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O Direito Comercial e o novo Código Civil brasileiro

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01/07/2002 às 00:00
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5. Conclusão

Questiona-se se a inserção das normas fundamentais do direito comercial no Código Civil levaria a extinção do direito comercial no país, ou seja, se essa disciplina jurídica perderia a sua autonomia jurídica e também a didática com a vigência do novo Código Civil. Surpreendentemente, o fato da matéria comercial estar prevista no Código Civil, para alguns, seria suficiente para a absorção das normas comerciais pelo direito civil, o que prejudicaria o futuro do direito comercial, já que o seu conteúdo passaria para o direito civil. Nada mais equivocado que entendimento semelhante ou igual a este.

Conforme apresentado ao longo do presente artigo, a unificação legislativa realizada trata-se de questão de organização do legislador e em nada afeta a autonomia de determinado ramo do direito. O direito comercial, tenha ou não as suas normas inseridas em um código próprio, sempre terá autonomia jurídica, da qual decorre a autonomia didática. O direito comercial possui método próprio, princípios próprios e uma extensão delimitada, o que evidencia a sua autonomia jurídica.

Com a vigência do novo Código Civil brasileiro o direito comercial continuará como disciplina jurídica autônoma no país, assim como ocorre na Itália e na Suíça, países em que o direito privado foi unificado sob o aspecto legislativo. O Código Civil de 2002 não atribui aos civilistas a necessidade cogente da ampliação de seus estudos somente pelo fato de possuir normas de natureza comercial. A matéria comercial e a matéria civil não se confundem no novo Código Civil, a teoria da empresa não extingue a dicotomia do direito privado tradicional, amplia, isso sim, a abrangência do direito comercial ao alterar os limites de incidência das normas comerciais, que passam a tratar de atividades econômicas anteriormente destinadas ao regime civil pela teoria dos atos de comércio.

A autonomia jurídica do direito comercial é assegurada pela Constituição Federal, que no art. 22, I, prevê que "Compete privativamente à União legislar sobre: I. direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho". Ao dispor sobre o rol de competências legislativas privativas da União o dispositivo constitucional separa claramante o direito civil do direito comercial, impedindo que normas inferiores contrariem as autonomias das disciplinas jurídicas mencionadas.

O novo Código Civil, embora mostre-se de grande importância para o direito comercial por constituir um marco para a evolução desse disciplina jurídica no Brasil, não altera de forma significativa o conteúdo do direito comercial no país, já que, conforme se destacou, o novo Código Civil deixa de disciplinar muitos temas comerciais. A exemplo do que ocorria com o Código Comercial de 1850, o estudo do direito comercial na vigência do novo Código Civil não será concentrado nesse diploma legal, destacando-se a importância da legislação especial.

O Código Civil de 2002 será a base para a caracterização do empresário, que também permite a delimitação da matéria comercial segundo a teoria da empresa, contribuindo para a definição da comercialidade das relações jurídicas no país. Outras temas específicos e importantes do direito comercial também são disciplinados no novo Código, como o estabelecimento empresarial, o nome empresarial, a sociedade limitada, a sociedade simples e as outras sociedades empresárias de menor importância previstas no Livro II, além de alguns contratos que interessam aos empresários.

Os temas de direito comercial não disciplinados no novo Código Civil, que integram o conteúdo programático dessa disciplina jurídica nas faculdades de direito, continuam a ser regidos por leis especiais, que não sofreram alterações com o surgimento do Código Civil de 2002. Assim, o registro de marcas e de desenhos industriais, a patente de invenções e de modelos de utilidade, são tratados pela Lei n° 9.279, de 1996; a sociedade anônima continua a ser regida pela Lei n° 6.404, de 1976; os títulos de crédito típicos continuam disciplinados pela legislação correspondente (letra de câmbio e nota promissória - Dec. n° 2.044, de 1908 e Dec. n° 57.663, de 1966, cheque – Lei n° 7357, de 1985, duplicata – Lei n° 5.474, de 1968), a concorrência desleal é disciplinada pela Lei n° 9.279, de 1996, enquanto a Lei n° 8.884, de 1994, disciplina a livre concorrência, tratando das infrações à ordem econômica e do controle dos atos de concentração empresarial no país, a falência e a concordata permanecem disciplinadas pelo Dec.-Lei n° 7.661, de 1945.

Em relação ao Registro Público de Empresas Mercantis, embora o novo Código apresente alguns dispositivos referentes à inscrição do empresário, o registro realizado nas Juntas Comerciais permanece disciplinado pela Lei n° 8.934, de 1994, regulamentada pelo Dec. n° 1.800, de 1996. As operações e as ligações societárias, responsáveis pela transformação da espécie societária ou de sua estrutura, compreendendo a transformação, incorporação, fusão e cisão, devem obedecer ao regime do Código Civil de 2002 caso não envolvam sociedades por ações. Se envolver sociedades por ações (sociedade anônima e sociedade em comandita por ações), deve-se aplicar a disciplina da Lei n° 6.404, de 1976 (Lei das Sociedades Anônimas). Se a operação é a cisão total, independentemente da espécie societária envolvida, aplica-se a Lei n° 6.404, de 1976, conforme o entendimento de Fábio Ulhoa Coelho (COELHO, 2002, v.2, p.478).

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A Parte Primeira do Código Comercial, que será expressamente revogada pelo Código Civil de 2002, trata das obrigações comerciais e disciplina algumas espécies de contratos mercantis (mandato mercantil, comissão mercantil, compra e venda mercantil, entre outros). O novo Código Civil unificou as obrigações comerciais e as obrigações civis no Livro I da Parte Especial (Do Direito das Obrigações) e disciplina alguns contratos de interesse dos empresários, como o contrato de compra e venda, comissão, agência e seguro, mas não disciplina outros importantes contratos empresariais, como, por exemplo, o contrato de leasing, representação comercial autônoma, franquia, factoring, locação empresarial e licença de direito industrial.

O novo Código Civil brasileiro, sob a perspectiva do direito comercial, é importante por ser o marco inaugural de uma nova fase dessa disciplina jurídica no país, muitas vezes desprestigiada pela existência do Código Comercial de 1850. O grande trunfo do Código Civil de 2002 em relação ao direito comercial foi a adoção da teoria da empresa, que se mostra mais adequada às atuais conjunturas econômicas e permite a ampliação da abrangência do direito comercial no país, tornando-o mais importante. Ao contrário do que a unificação legislativa realizada possa sugerir, o direito comercial não perdeu seu brilho com a inserção de suas normas fundamentais ao lado das normas civis num mesmo Código, pelo contrário. A unificação legislativa representa critério de organização do legislador e foi apenas parcial, não alcançando todos os temas da vida empresarial. Por ironia, a evolução do direito comercial e a consequente ampliação de sua importância no país decorreram do surgimento do Código Civil.


Referências bibliográficas

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Sobre o autor
Marcelo Gazzi Taddei

Advogado na área do Direito Empresarial. Parecerista. Administrador judicial em processo de Recuperação Judicial. Professor de Direito Empresarial, Direito do Consumidor e Direito Civil I na UNIP de São José do Rio Preto (SP). Professor da Escola Superior de Advocacia - ESA de São José do Rio Preto (SP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TADDEI, Marcelo Gazzi. O Direito Comercial e o novo Código Civil brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 57, 1 jul. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3004. Acesso em: 18 abr. 2024.

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