2 A IMUNIDADE DO ART. 150, VI, ALÍNEA ‘D’, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Terminados os conceitos introdutórios ao tema, sem os quais estaria inviabilizada a consecução do presente estudo, cumpre agora firmar como objeto a imunidade especificamente prevista no art. 150, inc. VI, alínea ‘d’, da Carta da República de 1988, para entender suas simbioses histórica e finalística que permitirão alcançar a extensão normativa que se propõe.
2.1 Breve histórico da imunidade de livros, jornais e periódicos nas Constituições brasileiras
A imunidade tributária hoje prevista no art. 150, inc. VI, alínea ‘d’, da CF/88, surgiu no Brasil, pela primeira vez, na Constituição de 1946 – época ditatorial do regime varguista – com uma feição distinta, uma vez que a imunidade restringia-se ao papel destinado à impressão de livros, jornais e periódicos, nos termos do art. 31, inc. V, alínea ‘c’, daquela antiga Constituição. Ou seja, tinha-se a exoneração constitucional do papel que era qualificado pela sua destinação à confecção de livros, jornais e periódicos.
Veja-se que a imunidade não era garantida para todo e qualquer papel, porém tão somente para o suporte material que servia para a produção de livros, jornais e periódicos.
Na época, a imunidade foi criada no sentido de fomentar a difusão de pensamentos culturais, fugindo-se da forte tributação do papel que, na condição de matéria prima, aumentava sobremaneira os custos da produção de livros, jornais e periódicos, principalmente por função do imposto de importação.
Todas essas questões foram estudadas por Ciro Fernandes Rodrigues Baltar[16] que – com esmero - destacou a justificativa histórica da norma introduzida na Constituição de 1946:
Durante o governo de Hermes da Fonseca, entre 1910 e 1914, o imposto de importação aplicado ao papel era consideravelmente superior ao que incidia nos livro, o que acabava por dificultar a vida das editoras brasileiras, dificultando a sua consolidação. Isso porque produzir um livro em território nacional era bem mais custoso do que importar um livro já pronto. Na época da constituinte de 1946, visando garantir a propagação da cultura, ninguém menos que o brilhante Jorge Amado, então deputado federal pelo Partido Comunista Brasileiro, defendeu a imunidade tributária do papel. Tal instituto, então, protegeria o interesse cultural, pois os impostos encareciam a principal matéria-prima dos livros naquele momento, o papel.
Percebe-se, então, que a finalidade garantidora da divulgação de ideias permeia essa imunidade desde o seu nascedouro, uma vez que funcionou como justificativa primeira para a inserção da norma na Constituição de 1946, com vistas a baratear o papel – matéria prima da época – e garantir, a um, a produção nacional de livros, jornais e periódicos, e, a dois, o compartilhamento de pensamentos variados.
Além disso, a criação dessa nova imunidade tributária objetiva teve cunho libertário, já que buscou outro fundamento no resguardo do direito de liberdade de expressão que poderia ser ameaçado pelo regime repressor existente naquele período, de modo que a “norma imunitória fazia-se necessária também como maneira de dificultar que a ditadura varguista censurasse, por tributação excessiva, os veículos de informação, principalmente os jornais publicados por opositores do regime Getúlio Vargas”, consoante salientou Ciro Fernandes Rodrigues Baltar[17].
Na Constituição seguinte, de 1967 – já sob os auspícios do regime militar - os constituintes entenderam por bem ampliar a norma exonerativa de forma que não só abrangesse o instrumento de materialização dos livros, jornais e periódicos, a saber, o papel.
Invés disso, na nova ordem constitucional, os livros, jornais e periódicos tornaram-se o próprio objeto de exoneração, sem a exclusão da mesma benesse fiscal ao papel, nos termos do art. 20, inc. III, alínea ‘d’, da Constituição de 1967, mantendo e ampliando a conquista havida na Constituição anterior. As mencionadas mudanças ainda foram mantidas na Carta Magna de 1969, outorgada pelo próprio regime militar através da Emenda Constitucional nº 1/69.
Por derradeiro, chega-se à Constituição Federal de 1988[18] que, com pequenas alterações de redação, manteve a norma de imunidade garantida aos livros, jornais e periódicos nos seguintes termos:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[...]
