4. DOS FATORES CONTRÁRIOS À DUPLA-HOMOLOGAÇÃO:
4.1. DA ARBITRAGEM COMO JURISDIÇÃO:
Considerando que a jurisdição é a busca por se dizer o direito e solucionar, pacificar o conflito, como salienta Araujo Cintra, Grinover e Dinamarco:
“É uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça. Essa pacificação é feito mediante a atuação da vontade do direito objetivo que rege o caso apresentado em concreto para ser solucionado”[14]
Pode-se enquadrar a Arbitragem como uma das formas de jurisdição, dentro dos Meios Alternativos de Solução de Conflito, dado a sua capacidade de conciliar a vontade das partes, notadamente em questões voluptuosas e da área comercial, posto que supre as características da admissão do processo, devido processo legal, justiça das decisões, através da equidade e efetividade das decisões.[15]
Sobre a doutrina que entende que a arbitragem se trata, tem natureza jurídica, de jurisdição, diz José Carlos de Magalhães:
(...) há os que sustentam que o centro de gravitação da arbitragem está no laudo arbitral, que possui características de julgamento judiciário. O árbitro decide como juiz e sua autoridade, em relação ao litígio submetido à sua decisão, é similar à do magistrado. Ambos possuem a mesma jurisdição, entendida esta como autoridade para declarar o Direito, com a diferença de que a do juiz é conferida pela comunidade, pela Constituição e a do árbitro pelas partes, pela convenção arbitral.[16]
Sendo jurisdição, não há razão para que legitime sua sentença através de órgão jurisdicional.
4.2. DA EFICÁCIA DA ARBITRAGEM INTERNACIONAL:
A Eficácia é um dos princípios-guia do processo. Ao se estabelecer o direito, é crucial que haja efetividade na execução do mesmo, para que o ato jurisdicional não seja meramente formal. Deve-se dar tudo aquilo e exatamente aquilo que a parte tem direito[17], evitando-se medidas inúteis que prolatem tal direito.
Nesta feita, logicamente que a dupla-homologação contradiz a busca pela efetividade, tendo em vista que utiliza mais procedimentos do que o necessário para se chegar ao direito no caso concreto. Aumentar o percurso da Arbitragem Internacional é afastar as partes da justiça.
Para que haja tal eficácia, é necessário que a Arbitragem Internacional tenha a devida autonomia em relação à jurisdição interna, a fim de permitir que suas decisões possam ser executadas de maneira mais simples. Autonomia significa que a jurisdição estatal deve buscar o menor nível de intervenção possível, sem descuidar de sua ordem nacional e soberania. Neste sentido, Pucci:
A proposta daqueles que procuram uma arbitragem comercial internacional autônoma consiste em que as legislações locais, adotando o critério econômico de definição da arbitragem internacional, prevejam dispositivos mais flexíveis para estas arbitragens, que favoreçam a autonomia do processo arbitral, afastando a arbitragem comercial internacional da intervenção e do controle dos direitos nacionais.[18]
E não é só. A eficácia é indissociável também do entendimento que o laudo arbitral produz os mesmos efeitos de uma sentença. Importa salientar, neste sentido, dois pontos: (I) O ordenamento jurídico brasileiro admite a validação de atos quaisquer, desde que tenham força de sentença no território nacional[19], como é exemplo clássico do divórcio em solo japonês, feito apenas em âmbito administrativo e que é validado no Brasil sem maiores problemas.
(II) Outro aspecto relacionado é o relativo à necessidade de pressupostos básicos para tal homologação. Tais requisitos são previstos pela lei de arbitragem e, logo, devem ser respeitados pelo operador do direito. Deste modo, preserva-se a necessidade de pressupostos, que para as sentenças em geral estão previstos no art. 15 da LINDB.
4.3. DA CELERIDADE DA ARBITRAGEM INTERNACIONAL:
A Celeridade é princípio inerente ao Direito e à Justiça. Decorre da máxima de que justiça tardia não é justiça. Deveras.
