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A importância da "due diligence" de propriedade intelectual nas fusões e aquisições

(Debaixo dos caracóis dos seus cabelos)

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01/08/2002 às 00:00
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Um dia a areia branca / seus pés irão tocar
e vai molhar seus cabelos / a água azul do mar
Janelas e portas vão se abrir / prá ver você chegar
e ao se sentir em casa, sorrindo vai chorar.
Debaixo dos caracóis dos seus cabelos
uma história prá contar / de um mundo tão distante
debaixo dos caracóis dos seus cabelos
um soluço e a vontade / de ficar mais um instante.
Roberto Carlos/Erasmo Carlos


De alguns anos para cá, questões legislativas e judiciais envolvendo aspectos de propriedade intelectual vem se destacando cada vez mais, ganhando considerável espaço no mundo dos negócios e até mesmo nas manchetes dos principais jornais do país. No setor farmacêutico, por exemplo, a disputa entre os Estados Unidos e o Brasil envolvendo as licenças compulsórias e a exigência de fabricação de certos produtos farmacêuticos no território nacional se tornou tópico de grande importância no noticiário político nacional. Na biotecnologia e na área científica, os pesquisadores brasileiros cada dia mais buscam uma recompensa justa para suas pesquisas, dimensionando-as para a concessão de patentes, ao invés apenas do reconhecimento acadêmico.

Situação semelhante ocorre em outros setores da economia, como nos de telecomunicações, esporte e energia, onde se nota cada vez mais que proteger, desenvolver ou adquirir inovações tecnológicas podem fazer a diferença num mercado globalizado e altamente competitivo. E falando em economia globalizada, o crescimento de setores da chamada "nova economia" e o desenvolvimento da Internet e do E-commerce valorizou os ativos intangíveis das empresas, e alertou muitas delas para o desenvolvimento de políticas de gerenciamento de propriedade intelectual.

Esta tendência do mundo empresarial também se reflete na economia brasileira. Diversos setores estão sendo totalmente reformulados, tendo em vista uma "avalanche" de fusões e aquisições de empresas brasileira, capitaneada por companhias estrangeiras que desejam se fixar em nosso promissor mercado. Neste cenário globalizado, as empresas nacionais se transformaram também em mercadorias, e despertam o interesse de empresários que pretendem estender suas atividades ao Brasil através de joint ventures, investimentos e operações de compra envolvendo empresas locais.

Operações de fusões, aquisições ou financiamentos são geralmente precedidas de uma criteriosa avaliação da instituição prospectada, visando evitar que passivos ocultos comprometam o negócio. Tais procedimentos são conhecidos como "due diligence", e as bancas de advocacia que prestam este serviço geralmente dão ênfase à análise dos aspectos societários, trabalhistas e fiscais, que consideram como os principais, relegando outras áreas a um segundo plano.

O objetivo principal deste artigo é desmistificar a idéia, ao nosso ver errônea, de que a propriedade intelectual é matéria acessória, em se tratando de fusões e aquisições de empresas. Hoje em dia, não é mais possível enxergar o Direito da Propriedade Intelectual como uma área subsidiária, distante do Direito Empresarial moderno. Pelo contrário, seu estudo ganha importância na maior parte das operações de fusão ou aquisição, tanto que um descuido na análise de seus aspectos relevantes pode trazer conseqüências desastrosas.


I - A Importância da Propriedade Intelectual no mundo dos negócios

Os profissionais de propriedade intelectual, estão vivendo um momento sui generis. Nunca o meio empresarial esteve tão antenado com a necessidade de se proteger devidamente as criações intelectuais e obter lucro destes ativos. O gerenciamento de propriedade intelectual deixou de ser um assunto limitado à seara do especialista, e ganhou destaque em setores como a administração de empresas e a gestão estratégica de negócios.

