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Os limites para a publicidade de bebidas alcoólicas à luz do Direito contemporâneo brasileiro

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15/11/2014 às 13:18
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3 O CONTROLE DA ATIVIDADE PUBLICITÁRIA LATO SENSU

Após o esclarecimento de alguns conceitos fundamentais sobre a publicidade, faz-se necessário elucidar quais são os seus princípios, os sistemas legais que regulam a sua atividade e óbices ao seu exercício. Neste norte, estes serão os assuntos abordados neste capítulo.

3.1 OS PRINCÍPIOS NORTEADORES DA PUBLICIDADE

A publicidade tem intrínsecos a si vários princípios que regem o seu funcionamento, para que as mensagens transmitidas durante os seus anúncios não ocasionem qualquer tipo de lesão ao público.

Entende-se que “O princípio exerce um função genética, impondo a complementação do sistema por meio de edição de outras normas. É esse conjunto de princípios que uniformiza a concepção do próprio sistema, suprindo-lhe integralmente.” (FEDERIGHI, 1999, p. 83).

Ainda conceituando princípio, temos o ensinamento de Silva (2005, p. 91):

Princípio é o mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.

Neste ínterim, é evidente a importância dos princípios na ordem jurídica nacional. . Nas palavras de Bonavides (2006, p. 294), "São qualitativamente a viga mestra do sistema, o esteio da legitimidade constitucional, o penhor da constitucionalidade das regras de uma constituição.”

Porém, conforme se demonstrará adiante, quando se fala em publicidade, imperativo enfatizar que existem sobreprincípios, que norteariam todos os demais princípios específicos, os quais devem ser respeitados durante o exercício da atividade publicitária.   

Importante advertir ainda que os princípios a seguir elencados encontram esteio na Constituição Federal, no CDC e no CBAP; mas principalmente no CDC, conforme explica Federighi (1999, p. 82), que “A ética na forma de transmissão do apelo a consumir, deve ser exigida com base na lealdade publicitária, que é informada por outros princípios gerais contidos no Código de Defesa do Consumidor”, e os princípios específicos.   

Vejamos quais os sobreprincípios comumente citados pela doutrina pátria.

3.1.1 Os sobreprincípios

Os sobreprincípios são especialmente importantes, pois funcionam como orientação a todos os demais princípios que regem a matéria publicitária. Jacobina (1996, p. 64/65) explica a autoridade de tais princípios “[...] vez que refletem inclusive nos demais, conformando-os. Pode-se dizer, mesmo, que os outros princípios são corolários destes. [...] Funcionam como verdadeiros alicerces da matéria. [...].” Assim, podemos elencar três especiais sobreprincípios, conforme se demonstrará adiante. 

3.1.1.1 O princípio da liberdade

O presente princípio emerge em decorrência dos ditames constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, cominados com o da manifestação do pensamento e liberdade de informação, os quais possuem previsão nos arts. 170, caput[7] e inciso IV; 5º, inciso IV[8] e 220[9] e seguintes; todos da Constituição Federal.

Russo (2010, p. 262, grifo do autor) descreve sobre o assunto:

[...] A manifestação de pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto na Constituição. Desse modo, é VEDADA toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

Em uma sociedade de consumo, existe a premente necessidade de manter a concorrência equiparada entre os fornecedores, da mesma forma que é necessário resguardar o consumidor, público alvo da publicidade, dos efeitos danosos que uma mensagem publicitária distorcida pode ocasionar. Neste sentido, Masso (2009, p. 123) alega:

Assim, a publicidade pode acarretar, em alguns casos, danos ao concorrente de competidor desleal (que utiliza a publicidade ilícita como forma de concorrer) e, em outros, ao consumidor que suporta diretamente os efeitos de um publicidade ilícita, por exemplo, não sendo informado como deveria ser, ou enganado, o que pode ocorrer em razão de uma forma de manipulação, fato que também influenciará o quarto modelo, já que a modificação de padrões culturais dependerá de uma manipulação de preferências.           

A liberdade da publicidade não goza irrestritamente deste princípio, pois o seu exercício está ligado à matéria de atividade comercial, e não exclusivamente de forma de expressão artística ou de material informativo. Porém, Almeida (1981 apud JACOBINA, 1996, p. 65) diz que: “[...], apesar de todas as restrições legislativas, a regra nos países de economia de mercado, em correspondência com o princípio da liberdade do comércio e indústria, para usar a fórmula francesa que expressa a base do sistema capitalista.”

Acredita Spode (2002, p. 181) que:

A solução proposta, não só para o Brasil, porque o dilema se verifica em países democráticos, é de que a garantia constitucional de liberdade de expressão possa ser limitada na medida em que seu exercício seja prejudicial ao exercício dos direitos dos cidadãos individualmente ou ao bem-estar geral.  

Assim, embora a liberdade seja a principal vertente, em função da Constituição Federal defender a livre iniciativa, esta deverá sofrer limitações, inclusive as legais, a fim de conservar um padrão mercadológico bem como de primar pela defesa do público consumidor.   

3.1.1.2 O princípio da vulnerabilidade do consumidor

O sistema de proteção introduzido pelo CDC revela especial classificação aos consumidores, conforme se abstrai do art. 4º, inciso I[10] do retro mencionado diploma legal, classificando-os como vulneráveis. Em verdade, tal princípio pode ser considerado como a base de toda a normatização consumerista, pois seria bastante controverso pregar a igualdade formal das partes em uma relação de consumo em uma economia que tem arrimo nos baldrames liberalistas. (JACOBINA, 1996, p. 62).

É importante notar que “[...] no Brasil a atual Constituição Federal reconhece claramente esta situação de hipossuficiência ao declarar que o Estado promoverá a defesa do consumidor (art. 5º, XXXII) [...].” (ALMEIDA 2010, p. 34).  

Smith revela a situação especial do consumidor quando afirma que:

[...] O consumo é o único fim e propósito de toda a produção; e o interesse do produtor deve ser atendido até o ponto, apenas, em que seja necessário para promover o do consumidor. A máxima é tão perfeitamente evidente por si mesma, que seria um absurdo tentar prová-la [...] No sistema mercantilista, o interesse do consumidor é quase constantemente sacrificado pelo produtor; e ele parece considerar a produção, e não o consumo, como o fim último e objeto de toda a indústria e comércio [...] O consumidor é o elo mais fraco da economia; e nenhuma corrente pode ser mais forte do que seu elo mais fraco. (? apud METZEN 1986 apud FILOMENO, 2007, p. 68/69).            

Em verdade, existem dois aspetos especiais que revelam a condição de vulnerável em uma relação de consumo, quais sejam o técnico e o econômico.

Nunes (2008, p. 129/130) afirma que a vulnerabilidade advinda do vértice de ordem técnica encontra-se relacionado à produção. O fornecedor conhece o produto da sua linha de produção, sabendo assim de todas as qualidades de seu produto, ao passo que o consumidor fica à mercê daquilo que lhe é apresentado no momento da venda ou da oferta. Ou seja, boa parte da cadeia produtiva e da própria oferta é unilateral do fornecedor.

Adiante, o mesmo autor disserta a respeito da vulnerabilidade advinda da questão econômica. Afirma que via de regra o fornecedor sempre apresentará maior capacidade financeira que o consumidor, situação que deixará este em situação desfavorável. Haverá casos nos quais os consumidores individuais terão elevada condição financeira, ultrapassando pequenos fornecedores, todavia é a exceção. (NUNES, 2008, p. 130).   

Portanto, por ter o fornecedor privilégio de informações técnicas sobre o seu produto, bem como por, na maioria das vezes, dispor de condição financeira superior diante do consumidor, há premente necessidade de considerar o consumidor como parte vulnerável na relação de consumo.

3.1.1.3 O princípio da boa-fé           

Novamente, encontramos esteio para tal princípio na legislação consumerista, conforme está positivado junto ao art. 4º, III[11] do CDC. O dispositivo antes mencionado traz em seu texto a necessidade de compatibilização e de harmonização nas relações de consumo e no processo do desenvolvimento tecnológico. Denota-se que o CDC demonstra preocupação com o respeito que as partes reciprocamente devem apresentar durante a relação de consumo, ou mesmo durante o rito obrigacional. É neste sentido que Jacobina (1996, p. 66, grifos do autor) expõe:

O certo é que as partes devem, mutuamente, manter o mínimo de confiança e lealdade, durante todo o processo obrigacional; o seu comportamento deve ser coerente com a intenção manifestada, evitando-se o elemento surpresa, tanto na fase de formação, quanto na de execução, e até mesmo na fase posterior, que se pode chamar de fase de garantia e reposição [...]. É neste sentido que o princípio da boa-fé foi positivado CDC, no inciso III do art. 4º [...]           

