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A teoria da perda de uma chance

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21/08/2014 às 16:44
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2. RESPONSABILIDADE CIVIL 

2.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O instituto da responsabilidade civil evolui concomitantemente às relações sociais.

Nos primórdios da civilização, momento no qual os indivíduos se organizavam em clãs, a lesão a um indivíduo era punida por vingança coletiva, pela reação conjunta do grupo.

Com o passar do tempo, a vingança coletiva passou a ser praticada de forma privada, como é exemplo a postura prevista na Lei do Talião, consistente na rigorosa reciprocidade entre o crime e a pena, conhecida pela norma “olho por olho e dente por dente”.

Aproximadamente no século II a.C., surge a Lex Aquilia de Damno, que tinha como objetivo assegurar a punição àquele que causasse dano a outrem. O prejudicado passa a receber as vantagens da compensação econômica em detrimento da simples vingança.

Já no Direito Romano, três preceitos passaram a fundamentar a moral e o padrão ético do direito: viver honestamente (honesta vivere), não lesar o outro (neminem laedere) e dar a cada um o que é seu (suum cuique tribuere).

Aos poucos, foram surgindo elementos e conceitos considerados atualmente a base estudo da responsabilidade civil: o ato ilícito ou contrário ao direito, o dano, o nexo de causalidade entre o ato e o dano e a culpa do agente.

No início do século XX, começam a surgir divergências acerca da teoria da culpa, que por se tornar um elemento de difícil comprovação, nem sempre resolvia de forma satisfatória os problemas do cotidiano. Nesse momento, surgiu uma nova espécie de responsabilidade civil, considerada objetivamente.

Atualmente, constata-se ainda dificuldade em mensurar o dano sofrido e, portanto, o quantum ideal para seu ressarcimento pecuniário. Dentre as dificuldades de quantificação, temos a questão do dano decorrente da perda de uma chance, que vai além de uma mera esperança de recebimento de vantagem futura mas não pode ser equiparada à perda direta dessa vantagem.

Para fundamentarmos melhor esse questionamento, passamos a uma breve análise das espécies de responsabilidade e dos elementos essenciais para sua configuração até chegar na discussão sobre o enquadramento da responsabilidade pela perda de uma chance. 

2.2. ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE

2.2.1 Responsabilidade Civil Subjetiva

A responsabilidade civil subjetiva aponta a culpa como fundamento principal da obrigação de reparar o dano. Não havendo culpa, não há obrigação de reparar o dano.

De acordo com a teoria clássica da culpa, não basta que uma pessoa sofra um dano injusto na sua pessoa ou em seu patrimônio para que o autor da ofensa fique obrigado a reparar o prejuízo. É necessário, ainda, que esse dano seja oriundo de um fato doloso ou culposo. Nas palavras do professor Renan Lotufo:

"O ato ilícito pode ser fruto de uma conduta ativa ou passiva do ser humano, podendo a pessoa ter agido tendo ciência dos resultados do referido ato, assumindo-os de qualquer forma. É o que se tem por ação ou omissão voluntária. O dolo sempre é repudiado de forma mais grave pelo Direito.

O ato ilícito pode ser fruto, ainda, de mera negligência ou imprudência, que caracterizam a culpa, não por ter desejado o resultado danoso, ou violador de direito, a outrem, mas o comportamento da parte não atende aos deveres de conduta das pessoas em sociedade, que são os de diligência e prudência."{C}[4]

Nesse sentido, os artigos 186{C}[5]e 927[6]do Código Civil fundamentam legalmente o entendimento da responsabilidade decorrente de culpa. É necessário demostrar-se a intenção do agente em praticar o ato danoso ou, se a sua conduta foi imprudente, negligente ou imperita. Essa comprovação somente é dispensável no caso da lei presumir expressamente a culpa do agente.

Portanto, a responsabilidade civil subjetiva possui como elementos basilares para sua caracterização: ação ou omissão do sujeito ativo, a existência de um dano sofrido pelo sujeito passivo e o nexo de causalidade entre o causador do dano e a vítima, desde que verificada culpa ou dolo do agente. 