Apenas para melhor ilustrar a afirmação acima, a publicação norte-americana MBA Jungle, direcionada para estudantes e profissionais de administração, recentemente promoveu uma interessante pesquisa entre diversos professores de cursos de MBA, administradores e diretores das maiores empresas dos EUA para identificar quais foram os "25 maiores erros corporativos do mundo" [1]. Surpreendentemente, dentre os principais erros abordados nesta pesquisa, alguns diretamente relacionados à propriedade intelectual tiveram destaque:

- O fato da produtora de cinema 20th Century Fox não ter se interessado em reter os direitos de licenciamento e merchandising de produtos associados ao filme "Guerra nas Estrelas", bem como de suas possíveis seqüências. Aceitou repassar os mesmos, gratuitamente, ao produtor do filme, George Lucas;

- Em 1981, a IBM, preocupada com acusações de formação de monopólio no setor de computadores, preferiu não adquirir a licença exclusiva do sistema operacional MS-DOS, oferecida por um jovem Bill Gates e desenvolvida por uma pequena empresa chamada Microsoft. Sem exclusividade, a Microsoft ofereceu o referido sistema às concorrentes da IBM, o que possibilitou as bases do seu crescimento, e o declínio da IBM no desenvolvimento de software para computadores pessoais.

- Em 1984, a Apple Computers, após criar o computador pessoal Macintosh [2], decidiu não conceder licenças aos possíveis concorrentes que desejavam fabricar computadores compatíveis, acreditando poder lucrar mais com a exclusividade. Acabou vitima de sua própria ganância, pois enquanto os consumidores adquiriam a preços competitivos computadores baseados na arquitetura dos PCs, desenvolvida pela IBM e licenciada para uma miríade de empresas, a única opção para comprar um Macintosh era através da Apple, cujos preços eram bem mais caros. Em pouco mais de uma década, a dominância dos PCs consolidou-se, enquanto só restou para a Apple um nicho do mercado de computadores pessoais [3]. E como a arquitetura do sistema operacional gráfico dos Macintosh era realmente inovadora, uma "cópia" do mesmo acabou sendo desenvolvida também para os PCs por uma outra empresa, e levou o nome de "Windows".

- A Xerox Corporation, durante anos, manteve um centro de pesquisas em Palo Alto, na Califórnia. Nos anos 70, pesquisadores deste centro desenvolveram não apenas a interface gráfica para sistemas operacionais (precursora tanto do sistema Windows como do Macintosh), mas também o mouse, a impressora laser e alguns conceitos básicos sobre redes de computadores [4]. Por não terem uma estratégia de pesquisa e desenvolvimento de produtos atrelada à propriedade intelectual, executivos da Xerox preferiram ignorar tais criações, concentrando seus esforços nas fotocopiadoras que, à época, geravam mais lucro para a empresa. Sendo assim, não se importaram quando os jovens Steve Jobs, da Apple, e Bill Gates, da Microsoft, foram conhecer as tecnologias desenvolvidas pelos pesquisadores da Xerox, que as apresentaram sem qualquer cuidado com confidencialidade ou patenteamento. Invenções deixadas de lado por não serem lucrativas, mas que se tornaram muitíssimo lucrativas no futuro, nas mãos destas outras empresas para quem eles gentilmente as apresentaram.

A importância que hoje é dada pelos renomados professores de administração de empresas aos fatos acima não é fruto do acaso. Afinal, o desenvolvimento de políticas de gestão de patentes é tema de muitos estudos e livros de negócios [5] que concluem, em um quase uníssono, que a propriedade intelectual assume papel de destaque nos modernos métodos de gestão empresarial. Trata-se do reconhecimento de que a proteção da propriedade intelectual precisa, cada vez mais, ser tratada como um ativo estratégico, uma vantagem competitiva para qualquer empresa.

Portanto, nada mais atual que discutir a propriedade intelectual sob um ponto de vista tanto negocial como jurídico, especialmente quando analisamos ramos de negócio cuja atividade principal está baseada na exploração do conhecimento tecnológico e em ativos intangíveis tais como patentes e marcas.


II- A due diligence no meio empresarial

Apesar de muitos profissionais associarem o termo "due diligence" a procedimentos de auditoria legal e financeira que envolvem fusões, reorganizações societárias, aquisições, e investimentos, pouco se comenta sobre o surgimento desta atividade e os motivos que a tornaram essencial na prática empresarial moderna. Alguns remontam sua origem nos Estados Unidos, mais precisamente após a promulgação do Securities Exchange Act de 1933, e a instituição de regras sobre a responsabilidade de compradores e vendedores na prestação de informações, em procedimentos de aquisição de empresas [6].

