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Apontamentos sobre a responsabilidade civil e penal em direito ambiental

31/10/2014 às 07:08
Leia nesta página:

Conceitos e fundamentos doutrinário-legais da responsabilidade em matéria ambiental.

1.Da Responsabilidade Civil em matéria ambiental

A relevância da matéria ambiental no sistema jurídico nacional fez com que as mais diversas formas de proteção ao meio ambiente fossem criadas, tanto espalhadas pelos diplomas legislativos quanto por atos do poder executivo. Nesse sentido, a responsabilidade civil e penal pela causa de danos tem papel preponderante no combate à degradação  ambiental. Tal importância elevou-se ao patamar Constitucional, vez que o art. 225, §3º prevê, in verbis, que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

Para tanto é necessário saber o significado de responsabilidade. Paulo Affonso Leme Machado, em sua obra Direito Ambiental Brasileiro (2013), procura a origem da palavra e conclui que:

Na origem de ‘responder’  ou ‘ser responsável’, não há de forma alguma a culpa. [...] a noção de culpa era utilizada especificamente para crimes. [...] A existência da responsabilidade por culpa deve-se aos canonistas, para que era antes de tudo destinada a moralizar as condutas individuais, e não assegurar a reparação do dano (p. 399)

No Brasil, o diploma legislativo que primeiro previu a responsabilidade civil ambiental foi a Lei 6938/81 (política nacional do meio ambiente), em seu artigo 14, §1º:         

 Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.

Os conceitos de poluidor, meio ambiente e degradação, importantes no delineamento da responsabilização, estão contidos no art. 3º da referida Lei:

I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;

II - degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente;        

III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:

a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;

b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;

c) afetem desfavoravelmente a biota;

d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;

e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;

A expressão “independentemente de culpa” consagrou em nosso ordenamento a responsabilidade civil objetiva, bastando que haja o nexo causal entre o ato ou omissão do poluidor e o resultado. Nas palavras de MACHADO (2013), “a responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danificar o ambiente tem o dever jurídico de repará-lo. Presente, pois, o binômio dano/reparação. Não se pergunta a razão da degradação para que haja o dever de reparar (p. 404)”.

A utilização da responsabilidade objetiva não é exclusividade brasileira, no âmbito ambiental, já que a legislação italiana e francesa, já há algum tempo, percebeu que a responsabilidade subjetiva não satisfazia aos interesses e a proteção ao meio ambiente (a esse respeito TRIMARCHI e STARCK, in MACHADO, 2013). Ainda no campo internacional, “nos EUA prevê-se a responsabilidade objetiva para instalações nucleares, rios e portos, para aviões e para animais (idem, p. 407)”.

O STJ, em decisão de vanguarda, já admitiu a aplicação da responsabilização ambiental mesmo que não presente o nexo causal entre a conduta e o resultado danoso. No acórdão, os ministros entenderam que:

 Excetuam-se à regra, dispensando a regra do nexo de causalidade, a responsabilidade do adquirente de imóvel já danificado porque, independentemente de ter sido ele ou o dono anterior causador do dano, imputa-se ao novo proprietário a responsabilidade pelos danos” (RESP 1056540)

Em consonância com o julgado preconizam Edis Milaré, Luis Paulo Sirvinkas e outros. Entretanto, ANTUNES (2010), em sentido contrário, faz importante ressalva ao lembrar que a responsabilidade por risco integral não pode ser confundida com responsabilidade por fato de terceiro ou da só existência da atividade, sob pena de se cometerem injustiças.

Ainda seguindo o conceito legal previsto na Lei de Política nacional do Meio Ambiente, entende-se que o dano pode ser direto ou indireto (inciso III do art. 3º). Nesse caso, o Estado figuraria entre aqueles que podem causar dano indireto por consentir, mediante autorização ou ausência de fiscalização, que sejam causados danos ao meio. Entretanto, essa responsabilidade estatal seria subjetiva, conforme já decidiu o STJ:

RECURSO ESPECIAL. AÇAO CIVIL PÚBLICA. POLUIÇAO AMBIENTAL. EMPRESAS MINERADORAS. CARVAO MINERAL. ESTADO DE SANTA CATARINA. REPARAÇAO. RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR OMISSAO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA.

1. A responsabilidade civil do Estado por omissão é subjetiva, mesmo em se tratando de responsabilidade por dano ao meio ambiente, uma vez que a ilicitude no comportamento omissivo é aferida sob a perspectiva de que deveria o Estado ter agido conforme estabelece a lei.

2. A União tem o dever de fiscalizar as atividades concernentes à extração mineral, de forma que elas sejam equalizadas à conservação ambiental. Esta obrigatoriedade foi alçada à categoria constitucional, encontrando-se inscrita no artigo 225, 1º, 2º e 3º da Carta Magna.

