8. Persecução penal judicial do delito de descaminho
8.1. Ação penal
- O crime é de ação penal pública incondicionada.
8.2. Início da persecução penal judicial
O início da persecução penal judicial no crime em comento ocorre de duas formas:
a) Com o recebimento da denúncia que é ofertada pelo representante do Ministério Público;
b) Com o recebimento da queixa-crime subsidiária da pública na hipótese prevista no artigo 5º, inciso LIX (será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal), da Constituição Federal.
• Observação muito importante: segundo o STJ: Tal como nos crimes contra a ordem tributária, o início da persecução penal no delito de descaminho pressupõe o esgotamento da via administrativa, com a constituição definitiva do crédito tributário. (....) A confirmar a compreensão de que a persecução penal no crime de descaminho pressupõe a constituição definitiva do crédito tributário, tem-se, ainda, que a própria legislação sobre o tema reclama a existência de decisão final na esfera administrativa para que se possa investigar criminalmente a ilusão total ou parcial do pagamento de direito ou imposto devidos (artigo 83 da Lei 9.430/1996, artigo 1º, inciso II, do Decreto 2.730/1998 e artigos 1º e 3º, § 7º, da Portaria SRF 326/2005). Na hipótese vertente, ainda não houve a conclusão do processo administrativo por meio do qual se apura a suposta ilusão do pagamento de tributos incidentes sobre operações de importação por parte dos pacientes, pelo que não se pode falar, ainda, em investigação criminal para examinar a ocorrência do crime de descaminho. Ordem concedida para trancar o inquérito policial instaurado contra os pacientes. (STJ: Habeas Corpus nº 139.998 - RS (2009/0121507-4). Ministro Jorge Mussi, 25 de novembro de 2010. STJ: HC 48.805-SP, DJ 19/11/2007; HC 49.524-RJ, DJ 9/10/2006, e RHC 19.174-RJ, DJ 28/4/2008. HC 109.205-PR, Rel. Min. Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG).
No mesmo sentido o STF:
Precedentes: STF: (HC 89983-PR. Rel. Min. Carmen Lúcia. 1ª Turma. Julg. 06/03/2007. unân. DJ 30/03/2007, pp. 00076); (HC 85329/SP. Rel. Min. Celso... de Mello. 2ª Turma. HC 81.611/DF, Tribunal Pleno, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 13/5/2005; HC 85.185/SP, Tribunal Pleno, rel. Min. Cezar Peluso, DJ 1º/9/2006; HC 86.120/SP, 1ª Turma, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 26/8/2005; HC 83.353/RJ, 1ª Turma, rel. Min. Marco Aurélio, DJ 16/12/2005; HC 85.463/RJ, 1ª Turma, rel. Min. Carlos Britto, DJ 10/2/2006; HC 85.428/MA, 2ª Turma, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 10/6/2005.
8.3. Início da persecução penal extrajudicial
1) No caso da ação penal pública incondicionada, o início do procedimento inquisitorial ocorre com uma das formas infracitadas:
a) Portaria da autoridade policial de ofício, mediante simples notícia do crime.
b) Ofício requisitório do Ministério Público.
c) Requerimento de qualquer pessoa do povo – notitia criminis (art. 27 do CPP).
d) Auto de prisão em flagrante.
• Entendemos que o atual artigo 5º, inciso I, do Código de Processo Penal, que autoriza o juiz a requisitar o inquérito ex officio, não foi recepcionado pela Constituição Federal. Hoje, o sistema acusatório no Processo Penal brasileiro tem assento constitucional, o que não ocorria anteriormente. Assim, quando a Carta Magna preconiza, no seu art. 129, inciso I, ser exclusividade a iniciativa da propositura da ação penal pública ao Ministério Público, vedam-se ao juiz os procedimentos ex officio, cujo interesse maior é dos titulares da ação penal. Esta será uma das inovações do novo Código de Processo Penal.