2.2.2 Responsabilidade Civil Objetiva

Como mencionado no tópico acima, o fundamento da responsabilidade civil, inicialmente, apresentava-se exclusivamente subjetivo e enraizava-se na ideia de culpa.

A responsabilidade civil objetiva apenas se concretizou durante a Revolução Industrial, momento de grandes escalas de produção e mecanização dos sistemas produtivos, que  acarretaram no aumento de acidentes nas fábricas.

Considerando-se que o operário, diante sua hipossuficiência, ficava impossibilitado de comprovar culpa do empregador pelos riscos, as fábricas passaram a ser responsabilizadas objetivamente pelos acidentes.

A obrigação de indenizar sem que tenha havido culpa do agente é prevista atualmente no parágrafo único[7]do artigo 927 do Código Civil. Nas palavras do Ministro César Peluso,[8]

"O art. 927, que inaugura o título destinado ao tratamento da responsabilidade civil, fonte do direito obrigacional, consagra, em seu texto, o que representa inovação do sistema: a coexistência genérica e, segundo se entende, não hierarquizada de regras baseadas na teoria da culpa e na teoria do risco. Ou seja, por ele se altera o modelo subjetivo levado aos códigos do século XIX." 

Verifica-se, assim, o nascimento da responsabilidade sem necessidade de comprovação de culpa com base na teoria do risco. 

2.2.3 Responsabilidade Civil Contratual

A responsabilidade civil contratual deriva da inexecução de um negócio jurídico bilateral ou unilateral pelo agente, isto é, do descumprimento de uma obrigação contratual, sendo que a falta de adimplemento ou da mora no cumprimento de qualquer obrigação, gera esse ilícito contratual.

Essa responsabilidade está baseada no dever de resultado, o que causará a presunção da culpa pela inexecução previsível da obrigação nascida.[9]

Dessa forma, como o contrato é fonte de obrigações, sua inexecução também o será. Quando ocorre o inadimplemento do contrato, não é a obrigação contratual que movimenta a responsabilidade, pois com aquele inadimplemento surge uma nova obrigação, a obrigação de reparar o prejuízo consequente à inexecução da obrigação assumida.

Portanto, a responsabilidade contratual é o resultado da violação de uma obrigação anterior. Nesse caso, o ônus da prova caberá ao devedor, que deverá provar, ante o inadimplemento, a inexistência de sua culpa ou a presença de qualquer excludente do dever de indenizar. Para contestar a obrigação de indenizar, o descumprimento contratual deverá ser motivado por caso fortuito ou força maior. 

2.2.4 Responsabilidade Civil Extracontratual

A responsabilidade extracontratual é aquela que deriva de um ilícito extracontratual, isto é, da prática de um ato ilícito por pessoa capaz ou incapaz, não havendo vínculo anterior entre as partes, por não estarem ligados por uma relação obrigacional ou contratual.

De acordo com o entendimento da professora Maria Helena Diniz[10], a responsabilidade extracontratual origina-se da inobservância de um dever jurídico de observância do direito da contraparte. Nesse caso, não há vínculo contratual entre a vítima e o agente e a fonte da responsabilização é a inobservância da lei.

Por fim, caberá à vítima o ônus da prova: é ela quem deverá comprovar a culpa do agente para garantir o ressarcimento.

2.3 ELEMENTOS

Trazidas à tona as espécies de responsabilidade civil, vejamos agora quais são, de acordo com a doutrina e a jurisprudência, os elementos fundamentais ensejadores de responsabilização.

Atualmente, a doutrina mostra um entendimento praticamente unânime sobre os elementos essenciais para a responsabilidade civil, sendo eles, a conduta culposa, o dano e o nexo de causalidade entre a culpa e o dano.

A conduta culposa deverá ser voluntária e deverá contrariar o ordenamento jurídico, podendo ser realizada por meio de uma ação ou de uma omissão. Como visto, nos casos de responsabilidade objetiva não é necessária essa análise da conduta.

