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A proteção ao nome no art. 17 do novo Código Civil e a liberdade de imprensa

01/07/2002 às 00:00
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Recebi da Doutora Cristiana Santos um sério desafio: interpretar o artigo 17 do Novo Código Civil – Lei nº10.406, que, todos sabem, foi promulgada em 10 de janeiro deste ano, e entrará em vigor em 11 de janeiro de 2003.

Destinando-se a um público majoritariamente composto de estudantes de direito, creio que é salutar estabelecer alguns pressupostos metodológicos da interpretação que levarei a termo.

Assim como o jurídico sem prescindir dele não se limita ao normativo [1], o direito civil não se esgota em seu Código.

Toda interpretação é uma construção de significados. Já vai longe a fase exegética que vislumbrava na atividade interpretativa o descobrir do alcance e do sentido das normas, que, preordenadas, cumpria ao jurista apenas o seu revelar. Desvelar a verdade – aletheia – diriam os gregos [2].

Ah, como era bom e calmo o atuar positivista dos juristas, dedicados a desvelar ou quiçá revelar a solução justa, predefinida na norma, momentaneamente encoberta.

Interpretar os códigos então era uma maravilha. Nele todo o direito. Deles extrair a justiça, imbricada em sua positivação legislativa completa, plena, absoluta. O direito civil, em particular, foi, durante muito tempo, o próprio código civil. Na França, por exemplo, houve quem afirmasse que não se ensinava direito civil, ensinava-se o Código de Napoleão.

Os sentidos do jurídico estavam enclausurados nas proposições normativas que os códigos positivavam, porque a interpretação avançava até os limites do desvelamento de cada uma delas, limitado o horizonte às possibilidades do que fora dado pelo legislador.

A estabilidade desse mundo lógico não durou muito tempo. Tão logo os códigos burgueses passaram a ser aplicados, ficou patente que a diversidade da vida social exigia soluções justas para além da normatividade codificada. E se o único problema jurídico verdadeiramente sério é o da justiça, a rapidez das mudanças sociais impôs novas formas de solucionar problemas jamais preordenados pelo legislador. Sem pretendermos ser homens do "common law" os juristas do "civil law" em todos os continentes logo se deram conta de que interpretar é mais do que desvelar é construir sentidos.

Foram os juristas obrigados a transbordar do Código Civil, legislando à sua margem, decidindo com base em outras fontes, pleiteando novos direitos. A justiça poderia ser encontrada no sistema [3], e quando este estivesse em choque com o Código, pior para o Código!

No caso específico do Brasil, essa história da descoberta daquilo que somos como juristas nos impõe uma nova postura. Chega de nos apelidarmos de "operadores do direito", homens e mulheres que operam soluções preordenadas por outros, quase sempre estrangeiros. Essa é a lógica do direito ex machinae, construído alhures, não se sabe bem por quem, que a nós nos foi dada a tarefa de operar. A pergunta é a quem interessa essa operação mecânica que nos retira até mesmo a dignidade de sermos operários do direito. E se hoje nós vamos falar de nome, comecemos por nos nominar juristas.

Com o advento da Constituição Federal de 1988 e a redemocratização do país demo-nos conta daquilo que já sabíamos mas tínhamos medo ou estávamos impedidos de fazer: era preciso interpretar o direito civil da Constituição para o Código e não do Código para a Constituição [4].

A constitucionalização do direito civil é um outro pressuposto a nos guiar o fazer interpretativo. Dele são muitos os corolários. O primeiro é o que indica para a primazia lógica do texto constitucional, decorrente da sua primazia axiológica. E, entre outros tantos, a percepção de que nossa Constituição, com todos os defeitos – que, aliás, se agravaram depois da sanha revisionista neoliberal que destrói tudo que toca – ainda pode nos fornecer conforto e proteção. Midas morreu porque transformou em ouro tudo o que tocou; e ninguém, nem mesmo ele, pode comer alimentos dourados. O neoliberalismo, sob o falacioso argumento da liberdade de mercado, está transformando tudo em mercadoria; e como a humanidade não pode viver só do mercado, porque o mercado não nos fornece as coisas importantes da vida, como amor, companheirismo, lealdade, honra, poesia, justiça e tantos outros, estamos, paulatinamente, perdendo nossa humanidade. E com ela desfigurando nossa Constituição.

Basta olhar para o mundo e para evitar uma confrontação proposital com as montadoras ver estarrecidos aquilo que nos ensinam todas as chinas e todo israel. O Tibet não pode ser livre, os palestinos não podem ter sua própria casa.