Outros autores como LAJOUX e ELSON [7] remontam a origem das "due diligences" a tempos mais antigos : Teria sido desenvolvida a partir de um conceito do Direito Romano: "diligentia quam suis rebus" (diligencia de um cidadão em gerenciar suas coisas) que foi trazido para a Common Law e já era adotado em decisões judiciais antigas. Porém, o conceito foi melhor depurado apos decisões de Cortes norte-americanas, se tornando então aceito no ordenamento juridico-comercial norte americano.

Independentemente de suas origens, foi mesmo na prática empresarial que a "due diligence" ganhou forma e se tornou um procedimento comum no mundo inteiro. Uma consequência da autonomia da vontade das partes que, fixando livremente certas práticas, criaram este mecanismo que garante ao adquirente ou investidor a possibilidade de realizar uma investigação prévia sobre a empresa a ser adquirida ou que receberá investimentos (e que doravante será denominada "empresa-alvo"). Por isso mesmo, é utilizada nas mais diversas circunstâncias, tanto em operações envolvendo fusões e aquisições de negócios como no planejamento de reestruturações societárias, operações financeiras complexas, processos de privatização de empresas estatais, dentre outros (doravante denominadas de "transação" ou "transações").

II-a) O que é, afinal, uma "due diligence" ?

Expressão de origem anglo-saxônica, "due diligence", se traduzida literalmente, significaria "devida cautela ou diligência" [8]. Porém, é difícil trazer uma definição precisa que possa abarcar a amplitude de uma "due diligence" jurídica, visto que seu escopo depende inteiramente da transação comercial que a motiva. Mesmo assim, o excelente trabalho de MORI nos traz uma boa definição de "due diligence", interpretada no contexto jurídico brasileiro: "Atualmente, usa-se a expressão due diligence para definir o que, resumidamente, consiste no procedimento sistemático de revisão e análise de informações e documentos, visando à verificação - sob um escopo predefinindo - da situação de sociedades, estabelecimentos, fundos de comércio ou de parte significativa dos ativos que os compõem" [9]

Embora a "due diligence" tenha surgido para resguardar as partes em litígios pós-compra ou fusão, especialistas como o português CORREA DE SAMPAIO a reconhecem como uma medida de caráter preventivo: "A due diligence é um procedimento de análise levado a cabo normalmente pela compradora com a colaboração da vendedora e tem por finalidade verificar e avaliar a situação das empresas e/ou dos negócios a transaccionar, seja para determinação do real valor das empresas e seus activos, verificação do funcionamento da empresa e do cumprimento das regras legais, avaliação dos riscos inerentes, garantias a prestar, determinação de responsabilidades ou outras, consoante cada caso concreto. Due diligence significa, numa óptica jurídica, o que fazer para verificar que o objecto da operação pode ser transacionado legitima e livremente e apresenta as características e tem o valor que o vendedor lhe atribui, bem como para garantir, tanto quanto possível, o regular cumprimento de obrigações legais ou contratualmente assumidas, prever riscos e definir a sua partilha pelas partes, definir garantias e evitar eventuais situações de incumprimento" [10].

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O processo de "due diligence" não existe como figura jurídica autônoma na legislação pátria. Assim, é melhor entendê-la como uma metodologia que, antes de tudo, é fruto da prudência e do bom senso das partes, e não uma obrigação legal. Em poucas palavras, uma "due diligence" é a prova incontestável de que a velha máxima popular "mais vale prevenir que remediar" é verdadeira.

II b) Os Procedimentos de "due diligence"

A realização de uma "due diligence" é uma opção das partes, e pode ser útil em diversos níveis e momentos de uma negociação ou transação. Via de regra, seu ponto de partida é o período de entendimentos iniciais entre as partes e, dependendo do tamanho da transação e das contingências encontradas, pode ser demorada, envolver prazos exíguos e um custo altíssimo para a parte que solicita o serviço (doravante denominada de "encomendante").

Porém, tais dados geralmente são de conhecimento das partes, a quem cabe acordar os termos e condições nas quais a "due diligence" será desenvolvida. Quanto às consequências que decorrerão de seus resultados, geralmente dependem dos interesses da empresa encomendante do serviço.

