O artigo "Inversão de Valores - Tutela Antecipada dá Dinheiro à Vista para Dinheiro à Prazo" do Dr. Ricardo Tosto, veiculado no site Consultor Jurídico junto com nota da Central Globo de Comunicação sob o título "Assalto Judiciário" [1], causou grande repercussão nos meios jurídicos e estimulou vários artigos sobre o assunto. Farei menção aos mesmos e uma abordagem mais técnica, uma vez que o Dr. Pedro Lessi [2] já abordou em seu artigo "subterfúgios político-jurídicos" os aspectos sociológicos que motivaram o legislador a proteger o cognominado hiposuficiente dos "dinossauros" (Mega-Corporações). Como norte neste tópico, é exemplo clássico o Direito do Consumidor, cujo Código de Defesa (Lei 8.078/90) é norma de SOBREDIREITO e a interpretação sistemática de nosso ordenamento o protege. Urge, porém, compaginar sua interpretação com a do artigo 273 do CPC, "in verbis":
Art. 273 - O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
§ 1º - Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento.
§ 2º - Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.
§ 3º - A execução da tutela antecipada observará, no que couber, o disposto nos incisos II e III do art. 588.
§ 4º - A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada.
§ 5º - Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento.
Inicialmente, cumpre-me salientar que a Reforma do CPC (Leis 10.352 e 10.358 de 2001) NÃO alterou o art. 273. O que se alterou foi o art. 527, III, que conferiu ao Relator do Agravo de Instrumento a possibilidade de conferir o Efeito Suspensivo ou Antecipação de Tutela da pretensão recursal. Desta forma, em Agravo de Instrumento de decisão que Deferiu ou Indeferiu a Antecipação de Tutela, o Relator do Tribunal pode conceder a Antecipação de Tutela Negada ou Suspender a Concedida. Estas são as modificações da REFORMA do CPC, concedendo ao Relator as mesmas possibilidades que o art. 273 concedeu ao Juiz "a quo", permitindo a IMEDIATA tutela revisional e devolutiva pelo Tribunal, concertando os equívocos do "a quo".
Art. 527 - Recebido o agravo de instrumento no tribunal, e distribuído incontinenti, o relator:
III - poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso (art. 558), ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao juiz tal decisão;
Todavia, a irresignação do Dr. Ricardo Tosto contra a decisão de Antecipação de Tutela para Saque de Dinheiro das Contas da Globo é coerente, mas não é necessária qualquer reforma no Código, pois o próprio ordenamento já prevê sua solução, o recurso de Agravo de Instrumento.
A orientação jurisprudencial do STJ é no sentido de não permitir a antecipação de tutela de valores em ação declaratória, conforme a Nota 11a do CPC de Theotonio Negrão "A antecipação de tutela com efeitos patrimoniais, em sede de ação declaratória, não se coaduna com os princípios reguladores de tal entidade processual" (RSTJ 105/63).
Como juiz, à título de antecipação de tutela de danos morais, eu somente deferiria a PENHORA de valores das contas, para garantir o pagamento da sentença futura, se presente a "prova inequívoca" e convencido da "verossimilhança" do direito, além da reversibilidade da medida (art. 273, §2). Todavia, é inerente ao Juiz avaliação (subjetiva) destes requisitos e este não pode ser limitado em sua esfera de decisão e efetiva prestação da tutela jurisdicional, sob pena de engessamento de sua nobre função. Os requisitos do Art. 273 e 527, III são muito mais rigorosos que o "fumus boni iuris" e "pericullum in mora" das Medidas Cautelar.
O Dr. Valdecir Trindade [3] defendeu a tutela antecipada em dinheiro como instrumento para a satisfação imediata de ações contra os "réus mais bastados e estruturados para procrastinar ad perpetuam a sentença" interpretação o art. 273, §2 como "a reversibilidade a que alude o legislador não diz respeito propriamente, v.g. à restituição do dinheiro libertado ao autor, mas a uma sentença final que discrepe do provimento antecipatório. Portanto, se o Juiz da causa, examinando detidamente o processado, conclui que existem elementos que alicercem uma sentença condenatória, nada o impede que, do alto de sua responsabilidade de magistrado, antecipe os efeitos dessa sentença, outorgando ao autor o dinheiro vivo, isto é, a tutela antecipada."
A Solução está no próprio §3º (Introduzido pela Lei 8.952/94) do Artigo 273, que para a Execução da Antecipação de Tutela remete ao art. 588, II e III, que disciplinam a execução PROVISÓRIA:
Art. 588 - A execução provisória da sentença far-se-á do mesmo modo que a definitiva, observados os seguintes princípios:
II - não abrange os atos que importem alienação do domínio, nem permite, sem caução idônea, o levantamento de depósito em dinheiro;
III - fica sem efeito, sobrevindo sentença que modifique ou anule a que foi objeto da execução, restituindo-se as coisas no estado anterior.
