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A aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às relações entre clientes e instituições bancárias

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01/07/2002 às 00:00
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7. POSIÇÃO MINORITÁRIA

Capitaneada por Arnold Wald, existe uma corrente doutrinária que diverge em grande parte da posição defendida pela maioria da doutrina e jurisprudência quanto a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às relações entre instituições financeiras e seus clientes.

Com uma argumentação bastante inteligente, o autor acima citado 19, inicia sua tese demonstrando que, enquanto especial o direito do consumidor, este não substitui as normas de direito civil, comercial e principalmente bancário, mantendo portanto sua vigência sobre o relacionamento cliente/banco. Traçando um paralelo interessante, explica o autor que essa mesma realidade ocorreu com o Direito do Trabalho que não afetou a aplicação da locação de serviços fora do âmbito trabalhista e nas relações entre empresas ou na contratação de profissionais liberais sem vínculo empregatício.

Continuando seu raciocínio, o citado autor 20 escreve, "mas por outro lado, cabe salientar que o Direito do Consumidor não é um Direito de Classe, razão pela qual não abrange todos os consumidores, mas, tão-somente, aqueles que necessitam de uma proteção especial".

Essa corrente defende que as novas normas estabelecidas pelo CDC não significam o declínio do princípio pacta sunt sevanda e o surgimento de um dirigismo contratual, mas ao contrário, restabelece a autonomia da vontade dos contratantes.

Nesse sentido Arnoldo Wald 21 defende que, "do mesmo modo que em Roma o Direito pretoriano foi complementando o ius civile, na Inglaterra a equity evitou as injustiças eventuais da common law e, mais recentemente, o Direito Comercial flexibilizou as relações entre negociantes, superando o formalismo do Direito Civil, o Direito do Consumidor está hoje aprimorando e especificando a velha teoria dos contratos, para que a autonomia da vontade seja considerada de modo dinâmico e não apenas de forma estática".

Quanto ao mérito da aplicação ou não do CDC, de forma a sintetizar o pensamento da corrente ora apontada, pode-se apresentar o seguinte silogismo: As normas estatuídas pelo Código se destinam a regular relações de consumo que ocorrem entre fornecedor e consumidor, sendo este, obrigatoriamente, destinatário final do produto ou serviço.

Os produtos e serviços oferecidos pelas instituições financeiras, sobretudo, o crédito, não podem ser considerados bens de consumo, pois quando ocorre o consumo há o "gasto", "destruição ou extinção pelo uso, ou na acepção jurídica, também caracteriza o consumo quando a coisa é para uso.

Não bastasse o fato acima mencionado, quem utiliza os produtos e serviços bancários, não os utilizam como destinatário final, uma vez que a moeda, o crédito será sempre destinada à circulação, servindo sempre como instrumento de consumo ou investimento.

Portanto, não existindo bens a serem consumidos ou utilizados, tampouco consumidor, por óbvio, as normas contidas no CDC não se aplicam à relações banco/cliente.

Corroborando este pensamento, Arnoldo Wald sustenta, "Assim sendo, entre os produtos referidos no art. 2º da Lei 8.078 não se incluem nem o dinheiro, nem o crédito. Esse consiste em promessa de pagamento diferido, implicando troca de bens atuais por bens futuros, ensejando uma circulação de mercadorias ou valores, ou ainda a permuta de mesma coisa em momentos deferentes, ‘uma troca diferida no tempo’ ou, ainda, ‘uma inserção do tempo na troca’. Efetivamente, a entrega de dinheiro sob qualquer forma (mútuo, desconto etc.) ou a promessa de entrega do mesmo, ao contratante ou a terceiro, não constitui aquisição de produto (bem móvel ou imóvel) pelo destinatário final, pois, pela sua própria natureza, a moeda circula e só constituiria operação com o destinatário final se se tratasse de um colecionador de moedas que não as transferisse a terceiros, hipótese suficientemente excepcional para que não se possa generalizá-la".

Em suma, segundo esta doutrina, o CDC, quanto ao contratos firmados entre cliente e instituições financeiras, somente se aplica aos contratos de aluguel de cofre.


CONCLUSÃO

Não obstante seja bem construída a tese que elimina o relacionamento entre bancos e seus clientes da incidência do CDC, resta por óbvio que a esmagadora maioria da doutrina, corroborada por pacífica jurisprudência entende que são, efetivamente consumidores, sejam nos seu sentido estrito ou comparado, aqueles que se utilizam dos produtos e serviços das instituições financeiras.

Em nosso humilde entender, bastante inteligente a opinião esposada pela corrente minoritária, porém, faz-se imperioso concordarmos com a corrente majoritária, uma vez que, independente de conceitos e definições aqui lançados, as instituições financeiras por muito tempo se locupletaram as custas dos seus encautos clientes, que sem qualquer liberdade de contratar ou para contratar, se viam obrigados a pagar tarifas indevidas, juros exorbitantes, contratar seguros que não queriam, esperar em filas intermináveis e toda uma sorte de abusos praticados por estas instituições.

Além do mais, é notório, que os bancos sempre se utilizaram de contratos tipo formulário, impressos, contendo cláusulas previamente estabelecidas, o que caracteriza de forma evidente contratos de adesão, sendo assim, imprescindível que o CDC possibilite sua revisão e alteração, quando pertinente.

Para ratificar esta tendência na qual nos filiamos, muito recentemente, saindo mesmo do forno, mais exatamente em 26 de julho deste ano, o Banco Central do Brasil aprovou a resolução de nº 002878, cujo conteúdo vem disciplinar o relacionamento entre as instituições financeiras e os usuários dos serviços bancários.

