INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho é analisar criticamente algumas teses e argumentos de Richard Posner, em sua obra “Fronteiras da Teoria do Direito”. Posner é professor na Faculdade de Direito da Universidade de Chicago, juiz do tribunal de apelação da Justiça Federal norte-americana e um dos principais expoentes da Law and economics, corrente de pensamento que defende a ideia de que o judiciário e os juristas devem preocupar-se não somente em assegurar direitos aos jurisdicionados, além disso, devem alcançar esse desiderato buscando a mais eficiente distribuição de recursos e a melhor relação custo-benefício na distribuição dos mesmos.
Antes de iniciar a análise de cada um dos capítulos da obra, mister se faz realizar uma reflexão inicial fazendo um contraponto ao pensamento de Posner. O postulado da diginidade da pessoa humana e a ideia de efetivação dos direitos fundamentais vêm ganhando espaço nos últimos tempos. Nesse raciocínio, as decisões jurídicas muito antes de serem “melhores” sob o aspecto da relação custo-benefício, devem primar pela justiça, pela independência e por uma concretização efetiva dos direitos fundamentais. Sob a perspectiva da repersonalização ou despatrimonialização, as decisões devem ter por objetivo, em primeiro lugar, o bem-estar das pessoas nelas envolvidas e não os custos e os benefícios que ela trará aos cofres do Estado.
Nas palavras do Professor Paulo Luiz Netto Lôbo: “Se há custos sociais na decisão que faz valer o princípio da dignidade da pessoa humana, tem que prevalecer tal princípio jurídico, independentemente dos custos sociais”[1].
Na obra “Fronteiras da Teoria do Direito”, Richard Posner procura explorar a aplicação das ciências humanas, especificamente as sociais, ao conhecimento do direito com a finalidade de torná-lo menos formalista e mais apto a atingir as metas que a sociedade de propõe. O autor propõe um olhar sob uma perspectiva externa do direito utilizando ferramentas de outras disciplinas.
O livro é dividido em cinco grandes partes: I – ECONOMIA; II – HISTÓRIA; III – PSICOLOGIA; IV – EPISTEMOLOGIA e V – EMPIRISMO. Em cada uma delas o autor traz a perspectiva da utilização de um dos saberes em prol de um direito mais eficiente e benéfico. Em virtude da impossibilidade de examinar com profundidade todo o conteúdo da obra, o presente trabalho abordará os pontos principais e mais instigantes para o debate em cada um dos capítulos.
1. ECONOMIA
Na primeira parte da obra, merecem destaque as reflexões de Posner acerca do chamado “mercado do discurso” e da “liberdade de expressão na internet”.
1.1 O mercado do discurso
Na visão do autor norte-americano, a concepção jurídica de liberdade de expressão é mutável e contestável, ou seja, depende das circunstâncias do caso concreto e da relação custo-benefício de sua manutenção.
Nessa linha de raciocínio, a liberdade de expressão poderia ser suprimida dependendo da situação e dos perigos e males que venham a causar. Para ilustrar essa ideia, Posner utiliza o exemplo do debate entre os presidenciáveis.
Imagine-se que uma emissora de televisão pública deseje realizar um debate entre presidenciáveis e que, dos dez candidatos que estão concorrendo à eleição, apenas dois têm reais chances de serem eleitos. Se, para não violar o direito à liberdade de expressão, o canal de televisão convidar todos os candidatos a participarem do debate, o tempo disponível àqueles que têm real chance de eleger-se será drasticamente reduzido.
Na visão de Posner, o que os candidatos principais têm a dizer é, provavelmente, mais importante para o público do que aquilo que os outros pretendem expor. Sob a ótica da relação custo-benefício, um debate somente com os dois primeiros colocados nas pesquisas pode atrair um público maior e mais atento, além de transmitir informações mais úteis sobre as questões que interessam à sociedade naquele determinado momento histórico. Portanto, a restrição à liberdade de expressão nesse caso pode elevar a qualidade discursiva do debate como um todo e contribuir para o cidadão escolher com mais informações seu candidato na eleição.
Aqui cabe um ponderação em relação à defesa da mitigação da liberdade de expressão em prol da melhor relação custo-benefício.
Não se pode olvidar que, no exemplo hipotético trazido pelo professor da Faculdade de Direito da Universidade de Chicago, não foi levado em conta que os candidatos com pequeno número de intenções de voto podem alavancar seu número de eleitores justamente por meio de debates na televisão, um meio de comunicação que chega aos rincões mais longínquos. Além disso, grandes ideias podem surgir de candidatos e partidos de menor expressão. E mais, a história mostra que grandes candidatos e partidos surgem, inicialmente, como partidos e candidatos menores. Basta pensarmos no caso do Brasil, em que o Partido dos Trabalhadores surgiu como alternativa e hoje está entre os maiores partidos políticos nacionais.
