Se nós advogados, que afinal constituímos uma elite, vamos acreditar que somos incapazes de elaborar uma lista sêxtupla de candidatos ao desembargo, integrada pelos melhores, não apenas sob o aspecto da capacidade profissional, mas considerando também o aspecto moral e a sua vontade de trabalhar em prol da Justiça, então tudo estará perdido. Não será o quinto constitucional que está errado. Em minha opinião, ele não deve ser, absolutamente, extinto. O problema não será o sistema, evidentemente. Será muito mais profundo, talvez um problema cultural, porque se nós advogados escolhemos nossos representantes de acordo com interesses pessoais, pretendendo apenas montar esquemas para benefícios futuros, em vez de termos em vista os interesses da Justiça, o problema não é o quinto constitucional.
Por essas e outras razões, não concordo, "data venia", com a opinião do advogado e professor da UFPa, Dr. Mário Antonio Lobato de Paiva, que publicou no "O Liberal" do dia 08.08.00 (http://www.oliberal.com.br) , o texto "O Advogado nos Tribunais", favorável à extinção do quinto constitucional. Aliás, o Dr. Mário não está isolado em sua tese, que é extraordinariamente idêntica à do advogado tributarista e Conselheiro da OAB/SP, Raul Haidar, em seu trabalho "A Reforma do Judiciário e o Quinto Constitucional", publicado na Revista Consultor Jurídico, de 05.10.99, e no site (http://www.jus.com.br).
Na verdade, advogados, magistrados e membros do Ministério Público são todos operadores do Direito, que trabalham com uma mesma realidade, mas conhecem todos os seus problemas através de ângulos diversos. Por essa razão, é da maior importância o quinto constitucional, porque "teria como objetivo inserir nas Cortes a experiência profissional e a visão abrangente e de certa forma mais amadurecida dos advogados, pois dessa maneira estariam colaborando para que as decisões nos graus superiores de jurisdição fossem mais democráticas" conforme afirma o próprio Dr. Mário, repetindo a opinião do Dr. Raul Haidar, segundo o qual "muitos dizem que o chamado quinto constitucional.... teria como objetivo levar para os Tribunais a experiência profissional e a visão ampliada e de certa forma mais amadurecida de advogados e membros do Ministério Público, os quais dessa maneira estariam colaborando para que os julgamentos nas instâncias superiores fossem mais democráticos".
Segundo o Dr. Raul Haidar, "Apesar da aparente "democratização" ou "arejamento" dos Tribunais, a elaboração de listas sêxtuplas acaba por sujeitar os indicados a constrangedores pedidos de apoio, seja a Conselheiros das Seções da Ordem dos Advogados, seja a integrantes do Ministério Público, o que viabiliza a interferência de interesses ou sentimentos pessoais que em nada enriquecem o sistema de escolha. Ao submeter a lista sêxtupla ao crivo do próprio Tribunal de que o candidato deseja fazer parte, possibilita-se verdadeira submissão da Advocacia e do Ministério Público ao Poder Judiciário, o que prejudica a liberdade e a autonomia dessas instituições, em evidente prejuízo do interesse maior da Justiça".
Idêntica é a opinião do Dr. Mário Paiva: "Apesar da aparente "democratização" dos tribunais, a elaboração de listas sêxtuplas acaba por sujeitar os candidatos a constrangedoras solicitações de apoio a conselheiros das seções da Ordem dos Advogados, o que viabiliza a interferência de interesses ou sentimentos pessoais que trazem sérios danos ao processo de seleção. A lista sêxtupla, ao ser submetida à avaliação do tribunal de que o candidato almeja integrar, possibilita indiscutível submissão da advocacia ao Poder Judiciário, o que danifica a liberdade e a autonomia dessas instituições, em evidente e desnecessário prejuízo do interesse maior da Justiça".
Mas não concordo com a opinião do Drs. Mário Paiva e Raul Haidar, que são favoráveis à extinção do quinto constitucional, porque entendo que não se pode raciocinar sempre pensando apenas em favorecimentos, ou em interesses subalternos, porque então, repito, o problema não será do quinto, não será do sistema, porque será um problema nosso. Com essa mentalidade, nenhum sistema funcionará, nenhum Tribunal cumprirá sua missão. Os próprios desembargadores, mesmo que oriundos exclusivamente da magistratura, estarão interessados apenas em seus problemas pessoais e nos problemas de seus amigos.
De nada serve curar a doença matando o enfermo. De acordo com essa linha de raciocínio, seria preciso modificar toda a atual sistemática de investidura nos Tribunais Superiores, e também nos Tribunais Estaduais e de Contas, para eliminar a participação do Presidente da República, do Senado Federal, dos Governadores e das Assembléias Legislativas, que certamente poderá ser tão ou mais propícia às interferências espúrias ou às pressões políticas do que o processo de escolha do quinto constitucional.