Destarte, se observa que há dupla vertente no inciso III do art. 4º CDC, sendo estas: harmonizar as relações de consumo e compatibilizar a proteção do consumidor com o desenvolvimento tecnológico e econômico.  

Neste rumo, como primeiro esteio à boa-fé, destaca-se a harmonia entre as relações de consumo. O consumidor tem necessidade de adquirir produtos e de outro lado o fornecedor tem a necessidade de vendê-los. Durante a relação comercial entre estes dois entes, consoante uma das óticas do princípio em comento, deve vigorar o equilíbrio entre as partes, lembrando-se da vulnerabilidade do consumidor. Não é outro o ensinamento de Almeida (2010, p. 35):

[...] interessa às partes, ou seja, consumidores e fornecedores, o implemento das relações de consumo, com o atendimento das necessidades dos primeiros com o cumprimento do objeto principal do fornecedor: fornecer bens e serviços. Colimando-se, assim, o equilíbrio entre as partes [...].

De outro vértice, a outra faceta da boa-fé, consoante o CDC, consiste na proteção do consumidor diante da necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico a fim de resguardar os princípios nos quais se funda a ordem econômica. A explicação para tal premissa vem nas palavras de Filomeno (2007, p. 75) “[...] se é certo que o consumidor é a parte vulnerável nas sobreditas relações de consumo, não se compreendem exageros nessa perspectiva a ponto de, por exemplo, obstar-se o progresso tecnológico e econômico.”

Como já foi dito acima, o consumidor é a parte mais fraca, por isso a boa-fé deverá ser considerada de modo a beneficiar o consumidor. Porém, há determinados momentos, quando diante de interesses contraditórios, que poderá prevalecer o interesse social sobre o interesse do consumidor, atentando-se aos ditames da ordem econômica e do desenvolvimento.

Visando exemplificar tal situação, traz-se o julgado do Tribunal Catarinense, de lavra do Desembargador Fernando Carioni, onde há defesa da coletividade em face a interesse individual do consumidor:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE RESGATE DAS CONTRIBUIÇÕES CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - PREVIDÊNCIA PRIVADA (FUMPRESC) - PLANO DE BENEFÍCIOS DE CARÁTER PREVIDENCIÁRIO - INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - DESLIGAMENTO DO PLANO - PERMANÊNCIA DO PARTICIPANTE NOS QUADROS DA PATROCINADORA - RESGATE TOTAL DAS CONTRIBUIÇÕES - VEDAÇÃO - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Pacífico é o entendimento de ser aplicável o Código de Defesa do Consumidor à relação jurídica entre a entidade de previdência privada e seus participantes, dicção da Súmula 321 do STJ.

Conforme a Súmula 290 do Superior Tribunal de Justiça, a restituição da contribuição dos planos de previdência privada somente alcançará a parte despendida pelo contribuinte, não incluídos os valores pagos pelo patrocinador.

O participante do fundo de previdência privada que pede seu desligamento e continua nos quadros da patrocinadora terá direito ao resgate do valor por ele contribuído, ressalvada a parte da patrocinadora, tão-somente na época da sua aposentadoria, rescisão contratual da empresa ou em caso de encerramento do plano, uma vez que o descumprimento desses requisitos acarretará em descapitalização e possível dissolução do fundo previdenciário em total risco aos beneficiários mantenedores.

O interesse da coletividade não pode ser sobrepujado pelo interesse individual. (TJSC - Apelação Cível n. 2008.013257-6. Relator: Des. Fernando Carioni. Órgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Civil. Data de Julgamento: 30 jun. 2008, grifo nosso).           

No aresto supra, vedou-se ao apelante o resgate integral das contribuições que tinha depositado em plano de previdência privada, pois caso fosse acatado tal pedido os demais participantes sairiam prejudicado, eis que ocorreria a descapitalização ou até mesmo a dissolução do fundo previdenciário. Tão logo, prevalece o interesse coletivo, isto é dos participantes do plano, sobre o interesse individual do consumidor que se desligava do fundo.

Explicando esta nuance Aguiar Junior (? apud CASADO, 2000, p. 77) assegura que:

Isso traz à tona aspecto nem sempre considerado na boa-fé, consistente na sua vinculação com os princípios socioeconômicos que presidem o ordenamento jurídico nacional, atuando operativamente no âmbito da economia do contrato. Isso quer dizer que a boa-fé não serve tão só para a defesa do débil, mas também atua como fundamento para orientar a interpretação garantidora da ordem econômica, compatibilizando interesses contraditórios, onde eventualmente poderá prevalecer o interesse contrário ao consumidor, ainda a sacrifício deste, se o interesse social prevalente assim o determinar. Considerando dois parâmetros de avaliação: a natureza da operação econômica pretendida e o custo social decorrente desta operação, a solução recomendada pela boa-fé poderá não ser favorável ao consumidor.

Por conseguinte, o princípio da boa-fé tem como principal função promover a equidade nas relações de consumo, a fim de que haja neste negócio lealdade entre as partes envolvidas, transmitindo confiança umas às outras. Tal encargo será exercido sempre em busca de equilíbrio entre o consumidor e o fornecedor, todavia, em momentos onde exista conflito entre o consumidor e interesses da coletividade, estes prevalecerão.

3.1.2 Os princípios específicos

Elencados os sobreprincípios norteadores, cumpre neste momento trazer a baila os princípios específicos à atividade publicitária, os quais serão abordados consoante os ensinamentos de Benjamin (2007, p. 328/329) que elenca os seguintes princípios específicos: identificação, vinculação, veracidade, não abusividade, inversão do ônus da prova, transparência da fundamentação, correção do desvio publicitário e lealdade. 

Contudo, há que se observar que o princípio da lealdade traduz-se no sobreprincípio da boa-fé, eis que Guimarães (2007, p. 117) expõe que o mesmo “[...] em termos gerais, é o respeito que a publicidade deve ter em relação ao consumidor e à concorrência.” Tão logo, este já foi abordado. Quanto aos demais, serão abordados a seguir.                

3.1.2.1 O princípio da identificação da publicidade

Tal princípio intenta que o consumidor, quando exposto a alguma campanha publicitária, entenda que aquela mensagem trata-se de publicidade. Masso (2009, p. 135) comenta o artigo, aduzindo que “O contido no dispositivo legal representa a obrigação empresarial de informar o significado da mensagem veiculada, não podendo o consumidor sofrer qualquer dificuldade na sua interpretação [...].” Ademais, encontra respaldo legislativo junto ao art. 36, caput[12] do CDC. 

Um dos principais campos de atuação deste princípio ocorre quando é utilizada a técnica publicitária do merchandising. Conforme já foi dito anteriormente, merchandising trata-se de menção ou aparição de produtos ou serviços em programa de televisão ou rádio, filme ou espetáculo teatral (RAÇABA E BARBOSA 1978 apud TRINDADE, 2007, p. 342). Assim, os produtos podem aparecer em algum programa ou em algum anúncio, sem que o consumidor saiba que está submetido à uma mensagem publicitária. Exemplificando, Nunes (2008, p. 486/487) demonstra: “[...] de fato, quando uma personagem importante na novela das 8 entra num bar e pede uma Coca-Cola, o telespectador-consumidor não sabe se aquela demonstração específica é ou não publicidade do produto veiculado.”

Em verdade, “[...] o objetivo é coibir a publicidade clandestina, inclusive a subliminar.” (ALMEIDA, 2010, p. 116).

Com este norte, ressalta-se a importância do princípio da identificação haja vista que caso não existisse, o consumidor seria induzido a adquirir produtos ou serviços sem ao menos saber de onde surgira tal interesse.  