Ao buscar a solução do conflito através do Estado ou de outras formas jurisdicionais como a Arbitragem, o indivíduo busca uma solução para um fato concreto que perdura num lapso temporal. Porém, tal fato apresenta um espectro que diminui de intensidade com o decorrer do lapso temporal, ou seja, quanto maior o tempo, mais distante e irrelevante a decisão que foi tomada acerca do caso. Tal preceito decorre da própria índole do ser humano, de se readaptar às situações.
Isto posto, evidente que cabe aos atos da jurisdição buscar o menor lapso temporal possível, a fim de permitir que a justiça no caso concreto seja de fato aquilatada. Nesses moldes, novamente, para que se alcance a celeridade, a Arbitragem Internacional não deve ser prolatada por atos que não sejam prescindíveis, como é o caso da homologação de órgão judicial estrangeiro, tendo em vista que a Arbitragem já tem caráter jurisdicional.
Aliás, a celeridade é marca da sociedade contemporânea que busca nas relações informais e práticas aumentar a quantidade de informações e negócios, o que se firma na escolha pela Arbitragem. Logo, relaciona-se a hipermodernidade com a adoção da Arbitragem, como trata Uhdre:
Ora, o fenômeno da Hipermodernidade, pontuado pelo filósofo francês Gilles Lipovetsky, acaba por imprimir, à atual sociedade, o excesso, o hiper: de negócios, de riquezas econômicas, de litígios judiciais, etc (fala-se então em hipercapitalistas, hipericos, mega-empresários). Sendo assim, as estruturas ditas modernas de resolução de litígios, v.g, não mais respondem a estas “hiperdemandas”; necessário, pois, a adoção de outros métodos mais condizentes a esta nova realidade. Neste espectro, a dinamicidade, a celeridade, a informalidade, princípios sempre inerentes ao desempenho da atividade comercial, ganham uma dimensão exagerada, uma dimensão global, internacional, de maneira que os institutos tradicionais/modernos perdem em eficácia. E, é nesse contexto que entra o instituto da arbitragem, que veio a reforçar os princípios acima elencados e tão vitais à manutenção e ao desenvolvimento do comércio hodierno, de escala internacional.[20]
4.4. DO ACESSO À JUSTIÇA:
Prevalecendo o entendimento que o laudo arbitral estrangeiro, que é considerado estrangeiro se for assinado pelo árbitro em nação estrangeira, não necessita de homologação por órgão jurisdicional do país no qual foi assinado o laudo arbitral, resta apenas a homologação padrão de sentença estrangeira, executada pelo STJ, através do procedimento da Resolução 9 do STJ.
Assim, estar-se-ia permitindo o amplo acesso à justiça, uma vez que já ficou estabelecido que a arbitragem é considerada sim forma de jurisdição. Aliás, tal entendimento coaduna-se com a moderna teoria de aceitação de internacionalização dos atos jurisdicionais. Neste sentido, Carmona:
A moderna tendência do direito – nos mais diversos ordenamentos jurídicos – é a da internacionalização dos atos jurisdicionais. Assim, as mesmas razões que justificam a aplicação extraterritorial da lei estrangeira dão suporte ao reconhecimento das sentenças – arbitrais ou estatais – provenientes de outros países.[21]
Deve-se, portanto, dissociar a figura da jurisdição clássica que passa por uma crise geral nos últimos anos, com a sobrecarga de processos e as intermináveis formas de postergação dos mesmos, além da ineficácia em sua execução. Não pode ser esta a única forma de acesso à justiça. Por isso, o acesso à justiça deve ser visto num sentido amplo, considerando a jurisdição como toda forma de solucionar o conflito e buscar a pacificação. Logo, a arbitragem traz tal acesso, como saída alternativa no meio da crise procedimental vivida nos últimos tempos.
