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A importância da "due diligence" de propriedade intelectual nas fusões e aquisições

(Debaixo dos caracóis dos seus cabelos)

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01/08/2002 às 00:00
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IV – Analisando tópicos específicos em uma due diligence de propriedade industrial

Como vimos acima, o relatório final é a fase em que as informações compiladas são analisadas, em vista do interesse do encomendante e das contingências encontradas. Procuraremos nos fixar a seguir nos tópicos que, ao nosso ver, são essenciais em qualquer "due diligence" de propriedade intelectual [22]. Para efeito de metodologia, e como "cada caso é um caso", os pontos abaixo foram divididos e abordados de maneira resumida e modo exemplificativo.

IVa) Marcas e nomes comerciais

Nos termos do artigo 122 da Lei nº 9.279/96, que regula a propriedade industrial no Brasil, dispõe que é registrável como marca todo e qualquer sinal distintivo visualmente perceptível, que permita distinguir produtos ou serviços de outros idênticos, semelhantes ou afins, de origem diversa.

Quando a empresa-alvo é titular de signos altamente reconhecidos no mercado, ou obteve, através de terceiros, direitos de uso sobre os mesmos, um dos aspectos mais importantes da "due diligence" é realizar uma análise integral do seu portfolio de marcas. Para tanto, um exame detalhado da situação atual de cada registro e/ou pedido de registro em nome da empresa-alvo, no Brasil e no exterior, é o passo inicial. A existência de oposições, pedidos indeferidos e recursos também deve ser pesquisada e abordada, sempre que necessário.

Outro tópico importante é verificar, se possível, se as marcas registradas estão em uso regular no seu território de validade (o que evita riscos de caducidade [23]) e se as taxas de registro e prorrogação estão sendo pagas tempestivamente, para que o encomendante possa nao apenas se precaver mas ate mesmo definir quais marcas serao mantidas ou abandonadas. Quanto ao nome comercial, uma análise de pesquisas na Junta Comercial dos estados onde a empresa-alvo está estabelecida, têm filiais ou realiza negócios, é altamente recomendável.

Tópicos adicionais que podem fazer parte de um relatório detalhado incluem ainda uma avaliação dos procedimentos adotados pela empresa-alvo para evitar o uso indevido de suas marcas por terceiros, dados sobre o real valor de mercado dos signos principais da empresa (uma avaliação que é geralmente efetuada por especialistas no assunto [24]). Porem, admitimos que estes temas são mais pertinentes numa auditoria de propriedade intelectual.

IVb) Patentes

Quando a empresa-alvo tem entre suas atividades a pesquisa e o uso de tecnologia em seus principais produtos e serviços, uma parcela significativa do relatório final deve cuidar do portfolio de patentes. A patente é, numa definição breve, um título de propriedade outorgado pelo Estado, por força de lei e em caráter temporário, a um inventor para que este possa excluir terceiros de certos atos relativos à matéria protegida, tais como fabricação, comercialização ou importação, sem sua prévia autorização [25]. Análises semelhantes também podem ser efetuadas com relação a modelos de utilidade e desenhos industriais.

A "due diligence" jurídica de patentes deve então enfatizar a verificação da situação atual de cada uma das patentes depositadas e/ou concedidas à empresa-alvo, bem como analisar se o pagamento das anuidades e outras taxas para a manutenção de cada patente está ocorrendo dentro dos prazos legais [26]. Outros tópicos podem incluir a titularidade dos direitos patentários e os termos de cessão de cada patente por seus respectivos inventores,.

Porém, é importante estudarmos o momento no qual uma análise técnica deve complementar o trabalho do advogado. Um exame mais detalhado de um portfolio de patentes deve ser realizado por profissionais especializados, com sólida formação técnica na área de atuação da empresa-alvo. O escopo de uma patente importante na área química, por exemplo, deve ser examinado por um especialista na área, habilitado em propriedade intelectual, e capaz de um parecer técnico sobre a possibilidade de utilizar dita patente contra um concorrente, ou mesmo verificar sua forca perante tecnologias já existentes e/ou patenteadas. E este tipo de avaliação só pode ser realizado através do exame técnico do teor das reivindicações, com base no relatório descritivo.

IVc) Bens sujeitos à proteção autoral

Tema altamente complexo em qualquer "due diligence", o direito autoral é um exemplo típico de propriedade imaterial. Este instituto visa proteger todo tipo de criações intelectuais do espírito humano, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que venha a ser inventado. Em países que adotam o sistema de "copyright" [27], é habitual a utilização de obras autorais como objeto de negociação ou garantia colateral para pagamento de dívidas e captação de fundos. Astros como David Bowie e James Brown já utilizaram seu repertório com esta finalidade, e as disputas envolvendo Michael Jackson e a Sony Music sobre os direitos de edição do repertório do grupo The Beatles (que dispensa qualquer apresentação), envolvem milhões de dólares, um valioso investimento para qualquer empresa [28]. Daí a importância da abordagem especializada de questões autorais em "due diligence" de propriedade intelectual.