Dessa forma, cercear o direito de participar do debate aos candidatos com um número menor de intenções de votos nas pesquisas pode significar um obstáculo as suas chances de prosperar em um futuro próximo.
1.2 Liberdade de expressão na internet
Outra questão instigante trazida ao debate por Richard Posner, ainda na parte da obra sobre ECONOMIA, refere-se ao tema da liberdade de expressão na internet.
Acerca da temática, Posner traz algumas reflexões sobre a possibilidade de regulamentação da internet. Para ele, são quatro os problemas essenciais que a liberdade de expressão na rede ocasiona a toda a sociedade. São eles: a facilitação, a disseminação e o recebimento de material indecente, particularmente de pornografia infantil. O segundo problema refere-se à inexistência de um controle de qualidade na internet e a difusão de informações inexatas e enganosas. Em terceiro lugar, em razão da rede mundial de computadores oferecer às pessoas a oportunidade de levar o seu discurso a um enorme público em potencial, ela acaba multiplicando os danos potenciais do discurso irresponsável. Finalmente, a internet fomenta o comportamento antissocial, por permitir que pervertidos e extremistas encontrem seus pares com maior facilidade.
Aqui se faz necessária uma reflexão no que tange ao terceiro problema apontado pelo autor. Em virtude do potencial de lesividade infinitamente maior na rede, a danosidade das informações falsas ali veiculadas se torna muito mais grave. A título de ilustração, basta pensar no exemplo de veiculação por meio da internet de uma publicidade enganosa ou abusiva de determinado produto que causou prejuízos à saúde da população. O tamanho do público atingido por aquele discurso inverídico é demasiadamente superior em relação à publicidade veiculada em uma mídia tradicional. Por essa razão, deve haver maior rigor no controle e na punição dessas condutas ilegais por intermédio da rede mundial de computadores.
No que se refere ao quarto problema, Posner lembra que o isolamento destrói a autoconfiança. No momento em que um excêntrico descobre que várias pessoas pensam exatamente como ele, sua autoconfiança se fortelece e suas ideias passam a ganhar mais força. Nesse caso, cabe ao Estado o papel de fiscalizar e tentar evitar as potenciais ameaças, sem impedir a liberdade de expressão na rede. Um desafio novo e hercúleo na era da comunicação de massa.
2. HISTÓRIA
Na segunda parte da obra, merecem atenção as ponderações de Posner acerca da chamada “dependência do direito em relação ao passado” e do “embate entre Savigny e Holmes.”
Desta parte da obra é possível extrair inúmeras críticas à adoção de uma teoria do direito de orientação histórica.
2.1 A dependência do direito em relação ao passado
Na visão de Posner, o direito é, das profissões, aquela que mais volta seu olhar para o passado. O direito venera a tradição, o precedente, o ritual, o costume, as práticas antigas e a terminologia arcaica. Ao mesmo tempo, desconfia da inovação, das rupturas, das mudanças de paradigma, bem como da energia e do ímpeto dos jovens.
A fim de ilustrar tal pensamento, o autor faz uma analogia entre o fenômeno da dependência do direito em relação ao passado e o teclado da máquina de datilografar. O teclado foi projetado inicialmente com o intuito de limitar a velocidade da digitação e, assim, evitar o emperramento constante das teclas. Com o advento das máquinas de escrever elétricas e dos computadores esse problema deixou de existir. No entanto, até hoje, a sociedade continua presa ao antigo teclado, por serem elevados os custos de transição e de reequipagem dos inúmeros usuários que foram acostumados a trabalhar com o teclado antigo.
Na ótica da relação custo-benefício de Posner, ainda que determinada alteração traga grandes benefícios concretos, se os custos de transição forem altos relativamente aos benefícios da mudança, esta não deve ser efetuada.
A devoção do direito em relação ao passado não deve ser atribuída a uma veneração quase religiosa ou muito menos mística, mas sim aos custos de transição. Para os juízes e demais profissionais do direito parece ser mais fácil, cômodo e menos trabalhoso resolver questões de acordo com a jurisprudência, sem buscar novos caminhos ou a reformulação de paradigmas que adaptem as decisões jurídicas às transformações sociais.
Outro ponto relevante na segunda parte da obra refere-se a perda de espaço da doutrina em razão da jurisprudência. No entendimento de Posner quanto mais juízes dependerem da jurisprudência, mais provável será que a doutrina atual seja determinada pela história e não pelas necessidades contemporâneas.