Algumas das práticas elencadas abaixo são características nos mais diversos procedimentos de "due diligence":

1.Declaração de intenção do comprador. Esta fase inicial envolve a celebração de um acordo preliminar de compra (conhecido como "Engagement Letter") ou uma Carta de Intenções preliminar. É onde são determinadas as regras da "due diligence", através de um documento que indica normas e temas estratégicos importantes, tanto para o potencial vendedor como para o comprador, bem como aborda aspectos como confidencialidade [11], direitos de preferência no negócio [12], dentre outros. Sendo um acordo que formata uma negociação que se dará entre as partes, não existe como enumerar com precisão o que deve constar neste documento. O bom senso das partes é o que prevalece. Geralmente uma "Engagement Letter" vem acompanhada da prestação de diversos "Representations and Warranties" por parte do vendedor, uma parte importante de seu conteúdo [13].

2.Envio de "Check List". Documento que geralmente é preparado pelos advogados contratados para realizar a "due diligence", listando as informações que deverão ser disponibilizadas pela empresa-alvo. Um "check list" pode até mesmo incluir perguntas diretas, e geralmente é entregue aos diretores da empresa-alvo pouco depois da assinatura da "Engagement Letter";

3.Fornecimento e/ou obtenção das informações. Após o recebimento do "check list", inicia-se a fase mais árdua da "due diligence", que envolve a revisão das informações passadas pela empresa-alvo, bem como a pesquisa e coleta de dados complementares. Pode ser efetuado através da consulta em bases de dados públicas (como o site do INPI [14]), da análise dos documentos entregues pela empresa-alvo, dentre outros. Os documentos podem ser disponibilizados em local determinado, que no jargão negocial, é conhecido como "data room", uma opção que garante maiores cuidados quanto ao sigilo e segurança dos documentos [15].

4.Consolidação das informações Após a análise dos dados coletados pelas equipes de advogados, um extenso relatório é preparado, nos moldes solicitados pela contratante do serviço e seguindo os padrões adotados pelos advogados responsáveis.

5.Entrega do relatório final de "due diligence". Este relatório poderá ser utilizado pelo encomendante diretamente na mesa de negociações, ou ser criteriosamente analisado pelo mesmo ao avaliar a viabilidade da transação. A partir dai, caberá a ambas as partes continuar as negociações até a assinatura de um acordo final.

O objetivo de grande parte das "due diligences" jurídicas pode ser resumido de maneira simples: É como se a missão do advogado fosse "tirar um retrato" da empresa-alvo, avaliando todos os riscos legais inerentes ao seu negócio. E as vantagens deste "retrato" superam em muito qualquer prestação de garantias por parte da empresa-alvo. Afinal, a identificação e análise de contingências por uma empresa independente, e num momento anterior à conclusão de qualquer transação, favorece a empresa interessada, permitindo renegociar o preço final, identificar problemas a serem resolvidos após a concretização do negócio, ou mesmo exigir maiores garantias por parte do vendedor. Assim, pode avaliar, no momento certo, se as condições e o preço sugeridos pela empresa-alvo são realmente justos.

O "timing" de uma "due diligence" também é muito importante. Geralmente, a empresa-alvo fará o máximo para que o procedimento seja encerrado com a máxima brevidade, de modo que não implique em um atraso no fechamento do negócio (uma fase também conhecida como "closing"). Do outro lado, o encomendante da "due diligence" quer se precaver o máximo possível, e tentará iniciar os trabalhos antes mesmo de assinar uma eventual carta de intenções [16]. Em alguns casos, ele utilizará a "due diligence" até mesmo para ganhar tempo e decidir sobre o negócio, não se importando com a eventual pressa da empresa-alvo. [17]

A abrangência dos seus resultados também é um assunto polêmico. Alguns especialistas entendem que relatórios de "due diligence" devem destacar, impreterivelmente, a análise da situação fiscal e tributária da empresa, uma avaliação de seu passivo processual (inclusive reclamações trabalhistas e processos administrativos), bem como examinar as operações financeiras realizadas. Ao nosso ver, visto que o advogado avalia aspectos de um negócio do qual jamais participou diretamente, todas as pendências legais em uma reorganização societária devem ser observadas com a mesma atenção e detalhe. Assim, o bom relatório de "due diligence" deve destacando não só os aspectos relevantes da prática do escritório contratado, mas os da empresa-alvo e de sua indústria, incluindo a análise de todos os ativos importantes da empresa, até mesmo os bens de propriedade intelectual.