3. Condenada a União a reparação de danos ambientais, é certo que a sociedademediatamente estará arcando com os custos de tal reparação, como se fora auto-indenização. Esse desiderato apresenta-se consentâneo com o princípio da eqüidade, uma vez que a atividade industrial responsável pela degradação ambiental por gerar divisas para o país e contribuir com percentual significativo de geração de energia, como ocorre com a atividade extrativa mineral a toda a sociedade beneficia.

No mesmo sentido, é pacífico na doutrina e jurisprudência ser a responsabilidade civil, por danos ambientais, solidária, sendo que não há formação de litisconsórcio necessário, nem é cabível o chamamento ao processo ou denunciação a lide, vez que cada um dos poluidores é integralmente responsável pela reparação do dano, conforme STJ RESP. 232.187, em homenagem, também, à celeridade processual.

Por fim, resta questionar sobre o que seriam esses danos ambientais que gerariam o dever de reparação? Frederico Amado (2011) tenta trazer a resposta ao defini-lo como sendo “prejuízo causado ao meio ambiente por ação ou omissão humana, que afeta de modo negativo o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”. Salienta-se, a contrariu sensu, que não é a mera existência de dano que gera o dever de reparação ou indenização, mas aquele que vai além do que normalmente o meio conseguiria suportar, ou nas palavras de AMADO (2011, p.347), “prejuízo anormal ao meio, dotado de mínima gravidade”.


2.Da Responsabilidade Penal em matéria ambiental

Retomando o artigo 225, §3º da CF, vê-se que há, ainda, ao lado da responsabilidade civil, a penal. É salutar lembrar que, em matéria de Direito Penal, há sempre que se falar em intervenção mínima, regida principalmente pelos princípios da fragmentaridade e subsidiariedade, sendo considerado a ultima ratio.

No Direito Ambiental nacional, a tutela penal ambiental encontra-se espalhada por diversos diplomas legais (Código Florestal, Código Penal, leis  6.453/77 e nº 7.643/87), sendo o principal  deles a Lei 9605/98, conhecida como Lei de crimes ambientais. Sobre ela, AMADO (2011) lembra que “revogou quase todos os tipos do Código Penal, bem como a legislação extravagante que tutelava o meio ambiente e, ainda, a maior parte das contravenções penais constantes do Código Florestal (p. 380)”. MACHADO (2013) bem leciona sobre o tema, dizendo que:

A lei trata, especialmente, de crimes contra o meio ambiente e de infrações administrativas ambientais. Dispõe, também, sobre processo penal e cooperação internacional para a preservação do meio ambiente.

A Lei 9.605/98 tem como inovações marcantes a não utilização do encarceramento como norma geral para as pessoas físicas criminosas, a responsabilização penal das pessoas jurídicas e a valorização da intervenção da Administração Pública, através de autorizações, licenças e permissões (MACHADO, 2013, p. 658 – 659).


3.Responsabilidade Penal das pessoas jurídicas

Vigora, em relação à tutela ambiental penal, o sistema da dupla imputação, ou seja, é cabível, simultaneamente, a responsabilização da pessoa física e da jurídica pelo mesmo dano, sem que se possa falar em bis in idem. No artigo 3º da Lei 9605/98 encontramos, in verbis:

As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

 Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.

Apesar de encontrarmos fortes posições, entre os penalistas, contrárias à responsabilidade penal da pessoa jurídica, tem-se entendido, majoritariamente, que é perfeitamente cabível, tendo já o STJ se posicionado a respeito no RESP. 610.114. O ministro Gilson Dipp, no julgado do RESP 564.960, afirmou que:

Não obstante alguns obstáculos a serem superados, a responsabilidade penal da pessoa jurídica é um preceito constitucional, posteriormente estabelecido, de forma evidente, na Lei ambiental, de modo que não pode ser ignorado. Dificuldades teóricas para sua implementação existem, mas não podem configurar obstáculos para sua aplicabilidade prática na medida em que o Direito é uma ciência dinâmica, cujas adaptações serão realizadas com o fim de dar sustentação à opção política do legislador. Desta forma, a denúncia oferecida a pessoa jurídica de direito privado deve ser acolhida, diante de sua legitimidade para figurar no polo passivo da relação processual-penal..

A inovação do dispositivo legal não a isenta de críticas, em especial quando da citada dupla imputação, vez que nem sempre a responsabilidade da pessoa jurídica deverá implicar responsabilidade do dirigente. É necessária a interpretação dos artigos da Lei de Crimes Ambientais com os dispositivos do Código Penal e da Constituição Federal, que prescrevem a individualização da pena e o princípio da culpabilidade como requisito para a responsabilidade do indivíduo em matéria criminal.

Assim, fazendo-se a interpretação do artigo 2º da Lei em questão, percebe-se a criação da figura de um novo tipo “garantidor”, ou seja, pessoas físicas que tenham função de administração em empresa que pratique tipo penal ambiental. Aqui se faz importante lembrar que “diferentemente do que se verifica na responsabilidade civil, a culpabilidade do agente, seja por dolo ou por culpa, é requisito a ser observado na responsabilização penal (BRAGA, p.01).

