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A teoria da perda de uma chance

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21/08/2014 às 16:44
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4. ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

Apesar da ainda escassa a doutrina sobre o assunto, os Tribunais Superiores já utilizam a teoria da perda de uma chance em seus julgados.

Um caso clássico e de grande repercussão nacional é aquele no qual o requerente buscava ser indenizada por danos morais e materiais, em decorrência de incidente ocorrido durante sua participação no programa de televisão "Show do Milhão".

Um equívoco cometido pelo programa impediu que o participante acertasse a pergunta que o levaria ganhar prêmios em dinheiro, tendo em vista que lhe foram apresentadas cinco alternativa erradas de respostas.

No caso, o relator entendeu que o ressarcimento deveria ser feito pela perda da chance de acertar a resposta e ganhar prêmios, mas não pela perda direta do prêmio. 

"RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. IMPROPRIEDADE DE PERGUNTA FORMULADA EM PROGRAMA DE TELEVISÃO. PERDA DA OPORTUNIDADE. 1. O questionamento, em programa de perguntas e respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não indica percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade da prestação por culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir o participante pelo que razoavelmente haja deixado de lucrar, pela perda da oportunidade. 2. Recurso conhecido e, em parte, provido."{C}[28]

Outro exemplo, este mais corriqueiro no meio jurídico, é aquele no qual o advogado perde o prazo para interposição de recurso, que poderia reverter a situação desfavorável de seu cliente. Nos casos abaixo, os relatores entenderam que a perda da chance deve ser indenizada, tanto para danos patrimoniais como para extrapatrimoniais.

"PROCESSUAL CIVIL E DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE DE ADVOGADO PELA PERDA DO PRAZO DE APELAÇÃO. TEORIA DA PERDA DA CHANCE. APLICAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. ADMISSIBILIDADE. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. A responsabilidade do advogado na condução da defesa processual de seu cliente é de ordem contratual. Embora não responda pelo resultado, o advogado é obrigado a aplicar toda a sua diligência habitual no exercício do mandato. Ao perder, de forma negligente, o prazo para a interposição de apelação, recurso cabível na hipótese e desejado pelo mandante, o advogado frusta as chances de êxito de seu cliente. Responde, portanto, pela perda da probabilidade de sucesso no recurso, desde que tal chance seja séria e real. Não se trata, portanto, de reparar a perda de “uma simples esperança subjetiva”, nem tampouco de conferir ao lesado a integralidade do que esperava ter caso obtivesse êxito ao usufruir plenamente de sua chance. A perda da chance se aplica tanto aos danos materiais quanto aos danos morais. A hipótese revela, no entanto, que os danos materiais ora pleiteados já tinham sido objeto de ações autônomas e que o dano moral não pode ser majorado por deficiência na fundamentação do recurso especial (...)."{C}[29]{C}

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. RECEBIMENTO COM AGRAVO REGIMENTAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. CONDUTA OMISSIVA E CULPOSA DO ADVOGADO. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. RAZOABILIDADE DO VALOR ARBITRADO. DECISÃO MANTIDA.

1. Responsabilidade civil do advogado, diante de conduta omissiva e culposa,  pela impetração de mandado de segurança fora do prazo e sem instrui-lo com os documentos necessários, frustrando a possibilidade da cliente, aprovada em concurso público, de ser nomeada ao cargo pretendido. Aplicação da teoria da "perda de uma chance".

2. Valor da indenização por danos morais decorrentes da perda de uma chance que atende aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, tendo em vista os objetivos da reparação civil. Inviável o reexame em recurso especial.

3. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, a que se nega provimento.[30]

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL.

RESPONSABILIDADE CIVIL. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. ADVOGADO. AUSÊNCIA DE PROPOSITURA DA AÇÃO PRINCIPAL. DANO MORAL. CONFIGURADO. PRECEDENTE.

1. O recurso especial não comporta o exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, a teor do que dispõe a Súmula n. 7/STJ.

2. No caso concreto, o Tribunal de origem, analisando a prova dos autos, concluiu que o dano moral experimentado pelo autor decorreu de conduta culposa do advogado. Alterar esse entendimento é inviável na via especial a teor do que dispõe a referida Súmula.

3. Agravo regimental desprovido.[31]

Nesses casos, além do comportamento negligente do profissional, deve ser feita uma análise das possibilidades de êxito do processo, perdidas em decorrência do alegado desleixo. Assim, só o fato de o advogado ter perdido um prazo não ensejaria, por si só, a responsabilização civil com base na teoria da perda de uma chance.