Já tive a oportunidade que me foi oferecida pela Ordem dos Advogados do Brasil Seção Bahia de lhes dizer que: "mesmo considerando que são múltiplas as moralidades em confronto no mundo e no Brasil, é preciso reconhecer que nosso tempo está marcado pela moralidade decorrente do neoliberalismo, assim descrita por Pierre Bourdieu: "darwinismo moral que, com o culto do vencedor ("winner"), formado em matemáticas superiores e nos "chutes" sem rigor, instaura a luta de todos contra todos e o cinismo como norma de todas as práticas. E a nova ordem moral, fundada na inversão de todas as tábuas de valores, se afirma no espetáculo, prazerosamente difundido pela mídia, de todos esses importantes representantes do Estado, que rebaixam a sua dignidade estatutária ao multiplicar as reverências diante dos patrões de multinacionais, Daewoo ou Toyota, ou ao competir com sorrisos e acenos coniventes diante de Bill Gates [5]".

Se lembramos dos sorrisos e acenos repetidos nas dependências da Ford na Bahia e divulgados com o dinheiro público, poderemos bem entender o que nos quis dizer o velho sociólogo francês, recentemente falecido.

Disso resulta mais um pressuposto. Neste mundo globalizado, que um sertanejo semana passado me interrompeu para dizer – "há, sim, doutor, esse mundão de meu deus"! – pois é, nesse mundão de meu deus, toda interpretação, por mais simples, é um ato de engajamento, de sustentação ou de refutação da moralidade neoliberal. É preciso enterrar, com exéquias, te deum e tudo o mais, a pomposa neutralidade axiológica das ciências, que durante dois séculos, nos fizerem acreditar. Toda proposição científica - a mais lógica - é axiológica. O discurso dos juristas pertence à geometria dos valores.

Apresento, então, meu último pressuposto. A verdade não existe em si mesmo. É na prática social a que servem que o discurso e a ação do jurista justificam-se no consenso possível dos interesses contrários ou contraditórios. Até mesmo os mais primários valores que servem ao direito – a certeza e a segurança das relações sociais – estão comprometidos com as perspectivas dos atores concretos que atuam no drama cotidiano. Voltando sempre a invocar o Obscuro, "a natureza das coisas ama esconder-se". Quem não aprendeu a brincar de esconde-esconde jamais será capaz de entender a natureza das coisas, em sua eterna dialética de ocultar-se ao se mostrar. Toda luz projeta uma sombra. O conhecimento é sempre um caminho a percorrer, jamais um porto seguro a ancorar.

Fixadas as balizas por onde haverei de correr, vamos ao Código para nele vislumbrar aquilo que se mostra, e se esconde ao se mostrar.

"O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória" (art.17).

Regra de proteção do nome, que por ordem legal, ampara igualmente o pseudônimo, tendo status de direito da personalidade.

O primeiro passo se dá em direção à Constituição, pois é dela, por ela, e sob ela que essa norma será, inicialmente, interpretada.

A dignidade da pessoa humana é fundamento da nossa república (III, 1ºCF), que se regerá, nas suas relações internacionais, pela prevalência dos direitos humanos (II, 4ºCF).

É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato (IV, 5ºCF).

É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem (V, 5ºCF).

É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (IX, 5ºCF).

São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (X, 5ºCF).

Aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissíveis ao herdeiros pelo tempo que a lei fixar (XXVII, 5ºCF).

Por outro lado, é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional (XIV, 5ºCF).

A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto na Constituição (220CF).

Destaque-se, ainda, que "nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art.5º, IV, V, X, XIII e XIV", da Constituição Federal (§1º, 220CF).

Disso resulta, de imediato, que o texto constitucional primário não traz proteção expressa ao nome da pessoa natural, apesar de o fazer em relação ao nome das empresas (XXIX, 5ºCF), mas o faz, indiretamente, quando tutela o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização cabível (V, 5ºCF), bem assim quando protege a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas (X, 5ºCF).

O nome, como elemento indispensável da identificação das pessoas naturais, está amparado quando se tutela a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem, limites a serem respeitados pela liberdade de imprensa, na medida em que a Constituição, quando a assegura, no art.220, §1º, impõe sejam respeitados os valores tutelados no art.5º, incisos IV, V, X, XIII e XIV.

