Dos alimentos compensatórios

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21/07/2014 às 16:38
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A dissolução do casamento ou da união estável pode levar um dos ex-consortes a um decréscimo no padrão de vida. Para tentar solucionar esse desequilíbrio econômico surge a teoria dos alimentos compensatórios, que já é aceita pela doutrina e nos Tribunais.

1 INTRODUÇÃO

 

Os alimentos prestados por um cônjuge ao outro representam uma das consolidações do princípio da solidariedade, no sentido de que o consorte em melhor situação financeira ampare a parte necessitada.

De acordo com Clóvis Beviláqua, os alimentos estão fundados em uma relação familial, mas interessam a toda a sociedade, o que justifica a existência de normas de ordem pública a respeito da matéria.

Nesta seara, ganham destaque os alimentos compensatórios, que surgem para amparar o cônjuge que não agrega nenhum bem após o divórcio, de modo que a parte mais abonada pode ser compelida a prover os meios necessários para que seu antigo consorte mantenha o padrão de vida vivenciado durante o matrimônio.

No presente artigo será apresentado o aspecto geral dos alimentos para depois compará-los com este novo instituto que por não ter previsão legal expressa é alvo de debates na doutrina e nos Tribunais.

Neste contexto, ao final serão feitas algumas críticas aos alimentos compensatórios e apresentadas ponderações acerca dessa tese que já é aceita em alguns países.

2 DOS ALIMENTOS EM GERAL

 

A pessoa humana, devido à sua natureza, não é autossustentável, necessitando buscar no meio ambiente ao seu redor aquilo que é preciso para sua subsistência.

Todavia, na sociedade capitalista atual, muitas vezes uma pessoa não é capaz de prover seu próprio sustento, necessitando do auxílio de outra que proverá os alimentos em razão da lei ou da sua própria vontade.

Daí porque surge a obrigação alimentar como instituto fundamental ao amparo do ser humano com vida.

Nos subtópicos abaixo serão abordados aspectos gerais dos alimentos para que se possa compreender melhor o foco do presente artigo, qual seja, os Alimentos Compensatórios.

2.1 Conceito

 

Devido a sua abrangência e complexidade, conceituar alimentos não é das tarefas mais simples, sendo necessário cuidado para não apresentar um conceito muito amplo ou um muito estrito.

De um modo geral pode-se conceituar alimentos como tudo aquilo que é necessário para a sobrevivência humana na sociedade em que se encontra, podendo ser enquadrado nesta definição os alimentos stricto sensu, a vestimenta, a habitação, a educação, o lazer, a saude, etc.

O doutrinador Yussef Said Cahali (2009, p. 15/16) define alimentos como “as prestações devidas, feitas para aquele que as recebe possa subsistir, isto é, manter sua existência, realizar o direito à vida, tanto física (sustento do corpo) como intelectual e moral (cultivo e educação do espírito, do ser racional)”.

Na mesma linha o professor Rolf Madaleno (2011, p. 821), aduz que:

 “Os alimentos são destinados a satisfazer as indigências materiais de subsistência, vestuário habitação e assistência na enfermidade, e também para responder às requisições de índole moral e cultural, devendo as prestações atender à condição social e ao estilo de vida do alimentando, assim como a capacidade econômica do alimentante, e, portanto amparar uma ajuda familiar integral.”

Conforme observado, a definição de alimentos é ampla, podendo envolver não apenas os mantimentos necessários para alimentação, como também os recursos indispensáveis para que o alimentado mantenha uma vida social digna.

2.2 Fundamentos da Obrigação Alimentar

Nos primórdios da humanidade a obrigação alimentar era puramente moral, travestindo-se muito mais em um dever de assistência em favor daqueles que não podiam prover por si só a sua existência.

Com o passar dos anos percebeu-se que somente a consciência humana não seria bastante para amparar aqueles que necessitavam, e a obrigação alimentar começou a ser regulamentada.

Nos dizeres de Cahali (2009, p. 32), “institucionalizada a obrigação alimentar, difundida e ampliada essa obrigação pelo direito canônico, acabou ela por adquirir em definitivo a característica de uma obrigação jurídica”.