2) No caso da ação penal privada subsidiária da pública, o início do procedimento inquisitorial ocorre com o requerimento do ofendido ou representante legal (art. 100, § 2º, do Código Penal, ou do artigo 30, c.c. artigo 29 do Código de Processo Penal), ou, em caso de morte, do cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.
9. Preceito penal secundário
- A forma simples pena é de reclusão, de um a quatro anos.
- Nos crimes equiparados (§ 1o, incisos I, II, III e IV) a pena é a mesma.
- Na forma qualificada (se o crime de descaminho é praticado em transporte aéreo, marítimo ou fluvial), a pena será de reclusão, de dois a oito anos.
9.1. Possibilidade de suspensão condicional do processo
Na forma simples e equiparada é possível a suspensão condicional do processo, eis que a pena mínima cominada é igual a 1 ano; portanto, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena.
Na forma qualificada (§ 3o), não é juridicamente possível a suspensão condicional do processo, eis que a pena mínima cominada é superior a 1 ano.
9.2. Possibilidade de transação penal
Não é possível a transação penal, visto tratar-se de modalidade em que a pena máxima é superior a 2 (dois) anos; entretanto, a Lei nº 11.313/2006 tornou possível a aplicação dos institutos do juizado especial criminal nos crimes de menor potencial ofensivo conexos ao rito comum, dispondo no parágrafo único do artigo 69 da Lei 9.099/95 que:
Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis.
9.3. Análise da possibilidade de concessão da fiança extrajudicial e judicial
a) Fiança extrajudicial:
Na forma simples (caput) e na equiparada (§ 1o), não estando presente nenhuma das hipóteses previstas nos incisos I e IV do novo artigo 324 do Código de Processo Penal, é possível a autoridade policial arbitrar a fiança, pois o delito que tem pena máxima de prisão não superior a quatro anos.
- Na forma qualificada (§ 3o: se o crime de descaminho é praticado em transporte aéreo, marítimo ou fluvial), há óbice na concessão na fiança pela autoridade policial, vez que a pena máxima é superior a 04 anos.
b) Fiança judicial:
Na forma simples (caput) e na equiparada (§ 1o), recusando-se ou retardando a autoridade policial a concessão da fiança, esta pode ser requerida, perante o juiz competente, que decidirá em quarenta e oito horas.
- Na forma qualificada (§ 3o), é possível a autoridade judicial conceder a fiança, exceto aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 do Código de Processo Penal.
9.4. Possibilidade de decretação da prisão preventiva
Na forma simples (caput) e na equiparada (§ 1o) o crime de descaminho é punido com pena máxima que não excede quatro anos; portanto, só será possível a decretação da prisão preventiva, presentes os requisitos infracitados:
a) tiver sido o indiciado ou acusado, condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no artigo 64, inciso I, do Código Penal.
b) presença dos requisitos previstos nos novos artigos 311 e 312 do Código de Processo Penal;
c) se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência;
d) se houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la.
A reforma processual penal ainda permite duas formas de prisão preventiva ao presente delito, quais sejam:
a) O quebramento injustificável da fiança importará na perda de metade do seu valor, cabendo ao juiz decidir sobre a imposição de outras medidas cautelares ou, se for o caso, a decretação da prisão preventiva.
b) No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas nas medidas cautelares, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva.
Na forma qualificada (§ 3o) o crime de descaminho é punido com pena máxima superior a quatro anos; portanto, atendidos os requisitos previstos nos novos artigos 311 e 312 do Código de Processo Penal, é possível a decretação da prisão preventiva.
9.4.1. Possibilidade de decretação da prisão temporária
Não é possível a prisão temporária no crime em estudo, pois o mesmo não foi elencado no artigo 1º, inciso III, da Lei nº 7.960/1989.
9.5. Análise da possibilidade de substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar
No delito em estudo, na forma do novo artigo 318 do Código de Processo Penal, poderá o juiz substituir a prisão preventiva, pela domiciliar, nas seguintes hipóteses:
I - pessoa maior de 80 (oitenta) anos;
II - extremamente debilitado por motivo de doença grave;
III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência;
IV - gestante a partir do sétimo mês de gravidez ou sendo esta de alto risco.
Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste item.
A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial.
9.6. Análise da possibilidade da decretação de medidas cautelares diversas da prisão
Quando não couber prisão preventiva, o juiz poderá decretar as medidas cautelares previstas no novo artigo 319 do Código de Processo Penal.
9.7. Possibilidade de concessão da liberdade provisória
Ausentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva, o juiz deverá conceder liberdade provisória, impondo, se for o caso, as medidas cautelares previstas no novo art. 319 e observados os critérios constantes do novo art. 282, todos do Código de Processo Penal.
9.8. Do regime inicial de cumprimento de pena
No crime em comento, o regime inicial de cumprimento de pena, em regra, será inicialmente aberto ou semiaberto, dependendo da pena aplicada.
9.9. Da progressão de regime
Na progressão de regime no crime em estudo, a pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão.
Há ainda uma segunda condição para o deferimento da progressão de regime, pois o crime em estudo se encontra dentro do título XI do Código Penal, (dos crimes contra a Administração Pública), portanto, o condenado por crime contra a Administração Pública terá a progressão de regime do cumprimento da pena condicionada à reparação do dano que causou, ou à devolução do produto do ilícito praticado, com os acréscimos legais.
10. Sujeito ativo do delito de descaminho
Qualquer pessoa pode figurar como agente do delito. A eventual participação de funcionário público, transgredindo dever de ofício, importará o reconhecimento de delito autônomo, ou seja, o crime de facilitação de descaminho, previsto no art. 318.
11. Sujeito passivo do delito de descaminho
O sujeito passivo do delito é o Estado.
12. Do procedimento
O procedimento será o comum ordinário (arts. 395 usque 405 do CPP), uma vez que a pena máxima aplicada é igual a quatro anos na forma simples e equiparada e superior a quatro anos na forma qualificada.
13. Da competência
A competência para processar e julgar o crime de corrupção ativa é do Juízo singular na Justiça Federal.
13.1. Competência: local da apreensão dos bens versus o local da consumado
STJ: A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido da aplicação do Verbete Sumular nº 151 do Superior Tribunal de Justiça, fixando a competência para o processo e julgamento por crime de descaminho pelo lugar da apreensão dos bens, ainda que as investigações preliminares indiquem que o crime tenha se consumado em outro local. (Conflito de Competência nº 119247/SP (2011/0237473-4), 3ª Seção do STJ, Rel. Laurita Vaz. j. 25.04.2012, unânime, DJe 14.05.2012).
Súmula 151 do STJ: A competência para o processo e julgamento por crime de descaminho define-se pela prevenção do Juízo Federal do lugar da apreensão dos bens.
14. Classificação doutrinária do tipo penal
O crime de descaminho:
- Não exige qualidade especial do agente ativo, portanto, é comum;
- Formal, não exige um resultado naturalístico, consistente na produção de efetivo dano para Administração.
- É de forma livre, pode ser cometido por qualquer meio eleito pelo agente;
- Pode ser praticado por apenas uma pessoa, portanto, é unissubjetivo;
- Tanto pode ser unissubsistente (praticado num único ato) ou plurissubsistente (em geral, vários atos integram a conduta), dependendo do caso concreto;
- Comissivo (os verbos implicam ações), na forma “importar” e “exportar”, bem como comissivo ou omissivo (implicando abstenção) na modalidade “iludir o pagamento”, conforme o caso concreto. e, excepcionalmente, comissivo por omissão (omissivo impróprio, art. 13, § 2º, do CP);
- Admite tentativa na forma plurissubsistente.
- Não admite tentativa na forma habitual. (Vide nos incisos I e II, a expressão “no exercício de atividade comercial ou industrial”).
- Transeunte (modalidade de crime que não deixa vestígios).