VI – instituir impostos sobre:
[...]
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão;
Desta maneira, compreende-se que ao longo das Constituições brasileiras, a partir da Constituição de 1946, quando foi primeiramente inserida num texto magno, a imunidade tributária dos livros, jornais e periódicos teve como fundamento justificador a facilitação do acesso ao conhecimento científico e cultural, por intermédio de instrumentos que permitem a divulgação ampla e irrestrita de ideias.
2.2 A finalidade essencial da norma exonerativa: divulgação de conhecimento
Neste tópico, faz-se importante perquirir a finalidade própria da norma escrita no art. 150, inc. VI, alínea ‘d’, da Carta Magna, também como premissa para a sua interpretação teleológica e extensiva que, conforme propomos no tema, deve abranger o denominado livro eletrônico.
Aliás, sobre o estudo da finalidade das normas jurídicas, o jurista Napoleão Nunes Maia Filho[19] – atualmente ministro do Superior Tribunal de Justiça – destaca que a identificação da feição finalística de uma regra normativa é pré-requisito para a adequada compreensão e interpretação da mesma:
O porquê da existência da norma dá, no plano imediato e primário da sua cognição, o limite finalístico da interpretação e compreensão do Direito e também o motivo racionalizado da sua positivação, uma espécie de prius na ordem da relevância, tudo isso servindo de roteiros para a atividade interpretativa do Jurista.
Nesta sorte, não se pode prescindir do exame minucioso da finalidade da imunidade tributária em estudo, tendo em vista que o trabalho de hermenêutica extensiva passa, necessariamente, pelo fim essencial da norma.
Quanto à imunidade dos livros, jornais, periódicos e do papel destinado à sua impressão (art. 150, inc. VI, alínea ‘d’, da CF/88), a uma primeira vista, poder-se-ia dizer que a finalidade da regra imunizante é simplista, a saber, exonerar de impostos – há quem fale também em contribuições, discussão que não cabe neste trabalho – os livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão. Nessa visão, por demais superficial, a imunidade encontraria destino no próprio material previsto literalmente.
Entretanto, não se pode esperar que a teleologia desta imunidade circunscreva-se num sentido literal e hermético da letra constitucional, sob pena mesmo de contrariar a mens legis suprema pretendida pelo Poder Constituinte Originário.
Ocorre desta forma porque o conteúdo desta imunidade guarda feição dupla enquanto direito do contribuinte e, concomitantemente, no papel de garantidora de direitos fundamentais outros da conceituada 1ª geração, aqueles que pressupõem uma inação do Estado, segundo os constitucionalistas.
Aquela primeira feição, que foi percebida no julgamento da paradigmática ADIn nº 939-7/DF, quando o egrégio Supremo Tribunal Federal taxou-a de fundamental, reconhece a imunidade tributária – enquanto limitação ao poder tributante estatal - como um direito fundamental do contribuinte, consagrado no seio do Sistema Tributário Nacional, constituída em verdadeira cláusula pétrea; imutável, portanto.
No segundo aspecto – e aqui é onde desponta a finalidade real da imunidade dos livros, jornais e periódicos – a norma do art. 150, inc. VI, alínea ‘d’, da Constituição da República, funciona como garantia dos direitos de livre manifestação do pensamento, de livre manifestação da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, tudo na forma do art. 5º, incs. IV e IX, da Constituição da República.
Enfim, o que se intenta garantir com essa norma imunizante é o acesso ao conhecimento em sentido lato, de forma a proporcionar, e até mesmo fomentar, o aprendizado e o desenvolvimento intelectual e cultural de uma nação sedenta de conhecimento.
É justamente esse o enfoque que Heleno Taveira Tôrres e Vanessa Nobell Garcia[20] propuseram à imunidade dos livros, jornais e periódicos:
Funciona, essa imunidade, pragmaticamente, como uma forma de garantir a irradiação da cultura e da educação, mediante o barateamento dos livros, jornais e periódicos, e, desse modo, como modo de facilitação do acesso aos bens necessários para a formação intelectual das pessoas. Com isso, vincula-se integralmente ao princípio da capacidade contributiva e tem o seu vetor axiológico condicionado por uma espécie de garantia de “mínimo existencial”, em matéria de acesso à informação[...]
