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Da desnecessidade de contratar o segundo provedor de acesso à Internet e as liminares favoráveis ao consumidor

01/07/2002 às 00:00
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Este breve texto tem a proposta de contornar algumas questões sobre a "venda casada" que alguns fornecedores de serviços de acesso à internet via banda larga estão impondo aos consumidores. Em outras palavras, para utilizar esse serviço, os fornecedores estão exigindo que os consumidores contratem terceiro com função meramente figurativa, ao passo que esse terceiro ofereceria a venda de conteúdo webjornalístico ou outros serviços disponíveis que nada tem a ver com o meio físico necessário para se estabelecer conexão à internet via banda larga, conforme se infere dos contratos de prestação de serviços disponibilizados e firmados pelas partes, nos casos que seguem.

Fazendo uma interpretação análoga, exigir e colocar como precondição a contratação desnecessária de uma segunda empresa para ter acesso à internet (por exemplo, de conteúdo webjornalístico) seria o mesmo que exigir do consumidor que ao comprar um sanduíche, adquira, também, o refrigerante ou um segundo sanduíche do vendedor conveniado como precondição para a venda do primeiro sanduíche.

Tem-se, neste pequeno estudo, como premissa a seguinte afirmação: as empresas são obrigadas e capazes de por si só de fornecer o acesso à internet, pois possuem o meio físico estrutural necessário para a conexão à grande rede. Tenta-se pensar em outra premissa, entretanto, pergunta-se: se essas empresas não são capazes de fornecer o acesso à internet isoladamente, então qual é o papel delas nessa relação comercial? São apenas figurativas? Ainda não se tem uma resposta clara para essa pergunta, a qual dependerá de prova pericial.

Assim, em virtude da "venda casada" que os fornecedores pretendem impor aos consumidores, resta aos últimos recorrerem ao Poder Judiciário para obterem o serviço de conexão à internet via banda larga, para se verem desobrigados da necessidade contratação de um terceiro, quando este se faz desnecessário do ponto de vista técnico-informático, conforme se presume da simples leitura dos respectivos contratos.

Delineada a relação de consumo, deve-se observar o estipulado pelo Código de Defesa do Consumidor para os casos desta natureza. Contudo, essa prática dos fornecedores ("venda casada") é vedada pelo inciso I do artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:

"Art. 39 - É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços:

I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;"

Do ponto de vista jurisprudencial, embora o tema seja recente, a Sexta Câmara do Primeiro Tribunal de Alçada Cível do Estado de São Paulo (1º TAC/SP), reconhece a provável ilicitude da conduta dos fornecedores, conforme decisão em sede de Agravo de Instrumento que visava cassar a liminar deferida em primeira instância em favor do consumidor:

"TUTELA ANTECIPADA - REQUISITOS - SERVIÇO ´SPEEDY´ - Constatação - Verossimilhança da Alegação: prestação de acesso à ´internet´ - Possibilidade de Dano Irreparável ou de difícil reparação: suspensão do serviço que impediria a usuária de desenvolver, regularmente, suas atividades - Pertinência jurídica quanto ao uso de provedor é de ser enfrentada no desenrolar da lide, com a análise dos argumentos de fundo - Decisão que concedeu parcialmente a antecipação de tutela, a fim de que a concessionária fornecesse à autora o serviço ´speedy´, independentemente, de cadastro junto a provedor, até a data em que o contrato completasse 12 meses, é de ser mantida - Recurso improvido." (Agravo de Instrumento nº 1.066.636-3, da Comarca de Ribeirão Preto. Agravante Telesp Comunicações de São Paulo S.A., e agravada Ana Maria Capucho Rodrigues)."