Atualmente a obrigação alimentar encontra sua principal pilastra nos princípios da solidariedade familiar e da solidariedade social (art. 3º, I, CF). No Código Civil a obrigação alimentar decorre dos artigos 1.694 e seguintes.

Paulo Lobo (2011, p. 364) leciona que:

“Sob o ponto de vista da Constituição, a obrigação a alimentos funda-se no princípio da solidariedade (art. 3º, I), que se impõe à organização da sociedade brasileira. A família é base da sociedade (art. 226), o que torna seus efeitos jurídicos, notadamente alimentos vincados no direito/dever de solidariedade.”

Portanto, pode-se dizer que a obrigação alimentar decorre da moral intrínseca ao ser humano, mas que se não cumprida pode ser imposta pela lei, e encontra seu fundamento no dever de solidariedade familiar e social, porém só pode ser exigido legalmente daqueles que têm a obrigação de prestá-los.

2.3 Características dos Alimentos

 

Devido a suas especificidades, o instituto ora em análise está rodeado de características norteadoras, sendo algumas delas elencadas a seguir.

2.3.1 Direito personalíssimo

 

O direito aos alimentos é exclusivo do alimentando, uma vez que tem como finalidade atender às necessidades essenciais deste, não tendo sentido que outro receba as prestações em seu lugar. Trata-se de um direito intuito personae, ou seja, fixado em razão do alimentando.

Nas lições de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2008, p. 589) “O direito a alimentos não admite cessão, onerosa ou gratuita, bem como não tolera compensação, com dívidas de que natureza for”.

Nesta seara, o direito aos alimentos é personalíssimo porque não se trata de um direito patrimonial – em que pese muitas vezes seja pago em dinheiro, mas de uma prestação que tem como escopo a preservação da vida do alimentando.

2.3.2 Irrenunciabilidade

 

A irrenunciabilidade é uma característica lógica dos alimentos, haja vista que o escopo maior deste instituto é a preservação da vida.

O Professor Silvio Venosa (2008, p. 355), destaca que “o direito pode deixar de ser exercido, mas não pode ser renunciado, mormente quando os alimentos derivados do parentesco”. Esse entendimento é corroborado pelo artigo 1.707, do Código Civil.

Válido lembrar, mesmo que sem um aprofundamento maior na discussão, que parte da doutrina e o Superior Tribunal de Justiça entendem que a irrenunciabilidade atinge somente os incapazes, podendo as pessoas capazes renunciar aos alimentos se desejarem.

Com a devida vênia, este posicionamento não parece ser o mais correto, pois se a vida é um direito indisponível e os alimentos visam a sua manutenção, renunciar aos alimentos é o mesmo que renunciar indiretamente ao direito de viver.

2.3.3 Irrepetibilidade

 

Os alimentos, devido a sua natureza eminentemente alimentar, são, em regra, irrepetíveis, ou seja, não podem ser restituídos àqueles que os pagaram.

Rolf Madaleno (2011, p. 859) nos ensina que:

“Mesmo quando arbitrados os alimentos em sede liminar, a irrepetibilidade será mantida até a eventual modificação judicial do montante alimentar provisório na segunda instância, não sendo devolvidos os valores vencidos durante a tramitação da ação alimentar, sofrendo alteração apenas para o futuro, a partir da decisão de redução da pensão, sendo devidas as diferenças não liquidadas.”

A irrepetibilidade dos alimentos não está prevista em lei, sendo uma construção da doutrina e jurisprudência nacional[1], sendo uma exceção à repetição do indébito estipulada no artigo 876, do Código Civil.

2.3.4 Impenhorabilidade

 

Estabelece o artigo 1.707 do Código Civil que os Alimentos são impenhoráveis.