III- A due diligence de propriedade intelectual

Num mercado dominado pela informação e tecnologia, a importância de uma companhia está cada vez mais baseada no valor que seus ativos intangíveis podem atingir. Desenvolver, gerenciar e utilizar estrategicamente estes ativos se tornou matéria fundamental para as empresas verdadeiramente antenadas com o futuro e, mais que nunca, as atenções do meio empresarial estão se voltando para a propriedade intelectual como ferramenta estratégica para garantir a melhor utilização destes bens intelectuais.

Porem, a preocupação dos empresários e investidores com propriedade intelectual passa, geralmente, por apenas duas abordagens: Por um lado, existe o dever e o interesse em proteger o maior número de invenções, marcas e outros ativos incorpóreos. De outro, a preocupação em não infringir os direitos de terceiros, e poder identificar quem está infringindo os seus. Assim, na maior parte das "due diligence" jurídicas preparadas por bancas de advocacia empresarial, os aspectos de propriedade intelectual são abordados de modo raso, tão somente identificando os bens intelectuais existentes e, se possível, avaliando sua situação atual.

O uso de procedimentos mais detalhados para analisar aspectos de propriedade intelectual nas "due diligences" não é muito difundido no Brasil. Poucas bancas nacionais estão realmente capacitadas para fazer análises mais criteriosas sobre o assunto, e as auditorias preventivas oferecidas no mercado são, além de muito raras, prestadas por profissionais sem formação técnica e, em alguns casos, até sem o necessário cuidado ético. [18].

Alguns meses atrás, ao noticiar a compra de um tradicional periódico carioca, a mídia especializada em finanças e negócios alardeou com grande surpresa que a maior preocupação do grupo comprador era adquirir apenas a marca do jornal, e que o resto do patrimônio da empresa seria apenas uma "contingência a ser absorvida". Os compradores até efetuaram uma cuidadosa análise da situação das principais marcas da empresa-alvo junto ao INPI, inclusive quanto à penhora das mesmas, antes mesmo de iniciar qualquer negociação com os donos do periódico.

Portanto, a "due diligence" de propriedade intelectual não deve ser vista como algo inusitado em diversos procedimentos de fusão ou aquisição. Afinal, não é mais incomum que o principal interesse da empresa compradora possam ser adquirir marcas que lhe garantam uma fatia do "market share", ou invenções patenteadas que lhe possibilitariam fabricar um produto ou melhor desenvolver determinada tecnologia.

IIIa) Fundamentos das "due diligences" de propriedade intelectual

Como já vimos anteriormente, uma "due diligence" envolve a identificação e análise dos ativos de propriedade intelectual da empresa-alvo de uma fusão, aquisição ou outro tipo de negociação. E no âmbito da propriedade intelectual, tal procedimento tem como base quatro questões-chave :

1.Qual o tamanho e a força do portfolio de propriedade intelectual da empresa-alvo ?

2.Quais são as possíveis contingências envolvendo este portfolio que podem gerar riscos, tanto para o bom andamento do negócio como para o comprador ?

3.É possível identificar se a empresa-alvo tem uma política de proteção dos seus ativos intangíveis ? A empresa-alvo protege devidamente seus ativos intelectuais ??

4.A empresa-alvo utiliza tecnologias, marcas e/ou programas de computador licenciados de terceiros ? Em que situação legal encontram-se tais licenças ? São elas fundamentais para o desenvolvimento do negócio ?

Dependendo do cliente e de seus objetivos, é claro que uma "due diligence" pode enfatizar alguns aspectos específicos: Porém, na fase de Declaração de Intenções do comprador, e na celebração de acordos preliminares, é crucial ter em mente os pontos acima, pois não é interessante que as regras de uma "due diligence" criem entraves complexos que impeçam a realização do trabalho.