Ademais, infere-se que, além dos fornecedores tentarem praticar a "venda casada", o juiz Marco Fábio Morsello, do Juizado Especial Cível da Universidade Presbiteriana Mackenzie, no processo nº 01.214222-0, considerou, em decisão de primeira instância, que no contrato firmado não havia uma cláusula obrigando a contratação de uma segunda empresa, conforme exige o Código de Defesa do Consumidor. Vide parte da decisão in verbis:

"(...) Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a ação proposta, e por via conseqüente, condeno a reclamada a prestação de serviços de acesso à internet, por meio do "speedy", sem a necessidade de contratação de provedor, para a transmissão e recepção de dados, sob pena de fixação de multa diária de R$ 50,00, até o limite de alçada de R$3.600,00, convertendo-se, posteriormente em perdas e danos, em sede de execução por quantia certa (...)."

Outrossim, o Sr. Dr. Juiz Luiz Fernando Parreira Milena, do Juizado Especial Cível - Vergueiro, da Capital do Estado de São Paulo, no processo que este autor move pessoalmente contra a empresa Telefonica, a qual pretende fazer a "venda casada" de um segundo provedor de acesso para que se possa continuar tendo acesso à internet por intermédio de seus próprios equipamentos, despachou o seguinte, em pedido liminar:

"Presentes os requisitos exigidos pelo art. 273 do CPC, mormente aquele que diz respeito à possibilidade de ocorrência de dano irreparável ou de difícil reparação, defiro a antecipação da tutela, determinando à ré que se abstenha de suspender o serviço ´speedy´ prestado ao autor, sob pena de pagar multa diária de R$200,00. No mais, já designada audiência de conciliação, cite-se e intime-se a ré, com urgência, inclusive do teor da presente decisão" (28/05/2002)

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A doutrina já caminhava para o mesmo sentido, conforme expõe a ilustre obra de Ada Pellegrini Grinover e outros na obra "Código Brasileiro de Defesa do Consumidor", 5ª edição, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1998, cujo teor resumidamente define que a "venda casada é feita quando a empresa nega a fornecer um produto ou serviço a não ser que o consumidor concorde em adquirir também um outro produto ou serviço."

Ainda nesse diapasão dispõe a cartilha do CADE - CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA, órgão do Ministério da Justiça:

"Venda Casada: Consiste na prática de subordinar a venda de um bem ou serviço à aquisição de outro. O praticante da venda casada produz barreiras à entrada de concorrentes potenciais no mercado ou empecilhos à expansão dos concorrentes já presentes. A subordinação proporcionada pela venda casada gera uma restrição de liberdade de comprar e vender por pressão, por coação, sem que haja qualquer benefício para o consumidor na aquisição vinculada."

Nessa ação que dependendo do caso pode ser de obrigação de fazer ou de não fazer, existe a possibilidade de requerer-se a antecipação dos efeitos da tutela, sob pena de pagamento de multa diária, caso o consumidor dependa fundamentalmente da internet para desenvolver sua atividade profissional, no intuito de evitar que a injusta imposição cause-lhe prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação, desde que comprovada a verossimilhança das suas alegações. Tal requerimento vem baseado nos artigos 273 e 461 do CPC, que dizem:

"Art. 273. O Juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou

II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

(...)"

"Art. 461 - Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

(...)

§ 3º - Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu.A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.

§ 4º - O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.

(...)"

Diante das fontes do direito trazidas à baila, bem como da interpretação delas tirada, infere-se que a imposição da "venda casada" pretendida no presente caso, ou qualquer outro, afronta uma das principais conquistas do homem civilizado: A LIBERDADE, valor fundamental e assegurado constitucionalmente.

Portanto, a exigência da contratação de um segundo provedor de acesso - considerando que a empresa que faz essa exigência seja o primeiro -, está em descompasso com os preceitos constitucionais e legais brasileiros, na medida em que fere a liberdade de contratação do consumidor, coagindo-o a adquirir serviço prescindível ao o objetivo maior que intenta: o acesso à informação via grande rede de computadores.

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Sobre o autor
Renato F. Baccaro

advogado em São Paulo, professor universitário, coordenador da Revista Digital Tributario.com, mestre em Direito pela Universidade Mackenzie, mestrando em Filosofia pela USP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BACCARO, Renato F.. Da desnecessidade de contratar o segundo provedor de acesso à Internet e as liminares favoráveis ao consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 57, 1 jul. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3010. Acesso em: 23 dez. 2024.

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