR

A Lei[5] em comento exemplifica no art. 2º quem poderá vir ser o alienador:

Art. 2º  Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. 

O rol do art. 2º da Lei de Alienação Parental é exemplificativo, tanto o conceito como as hipóteses e os sujeitos que podem incorrer na prática de alienação, não se restringindo apenas aos genitores, mas levando a vedação da prática desses atos à tios, avós, padrinhos, tutores, enfim, todos os que possam se valer de sua autoridade parental ou afetiva com o intuito de prejudicar um dos genitores.

Portanto, o alienador pode ser tanto a mãe, como pai, ou um terceiro como os avós, tios, tias, tutores, dentre outros...  A lei diz que o alienador é aquele que detém a guarda da criança e a incentiva a repudiar o outro genitor.

Já é pacifico na doutrina, que na maioria dos casos de alienação parental, quem ocupa o pólo ativo deste conflito é a própria mãe. A genitora tem uma tendência maior de desenvolver a síndrome, do que o genitor.

De acordo com as Estatísticas de Registro Civil, divulgadas em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia (IBGE), em 87,3% dos casos que a mãe detém a guarda dos filhos em caso de separação, cerca de 1/3 dos filhos perdem o contato com o pai, sendo privados do afeto e convívio com o genitor ausente.

François Poderyn[6] esclarece que, normalmente, a síndrome irá se manifestar principalmente no ambiente da mãe, por conhecer historicamente que a mulher é a mais indicada para exercer a guarda dos filhos: "A Síndrome se manifesta, em geral, no ambiente da mãe das crianças, notadamente porque sua instalação necessita muito tempo e porque é ela que tem a guarda na maior parte das vezes. Todavia pode se apresentar em ambientes de pais instáveis, ou em culturas onde tradicionalmente a mulher não tem nenhum direito concreto.”

Assevera Maria Berenice Dias que a síndrome da alienação parental é mais provável de acontecer em famílias multidisciplinares, pois quando uma família possui uma dinâmica muito perturbada, a síndrome de alienação parental pode se manifestar como uma tentativa desesperada de busca de equilíbrio.

3.1 Perfil e práticas do alienador

Segundo o parágrafo único do art. 2º da Lei 12.318 de 2010:

“[...] considera-se alienação parental os atos declarados pelo juiz ou constatados por perícia além das seguintes formas exemplificativas praticadas diretamente ou com auxílio de terceiros:

Parágrafo único.  São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:

I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; 

II - dificultar o exercício da autoridade parental;

III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor; 

IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; 

V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; 

VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente; 

VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós. 

Quanto ao perfil do alienador, Douglas Phillips Freitas[8], afirma que o alienador passa uma imagem de psicólogo particular da criança, desabafando e lamentando as decepções da sua vida, cujas conseqüências são trágicas para a criança, que começa desde ir mal à escola até a agredir outras pessoas sem motivos aparentes.

O genitor alienador se torna o centro das atenções dos filhos, fazendo-os crer que ele é capaz de cuidar sozinho deles, e, que estes não sobreviverão longe dele. Silva e Resende[9] afirmam que:

“O alienador passa em alguns momentos por uma dissociação com a realidade e acredita naquilo que criou sozinho. E o pior, faz com que os filhos acreditem, sintam e sofram com algo que não existiu, exprimindo emoções falsas”. 

Existem outros comportamentos do alienador que demonstram a alienação de forma clara, classificados pela doutrina majoritária como: a) fazer comentários pejorativos sobre o outro genitor diante da criança; b) desvalorizar o outro cônjuge perante terceiros; c) recusar informar o outro cônjuge sobre as notas da escola do filho, o desempenho ou dificuldade da criança com os estudos; d) tentar manter o controle sobre o filho determinando o tipo de programação que o menor fará com o genitor alienado; e) interceptar cartas, e-mails, telefonemas, recados, pacotes destinados ao filho; f) desvaloriza o outro cônjuge perante terceiros; g) ocupa o tempo do filho no horário destinado a ficar com o outro genitor; h) no dia da comemoração dos dias dos pais, a mãe diz que ela é pai e mãe da criança (e quando o alienador é homem, e comemora-se o dia das mãe, ele alega ao filho, que ele é pai e também mãe da criança, inserindo a ideia de que ele é tudo para o menor) e i) exigência de admiração excessiva.

