3. EXAURIMENTO ADMINISTRATIVO PRÊVIO
Apesar do Supremo Tribunal Federal9 já ter se pronunciado, a questão da necessidade de um processo administrativo tributário, que venha a levantar as discussões que surgem entre o Estado e o contribuinte antes de um processo penal, ainda traz grande discussão doutrinária.
Vamos pensar um pouco, será que pode o Judiciário condenar alguém por cometer crime contra a ordem tributária sem saber se o tributo que esta sendo suprimido ou reduzido é realmente devido? Se colocarmos na balança da justiça, o que pesa mais, a separação dos poderes ou o direito a liberdade?
O Supremo Tribunal Federal não respondeu a estas questões, contudo, pelo amor ao debate, não se pode deixar de apresentar as brilhantes defesas daqueles que são contrários ao entendimento do nobre tribunal.
A Administração Pública Tributária possui órgãos com a finalidade de realizar um autocontrole da legalidade de suas exigências, dentre outras o cumprimento das obrigações tributárias. Eles também manifestam sobre divergências entre a Administração e o contribuinte, em um processo administrativo.
Acontece que, segundo o Ministério Público, como fiscal da lei, ele não pode ficar a mercê de órgãos da Administração Pública Tributária, limitando-se a agir contra aqueles que, no entender da administração, cometeram ato ilícito penal. Fundamenta o Ministério Público na autonomia das instâncias ou separação dos poderes.
Agora vamos analisar, se considerarmos o entendimento do Ministério Público, este tem autonomia para oferecer a denúncia contra quem teve informação de que cometeu crime contra ordem tributária, neste sentido, o parquet oferece denuncia antes do término do processo administrativo que investiga o possível ilícito praticado pelo contribuinte e, antes do término do processo administrativo, o denunciado é condenado. Agora, imaginemos que a Administração Tributária, através de seus órgãos de controle, conclua que o mesmo contribuinte, condenado em processo penal pela prática de crime contra ordem tributária, não violou nenhuma norma da legislação tributária, sendo assim, condenado por um crime que não cometeu.
É um absurdo ver alguém ter sua liberdade restrita por ter cometido um crime, enquanto a Administração Tributária diz que o contribuinte não praticou ação tipificadora do crime contra ordem tributária. A tese levantada pelo Ministério Público nos leva a conclusão da necessidade do exaurimento prévio da via administrativa.
O que se tem procurado é evitar incoerências como esta e de se fazer valer a supremacia da Constituição. O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento da inadmissibilidade de ação penal de crime contra a ordem tributária sem o exaurimento administrativo prévio.
O juízo Criminal não possui capacidade e competência para decidir a existência ou não de débito tributário. É claro que todas as áreas do Direito são dotadas de autonomia, porém, em certos casos, uma decisão em uma esfera jurídica causa reflexo em outra. O reflexo da decisão na esfera tributária é de sumária importância para o correto julgamento na esfera criminal, haja vista que é um crime, mas um crime penal-tributário. É notório e cristalino que seria mais coerente que antes de se acionar o Direito Penal, com uma ação penal, deve-se verificar a existência do tributo ou contribuição que cogita-se suprimido ou reduzido e o qual o seu quantum, em vista que o condenado por crime contra a ordem tributária não deixa de ter a obrigação de quitar o tributo.
Se a autoridade administrativa tributária afirma não ser devido o tributo, não há como se falar em ação penal, pois não há crime.
Ainda que não se defina como uma questão pré-judicial, é indiscutível que se trata de uma questão relacionada à efetividade das garantias constitucionais do contribuinte. O contribuinte possui meios administrativos para recorrer e, se o Ministério Público oferecer denúncia estaria cerceando a defesa do contribuinte, desrespeitando os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, previstos no artigo 5º, inciso LV da Constituição de 1988, “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (grifo nosso).
É assegurado ao contribuinte o direito de ser ouvido e de exaurir seus meios de defesa, incluindo recursos. Isto posto, até que haja o exaurimento dos meios de defesa do contribuinte, não deve o Ministério Público oferecer denúncia.
Também deve-se levar em conta a economia processual, visto que caso não haja tributo suprimido ou reduzido não há porque ser proposta ação penal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em face de todo exposto, podemos concluir:
A definição do bem jurídico protegido nos crimes contra a ordem tributária é de suma importância, em vista de que ele seria tudo que é necessário para a plena satisfação das necessidades humanas, por esta razão que ele é o objeto de proteção do Direito.
Para que o ato praticado seja considerado ilícito, faz-se necessária lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico. Não há crime sem que o bem jurídico defendido seja ou corra perigo de ser maculado.
A doutrina não chegou a um consenso, porém, seria mais coerente admitirmos que o bem jurídico aqui protegido é a própria ordem jurídica.
Entretanto, qualquer que seja o posicionamento admitido, o Estado tem o dever de proteger os bens jurídicos, sendo esta sua finalidade essencial, garantindo a eficiência do Direito, assegurando o convívio pleno das pessoas.
No tocante ao planejamento fiscal, devemos considerar que o agente tem o direito de cuidar dos seus negócios da melhor forma possível, desde que legalmente, isso inclui organizar seus negócios da maneira menos onerosa e mais lucrativa.
É pacífico na doutrina e na jurisprudência a legalidade do planejamento fiscal, seja celebrando contratos não previsto pela norma tributária ou escolhendo qual contrato incide em uma carga tributária ou celebrando contrato que incida em uma carga tributatos no tem o dever de proteger os bens jurocessuais para a intimaçria menor.
Por mais que a Fazenda Pública insta em prejuízo na arrecadação de tributos, não pode a mesma proibir o contribuinte de gerenciar seus negócios, deve o Estado coibir apenas as tentativas de fraude.
Por fim, a necessidade do prévio exaurimento da via administrativa, apesar de pacífico entendimento do Supremo Tribunal Federal, este tema ainda provoca debates entre as doutrinas e, apesar dos fundamentos do Ministério Público, para assegurar os direitos fundamentais das pessoas, conforme nossa Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, é extremamente necessário que antes de qualquer ação penal de crime contra a ordem tributária deve-se esgotar todos os meios administrativos sobre o tema.
REFERÊNCIAS
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Notas
1 SCHOERPF, Patrícia. Crimes Contra a Ordem Tributária: aspectos constitucionais, tributários e penais. 1ª ed. (ano 2004), 5ª reimp. Curitiba: Juruá, 2008.
2 Medida Cautelar de Ação Direita de Inconstitucionalidade nº. 1055-DF, Rel. Ministro Sydney Sanches, Julgamento em 16.6.1994.
3 MADEIRA, Anderson Soares. Direito tributário. Rio de Janeiro: Rio, 2006.
4 BASTOS, Celso Ribeiro de. Comentários à constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1989 v. 2. p. 304, in Hugo de Brito Machado, op. Cit., 26. ed., p.482
5 SILVA, Juary G. Elementos de Direito Penal Tributário. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 90.
6 PAULINO, José Alves. Crimes Contra a Ordem Tributária: Comentários à Lei 8.137/90. Brasília-DF: Brasília Jurídica, 1999, p. 17.
7 DECOMAIN, Pedro Roberto. Crimes Contra a Ordem Tributária. 2ª edição. Florianópolis: Obra Jurídica, 1995, p. 44.
8 MACHADO, Hugo de Brito. Crimes Contra a Ordem Tributária. São Paulo: Atlas, 2008.
9 Habeas Corpus nº. 81.611-8 – DF, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, julgado em 10.12.2003, DJU I de 13.5.2005.