3.1.2.2 O princípio da vinculação da publicidade

O princípio da vinculação da publicidade vem expressamente previsto no CDC, no texto do art. 30[13]. Tal dispositivo dispõe que as informações e a publicidade que forem vinculadas por qualquer meio de comunicação e apresentem-se de forma satisfatoriamente precisas, obrigam o fornecedor a entabular o contrato com o consumidor nos termos do anúncio.  O CDC veda, assim, a publicidade que tem como objetivo tão somente atrair consumidores à aquisição de produtos ou serviços.

Nesta faceta, Guimarães (2007, p. 107), entende que:

Assim, sempre que um produto ou serviço for apresentado com determinadas qualidades ou características, esses elementos devem fazer parte dele, e, se isso não ocorrer, o consumidor poderá ingressar em juízo, pleiteando, nos termos do art. 35 do CDC, o cumprimento forçado da obrigação, a aceitação de outro produto ou prestação de outro serviço equivalente, ou, por último, a rescisão do contrato com perdas e danos.           

Neste rumo, veja-se que a informação suficiente clara obriga o fornecedor cumprir o negócio jurídico nos termos em que o mesmo foi ofertado mediante a campanha publicitária. Segue a citação de Ceneviva (1991 apud CHAISE, 2001, p. 98) dizendo que “[...] entende a publicidade como promessa de contrato pelo qual aquele que patrocinará a publicidade informa aos destinatários que concluirá o negócio jurídico proposto.”             

Não é outro o entendimento de Almeida (2010, p. 117) ao mencionar que “[...] a publicidade integra o contrato que vier a ser celebrado e obriga o fornecedor a cumprir a oferta veiculada. Veda-se o anúncio de mera atração de clientela.”

Também, é importante destacar que o CDC traz junto ao art. 35, incisos I, II e III[14] algumas formas de obrigar o fornecedor a cumprir a mensagem veiculada no anúncio publicitário, consoante Benjamin, Marques e Bessa (2009, p. 185):

Em síntese, além de uma série de outras providências, entre as quais a via persecutória penal e a das sanções administrativas (Capítulos XII e XIII), o consumidor, em caso de oferta desconforme com aquilo que o fornecedor efetivamente se propõe a entregar, tem a sua escolha três opções: a) exigir o cumprimento forçado da obrigação; b) aceitar um outro bem de consumo equivalente; c) rescindir o contrato já firmado, cabendo-lhe, ainda, a restituição do que já pagou, monetariamente atualizado, e perdas e danos (inclusive danos morais).

Assim sendo, havendo publicidade clara a ponto de o consumidor entender a mensagem transmitida pelo anúncio, deverá o fornecedor cumprir com a mensagem anunciada, em face ao princípio da vinculação, cabendo ainda ao consumidor mecanismo de persuadir o fornecedor a cumprir o anúncio.

3.1.2.3 O princípio da veracidade

Este princípio tem sua vertente no art. 31[15] combinado com os parágrafos 1º e 3º do art. 37[16] do CDC e justifica-se na comparação entre as informações divulgadas na campanha publicitária sobre o produto ou serviço e as reais características que este detém.

Neste jaez, Jacobina (1996, p. 67, grifos do autor) assevera que:

[...] os dados veiculados pela publicidade não devem ser capazes de induzir o consumidor a erro sobre as verdadeiras características do produto ou serviço. Além disso, o princípio da veracidade tende aliás a evoluir de uma face negativa para uma face positiva (informar correta e completamente), eis por que o Direito brasileiro criou a figura da enganosidade por omissão. 

Destaca-se a importância de tal princípio, pois tem como ensejo principal coibir a publicidade enganosa. Ademais, impõe às campanhas publicitárias o dever de sempre informar ao público sobre as verdadeiras propriedades do produto ou serviço que é anunciado, para que esse tenha liberdade no momento da escolha. Para que haja garantia desta veracidade “o anúncio não pode faltar com a verdade daquilo que anuncia de forma alguma, quer seja por afirmação, quer seja por omissão. Nem mesmo manipulando frases, sons e imagens para, de maneira confusa ou ambígua, iludir o destinatário.” (NUNES, 2008, p. 448).

Deste modo, para que haja a garantia de concorrência leal no mercado, e afim de que o consumidor tenha a garantia absoluta de que não seja ludibriado a adquirir produtos ou serviços e tenha uma desagradável surpresa depois, existe a positivação deste princípio.

3.1.2.4 O princípio da não abusividade

Este princípio deve ser analisado em conjunto ao princípio da veracidade, e encontra eco na legislação no art. 31[17] combinado com o parágrafo 2º do art. 37[18] do CDC. Federighi (1999, p. 85) aponta noção sobre o instituto:

[...] É aquele que informa a publicidade, de maneira que ela não deva atingir valores subjacentes à relação de consumo, que não estão diretamente ligados àquele ato de consumir, mas o apelo que leva o consumidor a se interessar pelo produto ou serviço. É o princípio equivalente àquele da veracidade, pois são informativos da vedação às publicidades ilícitas.   

Deste modo, o principal ensejo deste princípio é coibir a publicidade abusiva. O próprio art. 37 do CDC, em seu parágrafo 2º aponta as hipóteses em que a publicidade será abusiva, ao passo que este assunto será tratado de maneira mais aprofundada adiante. Complementando, cita-se Benjamin (2007, p. 328), dizendo que “O princípio da veracidade tem um meio irmão, que [...] tem por objetivo reprimir desvios que prejudicam igualmente os consumidores: o princípio da não abusividade do anúncio (art. 37, §2º).”

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Tão logo, atuando como colaborador ao princípio da veracidade, a não abusividade tem como esteio central garantir que o anúncio veiculado não ofenda o consumidor sob nenhum aspecto, em especial de qualquer valor ético ou social que este detém.  

3.1.2.5 O princípio da inversão do ônus da prova

Tal princípio representa um dos primados do direito do consumidor e encontra previsão legal no art. 6º, inciso VIII[19], e especificamente em relação à publicidade no art. 38[20], ambos do CDC. Tal axioma pretende equiparar a relação de consumo, pois nos termos já ditos anteriormente, o consumidor é a parte mais fraca, e não dispõe de condições plenas de provar os abusos provocados pela atividade publicitária.

Tal assertiva vai de encontro ao magistério de Almeida (2010, p. 117, grifo do autor) quando explica que:

[...] à constatação de que o consumidor dificilmente tem condições técnicas e econômicas de provar os desvios da atividade publicitária, incumbe ao patrocinador, beneficiário da mensagem, o encargo da prova da veracidade e correção do que foi veiculado. Harmoniza-se o princípio com o direito do consumidor de facilitação de sua defesa (art. 6º, VIII).  

Havendo demanda em que a celeuma tenha por objeto a informação repassada pelo anúncio publicitário, caberá ao responsável comprovar a ausência de ilegalidade na campanha, eis que este possui prerrogativas técnicas e de informação em face ao público. Denota-se que esta imposição é decorrente da vulnerabilidade do consumidor.

Por sua vez, Federighi (1999, p. 83) pontua a atuação deste princípio “[...] impingindo ao fornecedor a tarefa de elidir as alegações do consumidor em juízo, pressupondo-se a maior dificuldade deste em provar eficientemente o vício do produto ou serviço [...].”

De maneira bastante direta, “[...] não é o consumidor que se acha obrigado a demonstrar que um produto é de boa qualidade, mas sim o próprio anunciante.” (ACQUAVIVA, 1998, p. 57). 

Portanto, a fim de garantir ao consumidor a prestação jurisdicional adequada e diante de sua presunção de vulnerabilidade diante do fornecedor que patrocina a campanha publicitária, o princípio da inversão do ônus da prova atribui a este o dever de provar a licitude da mensagem transmitida. 

3.1.2.6 O princípio da transparência da fundamentação da publicidade           

O princípio em comento encontra sua base legislativa no parágrafo único do art. 36[21] do CDC. A pretensão principal desta previsão legal é que a publicidade tenha o alicerce de sua mensagem em dados tanto técnicos quanto científicos que comprovem a veracidade das informações que são vinculadas ao público, quer seja por solicitação dos interessados, quer seja quando colocada em discussão em juízo.               