A liberdade de imprensa, portanto, não é absoluta, mas, está vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística (§2º, 220CF). Os limites a essa liberdade já estão, por conseguinte, contidos no próprio texto constitucional. Aquela liberdade haverá de: 1- garantir o direito de resposta proporcional ao agravo; 2 – nela está vedado o anonimato; 3 – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, e deles decorrente o nome, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Assim, na ponderação entre o direito à informação e à liberdade de imprensa sem qualquer tipo de censura, e a garantia à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, e deles decorrente ao nome, a Constituição valorou todos, impondo como sanções o direito de resposta proporcional ao agravo e o direito de ser indenizado por danos materiais e morais.

Um conclusão já se impõe: o texto constitucional não permite, em nome da proteção à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, e deles decorrente ao nome, que seja censurado o exercício da liberdade de imprensa para informar.

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Mas continuemos, ainda um pouco mais na Constituição. Por força do art.5º, §2º, os tratados sobre direitos humanos são recepcionados no ordenamento brasileiro com o status de direitos individuais constitucionalizados, malgrado o entendimento contrário do Supremo Tribunal Federal. O direito ao nome, que não parece, como se viu, no texto constitucional primário, vai ali aparecer através das seguintes normas internacionais recepcionadas como normas internas constitucionais:

1 - "Toda criança deverá ser registrada imediatamente após seu nascimento e deverá receber um nome" (2, 24 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos);

2 - "A criança será registrada imediatamente após seu nascimento e terá direito, desde o momento em que nasce, a um nome, a uma nacionalidade e, na medida do possível, de conhecer seus pais e a ser cuidada por eles" ( 1, 7 da Convenção sobre os Direitos das Crianças);

3 – os Estados-partes, entre os quais o Brasil, que assinaram aquela Convenção, se comprometeram a respeitar o direito da criança preservar sua identidade, inclusive a nacionalidade, o nome e as relações familiares, de acordo com a lei, sem interferências ilícitas" ( 1, 8 da Convenção sobre os Direitos das Crianças);

4 – finalmente, no regime regional das Américas, "toda pessoa tem direito a um prenome e aos nomes de seus pais ou a de um destes. A lei deve regular a forma de assegurar a todos esse direito, mediante nomes fictícios, se for necessário" (18 do Pacto de São José da Costa Rica).

Logo surge outra conclusão: da Constituição do Brasil decorre, como se vê, o direito ao nome, que envolve o prenome e o nome dos pais, ou patronímico, ou gentílico ou nome de família. É que se trata de sinal exteriro pelo qual se individualiza a pessoa [6].

Nada dispôs, no entanto, sobre a tutela da exclusividade do uso do nome, mas me parece que é um direito implícito, decorrente do próprio direito ao nome [7], e, por aplicação em relação ao nome das sanções destinadas à violação à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, na hipótese de sua ofensa o direito de resposta e o direito a indenização por danos morais ou materiais.

É hora de voltarmos ao Código.

O art.18 me permite concluir que o art.17 não se aplica à propaganda comercial, que ali já tutela o nome contra seu uso sem prévia autorização.

Por outro lado, a tutela da divulgação de escritos encontra-se no art.20.

De que se trata, então, o art.17, do novo Código Civil?

Trata-se de norma proibitiva do emprego do nome da pessoa [8] em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, mesmo que não haja intenção difamatória.

Diferentemente do art.18 ou do art.20, o art.17 não ressalvou a possibilidade de autorização do titular do nome. Mas creio que a omissão não retira do titular o direito de autorizar.

Precisamos, mais uma vez, sair do Código.

A Lei nº9.610, de 19/02/1998 – Lei do Direito Autoral - LDA, que consolida a legislação sobre direitos autorais, define publicação: "o oferecimento de obra literária, artística ou cientifica ao conhecimento do público, com o consentimento do autor, ou de qualquer outro titular de direito de autor, por qualquer forma ou processo" (I, 5ºLDA).

Também define representação: "considera-se representação pública a utilização de obras teatrais no gênero drama, tragédia, comédia, ópera, balé, pantomimas e assemelhadas, musicadas ou não, mediante a participação de artistas, remunerados ou não, em locais de freqüência coletiva ou pela radiodifusão, transmissão e exibição cinematográfica" (§1º,68 LDA).

O art.17, portanto, está proibindo que a pessoa seja exposta ao desprezo público pelo empregado de seu nome em qualquer tipo de " oferecimento de obra literária, artística ou cientifica ao conhecimento do público" (I, 5ºLDA), ou em "obras teatrais no gênero drama, tragédia, comédia, ópera, balé, pantomimas e assemelhadas, musicadas ou não, mediante a participação de artistas, remunerados ou não, em locais de freqüência coletiva ou pela radiodifusão, transmissão e exibição cinematográfica" (§1º,68 LDA).