Ainda é de elevada importância o paralelo elaborado no trecho acima citado quanto ao conceito de mínimo existencial de acesso à informação, permitindo a conclusão de que a imunidade veiculada no art. 150, inc. VI, alínea ‘d’, da CF/88, guarda uma garantia cara a qualquer Estado Democrático de Direito: a facilitação do acesso ao conhecimento através da liberdade de pensamento.
Outrossim, deve-se lembrar das sábias lições do mestre Pontes de Miranda[21] sobre os direitos de liberdade, notadamente a liberdade de pensamento:
Se falta liberdade de pensamento, todas as outras liberdades humanas estão sacrificadas, desde os fundamentos. Foram os alicerces mesmos que cederam. Todo o edifício tem de ruir. Dá-se a tentativa de fazer o homem parar: voltar ao infracultural, ou ao infra-humano. Todo Prometeu, que descubra o fogo, será punido. Como toda ordem vigente foi feita no passado, apertam-se as consciências para apequená-las ao tamanho, que era o delas, ao tempo em que a ordem vigente se criou, ou antes dela, por força de queda de toda regressão.
Logo, por falar do teor da liberdade de pensamento – que alicerça todas as demais – não se tem como correr da importância da imunidade tributária posta para livros, jornais e periódicos, posto que funciona como uma garantia ao exercício da liberdade de pensamento.
De outra banda, Misabel Abreu Machado Derzi[22], em notas de atualização à obra de Aliomar Baleeiro, vai além da consideração da liberdade de pensamento para salientar, com argúcia, a finalística feição da imunidade aposta no art. 150, inc. VI, alínea ‘d’, da Constituição Federal, apontando-a até como instrumento de concretização da democracia:
A imunidade tributária, constitucionalmente assegurada aos livros, jornais, periódicos e papel destinado à sua impressão, nada mais é que forma de viabilização de outros direitos e garantias fundamentais expressos em seu art. 5º, como a livre manifestação do pensamento, a livre manifestação da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença (incisos IV e IX), art. 206, II, (a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar, e divulgar o pensamento, a arte e o saber), art. 220, §§ 1º e 6º (a proibição da criação de embaraço, por lei, à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social e inexistência de licença de autoridade para a publicação de veículo impresso de comunicação), dentre outros. Mais do que isso, deve ser enfocada como instrumento imprescindível à realização do Estado Democrático de Direito.
Destarte, compreende-se que a norma imunizante do art. 150, inc. VI, alínea ‘d’, da Constituição da República, traz como característica e finalidade primeiras a garantia dos mencionados direitos fundamentais, permitindo o desenvolvimento científico, cultural e social da população através do amplo acesso ao conhecimento, enquanto facilitada a divulgação de ideias e pensamentos de toda ordem.
Por outro lado, a finalidade de divulgação de ideias e conhecimentos – garantidora de direitos fundamentais como afirmado - é tão ínsita a esta imunidade que a mesma não é concedida a formatos de ‘livros’ que não tragam, na sua essência, a função requerida constitucionalmente, associada que está à liberdade de pensamento.
Ou seja, o viés finalístico da imunidade é tão forte que não se concede a imunidade tributária em destaque aos livros que, em que pesem possam ser assim classificados, não sirvam de instrumento à concretização das liberdades de expressão, de pensamento e de imprensa, relação nenhuma tendo com o amparo do acesso ao conhecimento.
É neste sentido que Roque Antonio Carraza[23] – com a maestria que lhe é costumeira – coloca a finalidade do livro como a pedra basilar da imunidade tributária do art. 150, inc. VI, alínea ‘d’, da Carta da República de 1988, dando, inclusive, exemplos de ‘livros’ que não são albergados pela norma exonerativa:
Nem todos os livros são abrangidos pela imunidade em tela. Realmente, só são considerados livros, para fins de imunidade tributária, os que se prestam para difundir ideias, informações, conhecimentos etc. [...] não revestem a condição de livros, para os fins desta alínea “d”, os diários (livros em branco), que servem para registrar o que acontece no dia-a-dia de seus donos, e não para terem seu conteúdo divulgado a terceiros. Também não são livros, nesta acepção, o livro cartonado (que serve para colagem de recortes, fotografias etc.), o livro de espiral (caderno de espiral), o livro de ouro [...] Portanto, é o fim a que se destina o livro – e, não a sua forma – que o torna imune a impostos.