Sobre o assunto, Rolf Madaleno (2011, p. 876) esclarece-nos mais uma vez:

Como direito personalíssimo do alimentando, por não ter trabalho, nem recursos próprios de sobrevivência e tampouco bens capazes de garantir a subsistência, não há como pretender sejam penhoradas as prestações alimentícias correspondentes ao seu crédito alimentar e ligados à sua existência, pois em seara de alimentos a lei trata de favorecer exclusivamente a pessoa alimentada e não os seus credores, buscando evitar que a pensão de alimentos seja utilizada para outros propósitos que não se limitem à função assistencial e de subsistência que cumprem os alimentos e, em consequência, os alimentos não podem ser atacados por demandas de execução por dívidas comuns, salvo que se trate de débito devido por outra pensão alimentícia.

O legislador preferiu assegurar o direito aos alimentos em detrimento do “crédito comum” de terceiro, permitindo, assim, que o crédito alimentar não seja prejudicado por dívidas do alimentando.

2.3.5 Incompensabilidade

Por força dos artigos 373, II e 1.707, ambos do Código Civil, os alimentos não podem ser compensados. É mais uma característica que decorre em razão deste instituto visar a manutenção da vida do alimentando.

Yussef Sid Cahali (2009, p. 87), citando M. I. Carvalho de Mendonça, esclarece que “Esta exclusão da compensação ‘é, na verdade, uma exceção característica, pois que, no fundo, elas (dívidas de alimentos) são sempre dívidas de dinheiro. Sua natureza especial, porém, exige o pagamento efetivo, em mãos do credor, são prestações urgentes, um direito personalíssimo do alimentando’ ”.

Entretanto, a vedação de compensação dos alimentos admite exceção, precipuamente “quando se reconhece haver abuso do direito do administrador ou credor dos alimentos, omitindo-se de quitar dívidas que deve atender, com a pensão alimentícia e gerando um enriquecimento ilícito com esta sua própria desídia” (MADALENO, 2011, p. 863).

 

2.3.6 Imprescritibilidade

 

O direito alimentar pode ser exercido a qualquer momento pelo alimentando, não existindo prazo prescricional quando não exercido. Yussef Said Cahali (2009, p. 94) ministra que “Considera-se, assim, o direito de alimentos imprescritível, no sentido daquele poder de fazer surgir, em presença de determinadas circunstâncias, uma obrigação em relação a uma ou mais pessoas”.

Elucidando ainda mais sobre o assunto, Rolf Madaleno (2011, p. 856), preconiza:

É direito que não se extingue pela falta de seu exercício, e que simplesmente se renova persiste diante da situação de novidade. A reivindicação de alimentos constitui-se em uma mera faculdade do titular dos alimentos reclamá-los em juízo, não havendo como admitir sua prescrição quando o próprio artigo 1.707 do Código Civil estabelece que o credor até pode não exercer o direito a alimentos, mas lhe é vedado renunciá-lo. Admitir a prescrição do direito alimentar seria uma forma indireta e ilegal de reconhecer a renúncia alimentar.

Apesar da imprescritibilidade dos alimentos, é preciso lembrar que prescrevem, em dois anos (artigo 206, § 2º, CC), a pretensão para exigir judicialmente a prestação alimentar fixada e vencida.

3 DOS ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS

 

Vistos e analisados os principais aspectos do direito alimentar, mesmo que suscintamente, chega-se ao tema central do presente artigo. Trata-se de um novo instituto denominado Alimentos Compensatórios, e que a cada dia vem ganhando força na doutrina e jurisprudência nacional.

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Esta prestação compensatória tem pouco em comum com o conceito clássico de alimentos, e por isso recebeu e até hoje recebe críticas por parte da doutrina, que questionam a sua nomenclatura e o seu cabimento.

Notadamente com caráter muito mais indenizatório do que alimentar, esta construção doutrinária iniciou-se no exterior e atualmente é aceita no país mesmo sem uma previsão legal expressa.

Neste diapasão, verifica-se que o tema não é unanimidade e merece uma maior discussão antes de se solidificar em terras tupiniquins.

3.1 Conceito

Argumentam os defensores dos alimentos compensatórios que a riqueza construída durante o casamento ou a união estável é fruto do esforço do casal e que casos estes se separem, pode ocorrer de um dos ex-consortes ficar com um padrão de vida mais baixo em relação ao outro, momento em que surgiria o direito aos alimentos compensatórios para aquele menos afortunado.