É imperioso, neste momento, atentar para uma reflexão crítica importante. A doutrina deve pautar a jurisprudência e não o contrário, sob pena de ser invertida a lógica jurídica. Se a jurisprudência toma o lugar da doutrina cresce a insegurança jurídica por parte dos jurisdicionados. Além disso, a alteração repentina dos entendimentos jurisprudenciais dá ensejo ao enfraquecimento da ordem jurídica. Enquanto a doutrina tem olhos voltados para o futuro, a jurisprudência lida com fatos passados. Por essa razão, a doutrina deve orientar os caminhos da jurisprudência.
É natural que os juristas recorram ao passado, seja por carecerem de informações satisfatórias sobre como lidar com o presente e com o futuro, seja porque a inovação jurídica implica altos custos de transição. No entanto, para Posner, há uma grande diferença entre agir assim e tratar o passado como se este fosse algo normativo. Segundo o autor, não há necessidade dos argumentos jurídicos partirem de um compromisso com o passado. O passado deve ser um repositório de informações, mas não deve ter o poder de conferir legitimidade às ações do presente.
Dessarte, Posner argumenta que rejeitar a devoção à história significa apenas rejeitar o excesso de zelo. Não se pode admititir que determinada decisão seja adotada com o fundamento exclusivo de que o mesmo entendimento foi adotado no passado. Essa seria uma razão muito frágil. Nas palavras do autor: “É mistificação chamar de normativo o passado em si”[2].
Outra má razão para adotar uma teoria do direito de orientação histórica é a crença de que a competência dos indivíduos que fazem o direito, principalmente juízes e legisladores, diminuiu com o tempo. Essa ideia inverídica surge da comparação daquilo que foi melhor no passado com o que há de mediano no presente, causando uma percepção errônea de que os juristas atuais são inferiores em relação aos seus antepassados.
No afã de rechaçar essa tese, Posner utiliza o exemplo da criação de uma nova Constituição. Caso os EUA decidisse criar uma nova lei fundamental, é fato que não faltariam pessoas qualificadas para cuidar de sua elaboração. Ainda que se acredite que advogados e juízes do passado teriam sido mais capazes e inteligentes do que a safra atual, os conhecimentos acerca de questões da sociedade hipercomplexa contemporânea não faziam parte sequer do imaginário dos nossos antepassados.
Assim, sob a ótica de um pensamento sensato e razoável, pode-se afirmar que os juristas do passado se mostraram à altura das oportunidades apresentadas pelas circunstâncias em que viviam, da mesma forma que aqueles que vivem nos tempos hodiernos são capazes de enfrentar os desafios que lhe competem.
Posner conclui essa parte da obra afirmando que: “É revoltante não ter nenhuma justificativa melhor para uma norma jurídica do que o fato de que assim se estabeleceu na época de Henrique IV”[3].
A área jurídica é extremamente dependente em relação ao passado. No entanto, não se pode esquecer que o direito necessita de uma abordagem voltada para o futuro. Um olhar de devoção dedicado ao passado pode fazer com que o direito não dê a devida atenção ao presente e continue a ser escravo da tradição. O passado não deve, necessariamente, ter o condão de governar o presente e ditar, assim, as diretrizes do futuro.
2.2 Embate entre Savigny e Holmes
Para Posner, Savigny foi o fundador da escola histórica do direito e, por essa razão, é digno de atenção em um debate acerca da abordagem histórica do direito. O autor norte-americano se dedica nesta parte da obra ao estudo da abordagem de Savigny por Oliver Wendell Holmes. O intuito de Posner é preparar o caminho para uma análise econômica moderna da posse. Dentre as inúmeras matérias jurídicas discutidas por Savigny, a atenção de Posner se concentra sobre a teoria da posse, visto que se trata da única parte da obra de Holmes, em que este avalia e critica Savigny com certa profundidade.
Savigny e Holmes não defendiam somente teorias diferentes acerca da posse. Tinham também concepções distintas de teoria do direito e, sobretudo, do papel adequado que a história deve desempenhar em relação ao direito.
Uma das razões para notoriedade de Savigny no século XIX estava na admiração que os norte-americanos sentiam pelas universidades alemãs, que eram as melhores do mundo. Além disso, o caráter nacionalista da concepeção de direito de Savigny chamava a atenção. O autor alemão se destacou também por imprimir um caráter científico ao direito. Em uma época em que o estudo acadêmico do direito ainda estava em seus primórdios, a iniciativa de Savigny foi bem recebida pelos professores de direito e pelos pensadores jurídicos em geral.