O dano, a princípio moral ou material, é o prejuízo causado à vítima e é indispensável para caracterização da responsabilidade civil.

O nexo de causalidade entre a conduta do agente ofensor e o dano causado à vítima, por sua vez, possibilita a imputação do dever de indenizar. Como Silvio Rodrigues: 

“é necessária a existência de uma relação de causalidade entre a ação ou omissão culposa do agente e o dano experimentado pela vítima; em caso de não de evidenciar que resultou do comportamento ou atitude do ofensor, o pedido de indenização deverá ser julgado improcedente”[11]{C}

Apresentados de forma genérica os elementos ensejadores da responsabilização civil, detalharemos a seguir apenas o dano e o nexo causal, que são conceitos fundamentais para a caracterização da responsabilidade decorrente da perda de uma chance. 

2.3.1 Dano

Como mencionado acima, o dano é pressuposto imprescindível na caracterização da responsabilidade civil. Isso porque, a obrigação de ressarcir é diretamente fundamentada no prejuízo a ser reparado.

A definição de dano não é rígida na doutrina, contudo, é praticamente unânime o entendimento de que tal prejuízo abrange tanto as lesões ao patrimônio da vítima como as lesões aos interesses subjetivos do indivíduo.

Para ser considerada significativa juridicamente e, portanto, possibilitar seu ressarcimento, a lesão deve ser contrária aos interesses tutelados pelo direito.

Nesse contexto, o dano será considerado “certo” quando não existirem dúvidas de sua existência, sendo inadmissível o ressarcimento de lesões calcadas em hipóteses. Na realidade, podemos considerar o dano certo como muito provável, tendo em vista que os lucros cessantes, mesmo ainda não concretos, são protegidos pelo ordenamento.

Nesse sentido, para que seja possível falar em proteção da perda de uma chance é necessário que seja “séria e real a possibilidade de êxito, o que afasta qualquer reparação no caso de uma simples esperança subjetiva ou mera expectativa aleatória”[12].

Para ensejar reparação, o dano deverá ainda ser atual, ou seja, o dano que efetivamente já ocorreu. Assim, a conduta consumada já deverá ter acarretado consequências nocivas ao direito da vítima.

Diante disso, verifica-se que o requisito de dano certo e atual pode contemplar a perda de uma chance, desde que suas probabilidades sejam significativas e atuais. 

2.3.2 Nexo de Causalidade

A definição de nexo causal não causa grandes discórdias entres os doutrinadores, muito embora a demonstração de sua existência no caso concreto é complexa, demandando a existência de diferentes teorias para possibilitar sua identificação na demanda judicial.

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A primeira delas, denominada teoria da equivalência das causas é originária do Direito Penal e considera causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. No âmbito civil, predomina a teoria da causalidade adequada, que considera o nexo causal entre a conduta adequada para produzir o prejuízo e a conduta do agente. Isso significa que são excluídas as causas próximas e remotas, adotando-se apenas a de maior relevância para produzir o dano.

Por último, a teoria mais recente sobre o tema é chamada teoria da causa eficiente, que admite a existência de vários fatores que poderão causar o dano, mas entende que é causa apenas aquela que poderia produzir o dano por si só.

Independentemente da teoria a ser utilizada, fato é que o nexo de causalidade deverá ser demonstrado pela vítima. Contudo, em muitos casos essa demonstração é complexa, como em situações nas quais não há comprovação de êxito caso não existisse a atitude do agente.

Os empecilhos verificados para definir a existência de nexo causal entre a conduta do agente e o dano causado pela perda de uma chance, são base da teoria que ora se estuda, tendo em vista a necessidade de ressarcimento da vítima, ainda que não integral, de forma a compensar a chance perdida.

 


3. A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE

3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

As bases da Teoria da Perda de uma Chance surgiram na França, onde houve maior dedicação ao tema por parte da doutrina e da jurisprudência.