A ação penal nos crimes ambientais é sempre pública incondicionada, cabendo aos órgãos fiscalizadores a notificação às Autoridades competentes para dar início ao procedimento penal. A competência para julgamento das ações criminais ambientais é, em regra, da Justiça Estadual, ressalvadas as hipóteses  em que há interesse da União.

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STJ - CONFLITO DE COMPETENCIA CC 115003 MG 2010/0213379-1 (STJ)

Ementa: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA CRIME AMBIENTAL. EXISTÊNCIA DE INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. Conduta praticada, em tese, nas cercanias do Parque Nacional do Itatiaia, criado pelo Decreto 1.713 /37, e, de acordo com a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal em Minas Gerais, o agente teria causado dano ambiental direto à unidade de conservação federal, o que demonstra o interesse da União no feito. Precedentes. 2.Conflito conhecido para determinar competente o suscitado, Juízo Federal de Varginha - SJ/MG.

Quando da responsabilização das pessoas jurídicas, há, por expressa previsão legal, a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine), conforme art. 4º da Lei  9605/98, tendo sido a Teoria Menor acolhida pelos tribunais brasileiros, ou seja, basta a mera insolvência ou simples demonstração de que a personalidade jurídica mostra-se como obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente para que se alcancem os bens dos administradores ou sócios.

TJ-ES - Agravo de Instrumento AG 24069004133 ES 024069004133 (TJ-ES)

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 24.069.004.133. AGRAVANTE:CENTRO DE LAZER LTDA AGRAVADO:MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL RELATOR:DES. CARLOS HENRIQUE RIOS DO AMARAL A C Ó R D A O AGRAVO DE INSTRUMENTO PRELIMINAR EX OFFICIO DE INTEMPESTIVIDADE DAS CONTRA-RAZÕES RECURSAIS - DANO AMBIENTAL - Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta - EXECUÇAO - PENHORA - BENS DE ALIENAÇAO RESTRITA - PERSONALIDADE JURÍDICA - DESCONSIDERAÇAO - TEORIA MENOR- APLICABILIDADE - RECURSO IMPROVIDO

As penas previstas para as pessoas físicas são, além da detenção/reclusão e multa, as penas restritivas de direito, as quais são: I - prestação de serviços à comunidade;  II - interdição temporária de direitos;  III - suspensão parcial ou total de atividades; IV - prestação pecuniária;  V - recolhimento domiciliar.

Para as pessoas jurídicas, são previstas, no artigo 21 da Lei 9605/98, as penas de multa, restritiva de direitos e prestação de serviços à comunidade. AMADO (2011) faz crítica á impropriedade técnica da lei, ao ressaltar que esta última (prestação de serviços à comunidade) é espécie da segunda (restritiva de direitos). Além dessas, listadas categoricamente pela Lei, há ainda a liquidação forçada, prevista no artigo 24 do mesmo diploma legal.


CONCLUSÃO

Nesses breves apontamentos, pretendeu-se dar uma visão geral sobre a forma como a legislação pátria tem tratado da proteção ao meio ambiente, vez que esse tema tem ganhado cada vez mais relevância, não apenas no âmbito jurídico, mas nas discussões científicas e políticas, interferindo diretamente no modo de vida dos indivíduos e nas escolhas governamentais.

Também mostrou, de forma sucinta, a repercussão doutrinária e jurisprudencial das regras atinentes à responsabilidade civil e criminal em matéria ambiental, ressaltando a sintonia entre os operadores do Direito nacionais e estrangeiros, vez que o meio ambiente é tema de interesse além fronteira. 


Referência

AMADO, Frederico Augusto di Trindade. Direito Ambiental Esquematizado. Editora Método. 2ª edição. São Paulo. 2011

ANTUNES. Paulo de Bessa. Direito Ambiental. Ed. Atlas. 12ª Ed. São Paulo. 2010.

BRAGA, Alice Serpa. Responsabilidade civil e penal por danos ambientais: breves notas. Disponível em: www.ambitojurídico.com.br. Acesso em: 15.07.2014.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. Malheiros editora. 21ª Ed. São Paulo. 2013

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário.  6ª edição. São Paulo: Ed. Rev. dos Tribunais, 2009.

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Sobre o autor
Daniel de Arruda Antunes

Licenciado em Letras pela Universidade Federal do Maranhão/UniCeuma. Graduando em Direito pela Universidade Estadual do Maranhão. Servidor da Polícia Civil MA desde 2009.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANTUNES, Daniel Arruda. Apontamentos sobre a responsabilidade civil e penal em direito ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4139, 31 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30418. Acesso em: 21 nov. 2024.

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