A rejeição dos norte-americanos a Savigny foi anunciada em 1881 por Oliver Wendell Holmes. Uma das objeções deste autor aos teóricos alemães, com Savigny encabeçando a lista, é a de que eles se limitavam ao conhecimento do sistema romano. Holmes passa a estudar e busca provar que o direito anglo-americano não provém do direito romano, mas sim do direito germânico pré-romano, sobretudo no que tange às normas jurídicas que regem a posse.
As divergências entre as abordagens dos dois autores são profundas. Não obstante as grandes distinções de ordem técnica, as atitudes dos mesmos diante da história são fundamentalmente diferentes. Enquanto o modo de enxegar a história de Savigny é com respeito e devoção, para Holmes o olhar perante a história deve ser crítico. Na visão do autor alemão, os mais importantes pensadores do direito foram os juristas romanos e a missão do direito moderno é reconstruir os princípios que regiam o pensamento jurídico daquela época. Para Holmes, o pensamento moderno é superior, haja vista que somente um estudioso contemporâneo pode dar conta dos problemas que atingem a sociedade atual.
Embora Holmes acredite que o direito deva adaptar-se às necessidades práticas dos tempos hodiernos, ele não vai além disso, ou seja, não avalia normas e decisões específicas a partir desse critério.
Para Posner, o que falta em Holmes é uma teoria social que substitua o tipo de teoria jurídica que ele condenava nos alemães. A teoria a que se refere o autor é a economia. Destarte, na visão do professor da Universidade de Chicago, o pensamento jurídico sobre a posse passou por três etapas nos últimos dois séculos. A primeira etapa representada pela teoria jurídica de Savigny, a segunda pela teoria jurídica de Holmes e a terceira pela teoria econômica.
Holmes foi um defensor da ideia de se livrar do passado e colocar o direito a serviço das necessidades sociais do presente e do futuro. No entanto, não foi capaz de identificar quais seriam essas necessidades.
Nas palavras de Posner: “Somente com as ferramentas da economia chegou-se ao nível de refinamento necessário à elucidação das normas jurídicas que regem a posse[4]”.
3. PSICOLOGIA
3.1 A emoção no direito
Na terceira parte da obra merecem destaque as reflexões de Posner acerca da “emoção no direito e do papel deste diante da emocionalidade”.
O autor norte-americano afirma, inicialmente, que existem duas concepções básicas de economia. A primeira delas se concentra sobre o conteúdo e considera a economia como o estudo dos mercados. Já para segunda concepção, que parte da perspectiva do método, a economia seria a aplicação do modelo do agente racional ao comportamento humano.
Aqui há a necessidade de uma ponderação relevante. Os adeptos da segunda visão parecem estar em confronto direto com a psicologia, ciência que estuda os comportamentos não racionais dos indivíduos. Na visão de boa parte dos psicólogos, o comportamento humano é caracteristicamente não racional. Além disso, o homem racional idealizado pela economia raramente é encontrado no mundo real. Fato contemporâneo que comprova essa assertiva está no aumento do consumo irracional e desenfreado vivido nos últimos tempos. Em sua obra “Vida para consumo”, Zygmunt Bauman, diferencia o consumo do consumismo. Este último é fruto de um comportamento não racional e é um dos responsáveis pelos superendividamento nas economias de todo mundo. Nas palavras do sociólogo polonês:
A revolução consumista, caracterizada pela passagem do consumo ao consumismo, surgiu quando aquele tornou-se especialmente importante, se não central para a vida das pessoas, o verdadeiro propósito da existência. Nesse momento nossa capacidade de ‘querer’, ‘desejar’, ‘ansiar por’ e particularmente de experimentar tais emoções repetidas vezes de fato passou a sustentar a economia do convívio humano[5].
Nesse diapasão, indaga-se o que a psicologia pode ter a oferecer para compreensão e o aperfeiçoamento do direito. Aqui se faz necessário estudar o tema da análise da emoção e do comportamento não racional, questão com a qual o direito deve conciliar-se.
Muitos dos comportamentos regulamentados pelo direito são intensamente emocionais a exemplo do assassinato de um cônjuge adúltero ou do cometimento do crime de infanticídio.
Para Posner, o direito costuma ser visto como uma fortaleza da razão e a antítese da emoção. Na visão do autor, há um equívoco na compreensão do direito como uma entidade cuja função é neutralizar a emotividade que as disputas jurídicas despertam nas partes envolvidas. A resolução de conflitos jurídicos é, por excelência, um processo intensamente emocional e bastante semelhante aos violentos métodos de resolução de disputas que ele substitui. Diante do exposto, Posner propõe algumas questões acerca do caráter emocional dos atos regulados pelo direito e o modo como este reage a essa emotividade.