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Aguilar Cuenca[10] ao estudar o perfil do genitor alienador, conclui que este geralmente demonstra uma grande impulsividade e baixa autoestima, medo de abandono repetitivo, esperando sempre que os filhos estejam dispostos a satisfazer as suas necessidades, variando as expressões em exaltação e cruel ataque; esta é a fase mais grava.

3.2 Sentimentos do genitor alienador

Os sentimentos mais frequentes e manifestados pelo genitor alienador são: a) O genitor alienador sente raiva, ódio, inveja, ciúmes, do outro genitor; b) O alienador é ingrato, não reconhece nada de bom que o outro genitor faz para a criança, ao contrário, denigre a imagem do progenitor alienante para o filho dizendo que este, não importa com a criança, alegando até mesmo que não a ama; c) Protege excessivamente os filhos, sufocando os mesmos e d) Sentimento grandioso acerca da própria importância.

Dessa forma, conclui-se que o alienador é um indivíduo ferido, magoado, inconformado com a frustração do casamento desfeito, irresignado com a perda, com o abandono de que julga estar sendo vítima, por tudo isso, é capaz de centrar em si, e apenas em si, todos os seus afetos.  Por isso que seu desejo é de vingança, e o objeto para atingir seu alvo é o próprio filho inocente que acaba arcando com as consequências desta loucura.


4  DIREITOS VIOLADOS

No art. 3º da Lei de nº. 12.318/2010[11] destaca que a prática, cada vez mais frequente de alienação parental, fere direito fundamental da criança ou adolescente, como o direito à integridade física, mental e moral e à convivência familiar:

Art. 3º  A prática de ato de alienação parental fere direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, prejudica a realização de afeto nas relações com genitor e com o grupo familiar, constitui abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda. 

Importante enfatizar também a respeito dos direitos personalíssimos. Silvio Rodrigues[12] explica que os direitos de personalidade são:

“[...] inerentes à pessoa humana e portanto a ela ligados de maneira perpétua e permanente, não se podendo mesmo conceber um indivíduo que não tenha direito à vida, à liberdade física ou intelectual, ao seu nome, ao seu corpo, à sua imagem e àquilo que ele crê ser sua honra”.

Sobre os direitos de personalidade afetados com a alienação parental, há no que se falar principalmente sobre o direito à família e o direito ao nome, que são direitos irrenunciáveis, que ninguém, nem mesmo os genitores têm o direito de retirá-lo da criança.

Outrossim, o direito à convivência familiar consiste na possibilidade de a criança ou adolescente conviver com ambos os genitores e seus familiares, num ambiente ideal de harmonia e respeito, que possibilite ao mesmo o completo desenvolvimento psicológico e social.

Dessa forma, tal direito tem assento na Constituição da República Federativa do Brasil[13], conforme artigo 227, caput, abaixo transcrito:

“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

O Estatuto da Criança e do Adolescente[14] elenca como direito fundamental a convivência familiar, conforme artigo 19, caput, in verbis:

“Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes”.

Além do mais, no Documentário a Morte Inventada[15], do diretor Alan Minas, é exposta claramente os efeitos que a Alienação Parental causa nas crianças vítimas deste abuso e nos pais alienados. O filme mostra depoimentos de pais alienados, profissionais da psicologia e do direito, tratando da alienação parental e de todo malefício provocado pelo detentor da guarda ao afastar a criança do ex-cônjuge. O documentário traz declarações de vítimas da alienação que constataram que foram cúmplices inconscientes de uma grande injustiça.

O título é bastante sugestivo porque a meta do alienador é “matar” em vida a figura do alienado dentro da criança.

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Sobre a autora
Rhayne Kerllen Pereira Vieira

Advogada inscrita na OAB-GO. Pós graduada em Direito Civil e Código de Processo Civil de 2015.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA, Rhayne Kerllen Pereira. Alienação parental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4136, 28 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29822. Acesso em: 18 abr. 2024.

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