Não se trata, como no argumento do Dr. Raul Haidar, repetido pelo Dr. Mário, que advogados e membros do Ministério Público devam se submeter ao constrangimento de pedir votos ou apoios a seus colegas, para que possam ocupar cargos nos Tribunais superiores, porque nenhum constrangimento deve existir, se a escolha for sempre feita tendo em vista os interesses da Justiça, ao em vez de mesquinhos interesses pessoais. O mesmo deveria ser dito, aliás, a respeito do processo de investidura dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, escolhidos através de ato complexo, porque são nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal. Qual o constrangimento que poderia existir, para os candidatos ao cargo, que se estão oferecendo para o desempenho de tão importante missão?
Assim, é claro que a escolha do Ministro, ou do desembargador, não pode ser vista como uma espécie de aposentadoria, ou como um prêmio para o candidato que mais se curvar aos interesses do Executivo. Se assim fosse, seria realmente necessário alterar também o processo de investidura dos Ministros do Supremo, e dos outros Tribunais já citados. Ou será que nós vamos raciocinar sempre no sentido de que o Presidente, os Senadores, o Governador e os deputados estaduais, quando escolhem um Ministro, um desembargador ou um conselheiro, estão visando apenas interesses espúrios? Nesse caso, o erro não seria deles, que são nossos representantes. O erro seria, certamente, nosso, porque fomos nós que os elegemos, e se depois de eleitos, os governantes esquecem que foram eleitos para governar de acordo com o interesse público, deveriam ser criados, certamente, mecanismos mais eficientes para o controle desses desvios .
Em seu trabalho sobre a reforma do Judiciário, Alexandre Nery de Oliveira fala, a respeito desse processo, que: "Não há dúvidas de que os critérios de escolha dos Ministros do STF, em confronto com os dos demais Tribunais, denotam exigências objetivas inferiores, o que poderia colocar em risco a própria importância da Corte se não houvesse preocupação dos Chefes de Estado e do Senado em escolher e aprovar nomes efetivamente gabaritados para integrarem o Supremo Tribunal. Mas e se assim não fosse? Melhor, talvez, seria então alocar parcelas da composição da Corte à escolha pelo Congresso Nacional (na posição de Parlamento conjunto, e não mais apenas ao Senado Federal), pelo Presidente da República (isoladamente, na posição de Chefe de Estado), e pelo próprio Supremo Tribunal (por cooptação, conforme modelo doutras Cortes Constitucionais que se tem mostrado profícuo), para aqueles se exigindo que a nomeação recaísse dentre magistrados de Tribunal Superior, o que impediria escolhas com base em critérios exclusivamente políticos, enquanto legitimaria o Tribunal como parcela inequívoca do poder popular de que são o Congresso Nacional e o Presidente da República representantes, como mandatários diretos. Para rebater a crítica do Ministro Oscar Correa quanto à possível politização da Corte ao escolher ela própria nomes de parcela de seus integrantes, cabe notar que tarefa similar ora já faz o Supremo Tribunal quanto aos juristas que caiba indicar para compor o Tribunal Superior Eleitoral, sem que tenha havido qualquer notícia de que a Corte se submetera a pressões para indicações, e, ainda, que tal crítica, por todo merecida de exame, pode ser minimizada, ainda, pela necessidade do STF ter que escolher a partir de listas encaminhadas pelos Tribunais Superiores, pelo Ministério Público e pela OAB, observado, para que igual mácula não se perpetre no seio de tais corporações, que as mesmas não possam indicar qualquer pessoa, respectivamente, vinculada à Magistratura, ao Ministério Público e à Advocacia, sem perder de vista a possibilidade do Supremo Tribunal resgatar a autoridade do nome que deve compor a Corte quando, rejeitando os nomes indicados, expressamente eleja outro por maioria qualificada. Cabe sempre lembrar que se a escolha pelos próprios Tribunais pudesse a tal grau ser repudiada, já haveríamos que ter antes repudiado a formação de listas tríplices pelas Cortes, eis que também estariam seus integrantes sujeitos a toda a pressão para a respectiva constituição dos nomes aptos a serem escolhidos - ao contrário, tais atribuições têm sido enaltecidas como modo de autogoverno judiciário. (Os grifos são nossos)(Alexandre Nery de Oliveira, A Reforma do Judiciário-IV, em http://usr.solar.com.br/~anery).
Também não acho correto afirmar que, ao submeter a lista sêxtupla ao crivo do Tribunal, possibilita-se verdadeira submissão da Advocacia e do Ministério Público ao Poder Judiciário, o que prejudica a liberdade e a autonomia dessas instituições, em evidente prejuízo do interesse maior da Justiça.