Parágrafo único - No caso do nº III, deste artigo, se a sentença provisoriamente executada for modificada ou anulada apenas em parte, somente nessa parte ficará sem efeito a execução.
A antecipação de tutela para levantamento (saque) de depósito em dinheiro exige caução idônea, opinião compartilhada com Theotonio Negrão em suas notas de rodapé de seu Código de Processo Civil:
Art. 273: 22. A remissão ao inciso II do art. 588 torna claro que, sem caução, não pode a parte fazer o levantamento de dinheiro depositado em juízo e que a tutela antecipada não abrange atos que importem alienação de domínio.
235. A decisão que concede ou denega tutela antecipada comporta agravo (art. 522); idem, quanto à que revoga ou modifica tutela antecipada concedida (§4º)
A lei é bem clara ! A decisão de levantamento de dinheiro sem caução, chamado de "assalto" é RECORRÍVEL com o Agravo de Instrumento com pedido de Efeito Suspensivo Ativo (Antecipação de Tutela), nos moldes do art. 527, III, do CPC (com a redação da Lei 10.352/01).
Ora, no caso de execução provisória, há fundamento para a caução, qual seja, a reverssibilidade do julgamento do recurso ao qual está vinculada a provisoriedade da execução. No caso de tutela antecipada, se o Tribunal n"ao outorgar o efeito ativo (efeito reflexivo ou reverso pelo qual a parte não só suspende os efeitos de uma decisão, como faz com que a sua pretensão tenha eficácia desde já), então estará dizendo: "Olha, as provas são inequívocas... ".
Todavia, quem opta pela Execução ("PROVISÓRIA") da Antecipação de Tutela, sacando dinheiro de conta corrente do réu para garantir sentença indenizatória de danos morais, deve prestar caução na forma da lei.
A doutrina é no sentido do dever objetivo de indenizar, se revertida a decisão. Sobre estes riscos, ver o Artigo "Responsabilidade civil objetiva derivada de medida cautelar ou medida de antecipação de tutela" [4] do renomado doutrinador Humberto Theodoro Júnior. Este considera objetiva a responsabilidade pela execução de cautelar, antecipação de tutela e provisória, as equiparando. Considero que no caso da execução da antecipação de tutela, as conseqüências são divergentes da execução provisória e de cautelar. A Execução provisória é disciplinada pelo art. 588 do CPC. Todavia, o artigo 273, §3, que disciplina a Execução da Antecipação de Tutela, somente remete aos incisos II e II do art. 588, mas não ao inciso I. Desta forma, entendo que não cabe indenização objetiva neste caso, pois o legislador poderia ter determinado a aplicação do regime da Execução Provisória (Art. 588 na íntegra), ou do regime da Execução de Cautelar (Art. 811), que determinam a indenização dos prejuízos.
Todavia, inegável os poderes do magistrado em conceder a tutela antecipada, onde o STF já reconheceu que esta pode ser aplicada até contra o poder público.
"O STF entendeu que a ADC 4 refere-se apenas às situações previstas no artigo 1º, da Lei 9.494/97, relativas à concessão de vantagens pecuniárias, vencimentos, reclassificação, equiparação e aumento ou extensão de vencimentos aos servidores públicos. Nos demais casos, a tutela antecipada pode ser aplicada. Permitindo a suspensão de débito tributário. Precedente: RCL 1122." RCL 902
O Dr. Paulo Guilherme de Mendonça Lopes, sócio do Dr. Tosto, no seu artigo "Assalto Judiciário II" [5] sugere "que se altere o artigo. 273 do CPC a fim que se vede a antecipação de tutela nos pedidos condenatório, ou se limite o seu valor a 40 salários mínimos. Num país tão pobre, tal valor é mais que suficiente para satisfazer a grande maioria das pretensões do que se chama o "povo brasileiro" e, por outro lado, tem a função de afastar aventuras ou evitar equívocos que podem se tornar em fonte de danos irreversíveis, em desprestígio da Justiça"
A limitação patrimonial ao Juiz para julgar é absurda e só beneficia os PODEROSOS e os já citados "RICOS E PODEROSOS", e seria mais absurdo o Juiz poder dispor da conta dos devedores pobres, que sentiriam "na pele" os efeitos da medida, tornando os abastados INTOCÁVEIS até para a JUSTIÇA, isto sim seria um desprestígio.
Em resposta ao artigo do Dr. Tosto e ao artigo "A Indústria da Indenização" do Dr. Joaquim Welley Martins [6], que conclui
"Mesmo assim, somos de posicionamento de que o Estado-Juiz, especialmente os julgadores primários devem ter muito cuidado e alto poder de discernimento, quando do sentenciamento de ações indenizatórias por danos morais, de forma a que esse direito não seja utilizado de forma oportunística, tornando-se outra fonte de locupletamento ilícito por pessoas que não se apercebem do prejuízo, social e coletivo, que o desprestígio de um direito como esse pode gerar, num futuro próximo."