 Benjamin (2007, p. 334) esclarece que:

[...] O fornecedor tem ampla liberdade para anunciar os seus produtos e serviços. Deve, contudo, fazê-lo sempre com base em elementos fáticos e científicos: é a sua fundamentação. De pouco adiantaria exigir a fundamentação da mensagem publicitária [...] sem que desse acesso aos consumidores.É esse dever que vem expresso no texto legal.

A necessidade de estar devidamente fundamentada a publicidade em alicerces concretos é relevante na medida em que, de outra banda, o consumidor teria que efetuar exames para descobrir a funcionalidade do produto ou mesmo saber sobre a efetividade dos serviços. Somente com a observância deste princípio, será resguardada a boa-fé na relação estabelecida com a publicidade.

Complementando, Almeida (2005, p. 26) é enfático ao afirmar que:

A idéia principal deste princípio é possibilitar que a relação contratual firmada entre fornecedor e consumidor seja sincera e menos danosa. Transparência implica em informação correta sobre o produto ou serviço, sobre o contrato a ser celebrado, ou seja, lealdade e respeito nas relações estabelecidas entre as partes, mesmo na fase pré-contratual.

Portanto, a publicidade sempre deverá ter em sua fundamentação dados concretos sobre o produto, de natureza fática, técnica e científica com a finalidade precípua de apresentar ao consumidor na campanha publicitária o seu produto ou serviço com todas as suas qualidades e também contraindicações.

3.1.2.7 O princípio da correção do desvio publicitário

Como não poderia deixar de ser, o CDC trouxe em seu texto a positivação específica sobre a matéria, segundo colhe-se do art. 56, inciso XII[22]. Por meio deste, quando praticado algum abuso pela publicidade, impõe-se corrigir tal desvio, a fim de vedar futuras práticas abusivas.

Neste norte, pode-se afirmar que tal princípio “[...] consiste na amenização dos efeitos produzidos pela publicidade ilícita, como forma de efetividade à vedação das modalidades patológicas, vez que não existe possibilidade de reparação ou volta ao status quo ante.” (FEDERIGHI, 1999, p. 85, grifo do autor).

Como dito, o efeitos da publicidade são de tal intensidade que não há como desfazer aquilo que foi transmitido com a mensagem, mas há como amenizar a mensagem enganosa ou abusiva que foi transmita. Neste diapasão, emerge a contrapropaganda. Almeida (2005, p. 26) aponta que:

Quando ocorre um desvio na publicidade, além das sanções cabíveis há a imposição da contrapropaganda [...], que significa anunciar, às expensas do infrator, no mesmo veículo de comunicação e com as mesmas características empregadas, a mensagem corretiva. Objetiva impedir a forca persuasiva da publicidade enganosa ou abusiva, mesmo após a cessação da veiculação anúncio.      

Consequentemente, sempre que houver a veiculação de uma campanha publicitária abusiva ou enganosa, deverá haver a contrapropaganda, em face do princípio da correção do desvio publicitário, para a amenização dos efeitos persuasórios da publicidade.

3.2 OS SISTEMAS DE CONTROLE DA PUBLICIDADE 

A publicidade comercial tornou-se com o passar dos anos um fenômeno de especial importância, eis que teve seu desenvolvimento atrelado às sociedades de consumo; ao passo que há quem afirme que “A publicidade pode, de fato, ser considerada o símbolo próprio e verdadeiro da sociedade moderna.” (ALPA 1986 apud BENJAMIN, 2007, p. 310).

Em uma análise sumária, é possível verificar como função principal da publicidade seu caráter informativo onde “O objeto é propiciar que os consumidores em potencial tomem conhecimento da existência do produto ou serviço e, uma vez informados sobre suas qualidades (características), sejam levados a uma decisão de compra.” (SPODE, 2002, p. 183).

Incontroversa, assim, a importância da publicidade, pois traz benefícios tanto aos consumidores quanto aos fornecedores, pois leva àqueles variada gama de produtos ou serviços os quais poderão adquirir, e auxilia estes a obter maior número de vendas.

Porém, necessário ponderar outro aspecto relevante que merece ser abordado para o estudo deste instrumento, qual seja a persuasão. Torna-se irrebatível a lição de Spode (2002, p. 183) no sentido de que “A publicidade possui também o componente persuasivo, que, em sua essência, pretende mudar a ação ou a inação do consumidor, levando-o a adquirir o produto ou o serviço.”

Logo, há necessidade da existência da publicidade como força vetora da economia, entretanto, revela-se uma faceta prejudicial da mesma, por induzir os consumidores à aquisição de produtos e serviços nem sempre necessários. Porquanto, “como fenômeno social contemporâneo, a publicidade não pode ser rechaçada ou proibida, mas deve ser controlada, regrada, para que estimule o consumo de bens e serviços sem abusos, de forma sadia.” (CHAISE, 2001, p. 25).    

Diante deste panorama, existem três sistemas de controle da atividade publicitária, sendo estes o sistema autorregulamentar, o sistema legal e o sistema misto, os quais serão abordados abaixo. Ademais, existem algumas formas de publicidade que não são permitidas, quais sejam a publicidade abusiva, enganosa e a clandestina, que também serão examinadas no momento oportuno.

3.2.1 O sistema autorregulamentar da atividade publicitária

Tal sistema baseia-se na ideia de que o controle da publicidade deve ser feito por um órgão privado, que seja o norteador do sistema. O seu principal fundamento são os códigos de ética ou conduta. Nesta esteira, é possível elencar algumas características básicas que definem a autorregulamentação: a) associação de empresários formada no âmbito do direito privado com livre adesão; b) a edição de regras éticas que estabeleçam limites que evitem a prática de atos arbitrários; c) criação de um órgão responsável por zelar o respeito às regras éticas; d) a aptidão de impor sanções àqueles que infringem as regras; e) poder de fazer cumprir com as sanções impostas. (CHAISE, 2001, p. 25/26).

  Com objetivo de regulamentar a publicidade houve o I Congresso Brasileiro de Propaganda em 1957, no Rio de Janeiro, no qual houve a aprovação de um Código de Ética, posteriormente incorporado à Lei n.º 4.608/65, bem como ao Decreto n.º 57.690/66, os quais orientavam os profissionais de propaganda, sem, no entanto, possuir força legal. Mais tarde, no III Congresso Brasileiro de Propaganda, em 1978, em São Paulo, foi aprovado o CBAP, que teve como principal escopo tolher a interferência estatal na profissão de publicitário. (JACOBINA, 1996, p. 26/27).

Seguindo este pensar, em 22 de maio de 1980, foi criado o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária – CONAR. Martinez (2002, p. 197) traz uma sucinta explanação sobre a natureza e a função principal deste órgão:

O Conar é um órgão de natureza jurídica de direito privado, constituído em uma sociedade civil sem fins lucrativos, com duração ilimitada, voltada para a aplicação de suas normas auto-regulamentadoras (sic), tendo por objetivo zelar pela credibilidade e valorização das próprias atividades do setor econômico publicitário e oferecer um canal de acesso à defesa do consumidor.            

O art. 50[23] do CBAP traz as penalidades as quais o infrator estará sujeito, porém, denota-se que as mesmas têm apenas caráter moral, sem impedir que a publicidade ilícita deixe de ser vinculada. Tampouco há uma imposição severa de acatamento das penalidades impostas. É neste sentido que Chaise (2001, p. 27) explica:

Os atos do CONAR não tem efeito vinculativo, podendo-se dizer que são apenas recomendações, opiniões, conselhos ou pareceres totalmente destituídos de força cogente.

É de fácil constatação que o controle interno da publicidade no Brasil, como em outros países, não é suficiente para coibir as desconformidades da publicidade.

Portanto, embora haja regulamentação específica para a publicidade, promulgada por órgãos privados relacionados à matéria, existe a necessidade de que tais normas sejam reforçadas por legislação que possua força vinculativa, a fim de que a proteção ao consumidor contra as mensagens publicitárias ilícitas seja completa e efetiva. 

3.2.2 O sistema legal de controle da atividade publicitária

Também denominado de sistema exclusivamente estatal, por esse meio de controle a publicidade terá somente a ingerência estatal para a promulgação de suas normas e códigos éticos, sem qualquer interferência dos órgãos privados referentes à publicidade.