5. TRATADOS INTERNACIONAIS ACERCA DO TEMA:
Dentre vários dos tratados e convenções das quais o Brasil é signatário, algumas tratam do tema da arbitragem e trazem normas cogentes acerca das possibilidades de recusa de laudo arbitral estrangeiro, mas estas versão apenas sobre questões de ordem pública ou omissões de caráter formal, nunca havendo menção à necessidade do laudo arbitral ser homologado por órgão jurisdicional em seu país de origem.
A Convenção Interamericana Sobre Arbitragem Comercial Internacional, promulgada no Panamá em 30 de janeiro de 1975, tendo como plenipotenciários os Estados-membros da OEA, dispõe que só poderá ser motivo de recusa de homologação de laudo arbitral estrangeiro os seguintes casos:
Artigo 5 I. Somente poderão ser denegados o reconhecimento e a execução da sentença por solicitação da parte contra a qual for invocada, se esta provar perante a autoridade competente do Estado em que forem pedidos o reconhecimento e a execução:
a) que as partes no acordo estavam sujeitas a alguma incapacidade em virtude da lei que lhes é aplicável, ou que tal acordo não é válido perante a lei a que as partes o tenham submetido, ou se nada tiver sido indicado a esse respeito, em virtude da lei do país em que tenha sido proferida a sentença; ou
b) que a parte contra a qual se invocar a sentença arbitral não foi devidamente notificada da designação do árbitro ou do processo de arbitragem ou não pôde, por qualquer outra razão, fazer valer seus meios de defesa ou
c) que a sentença se refere a uma divergência não prevista no acordo das partes de submissão ao processo arbitrai; não obstante, se as disposições da sentença que se referem às questões submetidas a arbitragem puderem ser isoladas das que não foram submetidas a arbitragem, poder-se-á dar reconhecimento e execução às primeiras; ou
d) que a constituição do tribunal arbitral ou o processo arbitral não se ajustaram ao acordo celebrado entre as partes ou, na falta de tal acordo, que a constituição do tribunal arbitrai ou o processo arbitrai não se ajustaram à lei do Estado onde se efetuou a arbitragem; ou
e) que a sentença não é ainda obrigatória para as partes ou foi anulada ou suspensa por uma autoridade competente do Estado em que, ou de conformidade com cuja lei, foi proferida essa sentença.
II. Poder-se-á também denegar o reconhecimento e a execução de uma sentença arbitrai, se a autoridade competente do Estado em que se pedir o reconhecimento e a execução comprovar:
a) que, segundo a lei desse Estado, o objeto da divergência não é suscetível de solução por meio de arbitragem; ou
b) que o reconhecimento ou a execução da sentença seriam contrários à ordem pública do mesmo Estado.
Trata-se de rol taxativo que não traz escusa sobre homologação prévia.
Também é de se destacar a Convenção de Nova Iorque – Convenção Sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras – promulgada em 10 de junho de 1958, que define os critérios para reconhecimento de sentença arbitral e, novamente, nada dispõe acerca da necessidade de homologação no país de origem de órgão jurisdicional. Interessante notar que o texto da Convenção Interamericana é “inspirado” na Convenção de Nova Iorque.[22]
Sobre a Convenção de Nova Iorque, elucida Adriana dos Santos Silva:
Nos termos da Convenção de Nova Iorque, cada um dos Estados contratantes reconhece a validade da convenção arbitral quando o acordo se der por escrito (...) Os Estados contratantes reconhecerão a autoridade da sentença arbitral e concederão sua execução em conformidade com as normas de procedimento vigentes no território onde a sentença seja invocada (...) não se imporão condições substancialmente mais onerosa ou taxas ou cobranças mais altas que as impostas para o reconhecimento ou a execução das sentenças arbitrais nacionais.[23]
6. JURISPRUDÊNCIA:
Apesar do leading-case estudado pacificar a questão, tanto o STF quanto o STJ tiveram que enfrentar a problemática da dupla-homologação, sendo que, nos casos apresentados, sempre foi conferida a prescindibilidade da homologação por órgão judicial estrangeiro, que geraria o duplo-exequatur.