Se escreveu o irreverente artigo da coluna do Mestre Sunda Hufufuur [7]:
A idéia consubstanciada no título desse artigo já é corrente no Brasil, aparecendo mais sob o nome de "Indústria do dano moral". Já comentei, em artigos anteriores, que não consigo saber qual é seu endereço, onde e como atua essa indústria do dano moral que não coíbe aquela outra muito maior, a "Indústria do abuso", o abuso sistematizado pelo qual o SERASA e o SPC são abastecidos pelas instituições financeiras que pagam nos tribunais indenizações pífias, pelo que assim se torna compensador o ato ilícito (para cada indenização por inscrição indevida pagam no máximo 150 salários mínimos, enquanto ganham muito mais dos milhares que aceitam tal arbítrio).
Há duas moedas no dano moral: a primeira é a moeda dos abastados, a segunda é a moeda dos sem moeda, a moeda dos sem patrimônio, e tal moeda é a dor, o desrespeito e a marca da lesão sem reparo.
Concluamos, com respeito à tutela antecipada, que nem é preciso tecer considerações técnicas sobre o instituto para responder a Ricardo Tosto; basta... o homem que levou quase dez anos para receber a indenização de R$ 120.000,00 pela morte de seu filho, e concordaremos com a tutela antecipada, que é diploma legal dirigido justamente a dissuadir aqueles que contam com a morosidade judicial para postergar o cumprimento de suas obrigações com infindáveis recursos processuais.
A tutela antecipada radica na verossimilhança cabal da alegação, tem natureza jurídica satisfativa, sendo portanto muito mais que uma medida assecuratória, como é a medida cautelar. Dita verossimilhança importa em atividade investigatória e convencimento profundos por parte do magistrado, de forma que não é pela prática fortuita se a concederá. O recurso cabível é o agravo, e portanto, o esperneio da Globo, bem como o depósito judicial não procedem, posto que se a tutela antecipada pretende o caráter satisfativo, é só mesmo "colocando a mão no dinheiro" que tal desígnio se cumpre (de que adianta a antecipação da tutela se ficar sob depósito por anos e anos à espera do resultado até que o dinheiro possa ser usado?) Não se justifica tampouco a imagem traçada por Tosto de que a retirada antecipada do dinheiro permitirá a dissipação da quantia, mormente se tratando de um magistrado, cônscio que deve ser dos desdobramentos do processo.
Para finalizar, como democratas que somos, e no linguajar do Dr. Pedro Lessi, "in verbis": "... meros hipossuficientes, a paridade só se dá de forma a não coibir que a parte deixe de ter o incremento da confiança na JUSTIÇA. Da mesma forma, como os autores supra referenciados abrangem um cuidado "louco" com a outorga de valor de dano moral, da MESMA FORMA TAMBÉM NÓS, POBRES MORTAIS, exigirmos: "POR FAVOR JUÍZES, TENHAM CORAGEM (sem segundas intenções, sem propinas, sem corrupções, sem comissões, porcentagens, etc... ) DE DEFERIR VALORES QUE PUNAM IS INFRATORES POR DANO DE ACORDO COM NOSSO POSITIVISMO, que, por incrível que pareça, sem parafrasear Kelsen, nos permite isso, ao contrário daqueles que confundem jusnaturalismo com "common law".
Esta atitude de nosso subconsciente (centro da emoção e não da razão), faz com que tenhamos medo do certo, que é "canetar" com chumbo o dano moral, mas ao mesmo tempo tenhamos a incerteza sobre se aquele subjetivismo do magistrado na aferição dos pressupostos de concessão da tutela podem prejudicar a Rede Globo ou a Petrobrás. É o estartar da era pré-legislativa da proteção do consumidor, do frágil, do cliente enganado, do injuriado, do difamado, do caluniado, do hipossuficiente técnico muitas vezes, jurídico mais ainda, mas com certeza 100% econômico, nesta escala de valores.
Notas
1. TV Globo tem suas contas bloqueadas em todo o país - Consultor Jurídico - 27/04/2002
http://cf6.uol.com.br/consultor/view.cfm?id=10167&ad=c
2. Advogado critica opinião sobre antecipação de tutela em dinheiro - ConJur - 02/05/2002
http://cf6.uol.com.br/consultor/view.cfm?id=10240&ad=b
3. Consultor Jurídico - 01/05/2002
http://cf6.uol.com.br/consultor/view.cfm?id=10236&ad=c
4. Responsabilidade civil objetiva derivada de medida cautelar ou medida de antecipação de tutela
https://jus.com.br/artigos/2905
5. Tutela antecipada em dinheiro desmoraliza a Justiça e o Direito - Consultor Jurídico - 03/05/2002
http://cf6.uol.com.br/consultor/view.cfm?id=10263&ad=c
6. http://cf6.uol.com.br/consultor/view.cfm?id=10059&ad=c
7. Veneno: Danos Morais, a Bíblia e a Rede Globo. Consultor Jurídico - 29/04/2002