Neste sentido Benjamin (2007, p. 312) pontua que “[...] em outras palavras, só o Estado, e apenas ele, pode editar normas de controle da publicidade e implementá-las. Nenhuma participação têm, no plano da autodisciplina, os diversos atores publicitários.”  

Grinover traz que “Nesse sistema, compete exclusivamente ao Estado regulamentar a publicidade, proibindo práticas nocivas, seja mediante leis esparsas, ou de forma sistemática, com o agrupamento de normas em um Código.” (1992 apud CHAISE, 2001, p. 28). 

De tal modo, pelo sistema puramente legal, não haveria qualquer interferência de âmbito privado relacionado à área da publicidade, pois o controle será realizado mediante leis, que podem ser esparsas ou agrupadas em um código específico da matéria.

3.2.3 O sistema misto de controle da atividade publicitária

Agora, há conjugação tanto do sistema autorregulamentar quanto do sistema legal, formando um sistema tanto particular, com a edição de normas e decisões administrativas e por leis e processos judiciais.

É neste plano que Chaise (2001, p. 28) ensina “No sistema misto ocorre a adição do controle voluntário da publicidade por organismo auto-regulamentar (sic) aos procedimentos judiciais ou administrativos.”

A propósito, Breviglieri (2005, p. 49/50) menciona que:

Assim o consumidor brasileiro é amparado desde 1980, com a fundação do CONAR – Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária, estabelecen­do-se como órgão controlador da ética publicitária, cujo sistema é exclusivamente privado; e ainda, sistema estatal de controle da publicidade composto pela atuação do Poder Executivo, e do Poder Judiciário.

Após a edição do CDC, houve a adoção de tal sistema pelo direito brasileiro. Porém, há discordância de alguns quanto a existência deste sistema no Brasil. Ceneviva (1991 apud MARTINEZ, 2002, p. 201) diz que “Adota-se no Brasil somente o sistema público de controle da publicidade.”

Com mesmo pensar, Pasqualotto (1995 apud MARTINEZ, 2002, p. 201) assevera que “O aparecimento da regulamentação estatal, de caráter imperativo, ocupou inteiramente o espaço antes deixado livre à autonomia privada e o estatuto do Conar é contratual, e a lei não deixou margem alguma para a regulamentação privada dessa matéria.”

Segundo tal entendimento, a regulamentação estatal da publicidade foi suficiente para estabelecer os limites e os regramentos da publicidade, suprimindo assim a necessidade de haver formas autorregulamentares de proteção à publicidade, ante sua eficácia e vinculação limitada.

Porém, não é este o entendimento unânime entre os doutrinadores da matéria. Ao seu turno, Benjamin (2007, p. 314) estabelece que:

Trata-se de modalidade que aceita e incentiva ambas as formas de controle, aquele executado pelo Estado e outro a cargo dos partícipes publicitários. Abre-se, a um só tempo, espaço para os organismos auto-regulamentares (sic) (como o CONAR e o Código Brasileiro de Auto-regulamentação (sic) Publicitária), no Brasil e para o Estado (seja a administração publica, seja o Judiciário).

Foi essa a opção do Código de Defesa do Consumidor.

O sistema particular e o sistema privado coexistem da maneira pacífica, complementando-se reciprocamente e promovendo o controle da publicidade de maneira completa. Ademais, consoante Martinez (2002, p. 209), a via autodisciplinar evita a utilização desnecessária do sistema público, muito embora esta seja a forma prevalente de controle.

Ante ao retro exposto, incontroverso que, mesmo diante da discordância de alguns doutrinadores, o sistema misto é o responsável pelo controle da publicidade no Brasil e surge da fusão entre os outros dois sistemas, sendo exercido tanto pelo Estado quanto pelos órgãos publicitários.               

3.3 PUBLICIDADE E DIREITO

A principal função da publicidade é aproximar o consumidor dos produtos e serviços. Para tanto, há utilização de diversos apelos persuasivos a fim de que tal papel seja cumprido. Diante da magnitude desta função, e da potencialidade de causar danos ao consumidor, o direito brasileiro ocupou-se de estabelecer alguns limites para tal atividade.

É neste norte que Almeida (2005) expõe:

O afã de salientar as qualidades do produto pode levar a distorções, para as quais o legislador deve voltar a sua atenção. Isso é o que explica a preocupação do direito com a publicidade. 

A atividade publicitária, ainda pode causar danos patrimoniais e morais de grandes proporções. Seu malefício é como regra, difuso e coletivo, embora com repercussão na esfera privada de cada consumidor. Seus riscos são sociais e seus danos em série.

Feita esta sucinta explanação sobre a necessidade de comento sobre a potencialidade de risco, necessário destacar quais são os rumos de nossa legislação sobre os limites que são estabelecidos à publicidade.

3.3.1 A limitação constitucional da publicidade

Na Carta Magna Nacional, não há um capítulo exclusivamente dedicado à matéria publicitária, contudo há vários dispositivos no decorrer de seu texto que encontram relação direta com tal assunto.

Inicialmente, podemos destacar que no Capítulo V do Título VIII estão previstas normas concernentes à Comunicação Social no Brasil. Importante trazer a baila a dicção do art. 220, caput e parágrafo §2º:  

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. (BRASIL, 1988).

Evidente que tal dispositivo visa reprimir qualquer tipo censura à criação artística, e ainda a qualquer manifestação política e ideológica. Tal situação tem o reforço da previsão do art. 5º, inciso IX[24] do mesmo diploma legal. Neste prisma, a publicidade vista como uma forma de manifestação artística gozaria de liberdade à sua manifestação e criação. Contudo, o constituinte, sensível a magnitude da publicidade, trouxe de plano alguns limites, consoante se infere do inciso II do parágrafo 3º do art. 220 da Constituição Federal:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 3º - Compete à lei federal:

II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221[25], bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente. (BRASIL 1988).

É neste painel que Pasqualotto (1991 apud GUIMARÃES, 2007, p. 86) explana que:

Por esses artigos, vê-se que a publicidade, forma de manifestação de pensamento, criação, expressão da atividade intelectual, artística, de comunicação e informação, é, a princípio, livre, porém essa liberdade não é absoluta. Ela tem seus limites em outros dispositivos da Carta Magna ou em leis infraconstitucionais por ela previstas, sempre com o objetivo de preservar a justiça social e a dignidade do ser humano.

A liberdade da publicidade não é absoluta, por que publicidade não se trata exclusivamente de manifestação artística ou ideológica, mas possui caráter mercadológico.

Outrossim, atenta-se ao fato de que a Constituição Federal teve preocupação com a publicidade dos produtos maléficos à saúde. Em atenção a tal previsão constitucional, promulgou-se em 15 de julho de 1996 a Lei 9.294, que regulamentou as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas. Frisa-se que o tema do presente trabalho é justamente os limites da publicidade de bebidas alcoólicas, que será discorrido em momento adequado.

  De outro vértice, convém ressaltar que o art. 1º, no seu inciso III[26] da Constituição Federal garante, como um dos princípios da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana, “entendida esta como a abrangência dos direitos da personalidade do homem, dentre os quais estão a liberdade e a informação.” (GUIMARÃES, 2007, p. 86). 

Já no artigo 170 da Constituição Federal, encontramos duas importantes vertentes que podem ser aplicadas ao exercício da publicidade, bem como direcionam a necessidade de sua regulamentação.

A primeira impõe a interpretação conjunta entre o art. 170, inciso V[27]; art. 5º, inciso XXXII[28] da Constituição Federal e o art. 48[29] do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Todas estas previsões legais referem-se à necessidade de promulgação do Código de Defesa do Consumidor, promovendo a proteção da parte mais fraca na relação de consumo.

Já a segunda interpretação necessária do art. 170, reside no texto de seu inciso III[30], que dispõe sobre a livre iniciativa, que deve ser interpretado, segundo Guimarães (2007, p. 87, grifo do autor) “Com o objetivo de definir que a economia aqui existente é capitalista. Assim cada um exerce atividade que melhor lhe aprouver, visando o lucro.”.

Um empresário poderá montar seu negócio e concorrer livremente buscando um retorno financeiro com instrumentos que julgue convenientes para tal finalidade, inclusive com a utilização da publicidade comercial. Todavia, haverá limites que deverão ser respeitados, com especial relevância aos diretos do consumidor. Na sua vez, Masso (2007, p. 115) aponta que “[...] a possibilidade do empresário praticar atos de publicidade decorre da liberdade de a empresa se estabelecer e livremente competir, mas existem limites [...], pois decorrem dos direitos também previstos e defendidos constitucionalmente.”       