Prosseguindo, o julgado abaixo mostra um exemplo de perda de chance de candidatura de um candidato a vereador que teve notícia falsa e difamante sobre a sua pessoa veiculada às vésperas da eleição, e que deixou de ser eleito por apenas oito votos. 

"INDENIZAÇÃO. PERDA. CHANCE. ELEIÇÃO. O tribunal a quo deu parcial provimento à apelação interposta pelos ora recorrentes para reduzir o valor da indenização imposta pela sentença, que os condenou ao pagamento de danos morais e materiais ao recorrido, por, às vésperas do dia da eleição municipal, haver veiculado falsa notícia referente à sua candidatura ao cargo de vereador, não tendo sido eleito por apenas oito votos. Assim, a Turma negou provimento ao recurso, reiterando o entendimento de que é possível a indenização pelo benefício cuja chance a parte prejudicada tenha perdido a oportunidade de concretizar, segundo um critério de probabilidade. Não se trata de reparar a perda de uma simples esperança subjetiva, em conferir ao lesado a integralidade do que esperava caso obtivesse êxito ao usufruir plenamente sua chance. É necessário que tenha ocorrido um ato ilícito e, daí, decorresse a perda da chance de obter o resultado que beneficiaria o lesado.[32]{C}

É importante destacar que o candidato deveria comprovar, por meio de pesquisas, por exemplo, que estava a frente nas pesquisas antes da falsa notícia ter sido veiculada, o que ligará a atitude difamante à perda da chance de seu futuro mandato.

Por fim, vejamos dois julgados nos quais a oportunidade de êxito dos requerentes não foi devidamente comprovada, ou ainda era remota e inexpressiva, causando indeferimento do pleito indenizatório:

"TEORIA. PERDA. CHANCE. CONCURSO. EXCLUSÃO. A Turma decidiu não ser aplicável a teoria da perda de uma chance ao candidato que pleiteia indenização por ter sido excluído do concurso público após reprovação no exame psicotécnico. De acordo com o Min. Relator, tal teoria exige que o ato ilícito implique perda da oportunidade de o lesado obter situação futura melhor, desde que a chance seja real, séria e lhe proporcione efetiva condição pessoal de concorrer a essa situação. No entanto, salientou que, in casu, o candidato recorrente foi aprovado apenas na primeira fase da primeira etapa do certame, não sendo possível estimar sua probabilidade em ser, além de aprovado ao final do processo, também classificado dentro da quantidade de vagas estabelecidas no edital."{C}[33]{C}

"DIREITO CIVIL. DANOS MORAIS. LEILÃO EXTRAJUDICIAL DE IMÓVEL (...). AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DOS DEVEDORES. PERDA DA OPORTUNIDADE DE PURGAR A MORA. IMPROBABILIDADE DO PAGAMENTO. DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO INDEVIDA. 1. É indispensável a intimação pessoal dos devedores acerca da data designada para o leilão do imóvel hipotecado em processo de execução extrajudicial (...). 2. Somente a perda de uma oportunidade real, plausível e séria justifica a compensação por danos morais. Na hipótese dos autos, a chance de que fosse purgada a mora após a intimação pessoal dos devedores era remota e inexpressiva. 3. Recurso Especial parcialmente conhecido e provido."{C}[34]{C}

Dessa forma, a jurisprudência mostra a aceitação do tema, mas evidencia que não basta a comprovação de que o resultado final não foi atingido. O entendimento dos Tribunais mostra que é fundamental a comprovação efetiva da existência da chance de atingir referido resultado e ainda que a chance caiu por terra pela atitude do ofensor. 


5. CONCLUSÃO

Por meio da Teoria da Perda de uma Chance, a perda da oportunidade de concretizar um objetivo é caracterizada como um dano passível de indenização, ainda que não seja um dano relativo a uma situação já existente, mas a uma real expectativa de se alcançar essa situação.

Assim, a perda de uma chance não caracteriza um dano concreto, uma vez que a mera existência de uma chance não significa a certeza de que aquele determinado objetivo seria de fato alcançado, ainda que não houvesse a interferência do pretenso culpado.

Contudo, embora se esteja trabalhando no campo da hipótese, não há dúvida da existência de um prejuízo para a parte que perde a chance, que deixa de contar com a hipótese de alcançar seu objetivo.

Nesse contexto, a quantificação da indenização da perda de uma chance está sempre vinculada à probabilidade que aquela oportunidade tinha de se concretizar e ao valor do objetivo que poderia ser concretizado.

Por fim, consideramos que a teoria da perda de uma chance encontra fundamentação nos princípios norteadores do direito civil mas que, por outro lado, muitos desafios ainda devem ser enfrentados pelos tribunais e operadores do direito para difundir sua aplicabilidade prática.