Importa considerar o que o arguto mestre paulistano sentencia, fazendo o necessário enfrentamento entre o fim e a forma, para dizer que a justificativa da imunidade tributária encontra-se na marcada finalidade de difundir ideias, pensamentos, conhecimentos e informações.
E nem se diga, no fluxo de algumas posições isoladas, que a feição finalística aqui defendida poderia ser afastada pela cláusula textual “e o papel destinado à sua impressão”, contida no final do art. 150, inc. VI, alínea ‘d’, da Constituição Federal.
Na verdade, esta observação decorre tão somente do momento histórico em que foi criada a regra imunizante em análise, exatamente por causa dos impostos escorchantes que incidiam sobre a importação do papel, não querendo significar uma restrição.
Outrossim, Heleno Taveira Tôrres e Vanessa Nobell Garcia[24] também afirmam que é do momento histórico que aflora a finalidade do art. 150, inc. VI, alínea ‘d’, da CF/88, de garantir a liberdade de expressão:
Historicamente, esta imunidade apareceu na Constituição Federal de 1946, criada como um reflexo contra as medidas restritivas de liberdade de expressão impostas pelo Estado Novo. Nessa época a liberdade de imprensa viu-se tolhida, na medida em que todo o papel utilizado para a impressão dos veículos introdutores de informações era proveniente de outros países e o Governo estipulava altas alíquotas do imposto de importação, inviabilizando a sua comercialização. Em vista deste caso histórico, grande parte dos juristas assevera que a finalidade intentada por essa regra de imunidade consistiria na preservação da liberdade de expressão intelectual, científica, artística e de manifestação do pensamento.
Ora, compreende-se, pois, que nem mesmo a cláusula relativa ao papel destinado à impressão dos livros, jornais e periódicos afasta a ideia de finalidade ínsita à imunidade em comento; pelo contrário, a menção serve mesmo de justificativa histórica da finalidade de garantir a liberdade de pensamento, função que – queiram ou não – é inegavelmente exercida pelo livro eletrônico.
Por consequente, retoma-se o que foi dito alhures para consignar que os livros eletrônicos – sempre entendidos no sentido lato – não podem ser excluídos da imunidade tributária com previsão no art. 150, inc. VI, alínea ‘d’, da Constituição Federal de 1988, sob pena de negar-se a própria justificativa da norma, haja vista os livros eletrônicos desempenharem a mesma finalidade dos seus irmãos de papel.
Portanto, uma vez fixado o sentido finalístico como vetor hermenêutico desta imunidade específica, jamais se poderia cogitar em excluir os livros eletrônicos da proteção da norma em análise, sem que seja necessário negar, por completo, tudo quanto se concluiu.
Isso porque a função, ou finalidade mesma, dos livros eletrônicos encontra coincidência na finalistíca da imunidade referida, na medida em que ambas pretendem preservar o acesso ao conhecimento – em sentido lato – ao facilitar e garantir a difusão de ideias, pensamentos e informações num todo.
2.3 A interpretação jurisprudencial da norma
Para dar continuidade ao desiderato de estudar a norma do art. 150, inc. VI, alínea ‘d’, da Constituição Federal, é importante destacar o entendimento decorrente das interpretações jurisprudenciais acerca da regra constitucional.
Preliminarmente, pode-se assegurar que o Supremo Tribunal Federal – enquanto Corte Constitucional e guardião da Constituição Federal - ainda não teve a oportunidade de decidir qualquer controvérsia específica sobre a imunidade dos livros eletrônicos.
Nada obstante, a hermenêutica da regra do art. 150, inc. VI, aliena ‘d’, da Carta da República não foge à jurisprudência da Corte Suprema, podendo ser encontrada em precedentes que trazem a finalidade da regra imunitória como diretriz da sua aplicação.