IIIb) Identificando ativos de propriedade intelectual

Numa "due diligence" de propriedade intelectual, o processo de identificação de ativos e análise de sua situação legal (que se inicia a partir da preparação e do envio do "check list" ou da abertura do "data room") não é diferente do que ocorre em quaisquer outras "due diligences" legais. Os métodos para a obtenção destas informações também envolvem a compilação e análise de documentos complexos, bem como o uso de todos os métodos lícitos e acordados pelas partes para a obtenção de dados.

Dentre estes possiveis recursos, destacamos :

__Solicitação direta à empresa-alvo de cópias de documentos de patentes, no Brasil e no exterior;

__Solicitação de cópias de certificados de registro de marca, no Brasil e no exterior, bem como cópias de pedidos de registro de marca;

__Obtenção de informações sobre registros declaratórios de direito autoral e de programas de computador;

__Obtenção de cópias de contratos envolvendo licenças de uso de software e quaisquer outros bens intelectuais;

__Consultas nas bases de dados (nacionais e internacionais) de propriedade intelectual, tais como a do INPI [19].

__Compilação e obtenção de informações subjetivas sobre políticas de proteção dos ativos intelectuais da empresa-alvo;

Em nossa prática, reconhecemos que é nesta fase onde aparecem alguns dos entraves mais complexos de uma "due diligence". Isto porque, na obtenção e compilação de dados, muitas vezes descobrimos empresas que nunca organizaram ou gerenciaram de modo sistemático seus ativos de propriedade intelectual. Ademais, em algumas situações a empresa-alvo sequer obteve registros de marca ou patente, e utiliza indiscriminadamente seus ativos intelectuais sem o mínimo cuidado com a proteção dos mesmos.

Assim, é importante que a fase de reconhecimento dos ativos seja conduzida, sempre que possível, do modo mais direto e com o apoio irrestrito da empresa-alvo. Nas "due diligences" em que existe a possibilidade de se requerer documentos diretamente à empresa-alvo, convém deixar a cargo do advogado a preparação das listagens dos dados a serem solicitados e analisados.

As informações obtidas devem ser organizadas e separadas pelo seu nível de importância para o encomendante do relatório final, e os dados disponibilizados no "data room" ou fornecidos pela empresa-alvo sobre cada ativo intelectual devem ser revisados e confirmados. O mesmo procedimento preventivo deve ser adotado na coleta de quaisquer informações subjetivas, pois a empresa-alvo pode acabar omitindo, por má-fé ou puro desconhecimento, dados vitais sobre a existência de problemas envolvendo seu patrimônio intelectual.

A identificação de ativos também pode ser realizada através de entrevistas a diretores, técnicos e especialistas da própria empresa-alvo. Este recurso complementar pode ser muito eficiente para identificar práticas e procedimentos utilizados pela empresa-alvo para a proteção de seu patrimônio intelectual, e que nem sempre são facilmente identificáveis. Uma consulta formal aos agentes de propriedade industrial da empresa-alvo, se autorizada, também pode significar uma redução do tempo a ser dispensado na coleta de dados e informações.

IIIc) Elaborando o relatório final

Considerada por muitos como a fase mais interessante de uma "due diligence", após a fase investigativa inicia-se a elaboração do relatório final, onde o resultado das pesquisas de ativos é devidamente analisado [20] Quase sempre cabe aos advogados mais experientes, com bastante conhecimento específico da área, e envolve as questões eminentemente jurídicas do trabalho.

Nesta fase, já não é imprescindível um entendimento genérico da transação que motivou a "due diligence". O diferencial é saber analisar os dados disponíveis e identificar quais devem figurar no relatório final e com que ênfase, levando em conta a importância que o encomendante do relatório dará para cada aspecto de propriedade intelectual da transação [21]. Ademais, não menos importante é tecer as necessárias considerações sobre todas as contingências identificadas na análise do relatório, em alguns casos até propondo soluções emergenciais.

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Sobre o autor
Dirceu P. de Santa Rosa

advogado no Rio de Janeiro (RJ), mestre em Direito pela The George Washington University (EUA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTA ROSA, Dirceu P.. A importância da "due diligence" de propriedade intelectual nas fusões e aquisições: (Debaixo dos caracóis dos seus cabelos). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3006. Acesso em: 28 mar. 2024.

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