Ressalta-se ainda que “[...] o princípio da defesa do consumidor tem por finalidade estabelecer uma coerência aos dispositivos da ordem econômica, qualificando a livre iniciativa que deve ser sempre exercida em benefício dos consumidores.” (ALMEIDA, 2005, p. 23).

Em vista disso, denota-se que a Constituição Federal ocupou-se de estabelecer limites específicos à publicidade de produtos ou serviços que sejam nocivos à saúde, porém, não há um capítulo exclusivamente dedicado à atividade publicitária. Ademais, há previsões legais que devem ser interpretadas como norteadoras da atividade publicitária, tais como a necessidade de proteção ao consumidor e as balizas que tal assistência impõe à livre iniciativa, consagrada como base de nossa economia.              

3.3.2 As formas ilícitas de publicidade no Código de Defesa do Consumidor

Nos termos que já foram debatidos acima, denota-se que a publicidade, em função de seu caráter persuasivo e mercadológico, não goza de irrestrita liberdade quanto à sua elaboração e veiculação, posto que deve ser compatível aos princípios da livre iniciativa bem como à base de princípios que agasalham o consumidor.

Neste pensar, o CDC em seu microssistema de defesa ao consumidor estatuiu algumas formas de publicidade ilícitas, dentre as quais a enganosa, abusiva e a clandestina. No entanto, antes de abordar tais tópicos, necessário apresentar algumas definições básicas que o CDC trouxe em seu texto.

3.3.2.1 Definição de termos: consumidor, fornecedor, produto e serviço

Para que haja um entendimento completo das formas ilícitas de publicidade, impõe-se a definição de alguns termos adotados pelo CDC. Iniciamos pelo conceito de consumidor, que encontra respaldo junto ao art. 2º, caput e parágrafo único:

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. (BRASIL, 1990)

“A palavra consumir, do latim consommare, significa acabar. O consumo seria, na linguagem dos economistas, o ato pelo qual se completa a última etapa do processo econômico.” (LUCCA, 1995, p. 13, grifos do autor). Para que a pessoa física ou jurídica seja considerada consumidora deverá encerrar o ciclo do consumo, como o destinatário final do produto, o qual é definido por Marques (2006, p. 304, grifos do autor):

Destinatário final é aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa jurídica ou física. Logo, segundo esta interpretação teleológica, não basta ser destinatário fático do produto, retira-lo da cadeia de produção, levá-lo para o escritório ou residência: é necessário ser destinatário final econômico do bem, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria novamente um instrumento de produção cujo preço será incluído no preço final do profissional que o adquiriu. Neste caso, não haveria a exigida “destinação final” do produto ou serviço.           

Para que seja considerado consumidor, deverá o adquirente utilizar o produto ou serviço para uso próprio ou de sua família, não se valendo do produto ou serviço para fins de revenda ou para seu escritório, em sua atividade profissional, pois estaria incluso no preço final cobrado, ou seja, não poderá ser utilizado em suas atividades intermediárias. Isto porque o nosso código adota a teoria finalista para a conceituação do consumidor. (ACQUAVIVA, 1998, p. 14).

Importante ainda destacar que as pessoas jurídicas poderão ser consideradas consumidoras por equiparação, desde que além de destinatárias finais do produto sejam vulneráveis em relação aos seus fornecedores, consoante os ensinamentos de Lucca (1995, p. 40, grifos do autor):

É verdade que a nossa lei incluiu, na definição, as pessoas jurídicas, ponto sobre o qual muito se discute. De toda sorte, entendo que as pessoas jurídicas albergadas pelas normas tutelares não apenas devem ser destinatárias finais dos produtos e serviços por elas adquiridos – o que está expresso na lei – como também, embora não constante do texto legal, mas decorrente de todo aspecto teleológico dessa disciplina normativa, devem estar equiparadas aos consumidores pessoas físicas pela sua vulnerabilidade em relação ao fornecedor.

Neste mesmo pensar, podemos citar ainda os ensinamentos de Benjamin, Marques e Bessa (2009, p. 71), eis que afirmam sobre a necessidade de proteção à pessoa jurídica:

As exceções, [...], devem ser estudadas pelo Judiciário, reconhecendo a vulnerabilidade de um pequena empresa ou profissional que adquiriu, uma vez que a vulnerabilidade pode ser fática, econômica, jurídica e informacional, por exemplo, um produto fora de seu campo de especialidade (uma farmácia); interpretar o art. 2º, de acordo com o fim da norma, isto é, proteção ao mais fraco na relação de consumo, e conceder a aplicação das normais especiais do CDC analogicamente também a estes profissionais. Note-se  que neste caso se presumo que a pessoa física sempre consumidora frente a um fornecedor e se permite que a pessoa jurídica vulnerável prove a sua vulnerabilidade.

Ainda, em determinadas situações a coletividade será considerada como consumidora, abrangendo “[...] as associações de classe, sindicatos, entidades representativas de servidores públicos, entidades associativas, cooperativas, hotéis, restaurantes, pensões, centros comunitários, etc., que adquirem mercadorias para consumo de seus filiados ou fregueses.” (SANTOS, 1992, p. 27).

Também, existe outra corrente que define os consumidores, denominada de Maximalistas. Para estes, a definição de consumidor deve ser interpretada da maneira mais extensiva possível, para que o CDC seja aplicado cada vez mais a um número maior de relações no mercado. Assim, consideram que o art. 2º do CDC traz uma definição puramente objetiva, não sendo relevante se a pessoa física ou a pessoa jurídica tem ou não a finalidade de obtenção de lucro quando adquire um produto ou serviço, sendo que o destinatário final seria o destinatário fático, isto é, que retira do mercado e o utiliza. A principal crítica é que esta teoria faz com que o direito do consumidor se transforme em direito privado geral, tolhendo a aplicação do Código Civil. (BENJAMIM; MARQUES; BESSA, 2009, p. 71/72).      

No que diz respeito aos verbetes fornecedor, produto e serviço encontramos suas respectivas definições legais junto ao art. 3º, caput e parágrafos 2º e 3º do CDC, nos seguintes termos:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (BRASIL, 1990).  

O fornecedor pode ser tanto pessoa física quanto jurídica, mas a principal característica para sua caracterização é o desenvolvimento de uma atividade, que deverá ser exercida com habitualidade, isto é, que pratique tal atividade de forma reiterada. Por conseguinte “[...] fornecedor é qualquer pessoa física, [...] que, a título singular, mediante desempenho de atividade mercantil ou civil e de forma habitual, ofereça no mercado produtos e serviços, e a jurídica [...] em associação mercantil ou civil e de forma habitual.” (FILOMENO, 2007, p. 47).

Importante advertir que a pessoa jurídica, enquanto fornecedora, poderá ser de direito público. Nesta seara Saad, Saad e Branco (2006, p. 74) advertem no sentido da aplicação às “[...], disposições do Código, o próprio Estado, ou melhor, falando, o poder público federal, estadual ou municipal diretamente ou indiretamente por intermédio de autarquias, fundações, empresas públicas – é ele o fornecedor do produto ou o prestador do serviço.”

A expressão produto vem positivada de maneira bastante ampla com a finalidade de “[...] garantir que a relação jurídica de consumo esteja assegurada para toda e qualquer compra e venda realizada. Por isso, fixou conceitos os mais genéricos possíveis (“produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial”). [...] é que nada se lhe escape.” (NUNES, 2005, p. 106)

Quanto à questão de o produto ser móvel ou imóvel, dispensável comentários, eis que tais terminologias são auto-explicativas. Porém, Acquaviva (1998, p. 16, grifos do autor) relata que “[...] Os bens materiais são [...] dotados de existência física, perceptível, portanto pelos sentidos, ao passo que os imateriais não têm existência visível, e sim jurídica, dotados, em todo o caso, de valor econômico, como a propriedade literária, científica ou artística.”