O doutrinador brasileiro Rolf Madaleno (2011, p. 951), que foi quem trouxe a tese ao Brasil, define os alimentos compensatórios como:

uma prestação periódica em dinheiro, efetuada por um cônjuge em favor do outro na ocasião da separação ou do divórcio vincular, onde se produziu um desequilíbrio econômico em comparação com o estilo de vida experimentado durante a convivência matrimonial, compensando deste modo a disparidade social e econômica com a qual se depara o alimentando em função da separação, comprometendo suas obrigações materiais, seu estilo de vida e a sua subsistência pessoal.

E Madaleno (2011, p. 952) conclui dizendo que:

O propósito da pensão compensatória é indenizar por algum tempo ou não o desequilíbrio econômico causado pela repentina redução do padrão socioeconômico do cônjuge desprovido de bens e meação, sem pretender a igualdade econômica do casal que desfez sua relação, mas que procura reduzir os efeitos deletérios surgidos da subida indigência social, causada pela ausência de recursos pessoais, quando todos os ingressos eram mantidos pelo parceiro, mas que deixaram de portar com o divórcio.

De acordo com Waldyr Grisard Filho (2011, p.3), a pensão compensatória é um “direito pessoal do cônjuge ou companheiro que, com a ruptura da vida em comum, sofre uma diminuição em seu status econômico em relação ao que detinha na constância da união desfeita e se encontra em posição de desvantajoso desequilíbrio a respeito do que manteve o outro”.

Como não há nenhuma fundamentação expressa, a doutrina e jurisprudência se apegam à vedação do enriquecimento sem causa e ao princípio da solidariedade e até mesmo da dignidade da pessoa humana para embasar a tese.

Outrossim, fundam a teoria nos artigos 1.566, III, e 1.694, ambos do Código Civil, e que estabelecem, respectivamente, o dever de mútua assistência e a possibilidade dos cônjuges pedirem os alimentos “que necessitem para viver de modo compatível com sua condição social”.

Além desses fundamentos, utilizam também o parágrafo único do artigo 4º da Lei 5.478/88[2].

Portanto, os alimentos compensatórios se prestam a indenizar o ex-consorte que, pela ruptura do relacionamento, experimenta uma queda no padrão de vida em relação à época em que vivia com seu antigo consorte.

3.2 Alimentos Compensatórios no Exterior

Assim como a maioria das construções doutrinárias brasileiras, os alimentos compensatórios também surgiram no exterior e foram incorporados pelos nossos doutrinadores.

Por essa razão o estudo dos alimentos compensatórios ao redor do mundo vai além da mera curiosidade, sendo de fundamental importância para a melhor compreensão do tema.

Atualmente o instituto dos alimentos compensatório está presente em vários países, dentre os quais podemos destacar a Alemanha, a França, a Espanha e a Argentina. Além dessas nações, Grã-Bretanha, Itália, Áustria, Dinamarca, Noruega, El Salvador, dentre outras, também admitem a prestação compensatória.

Ao redor do mundo o escopo dos alimentos compensatórios é o mesmo, qual seja, indenizar por algum tempo ou não o desequilíbrio econômico causado pelo término do relacionamento.

Apesar de muitos conferirem a origem dos alimentos compensatórios à França, eles fizeram sua primeira aparição no direito alemão, quando em um divórcio foi mencionado o termo Ausgleichsleitung (linha de equilíbrio) para fundamentar a fixação desses alimentos.

Além da Alemanha, outros países foram de fundamental importância para o desenvolvimento do instituto dos alimentos compensatórios, dentre os quais podemos destacar:

- França:

•        A primeira construção mais sólida dos alimentos compensatórios ocorreu em 1975, na França, quando a culpa deixou de ser discutida para a fixação desses alimentos, passando a se considerar o desequilíbrio econômico de forma objetiva.

•        O exercício de profissão não impede que o ex-cônjuge receba os alimentos compensatórios, pois importa apurar se o rompimento da relação deu causa a uma disparidade econômica entre as partes do antigo casal.