Um bom começo para facilitar sua aplicação é a padronização de sua mensuração, advinda de um sério trabalho com foco multidisciplinar por meio dos juristas e aplicadores do direito. 


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS

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CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros, 2003.

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GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 3ª edição rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007.

GONDIM, Glenda Gonçalves. Responsabilidade civil: teoria da perda de uma chance. In: Revista dos Tribunais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, outubro de 2005, ano 94, v. 840.

KFOURI NETO, Miguel. Culpa médica e ônus da prova. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

___________________. Responsabilidade Civil do Médico. 5ª edição rev. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.

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LOTUFO, Renan. Código Civil comentado: parte geral (arts. 1º a 232), volume 1. 2ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2004.

PELUSO, Cezar. Código Civil Comentado. 5ª edição revisada e atualizada. Barueri: Editora Manole, 2011.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2002.

SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Princípio da Reparação Integral. São Paulo: Saraiva, 2010.

SAVI, Sérgio, Responsabilidade Civil por Perda de uma Chance. 1a edição. São Paulo: Atlas, 2006.

SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de Direito Civil, v. II, Obrigações em Geral. 7ª edição, Rio de Janeiro: Freita Bastos, 2000.

SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade Civil pela Perda de uma Chance. 2a edição. São Paulo: Atlas, 2009.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: responsabilidade civil, 11ª edição, São Paulo: Atlas, 2011.

 


Notas

[1]CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil.

[2]PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil.

[3]SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de Direito Civil. Obrigações em Geral.

[4]LOTUFO, Renan. Código Civil Comentado: parte geral (arts. 1º a 232),  p. 497.

[5]Art. 186, Código Civil. "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."

[6]Art. 927, Código Civil. "Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo."

[7]Art. 927, § único, Código Civil. "Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem."

[8]PELUSO, César. Código Civil Comentado, p. 930.

[9]Nesse ponto, apenas excepcionalmente se permite que um dos contratantes assuma, em cláusula expressa, o encargo da força maior ou caso fortuito.

[10]DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. p. 199.

[11]RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil, p. 16.

[12]STJ - REsp 614.266/MG, Rel. Ministro Ricardo Villas Boas Cueva. 3a Turma, j. 18/12/2012.

[13]SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade Civil pela Perda de uma Chance, p. 73.

[14]GONDIM, Glenda Gonçalves. Responsabilidade civil: teoria da perda de uma chance, p. 22.

[15]PENNEAU, Jean. in SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade Civil pela Perda de uma Chance, p. 84.

[16]{C}KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico, p. 95-96.

{C}[17]{C}PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. p. 41.

[18]SAVI, Sérgio. Responsabilidade Civil por Perda de uma Chance, p. 03.

[19]SAVI, Sérgio. Responsabilidade Civil por Perda de uma Chance, p. 12.

[20]VISINTINI, Giovana apud KFOURI NETO, Miguel. Culpa médica e ônus da prova, p. 97.

[21]VENOSA, Sílvio. Direito Civil: Responsabilidade Civil, p. 325 e 328.

[22]SAVI, Sérgio. Responsabilidade Civil por Perda de uma Chance, p. 15.

[23]SAVI, Sérgio. Responsabilidade Civil por Perda de uma Chance, p. 17.

[24]GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, p. 247.

[25]SAVI, Sérgio. Responsabilidade Civil por Perda de uma Chance, p. 11.

[26]STJ - AgRg no REsp 1149718/MT, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira. 4ª Turma. DJe 04/03/2013.

[27]SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2006.

[28]  STJ - Recurso Especial 788.459/BA, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, 4ª Turma, j. 08/11/05. (grifou-se).

[29]STJ - Recurso Especial 1079185/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma do STJ, j. 11/11/08. (grifou-se)

[30]STJ - EDcl no REsp 1321606/MS, Rel. Ministro Antônio Carlos Ferreira. 4a Turma. j. 23/04/2013.

[31]STJ - AgRg no REsp 1149718/MT, Rel. Ministro Antônio Carlos Ferreira. 4a Turma. j. 21/02/2013.

[32]STJ – RESP 821.004/MG, Rel. Ministro Sidnei Beneti, 3a Turma. j. 19/8/2010.

[33]STJ – Ar.Rg. em RESP 1.220.911/RS. Rel. Ministro Castro Meira, 2a Turma. j. 17/3/2011. (grifou-se).

[34]STJ – RESP 1115687/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 3a Turma. j. 18/11/2010. (grifou-se).

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STUART, Luiza Checchia. A teoria da perda de uma chance. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4068, 21 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30274. Acesso em: 22 nov. 2024.

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