Alguns doutrinadores relatam já no século XIX uma primeira utilização da Teoria pela Corte de Cassação da França, que entendeu por bem aplicar uma indenização proveniente da conduta culposa de um agente que não respeitou o procedimento normal de uma demanda, extinguindo todas as suas possibilidades de êxito.[13]

Já no século XX a utilização da teoria se difundiu com mais abrangência, de forma que em 1960 a mesma Corte de Cassação condenou um médico que, ao realizar um diagnóstico equivocado, teria retirado as chances de cura de um paciente. Em 1969, outra importante decisão corroborou a teoria: um paciente operado por causa de uma apendicite faleceu na cirurgia por falta de exames pré-operatórios. Em 1979, em julgamento análogo, uma paciente faleceu em decorrência de convulsões causadas pelo uso de anestesia a base de xilocaína.[14]

Nesses casos, não obstante a conduta culposa do profissional e o dano evidente, o nexo causal não restou devidamente configurado, tendo em vista que a morte é fruto das condições e reações físicas e psicológicas do paciente. Essa situação é prevista por Jean Penneau:

"Na perspectiva clássica da perda de chances, um ato ilícito está em relação de causalidade certa com a interrupção de um processo do qual nunca se saberá? se teria sido gerador de elementos positivos ou negativos: em razão deste ato ilícito um estudante não pode apresentar-se ao exame, um cavalo não pode participar de uma corrida. Assim, devem-se apreciar as chances que tinha o estudante de passar no exame ou o cavalo de ganhar a corrida. Portanto, aqui, é bem a apreciação do prejuízo que está diretamente em causa. A perda de chances de cura ou de sobrevida coloca-se em uma perspectiva bem diferente: aqui, o paciente está morto ou inválido; o processo foi até o seu último estágio e conhece-se o prejuízo final. "{C}[15]

Diante desse contexto, atualmente, vislumbra-se a possibilidade de responsabilizarmos o médico pela perda da chance de sobrevivência da vítima, considerando que se o profissional tivesse tomado os devidos cuidados, existiria uma chance de sobrevida do paciente.

O professor Miguel Kfouri Neto cita caso análogo, no qual o de cirurgião inicia um procedimento aplicando a anestesia sem a presença do anestesista, causando, por consequência, a morte do paciente[16].

De qualquer modo, para aplicação da Teoria da Perda de uma Chance, é necessário que o prejuízo da vítima seja significativo, tenha valor jurídico. O jurista Caio Mário explicita essa definição.

"A doutrina moderna assenta bem os extremos: o que é significativo é que a chance perdida tenha algum valor, do qual a vítima se privou. Weill e Terré lembram, ainda, como exemplos o caso da pessoa que deixou de adquirir um imóvel por culpa do notário ou de ganhar um processo pela falha do escrivão ou do advogado (...) Ulderico Pires dos Santos registra decisão do Supremo Tribunal Federal reconhecendo a legitimidade da companheira para pleitear indenização (...). É claro, então, que se a ação se fundar em mero dano hipotético, não cabe reparação. Mas esta será? devida se se considerar, dentro na ideia da perda de uma oportunidade (perte d'une chance) e puder situar-se a certeza do dano. Daí dizer Yves Chartier que a reparação da perda de uma chance repousa em uma probabilidade e uma certeza: que a chance seria realizada e que a vantagem perdida resultaria em prejuízo."{C}[17]

Contudo, a despeito da crescente participação da doutrina e da jurisprudência no tema, ainda são tímidas as discussões acerca da Teoria da Perda de uma Chance no ordenamento jurídico brasileiro.

3.2 A PERDA DE UMA CHANCE NO DIREITO ESTRANGEIRO

Vejamos a seguir um breve relato de como surgiu e se desenvolveu o instituto da indenização pela perda de uma chance no ordenamento jurídico francês e italiano. 

3.2.1 Direito Francês

Como já mencionado, a teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance tem sua linhagem no direito francês, tendo despertado naquele ordenamento jurídico exacerbados debates doutrinários, contribuindo para a sua evolução.

Na França, a perte d'une chance, como é chamada, é cabível quando a lesão provocada na vítima lhe retira a oportunidade de obter uma situação futura melhor.