•        A pensão compensatória pode ser paga em uma única vez ou mensalmente em dinheiro, pela entrega de bens, pelo usufruto de alguma propriedade ou mediante cessão de créditos.

•        Pode ser fixada por acordo ou decisão judicial.

- Argentina:

•        No direito argentino o instituto dos alimentos compensatórios também surgiu após o fim da discussão da culpa no divórcio, com o objetivo de restaurar o equilíbrio patrimonial entre os cônjuges nos casos em que o fim da vida a dois crie um abismo muito grande entre eles.

•        A discussão para sua imposição ou não é puramente objetiva, bastando ser verificado se a separação do casal resultou num desequilíbrio econômico em comparação com o estilo de vida experimentado durante a convivência matrimonial.

•        Devido a sua proximidade, foi uma das principais influências para os alimentos compensatórios no Brasil.

-Espanha:

•        Os alimentos compensatórios são regulados pelo artigo 97 do Código Civil, que estabelece uma série de fatores que o magistrado deverá observar antes de quantificar os alimentos compensatórios. São eles:

1.      A vontade das partes;

2.      A idade e o estado de saude;

3.      Qualificação profissional e as probabilidades de acesso a um emprego;

4.      A dedicação passada e futura à família;

5.      A colaboração com seu trabalho e as atividades mercantis, industriais ou profissionais da outra parte;

6.      A duração do casamento e da convivência conjugal;

7.      Eventual perda de um direito de pensão;

8.      A riqueza e os meios econômicos e as necessidades de uma e de outra parte; e

9.      Qualquer outra circunstância relevante.

•        Importante: esses fatores são apenas para a quantificação dos alimentos compensatórios, não influenciando de maneira alguma o direito à eles. 

Pela simples leitura das principais características dos alimentos compensatórios nos países estrangeiros, constata-se que para que ele seja fixado deve ocorrer um desequilíbrio econômico ao fim da relação amorosa.

Pautam-se, portanto, em uma condição objetiva, deixando de lado a discussão da culpa, discussão muito frequente até pouco tempo nos casos de dissolução do casamento ou da união estável.

                                            

3.3 Natureza Jurídica

De acordo com o explanado, os alimentos compensatórios objetivam primordialmente a manutenção do padrão de vida que o ex-consorte menos favorecido economicamente tinha quando o relacionamento vigia.

Portanto, este instituto tem natureza jurídica indenizatória, de modo que as características dos alimentos em geral não se refletem aqui, podendo a prestação compensatória ser renunciada, penhorada, cedida, compensada, etc.

3.4 Hipóteses de Cabimento

 

Conforme o ensinamento da doutrina nacional, a fixação dos alimentos compensatórios está atrelada à existência de duas condições objetivas: a) o rompimento do casamento ou união estável; e b) que esse rompimento cause um desequilíbrio econômico entre os sujeitos que formavam o casal.

Sobre o assunto, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2012, p. 790/791), complementam:

Defende-se, então, a possibilidade de fixação do pensionamento em perspectiva compensatória sempre que a dissolução do casamento atinge, sobremaneira, o padrão social e econômico de um dos cônjuges sem afetar o outro. Especialmente, naquelas relações efetivas que se prolongam por muitos anos, com uma história de cooperação recíproca. Nessas circunstâncias, advindo o divórcio, após longos anos de relacionamento, o patrimônio comum será partilhado, a depender do regime de bens e o cônjuge que precisar poderá fazer jus aos alimentos, para sua subsistência. Todavia, considerando que um dos cônjuges tem um rendimento mensal mínimo, absolutamente discrepante do padrão que mantinha anteriormente, pode se justificar a fixação dos alimentos em valor compensatório.

Assim como no estrangeiro, os alimentos compensatórios avaliam “pura e simplesmente uma pauta eminentemente objetiva, indiferente ao motivo do divórcio, pois sua concessão judicial está baseada no desequilíbrio econômico e no empobrecimento do credor” (Madaleno, 2011, p. 953).

De se notar que o pagamento de pensão alimentar tradicional não obsta a fixação dos alimentos compensatórios, pois a primeira tem caráter alimentar (ligado à preservação da vida), enquanto que a segunda é puramente indenizatória. Outrossim, o regime de bens não interfere no cabimento deste instituto.