Tendo em vista a natureza incorpórea do direito autoral e que praticamente qualquer trabalho intelectual pode ser objeto de sua proteção, é quase impossível que a empresa-alvo consiga, para uma "due diligence", listar todos os textos e obras de natureza intelectual que esteja autorizada a utilizar em vista das circunstâncias específicas de seu negócio.O ideal é verificar, se possível, quais obras autorais são importantes para a natureza do negócio da empresa-alvo, em vista de seu escopo de atividades.

E partindo destas informações, bem como do material disponibilizado pela empresa-alvo, inicia-se o relatório analisando se as obras mais importantes estão devidamente resguardadas. Em alguns casos, como nas empresas de desenvolvimento de software, a verificação minuciosa deste assunto é imprescindível, em vista da caracterização dos programas de computador como obras autorais perante a legislação brasileira [29].

É importante lembrar ainda que, mesmo que o registro da obra intelectual não seja pré-requisito para garantir sua proteção, o relatório deve indicar se a empresa-alvo tem como prática identificar devidamente os autores de obras intelectuais (e se guarda em seus arquivos estas informações), celebrar termos de cessão de direitos patrimoniais com os autores, bem como auxiliar no registro das obras intelectuais mais relevantes junto aos órgãos competentes [30]. São poucas as companhias que solicitam a todos os seus funcionários criadores de obras intelectuais que assinem termos específicos de cessão, e este risco deve ser bem avaliado [31].

IVd) Segredos de negócio e "know-how"

Outra preocupação que afeta muitos procedimentos de "due diligence", especialmente nas empresas que lidam com desenvolvimento de tecnologia, é a proteção de certos tipos de informações e práticas comerciais que, passíveis ou não de proteção através de direitos de propriedade intelectual, são tão críticas para o negócio da empresa-alvo que é necessário mantê-las em rigoroso sigilo.

Não existe uma definição na lei brasileira do que seja um "segredo de negócio". Mas autores como SILVEIRA o especificam com precisão : "O segredo de negócio consiste em conhecimentos técnicos, experiências, fórmulas, processos de fabricação, métodos, listas e informações de clientes, técnicas de comercialização, marketing, custos, formação de preços e outras espécies de dados confidenciais relativos ao desempenho de atividades empresariais. Em todos os casos, tratar-se-á de um elemento incorpóreo sigiloso suscetível de aplicação prática que confere uma vantagem competitiva a seu detentor enquanto de conhecimento restrito, motivo pelo qual devem ser adotadas medidas protetivas contra a sua revelação" [32]

Em uma "due diligence" de propriedade intelectual, nossa experiência mostra que informações tratadas pela empresa-alvo como segredos de negócio dificilmente são fornecidas aos advogados da encomendante, mesmo que os mais rígidos acordos de confidencialidade sejam celebrados entre as partes. Existe sempre um risco de contaminação tecnológica que nem todos preferem correr e que, como advogados, devemos respeitar.

Porém, o fato do profissional de "due diligence" não ter acesso ao segredo de negocio não deve ser um óbice para que ele analise se o mesmo existe, e como é protegido pela empresa-alvo. Se não é possível identificá-los, o relatório final deve abordar se os segredos comerciais estão devidamente protegidos e se não existe risco de que sejam divulgados ou perdidos caso a empresa-alvo sofra mudanças, ou que seus funcionários-chave a abandonem. O relatório pode também enfatizar se vale ou não a pena buscar uma proteção mais segura para esta tecnologia (através do seu patenteamento, por exemplo), em vista de quaisquer riscos de vazamento da informação.

IIIe) Analisando contratos de licença e outros acordos

Juntamente com a análise do patrimônio intelectual pertencente à empresa-alvo, é importante também examinar a existência de contingências envolvendo ativos intelectuais licenciados de terceiros, ou para terceiros. A interrupção de um importante contrato de licenciamento de patente ou tecnologia em vista de uma reorganização societária da empresa-alvo, por exemplo, pode deixá-la em situação desfavorável e, em alguns casos, ser crucial para que uma transação não se concretize.

Considerando que os contratos a serem destacados no relatório final serão aqueles mais pertinentes ao negócio da empresa-alvo, um tópico específico de qualquer "due diligence" de propriedade intelectual deve abordar este tema, e alguns dos contratos que geralmente são examinados incluem :

__Todos os acordos de licenciamento de marcas, patentes, nomes comerciais e/ou obras intelectuais de natureza autoral em que a empresa-alvo tenha participado, quer como licenciado ou licenciante;

__Contratos que envolvam transferência de tecnologia, nos quais a empresa-alvo seja a licenciadora, com especial atenção aos casos nos quais esteja licenciando tecnologias que também utiliza em seus produtos ou serviços para empresas que atuam no mesmo mercado;

__Acordos que envolvam transferência de tecnologia, nos quais a empresa-alvo seja a licenciada, com atenção aos casos nos quais a empresa-alvo esteja obtendo licenças cujo objeto é essencial para a continuidade de seu negócio;

__Contratos que objetivam a aquisição de conhecimentos e de técnicas não amparadas por direitos de propriedade industrial, depositados ou concedidos no Brasil.