Aliás, a redação do art. 94 da Constituição Federal, de acordo com a proposta de Emenda Constitucional nº 96- A-92, já aprovada em segundo turno pela Câmara dos Deputados, retira dos Tribunais, completamente, a participação nesse processo:
art. 94- "Um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos tribunais dos Estados, e do Distrito Federal e Territórios será composto de membros do Ministério Público, com mais de dez anos de efetivo exercício, e de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista tríplice pelo respectivo órgão de representação da classe ou instituição".
"§ 1º Recebidas as indicações, o Poder Executivo efetuará as nomeações no prazo de vinte dias, findo o qual estas caberão ao Presidente do Tribunal".
Na realidade, acredito que o sistema atual é mais correto, porque a nomeação dos desembargadores pertencentes ao quinto constitucional, representantes dos advogados e do Parquet, resulta sempre da participação de diversas vontades, primeiro pela elaboração das listas sextuplas através dos órgãos de representação das respectivas classes (C.F., art. 94, caput, em vigor), e depois pela filtragem desses nomes, efetuada pelo Tribunal, que deverá formar a lista tríplice, enviando-a ao Poder Executivo (C.F., § 1º do art. 94 em vigor), cabendo a escolha final ao Chefe do Executivo. Não vejo como seria possível entender que estaria havendo, nesse processo, uma submissão da advocacia e do Ministério Público ao Poder Judiciário. Ao contrário, porque nem o Tribunal nem o Chefe do Executivo poderão escolher um nome que não tenha sido incluído na lista sextupla. Ou será que, da maneira como está redigida a proposta, acima transcrita, não se poderia também afirmar, na mesma linha de raciocínio, que ocorreria uma submissão da advocacia e do Ministério Público ao Chefe do Executivo? Afinal de contas, por essa proposta, a OAB e o Ministério Público deverão elaborar as listas tríplices, mas a escolha final ficará a cargo do Chefe do Executivo.
No fecho de seu trabalho, o Dr. Raul Haidar propõe a extinção do quinto constitucional: "Diante de todas essas considerações, e ao se cuidar de uma reforma do Poder Judiciário, entendemos que já é hora de se eliminar essa forma de nomeação de juízes. Os que possuam o requisito do "notório saber jurídico" certamente não terão qualquer dificuldade para que sejam aprovados nos concursos de ingresso à magistratura. Nossa sugestão, portanto, é que simplesmente seja extinto o quinto constitucional. Quem tiver vocação para a magistratura, que preste os concursos da carreira, onde poderá receber as promoções necessárias para preencher as vagas dos Tribunais".
A opinião do Dr. Mário Paiva é idêntica: "Por fim, diante do breve exposto, concluímos pela simples extinção do quinto constitucional, por entendermos que já é hora de se eliminar essa forma de nomeação de juízes. Assim, os que detenham o requisito do notório saber jurídico com certeza não terão nenhum obstáculo para que sejam aprovados nos concursos de ingresso à magistratura. Portanto, o bacharel em direito que descobrir sua vocação para a magistratura estude e preste os concursos para a carreira, onde poderá conquistar as promoções necessárias para galgar as vagas das cortes".
A única forma de conciliar essa exigência do concurso público com a necessidade de levar para os tribunais a experiência do advogado, do promotor, e por que não, também do magistério, seria que o concurso fosse feito diretamente para o preenchimento das vagas dos Tribunais, substituindo assim o processo das listas sêxtupla e tríplice e da escolha final pelo Chefe do Executivo. Dessa forma, não mais poderiam ser alegadas interferências espúrias ou pressões políticas. O único perigo seriam as fraudes nos concursos, ou as questões mal elaboradas.
De acordo com esta sugestão, para o preenchimento das vagas do quinto constitucional, seria realizado concurso público de provas e títulos, podendo concorrer os bacharéis em direito ou os membros do Ministério Público, dependendo do caso, exigindo-se talvez um mínimo de vinte anos de atividade profissional.
Ou não seria também o caso de sugerir o concurso público para o preenchimento das vagas do Supremo Tribunal Federal, para que fosse possível evitar a interferência dos outros Poderes na composição de nossa mais alta Corte de Justiça? Não me atrevo a sugerir as eleições, porque seu resultado não tem sido muito animador, no preenchimento dos cargos do Executivo e do Legislativo.
De qualquer maneira, entendo que deve ser mantido o quinto, e também o sistema atual, da lista sextupla, que será posteriormente transformada em lista tríplice pelo Tribunal, para que o Chefe do Executivo nomeie apenas um dos nomes indicados ao desembargo, exatamente porque excluir completamente do processo de seleção o Tribunal ao qual pertencerá o magistrado escolhido atentará, conforme referido por Alexandre Nery, contra o auto-governo Judiciário.