Nesse sentido, tanto a doutrina como a jurisprudência francesas firmaram entendimento de que o indivíduo prejudicado pela perda de uma chance faz jus a algum tipo de reparação civil, separando inclusive os casos clássicos das perdas de chances ocorridas na área médica.

A passagem a seguir mostra um pouco do reconhecimento do instituto da perda de uma chance no direito francês. Vejamos: 

"Na França, houve dedicação maior ao tema por parte da doutrina e da jurisprudência. Em razão dos estudos desenvolvidos naquele país, ao invés de se admitir a indenização pela perda da vantagem esperada, passou-se a defender a existência de um dano diverso do resultado final, qual seja, o da perda da chance. Teve início, então, o desenvolvimento de uma teoria específica para estes casos, que defendia a concessão de indenização pela perda da possibilidade de conseguir uma vantagem e não pela perda da própria vantagem perdida. Isto é, fez-se uma distinção entre o resultado perdido e a possibilidade de consegui-lo. Foi assim que teve início a teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance."{C}[18](grifou-se)

Após as primeiras construções da teoria da perda de uma chance na França, o instituto passou a ser fortemente analisado na Itália, com atenção especial pelos doutrinadores Giovani Pacchioni e Adriano de Cupis. Vejamos a seguir o desenvolvimento do instituto no país.

3.2.2 Direito Italiano

Na Itália, a responsabilidade civil por perda de uma chance tornou-se objeto de estudo pelo professor Giovani Pacchioni, que analisou e estudou o tema anteriormente à sua entrada em vigor do atual Código Civil italiano.

Pacchioni toma como exemplo o caso no qual o advogado deixa de interpor um recurso de apelação, privando o seu cliente da possibilidade de obter a reforma de sentença desfavorável. Outro exemplo dado por Pacchioni é aquele no qual um pintor envia pelo correio um quadro a uma exposição, mas, por culpa do correio ou de terceiros, seu quadro não é entregue a tempo de participar da exposição.

Segundo mencionado doutrinador, em todos os exemplos acima, a vítima teria o direito de se queixar. Contudo, considera controverso o fato de as vítimas terem interesse jurídico de ajuizar ação de indenização, tendo em vista que não poderiam falar em dano certo.

Assumindo posição contrária, o doutrinador Adriano de Cupis reconheceu a existência de um dano passível de indenização dos mesmos casos citados por Pacchioni. De Cupis foi considerado, assim, o responsável pelo início da correta percepção da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance no direito italiano, tendo em vista que conseguiu visualizar um dano independente do resultado final e, consequentemente, ajustar a chance perdida no conceito de dano emergente. Nas palavras de Sérgio Savi:

"Adriano de Cupis fixa, ainda outras importantes premissas para a adequada compreensão da teoria da perda de uma chance. Para este autor, a chance de vitória terá sempre valor menor que a vitória futura, o que refletirá no momento da indenização".{C}[19]

Nesse mesmo sentido é o entendimento da professora italiana Giovanna Visintini:

“considera que a perda de uma chance se trata de um tipo de dano projetado no futuro. Tal noção serviria para posicionar, no lugar do dano patrimonial ressarcível, um prejuízo frequentemente incerto, ou seja, vinculado não de maneira clara, mas sim muito provável, ao evento danoso. Nessas condições exige que se recorra ao juízo de equidade – e por isso se distancia da reparação integral, que caracteriza o ressarcimento do dano patrimonial.”[20]

Nesse passo, verifica-se que a doutrina italiana segue o posicionamento de que a perda da chance será passível de ressarcimento quando alguém se vê privado da oportunidade de obter um lucro ou de evitar um prejuízo. Contudo, como destacado, a indenização pela perda de uma chance deve ser menor que a vitória futura, distanciando o dano incerto da necessidade de reparação integral.

3.3. A perda de uma chance no Direito Pátrio

A análise da responsabilidade civil pela perda de uma chance é relativamente nova para os juristas brasileiros. O estudo e aplicação do instituto ficam a cargo da doutrina e jurisprudência, uma vez que o Código Civil não faz menção expressa a essa teoria.