No curso da revisão de todos estes acordos, o trabalho do profissional de "due diligence" acaba ensejando a leitura de inúmeros contratos preparados por outros advogados, em circunstâncias totalmente diferentes das que norteiam a análise encomendada. Tendo em vista que a negociação de cada contrato analisado certamente teve suas particularidades, é sempre importante lembrar que o objetivo de uma "due diligence" não deve ser avaliar a qualidade técnica das cláusulas de cada acordo ou criticar o trabalho de algum colega, mas sim verificar e destacar as disposições contratuais que possam afetar a transação, tais como :

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__Confirmar se todos os acordos examinados permanecem em vigor e, se possível, que nenhuma das partes está em flagrante violação dos termos e condições de cada um dos mesmos. Assim, é necessário identificar qualquer contrato que gere perdas significativas, ou cujas obrigações não estejam sendo cumpridas pela empresa-alvo.

___Verificar se as obrigações de ambas as partes podem ser transferidas para outra empresa ou serem sublicenciadas, e se é necessária aprovação da outra parte para que isto ocorra. Contratos de maior importância contêm, muito freqüentemente, demandas que precisam ser atendidas mesmo em caso de transferência de controle acionário, por exemplo.

___Identificar riscos negociais, desde compromissos mínimos de produção, cláusulas de exclusividade e direitos de preferência até mesmo opções de renegociação ou rescisão do contrato, com especial atenção a quaisquer limitações de responsabilidade ou garantias excessivas estabelecidas contratualmente.

É claro que a profundidade da análise dos contratos que envolvem bens intelectuais depende do interesse da encomendante e, muitas vezes, da boa vontade da empresa-alvo em ceder tais documentos. Em alguns casos, é necessária atenção redobrada ao interpretar cláusulas duvidosas e ambíguas de contratos cujo objeto é vital para o negócio da empresa-alvo [33]. Em outros, é preciso investigar se, nos contratos com fornecedores de tecnologia, o licenciante garantiu contratualmente desde a atualização da tecnologia licenciada até que o fornecimento da mesma não será encerrado caso a empresa-alvo sofra alguma reorganização societária.

Também entendemos ser necessário identificar quais destes contratos necessitam de averbação junto ao INPI e, se tal averbação não ocorreu, indicar se os procedimentos necessários para fazê-lo ainda podem ser devidamente efetuados pela empresa-alvo [34]. Lembrando que nem todos os contratos contratos que envolvem a exploração de ativos intelectuais precisam de averbação [35] mas, quando envolvem o licenciamento de ativos intelectuais do exterior e prevêem o pagamento de royalties, é imperativo examinar se a remessa das respectivas divisas está sendo realizada de modo legítimo, através do Banco Central, e nos termos da Lei nº 4.131/62.

IVf) Analisando pendências judiciais de propriedade industrial

Um outro assunto que pode ser abordado é a situação das pendências judiciais envolvendo marcas, patentes e quaisquer outros ativos de propriedade intelectual da empresa-alvo. Numa "due diligence" jurídica mais ampla, dita verificação seria provavelmente feita pelos advogados que analisam os aspectos do contencioso da empresa-alvo. Eles avaliariam de forma genérica cada litígio, identificando o tipo de ação, o foro competente, sua situação atual e se existe risco de pagamento de indenização pela empresa-alvo

As fontes principais para a coleta destes dados são as certidões forenses e de protestos emitidas em nome do negócio (e de suas filiais), mostrando as ações judiciais nas quais a empresa-alvo está envolvida, como autora ou ré, bem como informações prestadas por seus próprios advogados a respeito de litígios nos quais a empresa participa e emitidas por todos os distribuidores que a jurisdicionam. Convêm lembrar que a ocorrência reiterada de processos semelhantes envolvendo a empresa-alvo provavelmente pode indicar algum procedimento de risco adotado pela mesma e, por isso mesmo, passível de uma revisão ainda mais detalhada.

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Sobre o autor
Dirceu P. de Santa Rosa

advogado no Rio de Janeiro (RJ), mestre em Direito pela The George Washington University (EUA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTA ROSA, Dirceu P.. A importância da "due diligence" de propriedade intelectual nas fusões e aquisições: (Debaixo dos caracóis dos seus cabelos). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3006. Acesso em: 23 nov. 2024.

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