Parece que a vedação do art.17 se dirige ao suporte de obras sobre a quais recaem direitos autorais.

É preciso, portanto, indagar se a vedação do art.17 alcança a imprensa.

A Lei nº5250/67 – Lei de Imprensa – LI garante a liberdade de manifestação do pensamento e a procura, o recebimento e a difusão de informações ou idéias, por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer (1ºLI). Diz, ainda, que é livre a publicação e circulação de livros, jornais e outros periódicos (2ºLI). A Lei nº7.300, de 27/03/1985, por sua vez, define as empresas jornalísticas como aquelas que editam jornais, revistas ou outros periódicos, equiparando a elas, para fins de responsabilidade civil e penal, as empresas que exploram serviços de radiodifusão e televisão, agenciamento de notícias e as empresas cinematográficas.

Tenho pra mim que o conceito "publicações" no art.17 pode ser lido como todo tipo de oferecimento de obra literária, artística ou científica, segundo o art.5º, inciso I, da Lei dos Direitos Autorais, e, se é assim, não exclui os meios denominados livros, jornais, periódicos, radiodifusão, televisão ou cinema, que estão submetidos à Lei de Imprensa.

Daí que, se a proibição de emprego do nome de outrem envolve todas as publicações e representações, é preciso observar que a norma do art.17 autoriza duas leituras:

1 – a primeira segundo a qual a vedação do emprego do nome por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público significa a proibição de empregar o nome, sem prévia autorização, para identificar a autoria; e

2 – a segunda, a indicação do nome no conteúdo da publicação ou representação.

A primeira interpretação é a garantia do sigilo da autoria. O autor que não quer ser identificado, e cuja publicação de seu nome como autor daquela obra poderia expô-lo ao desprezo público - alguém que use pseudônimo ou que não assine uma obra pode estar interessado em não ser vinculado ao trabalho. Um fotógrafo apaixonado por crianças, por exemplo, pode pretender camuflar a autoria de fotos sensuais de meninas, por exemplo, já que a divulgação de sua autoria poderia produzir o desprezo público. Não teria sido essa a razão pela qual Lewis Carol não divulgou, em vida, as fotos que fez de Alice e suas amiguinhas?

Esse entendimento é corroborado pela norma criminal do art.185, do Código Penal que criminalizou a conduta de usurpação de nome: "atribuir falsamente a alguém, mediante o uso de nome, pseudônimo ou sinal por ele dotado para designar seus trabalhos, a autoria de obra literária, científica ou artística".

Ali, no entanto, o crime depende da atribuição falsa; aqui, a autoria pode até mesmo ser verdadeira. O que importa é a exposição alo desprezo público.

A primeira leitura, por conseguinte, admite a conclusão de que, sendo o direito autoral um direito e não um dever, e tendo a natureza de direito da personalidade, cujo thelos é a proteção ou tutela da dignidade da pessoa humana na sua esfera privada, o autor tem o direito de não ver sua identidade veiculada. Ou seja, ao lado do direito de receber os frutos materiais e morais da autoria, controlado pela legislação de direitos autorais, o art.17, do novo Código Civil garante ao autor o sigilo da autoria, que, sendo vedado o anonimato, se realiza pela vedação pelo autor da publicação ou representação de sua obra ou pela via do pseudônimo.

A segunda leitura, por outro lado, autorizaria vislumbrar na vedação de nominação do titular do nome no conteúdo da publicação ou representação que possa expô-lo ao desprezo público. Disso resultaria, por exemplo, uma limitação à sátira e a submissão de alguém ao cômico ou ao trágico. Ninguém poderia, sob esse prisma tornar-se personagem de uma publicação ou de uma representação que a expusesse ao desprezo público, mesmo sem intenção difamatória.

Não creio, no entanto, que essa limitação à crítica [9] ou à criação artística possa se estender à imprensa.

É que a interpretação, como se viu, vai da Constituição para o Código e não do Código para a Constituição.

Naquela, há duas normas que não podem ser limitadas por disposição legal: a que garante o direito à informação e a que garante a liberdade jornalística.

Mesmo que exponha o titular do nome ao desprezo público uma notícia jornalística não pode sofrer restrições, respondendo o eventual ofensor à honra nos termos da Lei de Imprensa. O limite é o da veiculação de notícias com o intuito de informar e não de denegrir, mas esse já está bem tratado naquela lei especial.