Alguns julgados baseiam-se no entendimento estrangeiro, prioritariamente no entendimento francês e ainda no posicionamento italiano. Certo é que, ainda não há posição consolidada sobre o tema na doutrina e nos Tribunais brasileiros.

Muitas vezes, os pedidos são feitos de forma inadequada, pois se busca uma indenização baseada na vantagem perdida e não na perda exata da oportunidade de se obter a vantagem. Além disso, muitos operadores do direito ainda acreditam que a perda de uma chance levaria apenas a uma espécie de dano moral, tomando como base a natureza compensatória da indenização.

Dentre os poucos doutrinadores que se dedicaram e se aprofundaram no exame da teoria encontram-se José de Aguiar Dias, Miguel Maria de Serpa Lopes, Sergio Cavalieri Filho, Sílvio de Salvo Venosa, e Sérgio Savi.

Apoiada nesses juristas, a jurisprudência vem reconhecendo a existência de um dano a ser indenizado, nos casos de responsabilidade civil pela perda de uma chance, mas também sente dificuldade em enquadrar a natureza jurídica do instituto. 

3.4 A NATUREZA JURÍDICA DA PERDA DE UMA CHANCE

Como mencionado, muito se discute acerca da natureza jurídica do dano causado pela perda de uma chance. Há doutrinadores e operadores do direito que entendem que o prejuízo pode ser comparado ao dano moral, e há aqueles que acreditam tratar-se de tipo de dano material e dentro desse último, dividem-se os que consideram o instituto análogo aos danos emergentes ou aos lucros cessantes.

Alguns juristas, ainda, defendem a ideia de que o prejuízo decorrente da perda de uma chance deva ser tratado como uma terceira categoria de dano, uma categoria autônoma. Vejamos a seguir, detalhadamente, esses posicionamentos.

3.4.1 A Perda de uma Chance como Lucros Cessantes

A ideia de probabilidade e aleatoriedade inerente à chance faz com que alguns juristas considerem o dano causado pela perda de uma chance como lucro cessante, tendo em vista ainda que o prejuízo não será verificado apenas imediatamente após o dano.

O professor Sílvio Venosa considera que a perda de uma chance pode se confundir com o dano patrimonial decorrente de lucro cessante. A base desse entendimento é a de que a vantagem que se espera alcançar é atual, mas incerta. Vejamos:

"Na verdade, quando se concede lucro cessante, há um juízo de probabilidade, que desemboca na perda de uma chance ou de oportunidade. (...)

Em muitas situações, ao ser concedida a indenização por lucros cessantes, os tribunais indenizam, ainda que em nosso país não se refiram ordinariamente à expressão, à perda de oportunidade ou perda de chance, frequentemente citada na doutrina estrangeira (...)"{C}[21]

Sérgio Savi, autor da obra Responsabilidade por Perda de uma Chance, diferencia os dois conceitos, no que diz respeito à natureza dos interesses violados. Para ele, a perda de uma chance decorre de uma violação a um mero interesse de fato, enquanto o lucro cessante deriva de uma lesão direta a um direito subjetivo.[22]

Assim, independentemente do posicionamento a respeito da natureza jurídica do dano indenizável pela perda de uma chance, é importante se ter em mente que a indenização não é concedida pela vantagem perdida, como seria o caso de um salário, mas pela perda da oportunidade de se obter uma vantagem. 

3.4.2 A Perda de uma Chance como Dano Emergente

Para o doutrinador Sérgio Savi, a perda de uma chance é modalidade de dano material, enquadrada, contudo, na espécie de dano emergente. Entende o autor que a chance já existe no patrimônio da vítima quando do momento da ocorrência da lesão. [23]

Como se sabe, o dano emergente é uma espécie de dano patrimonial que se define por uma perda imediata e quantificável. No entendimento de Carlos Roberto Gonçalves, o dano emergente “é o efetivo prejuízo, a diminuição patrimonial sofrida pela vítima.”[24]

Nessa ótica, é possível enxergar a "chance" como algo que já pertencia ao indivíduo no momento de sua perda. Assim, a indenização pela perda de uma chance, por ser algo real, já faz parte do patrimônio do indivíduo e, ao se perder, reduz seu patrimônio. Ou seja, há uma certeza do dano e, assim, ele se molda de maneira a ser considerado um dano emergente, encaixando-se perfeitamente no critério de perda patrimonial.