Na linha do que se afirmou anteriormente, os precedentes do Supremo Tribunal Federal – na sua maioria – salientam que a finalidade da imunidade tributária dos livros, jornais e periódicos é justamente garantir efetividade à liberdade de expressão, enquanto se viabiliza a divulgação de ideias e conhecimentos.
Neste sentido, cabe mencionar trecho do voto do Ministro Celso de Mello[25] no julgamento do RE 327.414-AgR/SP no qual consignou que a finalidade da imunidade tributária dos livros, jornais e periódicos é proteger a liberdade de expressão:
É preciso ter presente, na análise do tema em exame, que a garantia da imunidade estabelecida pela Constituição republicana brasileira, em favor dos livros, dos jornais, dos periódicos e do papel destinado à sua impressão (CF, art. 150, VI, “d”), reveste-se de significativa importância de ordem político-jurídica, destinada a preservar e a assegurar o próprio exercício das liberdades de manifestação do pensamento e de informação jornalística, valores em função dos quais essa prerrogativa de índole constitucional foi conferida, instituída e assegurada. [...] Constituem, por isso mesmo, expressões que traduzem significativas garantias de ordem instrumental, vocacionadas, na especificidade dos fins a que se dirigem, a proteger o exercício da liberdade de expressão intelectual e da liberdade de informação.
Nota-se, pois, que mesmo fora do âmbito acadêmico ganhou corpo o pensamento segundo o qual a imunidade tributária do art. 150, inc. VI, aliena ‘d’, da Constituição Federal, visa a assegurar a divulgação de pensamentos, ideias e informações. Ou seja, esta imunidade tributária é instrumento de garantia da liberdade de expressão em todas as suas facetas (indivíduo, imprensa, etc).
O mesmo conteúdo pode ser extraído do voto da Ministra Ellen Gracie[26] no julgamento do RE 221.239/SP no qual se registrou que a finalidade desta imunidade tributária é garantir o exercício da liberdade de expressão:
A imunidade tributária sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão tem por escopo evitar embaraços ao exercício da liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação, consagrada no inciso IX do art. 5º da Constituição Federal. Visa também a facilitar o acesso da população à cultura, à informação e à educação, com a redução do preço final.
Repita-se que os precedentes não se referiam especificamente ao caso do livro eletrônico, mas a hipóteses outras que requeriam o exame do art. 150, inc. VI, alínea ‘d’, da Carta Magna, oportunidades nas quais se assentou que a imunidade tributária ali prevista deve ser interpretada de acordo com a sua linha teleológica.
Na mesma razão, a Corte Suprema fixou que o caminho finalístico daquela imunidade tributária era mesmo garantir a liberdade de expressão, enquanto direito básico e essencial a qualquer sistema democrático.
Por consequente, é intuitivo que os livros eletrônicos também devem ser abrangidos pela imunidade tributária do art. 150, inc. VI, aliena ‘d’, da Lei Maior, haja vista desempenharem a função de difusor de ideias, conhecimentos, cultura e educação. Em última instância, afirma-se – com certeza – que os livros eletrônicos servem de suporte moderno para a concretização das liberdades de expressão, pensamento e conhecimento.
Além disso, o livro eletrônico não se limita ao conteúdo disponibilizado comercialmente numa compilação de palavras – como ocorre ordinariamente com o livro comum impresso. O meio eletrônico vai além, de certo que se pode definir o livro – teleologicamente – enquanto o conjunto de ideias e conhecimentos que é disponibilizado, por exemplo, num blog, acessível a toda e qualquer pessoa, e com conteúdo gratuito.
As mudanças tecnológicas têm quebrado paradigmas conceituais antigos, fenômeno que não é alheio ao livro e a sua utilização que, na última década, sofreram importante reformulação.
Ora, colocadas essas premissas, é de ver-se que o livro eletrônico efetivamente cumpre a finalidade inserta no art. 150, inc. VI, alínea ‘d’, da Constituição Federal, pois é instrumento não apenas de informação, mas também de formação de consciência crítica, na proporção em que facilita o acesso ao conhecimento, seja este de que espécie for.
Aliás, a interpretação mais consentânea com a regra constitucional não concede importância ao conteúdo veiculado nos livros, até porque o intérprete não está autorizado a fazer juízo de valor sobre a natureza das informações veiculadas.