Ainda sobre as características do produto, têm-se os produtos duráveis e não duráveis, os quais vem devidamente elucidados nas palavras de Nunes (2008, p. 92/93, grifo do autor) como “produto durável é aquele que, como o próprio nome diz, não se extingue com o uso. [...] O produto “não durável”, por sua vez é aquele que se acaba com o uso.[...].”

Para finalizar, temos o termo serviço, “[...] que é a atividade que constitui um bem em si mesma. Assim,a proteção do serviço é trabalho como fim, ao contrário do produto que, relativamente ao qual o trabalho é um meio de criação.” (ACQUAVIVA, 1998, p. 16, grifos do autor).   

Para que se aplique as regras do CDC à relação jurídica, necessário haver a remuneração do serviço ou produto; havendo ressalva à situação de não existir, pelas circunstâncias do evento remuneração direta, conforme Nunes disserta acerca do tema (2005, p. 111/112):

É preciso algum tipo de organização para entender o alcance da norma. Para estar diante de um serviço prestado sem remuneração, será necessário que, de fato, o prestador do serviço não tenha, de maneira alguma, se ressarcido de seus custos, ou que, em função da natureza da prestação de serviço, não tenha cobra o preço. Por exemplo, o médico que atenda uma pessoa que está passando mal na rua e nada cobre por isso enquadra-se na hipótese legal de não-recebimento de remuneração. Já o estacionamento de um shopping no qual não se cobre pela guarda do veículo disfarça o custo, que é cobrado de forma embutida no preço das mercadorias.

Assim, é notório que o CDC ocupou-se de trazer a conceituação legal de consumidor, fornecedor, produto ou serviço, as quais deverão ser analisadas antes da solução da lide aventada para que haja a aplicação das previsões consumeristas ao deslinde da causa.

3.3.2.2 A publicidade enganosa segundo o Código de Defesa do Consumidor           

No art. 37, caput, e nos parágrafos 1º e 3º encontra-se expressamente vedada à prática da publicidade enganosa, definindo-a da seguinte forma:

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

§ 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço. (BRASIL, 1990).

Percebe-se que o dispositivo atribui à publicidade enganosa a principal característica de induzir o consumidor ao erro, e merece especial atenção, pois todos estamos sujeitos aos seus nefastos efeitos. Para que haja a caracterização de publicidade enganosa, há que se levar em conta o seguinte critério: deverá ser observado se a mensagem transmitida pode levar o consumidor a tomar por verdadeira a informação falsa transmitida. Se, de outra banda, embora haja informações falsas, estas não possuem potencialidade de serem entendidas como verdadeiras, é considera publicidade lícita, não obstante conter mentiras. (ACQUAVIVA, 1998, p. 54/55).

Veja-se que a publicidade enganosa diz respeito a deturpação de dado essencial ao produto, e este pode ser considerado, nos moldes apresentados por Benjamin (2007, p. 350), como “[...] aquele dado que tem o poder de fazer com que o consumidor não materialize o negócio de consumo, caso o conheça.”

Neste ínterim pontua Coelho (2007, p. 104, grifos do autor) sobre a caracterização de publicidade enganosa:

A publicidade pode ser falsa e não ser necessariamente enganosa. Isso porque o instrumento principal da veiculação publicitária é a mobilização do imaginário do consumidor, com o objetivo de tornar o produto ou serviço desejado. Ora, o fantasioso (necessariamente falso) nem sempre induz ou é capaz de induzir o consumidor em erro. A promoção, por exemplo, de drops, através da apresentação de filme com pessoas levitando ao consumi-lo, implica a veiculação de informações falsas (a guloseima não tem o efeito apresentado), mas evidentemente insuscetível de enganar o consumidor. Não é necessário que exista dolo do fornecedor, para se caracterizar a enganosidade. Esta é aferida de modo objetivo, isto é, a partir do potencial de enganosidade apresentado pelo anúncio.   

Colhem-se informações relevantes do trecho supracitado. Destarte, o exemplo citado pelo autor é muito bem posto. Veiculada uma campanha publicitária onde após ingerir uma bala, o ator levita, não pode ser considerada como enganosa. Veja-se que há falsidade na informação, mas o consumidor, salvo algum telespectador menos avisado, não considerará tal mensagem verdadeira.

Outra passagem importante diz respeito ao dolo da exposição da mensagem enganosa. Importante destacar que o dolo, neste caso, pouco importa para a esfera cível, sendo fator relevante somente quando a área penal é abordada. Confirmando tais entendimentos, cita-se Chaise (2001, p. 34/35, grifos do autor):

Como se depreende do artigo citado, a intenção culposa ou dolosa do fornecedor (anunciante, agência ou veículo) é irrelevante para caracterizar a publicidade enganosa; somente no âmbito penal se torna necessário o dolo para caracterizar o crime de publicidade enganosa. [...]

Para se determinar se a publicidade é ou não enganosa, deve-se tomar como parâmetro o “consumidor médio”, de conceito mutável e de difícil definição, tendo em vista que o público-alvo da mensagem publicitária não é sempre o mesmo. A alegação falsa pode ser claramente mentirosa para os consumidores bem informados e atentos, mas seu caráter enganoso não é suprimido em face dos consumidores desinformados, inexperiente ou menos atentos.  

Todavia, a publicidade enganosa não acontece somente com a veiculação de mensagens enganosas, mas também com a omissão de dados referentes ao produto ou serviço que sejam capazes de frustrar o negócio jurídico se fossem divulgados. Obviamente que seria  contra-senso exigir que no pequeno lapso temporal ou no pequeno anúncio vinculado fossem repassadas todas as informações pormenorizadas do produto ou serviço, contudo, as informações essenciais, estas entendidas como aquelas que podem levar o consumidor a não concluir o negócio, são de apresentação obrigatória. (BENJAMIN, 2007, p. 347).

Exemplificando a ocorrência de publicidade enganosa, interessante trazer a tona o Acórdão prolatado no Recurso Cível nº 71002666576, da Primeira Turma Recursal, com Relatoria do Desembargador Ricardo Torres:

CONSUMIDOR. PUBLICIDADE ENGANOSA. ANÚNCIO DE CURSO DE "LEITURA DINÂMICA" GARANTINDO RESULTADOS INATINGÍVEIS. DIREITO À RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS PELO CURSO. DANO MORAL CARACTERIZADO. Sendo legítima a expectativa do autor de que obtivesse, através de Programa Integral de Leitura oferecido pelo réu, condições de ler 2.000 palavras por minuto, com 100% de retenção, e vendo frustrada tal expectativa pela inatingibilidade da meta prometida, responde o réu pelos prejuízos causados. Publicidade enganosa, prometendo a leitura de "200 páginas em 20 minutos com 100% de compreensão e retenção". Indenização dos danos materiais equivalentes aos valores despendidos com o curso e fixação da indenização dos danos morais em quantia módica. Recurso provido. (TJRS - Recurso Cível Nº 71002666576. Relator: Des. Ricardo Torres Hermann. Órgão Julgador: Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais. Data do julgamento: 09 set. 2010).

Naqueles autos, a celeuma residia no fato de o consumidor receber uma garantia, após mensagem publicitária ter afirmado que conseguiria ler duas mil palavras por minuto, compreendendo completamente o texto e retendo as informações por ele transmitidas, acreditou que poderia atingir tal resultado e contratou o serviço. O Tribunal reconheceu a evidente enganosidade da mensagem, bem como que o autor adquiriu tal curso somente por acreditar que conseguiria atingir tal nível de leitura. Reconhecida a abusividade, foi declarada a rescisão do contrato estabelecido entre as partes e condenada a fornecedora  à restituição dos valores pagos e a indenizar moralmente a parte consumidora.

Neste pensar, há caracterização de publicidade enganosa quando, de maneira omissiva ou comissiva o consumidor não tem acesso às reais propriedades do produto ou serviço anunciado, sendo que esta deve ser coibida a fim de evitar que o consumidor seja induzido ao erro e adquira produtos ou contrate serviços de maneira equivocada, o que certamente lhe ocasionará danos.           

3.3.2.3 A publicidade abusiva segundo o Código de Defesa do Consumidor

Apesar de o CDC não trazer uma definição específica quanto a publicidade abusiva, ele trouxe além de sua proibição, um rol exemplificativo no parágrafo 2º do art. 37 do CDC, da seguinte forma:

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. (BRASIL, 1990).