Neste passo, não seria necessária a prova de que a vantagem se realizaria, pois a própria chance, encarada como propriedade da vítima que sofre a lesão, já serve para configurar a certeza do dano.

Como assevera o doutrinador italiano Adriano de Cupis, a simples mudança de lucro cessante para dano emergente, torna a admissão de sua indenizabilidade muito mais tranquila. Assim, considerar o dano da perda de uma chance como um dano emergente significa considerar a perda da chance de vitória e não a perda da própria da vitória. Sérgio Savi também comenta a perda de uma chance como hipotética vitória:

“a vitória é absolutamente incerta, mas a possibilidade de vitória, que o credor pretendeu garantir, já existe (...) no momento em que se verifica o fato me função do qual ela é excluída: de modo que se está em presença não de um lucro cessante em razão da impedida futura vitória, mas de um dano emergente em razão da atual possibilidade de vitória que restou frustrada.

(...)

Isso porque, repita-se, ao considerar o dano da perda de uma chance como um dano emergente, consistente na perda da chance de vitória e não na perda da vitória, eliminam-se as dúvidas acerca da certeza do dano e da existência do nexo causal entre o ato danoso do ofensor e o dano.”[25]

Por esse ângulo, o dano emergente parece ser a aplicação mais adequada da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance. Considerando a chance como parte do patrimônio do sujeito, fica resolvido ainda o problema da certeza do dano, já que a chance em si já é um direito adquirido.

Por outro lado, o enquadramento da chance perdida como dano emergente causa conflito ao configurar a chance como integrante do patrimônio da vítima. Isso porque, mesmo que real e séria, não se tem certeza de que a "chance" realmente resultaria em acréscimo do patrimônio.

Nas palavras do professor Rui Stoco, “admitir a possibilidade de o cliente obter reparação por perda de uma chance é o mesmo que aceitar ou presumir que essa chance de ver a ação julgada conduzirá, obrigatoriamente, a uma decisão a ele favorável”. A perda da chance, assim, deve ser vista como “reflexo futuro do ato ilícito no patrimônio da vítima”.

Portanto, apesar de resolver o problema da certeza do dano, enquadrar a perda da chance como dano emergente, esbarra-se na problemática de considerar a chance como parte do patrimônio.

Por fim, devemos ressaltar que, ao considerar-se que o dano pela perda de uma chance tem natureza jurídica patrimonial, exclui-se a possibilidade de que o ato ilícito tenha provocado a perda de uma chance de obtenção de um bem não patrimonial.

3.4.3 A Perda de uma Chance como Dano Moral

Prosseguindo com as possibilidades de classificação, há juristas que enquadram o dano decorrente da perda da chance como dano moral, pela frustração da quebra da expectativa de ganho futuro.

O julgado abaixo traz um caso no qual a frustração da perda de uma chance é tratada diretamente como dano moral. Vejamos:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL.

RESPONSABILIDADE CIVIL. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. ADVOGADO. AUSÊNCIA DE PROPOSITURA DA AÇÃO PRINCIPAL. DANO MORAL. CONFIGURADO. PRECEDENTE. 1. O recurso especial não comporta o exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, a teor do que dispõe a Súmula n. 7/STJ. 2. No caso concreto, o Tribunal de origem, analisando a prova dos autos, concluiu que o dano moral experimentado pelo autor decorreu de conduta culposa do advogado. Alterar esse entendimento é inviável na via especial a teor do que dispõe a referida Súmula. 3. Agravo regimental desprovido.[26]{C}(grifou-se)

Nesse sentido, importante constatar que o dano moral decorre da violação a um bem integrante dos direitos da personalidade (sendo eles físicos, intelectuais ou morais propriamente ditos), na perda da chance, o dano é decorrente da aniquilação da probabilidade de um ganho futuro, seja patrimonial ou extrapatrimonial.