Em primeiro lugar é preciso saber se o direito deve ou não usar a emoção e, em caso afirmativo, como deve utilizá-la? Outra questão relevante consiste em investigar qual deve ser o estado emocional das pessoas envolvidas na prática judicial, sejam elas juízes, jurados, promotores ou policiais? Finalmente, de que forma o direito pode impedir que o fator emocional presente nos litígios judiciais fruste os esforços para que as partes entrem em um acordo antes do processo chegar ao fim? Essa última questão está relacionada com a prática da mediação, temática que será tratada adiante.
Para encontrar respostas a essas proposições deve-se buscar auxílio na teoria cognitiva da emoção. Para os teóricos modernos este sentimento é um forma de cognição. A emoção, por vezes, passa por cima da razão, concebida como um processo consciente e articulado de deliberação, análise ou reflexão.
Esse fenômeno pode ser encarado de forma bastante positiva, haja vista que a emoção aumenta a concentração, melhora a avaliação e leva a agir em circunstâncias nas quais a reflexão seria interminável. No entanto, nas situações em que tomar uma decisão inteligente requer análise criteriosa, a emoção pode sobrepor-se a esse processo e levar a uma decisão de qualidade inferior.
Nesse raciocínio, Posner propõe uma conclusão mais sensata acerca do tema afirmando que o excesso de emoção ou o tipo errado de emoção pode levar a uma decisão inferior. Nas palavras do professor da Faculdade de Direito da Universidade de Chicago: “A emoção é necessária para tornar mais ágil qualquer decisão que não seja meramente a conclusão de um raciocínio silogístico ou puramente formal. A decisão é uma forma de ação e não existe ação sem emoção”.[6]
Em síntese, o direito reconhece que a emotividade faz parte do comportamento humano, mas sua reação a esse fato é moldada pelos objetivos de normas jurídicas específicas e não por uma posição geral que qualifique a emoção como algo positivo ou negativo. Para Posner não se pode esperar que o direito seja categoricamente a favor ou contra emoção ou a emocionalidade.
3.2 Papel equivocado do direito diante da emoção e a mediação de conflitos
Na visão de Posner, no Processo de evolução da sociedade, o direito assume o lugar da vingança como principal método de resolução de conflitos e reparação de violações graves das normas de cooperação social. A partir desse raciocínio, os processos judiciais passaram a ser um substituto dos duelos, das rixas, das brigas e das guerras. O direito não tem o condão de eliminar a raiva e a indignação que as pessoas sentem quando veem seus direitos violados. Nesse sentido são inúmeras as tentativas para que se resolva um determinado litígio na primeira oportunidade dada as partes. A título de exemplificação, o novo Código de Processo Civil brasileiro, que encontra-se em tramitação no Congresso Nacional, traz diversos dispositivos implícitos e expressos com finalidade de resolução dos conflitos com a máxima brevidade. O litígio judicial é extremamente desgastante e dispendioso. Além disso, a maioria das pessoas é avessa ao risco. O acordo entre as partes, muitas vezes, é preferível ao invés da incerteza de uma decisão judicial favorável.
Um dos mecanismos que vem sendo utilizado, cada vez com mais frequência, para que as partes cheguem a um acordo é a mediação. Esta consiste em uma técnica de solução de conflitos pela qual um terceiro se coloca entre os contendores e tenta conduzi-los à uma solução autocomposta. O mediador é uma terceira parte que, ao contrário do árbitro, não tem poder de decisão. É um profissional qualificado que tenta fazer com que os próprios litigantes descubram as causas do problema e tentem removê-lo. Nas palavras de Cátia Marques Cebola: “O mediador será nomeado para exercer as suas funções num determinado conflito e, uma vez terminada a mediação, cessará a sua intervenção.[7]”
Apesar da ausência de coercibilidade, a mediação traz algumas vantagens em relação ao litígio judicial. O mediador pode se reunir com as partes em separado e manter com elas conversas confidenciais, o que tende a torná-las mais sinceras do que seriam uma com a outra. Além disso, o mediador pode fazer propostas de acordo. Como as partes não precisam saber se determinada sugestão partiu delas ou do mediador, sentem-se mais incentivadas a aceitá-las. Finalmente, o mediador não é objeto de emoção negativa das partes. Sua presença é tranquilizadora e estimula os conflitantes a fazer uma avaliação realista de quais serão suas possibilidades se houver continuidade do processo. Ao negociar separadamente com cada parte, o mediador acaba mascarando a raiva que uma sente pela outra. Assim, as partes podem chegar a um acordo sem que jamais precisem estar juntas no mesmo local.