Tenho para mim que, em um estado democrático de direito, a imprensa livre é um imperativo democrático de interesse geral que não pode ser submetido ao interesse particular, senão nos limites fixados na própria Constituição, e, mesmo ali, com temperamento, na medida em que o direito à informação é princípio do sistema.

Por fim, creio oportuno afirmar que certas pessoas merecem, sim, o desprezo público por fatos que tenham tido a audácia de praticar, e a notícia dos fatos não pode ser impedida por força da tutela ao nome. Homens e mulheres que violaram e violam a todo dia aquilo que não pode ser violado, resumido na feliz síntese da expressão "dignidade da pessoa humana", merecem ter seus atos expostos ao julgamento público de seus pares. Tornar certos fatos públicos é, portanto, um direito de todos, mesmo que afete o direito da preservação do nome.

Entre o risco do abuso da liberdade de imprensa, com o possível uso indevido do nome pessoal, e o risco da perda da democracia, com a supressão da liberdade de imprensa, é preferível correr o risco do abuso e para contê-lo prever sanções suficientemente desencorajadoras. Mas nada vale o risco da perda da liberdade de imprensa, porque ali já teremos perdido todas as liberdades públicas, e a tutela do nome já será inútil em si mesma.

A proteção ao nome prevista no art.17, do novo Código Civil, portanto, não é nem pode ser uma restrição ao exercício do direito de informar bem e fielmente a verdade dos fatos.

Mas essa é apenas uma das interpretações possíveis de serem construídas. Aquela a que cheguei em decorrência das minhas limitações para jogar o jogo, atendendo ao desafio proposto pela Doutora Cristiana Santos. Pronunciá-la implica velar inúmeras outras igualmente plausíveis. Se esta não valer grande coisa, foi aquela que pude encontrar e, ao menos, deve ficar como minha homenagem à memória e ao nome do professor homenageado:

Stat Orlando Gomes nomine, nomina nuda tenemos!


Notas

1. Vide: COSSIO, Carlos. Radiografia de la teoria egológica del derecho. Buenos Aires, Depalma, 1987.

2. HEIDEGGER, Martin. "Sobre a essência da verdade", in: Conferências e escritos filosóficos. São Paulo, Cultrix, 1989 (coleção Os Pensadores), p. 128.

3. CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. Lisboa, Gulbenkien, 1989.

4. TEPEDINO, Gustavo. Problemas de Direito Civil-Constitucional. Rio de Janeiro, Renovar. 2000.

5. QUEIROZ, Luiz Viana. "O advogado e o Código de Ética profissional". Salvador, Mimeo, 2000. Palestra proferida no dia 14 de agosto de 2000, no Othon Palace Hotel, em Salvador(Ba), no Seminário Advocacia a Caminho do Novo Século, promovido pela OAB/Bahia em homenagem à memória dos advogados Barachisio Lisboa e Álvaro Peçanha Martins.

6. MARIA HELENA DINIZ. Direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. São Paulo, 18ª ed., São Paulo, Saraiva, vol.I, p.126.

7. Nesse ponto discordo de SÁLVIO DE SALVO VENOSA para quem "não existe exclusividade para a atribuição do nome civil". Direito civil: parte geral. 2ª ed., São Paulo, Atlas, 2002, p.216.

8. PABLO STOLZE GAGLIANO e RODOLFO PAMPLONA FILHO advertem que o direito à identidade também é atributo da pessoa jurídica. Curso de direito civil: parte geral. São Paulo, Saraiva, 2002, vol. I, pp. 150-1.

9. SILVIO RODRIGUES afirma: "Aliás e em rigor não é só para fins de propaganda comercial que o uso do nome alheio é vedado. Esse uso é permitido, sem fins diretamente lucrativos, em várias hipóteses, dentre as quais se destacam as citações em obras culturais e científicas. Mas aqui a citação de certo modo enaltece a pessoa referida, ainda no caso de críticas literárias desfavoráveis, se o intuito não for o de achincalhar o criticado" (Direito civil: parte geral. São Paulo, Saraiva, 2002, vol.I, p. 73.

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Sobre o autor
Luiz Viana Queiroz

advogado eleitoralista na Bahia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUEIROZ, Luiz Viana. A proteção ao nome no art. 17 do novo Código Civil e a liberdade de imprensa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 57, 1 jul. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3007. Acesso em: 20 abr. 2024.

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