Conclui-se, portanto, que a prestação compensatória será devida sempre que o rompimento da relação amorosa resultar em desequilíbrio econômico entre as partes, independente de culpa e poderá ser fixada até nos casos em que o ex-consorte com menos recursos financeiros tenha condições de prover sua própria subsistência.

3.5 Prazo

 

De acordo com a construção doutrinária, os alimentos compensatórios não têm um prazo fixo ou predeterminado em lei, sendo que a duração dessa obrigação alimentar deverá ser sopesada em cada caso concreto.

Para saber até quando a pensão será devida, o magistrado deverá se atentar para a peculiar característica dos alimentos compensatórios, qual seja, a de evitar o desequilíbrio econômico entre os ex-cônjuges.

Exatamente nisso encontra-se a principal diferença entre os alimentos transitórios e os compensatórios, pois naqueles a sentença ou homologação judicial que os determina estabelece um prazo para sua extinção.

Por fim, válido lembrar que os alimentos compensatórios “não desfrutam de exoneração automática, pois não há condição previamente projetada funcionando como gatilho para a cessação mecânica do direito alimentar” (Madaleno, 2011, p. 953).

Deste modo, os alimentos compensatórios poderão perdurar por períodos indeterminados, podendo chegar até mesmo à vitaliciedade nos casos em que o matrimônio é rompido após um longo período onde uma das partes se dedicou exclusivamente à família enquanto a outra se qualificou para o mercado de trabalho.

 

3.6 Posicionamento da Jurisprudência Brasileira

 

Atualmente ainda é cedo para se falar em jurisprudência brasileira sobre alimentos compensatórios, pois o que temos são apenas alguns julgados isolados nos Tribunais, que ainda levarão algum tempo para se consolidar.

Dito isto, e apesar de ainda não sedimentada nos Tribunais do Brasil, a primeira decisão sobre alimentos compensatórios remonta ao ano de 1989, no TJ/RS, com a Apelação Cível 588071712:

Ementa: Alimentos. Ação revisional. Peculiar natureza compensatória da pensão em prol da mulher, considerando que o vultoso patrimônio rentável tocou ao varão. Ação improcedente. Sentença confirmada.

Porém, esse julgado ficou isolado durante um bom tempo, até que recentemente os Tribunais começaram a se manifestar novamente sobre o assunto:

Localidade: Distrito Federal

Autoridade: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. 6ª Turma Cível

Título: Acórdão nº 361793 do Processo nº20080020195721agi

Data: 10/06/2009

Ementa: ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS. MANUTENÇÃO DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO. ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS SÃO PAGOS POR UM CÔNJUGE AO OUTRO, POR OCASIÃO DA RUPTURA DO VÍNCULO CONJUGAL. SERVEM PARA AMENIZAR O DESEQUILÍBRIO ECONÔMICO, NO PADRÃO DE VIDA DE UM DOS CÔNJUGES, POR OCASIÃO DO FIM DO CASAMENTO. FIXADOS EM VALOR RAZOÁVEL, NÃO RECLAMAM ELEVAÇÃO. AGRAVO NÃO PROVIDO.

E neste mês de novembro de 2013, o Superior Tribunal de Justiça, julgou um processo[3] (cujo número não foi divulgado em razão de segredo judicial) em que uma das questões da lide era o instituto dos alimentos compensatórios.

No julgado, os Ministros admitiram a fixação dos alimentos compensatórios porque, para eles, no caso em debate houve a ruptura do equilíbrio econômico-financeiro, sendo possível a correção dessa disparidade com os alimentos compensatórios.

Nota-se que apesar de ainda não sedimentado, os julgados mais recentes são pela possibilidade dos alimentos compensatórios nos casos em que a dissolução conjugal resultar num desequilíbrio econômico-financeiro.

 

4 CRÍTICAS AOS ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS

 

Conforme visto até aqui, o instituto dos alimentos compensatórios é defendido por vários doutrinadores e já encontra guarida nos Tribunais.