Dessa forma, é impossível considerar que a perda de uma chance possa ser tratada apenas como dano moral, á que muitas vezes o dano é quantificado de forma exclusivamente material. Nas palavras de Sergio Savi, “o que não se pode admitir, é considerar o dano da perda de uma chance como sendo um dano exclusivamente moral”.

A discussão doutrinária e jurisprudencial acerca da natureza do dano decorrente da perda de uma chance demonstra a preocupação do direito em tutelar esse interesse, revelando-se a chance como um bem significativo no mundo jurídico.

Diante disso, a despeito da inconclusividade acerca da classificação, vejamos as formas de quantificação desse dano que, embora ainda não definitivamente enquadrado, deve ser ressarcido.

3.5 A QUANTIFICAÇÃO DA PERDA DE UMA CHANCE

Assim como a classificação do dano, a apuração do valor da indenização baseada na perda de uma oportunidade é questão ainda bastante controversa em nosso ordenamento jurídico. Não existem parâmetros taxativos para esta apuração, de forma que o juiz ainda precisa analisar as características específicas do caso concreto. Deve, contudo, se ater a algumas premissas: 

"A indenização deverá ser da 'chance' e não do ganho perdido. Não se identifica com que se deixou de receber; a medida desse dano deve ser apreciada judicialmente segundo o maior ou menor grau de probabilidade de converter-se em certeza e sem que deva se assimilar com eventual benefício perdido".

Nas palavras de Sérgio Savi, “a chance de vitória terá sempre valor menor que a vitória futura, o que refletirá no montante da indenização. Além disso, nem todos os casos de perda de chance são indenizáveis”[27].

Para a fixação do valor, o juiz deve partir do dano final e fazer incidir sobre este o percentual de probabilidade ou chance de obtenção da vantagem esperada. Nesse ponto, a avaliação da intensidade da chance perdida é essencial para esta quantificação.

Seguro de vida em grupo - Parcelas do seguro descontadas em folha de pagamento do empregado e destinadas ao pagamento de prémio de seguro em grupo - Seguro, porém, não contratado pelo sindicato a que destinado o desconto - Perda de uma chance - Ação de indenização - Sentença de procedência - Recurso não provido. 1. Pratica ato ilícito e deve indenizar o dano o sindicato que recebe de seu associado, mediante desconto em folha, contribuição mensal referente a seguro de vida em grupo, deixando, porém, de providenciar a contratação respectiva, o que inviabiliza aos sucessores o direito à percepção da cobertura securitária. 2. Aplicação da teoria da chance perdida, ou teoria da perda de uma chance, isto é, a perda da possibilidade de se alcançar situação mais vantajosa - ou menos prejudicial - que muito provavelmente se alcançaria, não fosse o ato ilícito praticado. 3. O valor da indenização pode corresponder, ou não, ao montante efetivamente perdido, dependendo da maior ou menor probabilidade de que o ganho ocorreria, não tivesse havido a atuação injurídica que o suprimiu. 4. No caso presente, não se vê motivo que justificasse probabilidade de denegação do seguro, tivesse havido a contratação. Logo, o valor indenizatório é o que deveria ter sido avençado. Recurso de Apelação nº 9097756-56.2000.8.26.0000 - Relator Reinaldo Caldas - São Paulo - 29ª Câmara de Direito Privado TJSP - j. 04/05/2011 (grifou-se)

Sérgio Savi ressalta ainda que, nos casos em que é impossível atribuir um conteúdo patrimonial à possibilidade de se obter uma determinada vantagem, o juiz deve considerar a chance perdida como forma de majorar a indenização por danos morais.

De qualquer forma, a dificuldade de medir a extensão do dano jamais poderá ser utilizada como fundamento para negar a indenização pela chance perdida. Afinal, a possibilidade de existência de um dano certo em determinados casos de perda de chance é evidente. 

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

STUART, Luiza Checchia. A teoria da perda de uma chance. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4068, 21 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30274. Acesso em: 22 dez. 2024.

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