Chaise (2001, p. 40) mostra que “Ao vedar a publicidade abusiva, o CDC pretendeu coibir a prática atentatória a regras morais, bons costumes, direitos e liberdades individuais, resguardando, desta forma, princípios de ordem superior.” Isto é, houve prevenção de publicidades que pudessem promover qualquer forma de atentado moral ao público, que ofendessem os telespectadores de alguma forma.

Também, como já foi destacado acima, não há uma definição legal de publicidade abusiva, mas esta não tem relação ao produto ou serviço, mas com o caráter da propaganda, ao passo que uma mesma campanha poderá ser abusiva e enganosa ao mesmo tempo, situação esta que vem explicada nas palavras de Nunes (2008, p. 514):

O caráter da abusividade não tem necessariamente relação direta com o produto ou serviço oferecido, mas sim com os efeitos da propaganda que possam causar algum mal ou constrangimento ao consumidor.

Daí decorre que se pode ter numa mesma publicidade um anúncio enganoso e ao mesmo tempo abusivo. Basta que o produto ou serviço dentro das condições anunciadas não corresponda àquilo que é verdadeiro e que o anúncio preencha o conteúdo proibido de abusividade.

Percebe-se a diferença havida entre a publicidade enganosa e abusiva na medida que aquela tem como intento principal ludibriar o consumidor e esta afigura-se como um abuso da comunicação social. O fornecedor tem incontáveis formas de divulgar o seu produto ou serviço, bem como incontáveis conteúdos, imagens e mensagens a transmitir para o público, não podendo anunciar uma campanha que agrida valores que o telespectador leva consigo. Sempre que o fornecedor promove produto ou serviço em contrariedade aos valores sociais, incorrerá na publicidade ilícita na forma abusiva. (ACQUAVIVA, 1998, p. 55).

Segue a citação de Coelho (2007, p. 104) mostrando que a publicidade abusiva pode ser definida como:

[...] aquela que agride os valores sociais. O fabricante de armas não pode promover o seu produto reforçando a ideologia da violência como meio de resolução de conflitos, ainda que esta solução resultasse eficiente, em termos mercadológicos, junto a determinados segmentos da sociedade, inclusive os consumidores de armamentos. Também é abusiva a publicidade racista, sexista, discriminatória e a lesiva ao meio ambiente. Na avaliação da abusividade, no entanto, é necessário não confundir agressão a valores sociais com desconfortos derivados de problemas pessoais. O palavrão, a nudez, o erotismo não são necessariamente abusivos, dependendo do contexto de sua apresentação pelo anúncio.

Para exemplificar a publicidade abusiva, colhe-se de recente julgado do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, exarado na Apelação Cível n. 2008.011789-7, de relatoria do Desembargador Newton Janke:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CAMPANHA PUBLICITÁRIA DE MARCA DE ROUPAS. SUSPENSÃO DA SUA VEICULAÇÃO EM TODO O TERRITÓRIO NACIONAL E DANOS MORAIS DIFUSOS. DIREITO DO CONSUMIDOR. PROPAGANDA ABUSIVA (ART. 37 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR). CÓDIGO BRASILEIRO DE AUTORREGULAMENTAÇÃO. OUTDOORS COM IMAGENS DE OSTENSIVO APELO SEXUAL. DEMANDA AFORADA NA CAPITAL DO ESTADO. SENTENÇA COM EFICÁCIA NACIONAL. DANO MORAL COLETIVO. DESCABIMENTO. DISSENSO PONTUAL DO RELATOR. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. EXEGESE DO ART. 18 DA LEI Nº 7.347/85.

1. Por contender com a pauta axiológica de valores sociais e morais do homem médio, é abusiva a campanha publicitária, veiculada em outdoors expostos ostensivamente nas vias públicas, que, como apelo ao consumo de peças de vestuário, apresenta fotografias em que modelos, com pouco ou nenhum traje, se apresentam em situações sugestivas da prática de intercâmbio sexual.

2. "Não parece ser compatível com o dano moral a idéia da "transindividualidade" (= da indeterminabilidade do sujeito passivo e da indivisibilidade da ofensa e da reparação) da lesão" (STJ, Min. Teori Albino Zavascki).

3. O vencido na ação civil pública intentada pelo Ministério Público não está sujeito ao pagamento de honorários advocatícios, inexistindo licença legal para que esta verba seja imposta para reverter em proveito do Fundo de Recuperação dos Bens Lesados. (TJSC - Apelação Cível n. 2008.011789-7. Relator: Des. Newton Janke. Órgão Julgador: Segunda Câmara de Direito Público. Data de Julgamento: 11 jan. 2011).

Nos autos epigrafados, a controvérsia pairava sobre alguns outdoors publicados pela empresa Ellus Indústria e Comércio Ltda., para divulgar seus produtos. Explica o acórdão que as imagens exibidas eram compostas por dois jovens, sendo uma figura masculina e outra feminina, com um fundo de praia, os quais transpassavam a seguinte imagem, segundo o decisum:

As fotografias desses cartazes pedem uma descrição que, embora jamais possa ser capaz de traduzir a volúpia das imagens, é necessária, quando menos, para esclarecer àqueles que a elas não tiveram acesso.

Nas cenas mais expressivas, o panorama é composto por um modelo masculino e por uma modelo feminina, tendo, como pano de fundo, a areia cálida e as águas tépidas de uma praia, sem a presença de outros circunstantes.

Numa das fotografias, o jovem e apolíneo varão, genuflexo, com o jeans emblematicamente semi-arriado e a braguilha ameaçadoramente semi-liberada, contempla, piedosamente, a sua parceira repousando, inteiramente desnuda, sobre areia assediada pelas águas salgadas.

Em outra, já ambientada na água, a modelo está mais recatada: veste agora a calça, mas conserva a nudez da parte superior do corpo, realçada pela visão de um provocante seio que, como o outro que a imagem não revela, se comprime contra o tórax varonil do parceiro que, deitado ao chão, lhe serve de idílico repouso.

Em outras fotografias, mais pudicas, a modelo esparge sua beleza seminua, à luz do cenário marítimo. (TJSC - Apelação Cível n. 2008.011789-7. Relator: Des. Newton Janke. Órgão Julgador: Segunda Câmara de Direito Público. Data de Julgamento: 11 jan. 2011).

Entendeu a Egrégia Corte de Justiça que o apelo sexual transmitido pela campanha configurava abusividade por ter sido vinculada de forma que qualquer pessoa pudesse ter contato a tal campanha, sem qualquer filtro inicial, como poderia ser feito na mídia televisiva, por exemplo, quando o telespectador poderia mudar de canal ou mesmo desligar o aparelho. Estando os painéis em via pública, a mensagem era absorvida por crianças, jovens, adultos e por anciãos, sendo assim tal situação revela a abusividade da mensagem.

Ainda, deixou-se de reconhecer a condenação em danos morais que, embora devida, não havia como delimitar a parte lesada, fenômeno este descrito no acórdão como a transindividualidade.

Neste rumo, denota-se que a publicidade abusiva é aquela que ofende os valores morais, sendo este conceito flutuante e mutável com o passar dos anos. Ademais, uma mesma campanha poderá ser abusiva e enganosa ao mesmo tempo, eis que aquela tem ligação direta ao anúncio e esta ao produto.

Após abordar os aspectos gerais da atividade publicitária, destacando de forma perfunctória suas peculiaridades, seu desenvolvimento e alguns fatos intrínsecos à tal instituto bem como depois de delinear a regulamentação da publicidade, passamos agora à problemática principal do presente trabalho, qual seja quais as limitações à publicidade de bebidas alcoólicas. 

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Sobre o autor
Felipe Rudi Parize

Advogado, inscrito na OAB/SC 32.341, graduado no curso de Direito pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC), em 2011. Especialista em Processo Civil, em 2013 e em Direito e Processo do Trabalho, em 2018, pelo Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina (CESUSC). Secretário Geral da Comissão Estadual do Jovem Advogado da OAB/SC na gestão 2013/2015.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PARIZE, Felipe Rudi. Os limites para a publicidade de bebidas alcoólicas à luz do Direito contemporâneo brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4154, 15 nov. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30030. Acesso em: 29 mar. 2024.

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