Todavia, há que se ter muita cautela para sua fixação, haja vista a falta de previsão legal e inúmeros outros fatores que convergem contra os alimentos compensatórios nos moldes apresentados atualmente.

Inicialmente, nas palavras do Professor José Fernando Simão, alimentos que não tem nenhuma característica de alimentos não são alimentos.

De fato, a escolha da nomenclatura não é das melhores, podendo levar, inclusive, o jovem aprendiz do direito a confundir os alimentos compensatórios com os civis, já que estes também se prestam para manter o “status social” do alimentando.

Seria melhor e mais fácil se fosse utilizado uma terminologia mais condizente com o instituto. Talvez Indenização Compensatória; Fração Patrimonial para Reequilíbrio Econômico-financeiro; ou, por que não, Manutenção do Direito de Frequentar a Rua Oscar Freire.

Enfim, qualquer outro nome que não utilizasse a palavra alimentos já seria mais adequado.

Alheio à nomenclatura, merece ser debatida e com muito mais veemência a possibilidade de concessão dos Alimentos Compensatórios.

Nesta seara, o mestre Simão expõe um exemplo que exibe um problema dos alimentos compensatórios[4]:

Casal que opta pelo regime da separação convencional de bens. Ele já com mais idade, mas com menos de 70 anos, com um patrimônio considerável amealhado, e ela com menos idade, mas exercendo sua profissão. Durante o casamento, em razão da boa renda do marido, o casal faz viagens ao exterior, mora em luxuoso imóvel, janta em caros restaurantes. Findo o casamento em razão de um divórcio, o juiz decide que a divorcianda tem meios de subsistência, pois trabalha, aufere renda e, portanto, não necessita da pensão alimentícia para sobreviver. Contudo, com seu salário, haveria uma mudança do padrão de vida da ex-esposa. Esta, com seus rendimentos, viveria de maneira mais modesta.

 

No caso exemplificado, se fosse seguida a lógica dos alimentos compensatórios, o ex-marido seria obrigado a pagá-los para que a ex-esposa continuasse experimentando todo o luxo vivenciado durante o casamento.

Imaginando o mesmo exemplo supra citado, mas com o marido maior de 70 anos, ter-se-ia o regime da separação obrigatória de bens, onde um dos objetivos é proteger o patrimônio do septuagenário. E mais uma vez o ancião poderia ser obrigado a pagar os alimentos compensatórios.

Mas ambos os exemplos são extremos, e talvez os defensores dos alimentos compensatórios construíram a tese pensando nos casos de longo casamento ou união estável em que um dos indivíduos do casal se abstém do trabalho para dedicar-se mais à família enquanto o outro segue sua carreira profissional amealhando riquezas e qualificando-se profissionalmente.

Também neste caso há que se fazer ressalvas quanto à aplicação dos alimentos compensatórios.

Primeiro porque, caso necessite, a parte sem recursos financeiros pode pleitear alimentos naturais ou civis ao ex-consorte, sendo que estes últimos se prestam a viver de modo compatível com a sua condição social, ou seja, vai muito além do “arroz com feijão” pra pessoa sobreviver.

Depois, é dúbio também essa necessidade de restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro entre os ex-consortes, pois eventual disparidade patrimonial deve ser encarada como consequência do fim do relacionamento.

É cediço que se o casal se divide entre um para cuidar da casa e da família e outro com o objetivo de buscar recursos financeiros para a mesma, provavelmente o primeiro terá uma menor qualificação profissional e menos patrimônio próprio ao fim da relação.

Pois bem.

De um lado está a parte que se dedicou aos afazeres domésticos, que assim o fez por sua própria vontade, para o seu próprio bem e de sua família. Do outro está a parte que buscou recursos fora do lar, e que também agiu assim porque quis, para o seu próprio bem e de sua família.

Neste diapasão é evidente que, em caso de dissolução do casal, algumas coisas mudarão – e o padrão de vida está incluso nelas.