Esta norma está sendo chamada informalmente de código do cliente bancário e passou a vigorar desde o dia 30 de julho.

Este conteúdo normativo, assim como o CDC, contemplou o princípio da transparência e boa fé, uma vez que entre os seus mandamento, encontra-se a obrigação dos bancos explicitar claramente ao cliente todos os termos dos contrato bancários, os extratos devem informa precisamente todas as movimentações e cobranças efetuadas pelo banco. As instituições ficam obrigadas, também, a explicar todo o procedimento ao cliente em caso de emissão de cheques sem fundo, encerramento de contas de depósito, cheque especial ou prestação de serviço em geral. Nesse mesmo sentido, os bancos deverão afixar em sua dependências, em local e formato visíveis, o número do telefone da Central de Atendimento ao Público do BACEM, acompanhado da observação de que o mesmo se destina ao atendimento a denúncias e reclamações, além do número do telefone relativo ao serviços de mesma natureza, se por ela oferecido, entre outras.

Como exemplo, citamos algumas outras medidas de cunho protetivo previstas pela resolução. Em caso de financiamento, quando o cliente pretender quitá-lo antes do prazo, os bancos deverão dar desconto exatamente proporcional às parcelas liquidas, trazidas a valores presentes. Os bancos também, não podem mais exigir 24 horas para fornecer o dinheiro solicitado pelo correntista em sua agência original, para quantias até R$ 5 mil. Os bancos estão proibidos de obrigar o cliente à contratação casada de serviços. Proibi-se, outrossim, o envio de cartões de crédito e extratos bancários mensais pelo correio ao cliente sem prévia solicitação do correntista, sendo que esta deve ser feita de maneira clara e precisa.

Enfim, notamos que depois de muito tempo de abuso e desmando, o CDC veio inaugurar uma nova fase, restabelecendo o equilíbrio contratual entre os consumidores e fornecedores de serviços e produtos bancários.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Bourgoignie, Trierry. Élímentes pour une théorie du droit de la consommation. Bruxelas : Story Scientia, 1988.

Coelho, Fábio Ulhoa. O empresário e os direitos do consumidor: o cálculo empresarial na interpretação do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 1994.

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Cretella Júior, José et al. Comentários ao Código de Proteção do Consumidor. Rio de Janeiro : Forense, 1992.

Efing, Antônio Carlos. Contratos e procedimentos bancários à luz do código de Defesa do Consumidor. 1. ed. São Paulo : RT, 2000.

Filomeno, José Geraldo Brito. Manual de direitos do consumidor. São Paulo : Atlas, 1991.

Grinover, Ada Pellegrine... (et al.). Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998

Marins, James. Responsabilidade da empresa pelo fato do produto. São Paulo : RT, 1993.

Marques, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. São Paulo : RT, 1995.

Nery Júnior, Nelson et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos Autores do anteprojeto. Rio de Janeiro : Forense Universitária, 1991.

Nunes, Luiz Antônio Rizzatto. Compre bem: manual de compras e garantias do consumidor. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997.

Saad, Eduardo Gabriel. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, 3. ed. São Paulo : Ltr, 1998.

Silva, Calvão da. A responsabilidade civil do produtor. Coimbra : Livraria Almedira, 1990.

Wald, Arnoldo. O direito do consumidor e sua repercussões em relação à instituições Financeiras. Revista dos Tribunais, São Paulo : RT, v. 666.


NOTAS

1 Código Brasileiro de Defessa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, p. 270-.

2 ob. cit., p. 31

3 Contratos e procedimento bancários à luz do Código de Defesa do Consumidor: 1. ed., São Paulo : RT, 2000, p. 22.

4 Coelho, Fábio Ulhoa, O empresário e os direitos do consumidor, São Paulo : Saraiva, 1994, p. 45.

5 Marques, Cláudia Lima, Contratos no código de defesa do consumidor. 2. ed. São Paulo : RT, 1995, p. 141.

6 Silva, Calvão, A responsabilidade civil do produtor, Coimbra : Livraria Almedina, 1990, p. 58-59.

7 Bourgoignie, Thierry, O conceito jurídico de consumidor, Revista Direito do Consumidor 2/36.

8 Ob. Cit., p. 28

9 Saad, Eduardo Gabriel – Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, 3. Ed., São Paulo : Ltr, 1998.

10 Saad, Eduardo Gabriel – Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, 3.ed. São Paulo : LTr, 1998, p. 83/84.

11 Ob. Cit p. 85

12 Cretela, Júnior José – Acórdão publicado na RT 697/173.

13 Saad, Eduardo Gabriel – Comentário ao Código de Defesa do Consumidor, 3. ed., São Paulo : LTr, 1998.

14 Nery Junior, Nelson – Revista Direito do Consumidor 3/53.

15 Ob. cit., ps. 199/200.

16 Ob. cit., p. 53.

17 Filomeno, José Geraldo Brito – Manual de direitos do consumidor. São Paulo : Atlas, 1991.

18 Marins, James – Responsabilidade da empresa pelo fato do produto, p. 84.

19 WALD, Arnoldo. O direito do consumidor e suas repercussões em relação às instituições financeiras. Revista dos Tribunais : São Paulo. RT 666.

20 Ob. cit. p. 08.

21 Ob. cit. p. 11.

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Sobre o autor
Leone Trida Sene

Advogado em Uberaba- MG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SENE, Leone Trida. A aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às relações entre clientes e instituições bancárias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. -366, 1 jul. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2996. Acesso em: 24 nov. 2024.

Mais informações

Monografia apresentada como avaliação final do curso de Especialização em Direito Empresarial, promovido pela Universidade de Uberaba em convênio com a Escola Superior de Advocacia.

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