Esse foi o raciocínio desenhado pela Ministra Ellen Gracie[27], no julgamento do RE 221.239/SP, quando o Supremo Tribunal Federal decidiu que os álbuns de figurinhas eram imunes a impostos, na forma do art. 150, inv. VI, aliena ‘d’, da CF, por atingir a função de difundir ideias:
O Constituinte, ao instituir a imunidade tributária ora discutida, não fez ressalvas quanto ao valor artístico ou didático, à relevância das informações divulgadas ou à qualidade cultura de uma publicação. Da mesma forma, não há no texto da Lei Maior restrições em relação à forma de apresentação de uma publicação. Por isso, o fato de figuras, fotos ou gravuras de uma determinada publicação serem vendidos separadamente em envelopes lacrados não descaracteriza a benesse consagrada no art. 150, inc. VI, d, da Constituição Federal.
É de notar, então, que, consoante a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a regra do art. 150, inc. VI, alínea ‘d’, da Lei Maior, deve ser interpretada extensivamente sempre que essa atividade hermenêutica servir para prestigiar a finalidade da norma constitucional: garantir a liberdade de expressão e o acesso ao conhecimento.
Nestes termos, é razoável concluir que o livro eletrônico – em todas as suas formas – deve ser beneficiado pela imunidade tributária em discussão, sob pena de desobedecer à finalidade da regra constitucional exonerativa.
Tanto é assim que a interpretação proposta não é alheia aos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça que, com base nos diversos precedentes do Supremo Tribunal Federal, têm decidido – majoritariamente – pela extensão da imunidade tributária do art. 150, inc. VI, alínea ‘d’, da Constituição Federal, aos livros eletrônicos.
A título ilustrativo, pode-se considerar os fundamentos do Desembargador Federal Nery Júnior[28], no julgamento da Apelação Cível nº 2001.61.00.022123-0/SP, que sustentou que o CD ROM, o CD áudio, o DVD e o vídeo cassete devem ser alcançados pela imunidade tributária:
Pretende assim a impetrante seja reconhecida a imunidade, afastando a exigência de IRPJ e CSSL relativo à editoração de material didático para cursos de inglês, bem como em formato eletrônico, como CD ROM, CD Áudio, o DVD, fitas e os vídeos cassetes [...] A imunidade tributária sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão, conforme previsto no art. 150, inciso VI, “d”, da Constituição Federal, tem a finalidade de facilitar o exercício da liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação e o acesso da população à cultura, informação e educação. [...] A norma que prevê a imunidade visa facilitar a difusão das informações e cultura, garantindo a liberdade de comunicação e pensamento. Numa interpretação teleológica, o benefício alcança o pretendido material, uma vez que a intenção do legislador está inserida na regra do dispositivo supra descrito.
No mesmo sentido, ainda em reforço à interpretação jurisprudencial favorável à extensão da imunidade tributária aos livros eletrônicos, saliente-se as razões de decidir do Desembargador Sydney Romano dos Reis[29], do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no julgamento da Apelação Cível nº 9067230-91.2009:
Depreende-se, numa interpretação sistemática e teleológica do referido dispositivo, que a imunidade visa dar efetividade aos princípios da livre manifestação de pensamento, produção intelectual, artística, científica e de comunicação, bem como garantir o acesso à informação e aos meios necessários para tal, em atenção ao interesse social de melhoria do nível intelectual, além disso, não há no texto constitucional, qualquer indicação de que a imunidade dos livros, jornais e periódicos está condicionada ao fato de serem fabricados com papel. Ora, se o CD-ROM, tal qual o livro impresso, igualmente se caracteriza por transmitir informações por meio de escritas ou ilustrações, indevida a limitação da imunidade concedida ao livro tão somente por não ser fabricado em papel.
Deste modo, verifica-se que mesmo os julgado mais recentes convergem para a extensão da imunidade tributária prevista no art. 150, inc. VI, aliena ‘d’, da Constituição Federal, aos livros eletrônicos, fundamentados que estão na interpretação teleológica da regra constitucional, com a finalidade de assegurar – em toda sua extensão – a liberdade de expressão intelectual, artística, científica e cultural.