A parte que se dedicou aos afazeres domésticos provavelmente será mais querida pelos filhos, saberá cuidar de uma casa muito bem, terá tido mais tempo livre, e terá uma melhor imagem perante a sociedade e o Judiciário, será vista como menos favorecida, uma pessoa indefesa e precisa ter restituído o seu status quo ante.

Opostamente, aquele que se dedicou ao labor possivelmente será menos bem quisto pelos filhos, pouco saberá cuidar de uma casa, e será visto pela sociedade e pelo Judiciário como um monstro, um explorador que enriqueceu as custas da exploração de seu ex-consorte.

No contexto geral apresentado, se percebe que cada parte sairá da relação melhor em alguns aspectos e pior em outros.

Caso os ex-consortes tenham filhos incapazes, a guarda destes provavelmente ficará com parte que prestou-se a cuidar das tarefas do lar. A vida daquele sem a guarda não será mais a mesma. Haverá uma queda no tempo e modo de convivência com o filho.

O pai ou a mãe separado de seu filho é – ou pelo menos deveria ser – muito mais doloroso do que o homem ou a mulher longe do estilo de vida experimentado durante o casamento ou união estável.

Na mesma linha de raciocínio dos alimentos compensatórios, será então que seria possível criar a tese dos “filhos compensatórios” para obrigar os pais a viverem sob o mesmo teto só para que ninguém tenha prejudicado seu convívio com a prole?

Como se percebe o instituto dos alimentos compensatórios é polêmico, e não é porque ele foi adotado em outros países que nós devemos acolhê-lo sem antes discutir sobre o assunto.

5 CONCLUSÃO

 

Os alimentos compensatórios têm como escopo amenizar o desequilíbrio econômico causado pelo rompimento matrimonial que leva uma das partes à perda do padrão socioeconômico.

Salienta-se que apesar deste instituto ser de suma importância para evitar disparidades, ele deve ser visto com algumas ressalvas. Isso porque os alimentos entre os cônjuges devem ser analisados socialmente, conforme a necessidade do cônjuge inapto ao mercado de trabalho.

É cediço que o rompimento de relacionamentos amorosos pode gerar desequilíbrio financeiro entre as partes, mas é preciso se debater até que ponto o Direito deve intervir para amenizar isso.

Antes dessa teoria ser acolhida pelo ordenamento jurídico do nosso país, seria necessário a definição de melhores critérios para seu cabimento, pois apenas duas condições objetivas não se demonstram suficientes.

Além disso, não se pode olvidar que os alimentos entre os cônjuges têm caráter subsidiário e transitório, com fixação por um tempo razoável, até que o alimentando volte ao mercado de trabalho. Esse caráter transitório igualmente deve atingir os alimentos compensatórios.

Outrossim, a fixação dos alimentos compensatórios não pode ter valores exorbitantes, uma vez que deve ser vista com extrema cautela a ideia que esses alimentos tem como finalidade manter o status social vivenciado durante o casamento. Caso isso ocorra, os alimentos compensatórios deixarão de atender sua principal finalidade, que é a de amenizar a disparidade econômica entre os ex-consortes, e passará a ser muito mais uma espécie de passagem livre para o parasitismo econômico.

Finalizando, o que se observa é que os denominados alimentos compensatórios aparentemente ainda podem ser objeto de inúmeros debates, notadamente porque os argumentos contrários e favoráveis ainda não estão totalmente solidificados.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS

 

CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2009.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil v.6. Salvador: JusPodivm, 2012.

GRISARD FILHO, Waldyr. Pensão compensatória : efeito econômico da ruptura convivencial. Publicado em 13 de outubro de 2011. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br>. Acesso em: 05 out. 2012.

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil : Famílias. São Paulo: Saraiva, 2011.

MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro : Forense, 2011.

NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. Rio de Janeiro : Forense; São Paulo : Método, 2012.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil : Direito de Família v. 6. São Paulo: Atlas, 2008.

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Sobre o autor
Haroldo Tayra Gushiken

Advogado. Graduado em 2010 na Faculdade Toledo de Presidente Prudente e Pós graduado em Direito Civil e Processual Civil na mesma instituição em 2014. Atuante nas áreas de Direito de Família e Direito do Consumidor.

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