É o entendimento do caso Elkem vs. Conan[24], por exemplo.
Em outro caso, o STF afastou a necessidade da dupla-homologação de laudo arbitral firmado antes da Lei da Arbitragem, tendo em vista que o pedido de homologação era datado de 1998, após a promulgação da lei[25]. No mesmo sentido o caso da Spie Enertrans vs. Inepar[26].
Contudo, antes de 1996 vigorava o entendimento da dupla-homologação:
E M E N T A - Sentença estrangeira: inadmissibilidade de homologação, no Brasil, de laudo arbitral, não chancelado, na origem, por autoridade judiciária ou órgão público equivalente: precedentes: reafirmação da jurisprudência. 1. E da jurisprudência firme do STF que "sentença estrangeira", susceptível de homologação no Brasil, não e o laudo do juízo arbitral ao qual, alhures, se tenham submetido as partes, mas, sim, a decisão do tribunal judiciário ou órgão público equivalente que, no Estado de origem, o tenham chancelado, mediante processo no qual regularmente citada a parte contra quem se pretenda, no foro brasileiro, tornar exequível o julgado (cf. SE 1.982 - USA, Plen., 3.6.70, Thompson, RTJ 54/714; SE 2.006, Plen., 18.11.71, Inglaterra, Trigueiro, RTJ 60/28; SE 2.178, Alemanha, sentença, 30.6.79, Neder, RTJ 91/48; SE 2.476, Plen., 9.4.80, Inglaterra, Neder, RTJ 95/23; SE 2.766, Inglaterra, 1.7.83, SE 2.768, Franca, sentença 19.1.81, Neder, DJ 9.3.81; SE 3.236, Franca, Plen., 10.5.84, Buzaid, RTJ 111/157; SE 3.707, Inglaterra, Plen., 21.9.88, Neri, RTJ 137/132). 2. O que, para a ordem jurídica pátria, constitua ou não sentença estrangeira, como tal homologável no "forum", e questão de direito brasileiro, cuja solução independe do valor e da eficácia que o ordenamento do Estado de origem atribua a decisão questionada.[27]
Também nesse sentido:
Ementa - SENTENÇA ESTRANGEIRA. PEDIDO DE HOMOLOGAÇÃO. DECISÃO DE JUÍZO ARBITRAL INGLES HOMOLOGADA PELO TRIBUNAL DE ALÇADA DA RAINHA (QUEEN'S BENCH DIVISION). PRESSUPOSTO PARA HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA, QUE DA O 'EXEQUATUR' A LAUDO ARBITRAL, E QUE EXISTA, NO PAIS DE ORIGEM, PROCEDIMENTO JURISDICIONAL ASSEGURANDO AS PARTES O CONTRADITORIO. PRECEDENTES DO STF. CITAÇÃO DA REQUERIDA, MEDIANTE CARTA ROGATÓRIA REGULARMENTE PROCESSADA NO BRASIL. A REQUERIDA, ANTERIORMENTE, JA COMPARECERA AO PROCEDIMENTO ARBITRAL, INDICANDO ARBITRO. HIPÓTESE EM QUE A DECISÃO INGLESA HOMOLOGATORIA DO LAUDO ARBITRAL EXAMINOU, INCLUSIVE, ASPECTOS DE MÉRITO DO ARBITRAMENTO E ALEGAÇÕES DA REQUERIDA. ASSEGURADO O CONTRADITORIO, NÃO CABE, AQUI, APRECIAR OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO ESTRANGEIRA DE 'EXEQUATUR' DO LAUDO ARBITRAL. PEDIDO DE HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA QUE SE DEFERE.[28]
Por fim, importa salientar que a jurisprudência vem assentando que é possível a aceitação de sentenças arbitrais estrangeiras mesmo que haja revelia.[29]