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Critérios a avaliação da hipossuficiência social para concessão do benefício assistencial após o julgamento da Reclamação 4.374/PE

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4- CRITERIOS A AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA SOCIAL PARA CONCESSÃO DO BENEFICIO ASSISTENCIAL APÓS O JULGAMENTO DA RECLAMAÇÃO 4374/PE PELO STF

O julgamento da Reclamação 4374 pelo STF, com a declaração de inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993 e do parágrafo único do artigo 34 da Lei 10.471/2003 (Estatuto do Idoso), alterou radicalmente o critério social para a concessão de benefício a idosos ou deficientes a renda familiar, anteriormente balizado na mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo.

Apesar do curto período de tempo transcorrido desde o mencionado julgamento, vem se observando na prática forense uma enorme discrepância na analise de critérios sociais pelo Poder Judiciário, eis que restaram ausentes critérios objetivos. Tamanha subjetividade e ausência de parâmetros conduzem, inevitavelmente, a cenário de indesejável insegurança jurídica e viés de aumento da litigiosidade na concessão do beneficio assistencial, algo totalmente diverso do que se espera após um pronunciamento da Suprema Corte, a pacificação social.

A dificuldade acima aventada deve-se ao fato de que o STF não prescreveu novos parâmetros sobre o tema; decidindo, tão somente, a atual insuficiência ou inadequação da norma e, por conseguinte, a possibilidade de sua superação.

Com relação a uma eventual fixação de critérios objetivos, o voto do Ministro Gilmar Mendes previa a declaração da inconstitucionalidade atrelada à manutenção plena do critério do §3º do art. 20 do LOAS por mais dois exercícios financeiros, a fim de que, como referido pelo mesmo, pudessem “os Poderes Executivo e Legislativo atuar no sentido da criação de novos critérios econômicos e sociais para a implementação do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição[7].”

Entretanto, não houve essa modulação dos efeitos e, tampouco, o julgamento teve como desfecho uma sentença aditiva. O que houve foi a pura e simples declaração da inconstitucionalidade do dispositivo, sem pronúncia de nulidade.

Consequentemente, a decisão da Suprema Corte permitiu a interferência direta do Poder Judiciário na execução desta política pública de assistência, outorgando ao juízo de primeiro grau o papel de, em cada caso concreto, analisar o ato administrativo de indeferimento com base em parâmetros próprios do que seja miserabilidade[8].

Nesse panorama, sem almejar uma uniformização das decisões judiciais, alguns critérios podem ser sugeridos ao julgador no caso concreto, levando-se em consideração, seja os votos de alguns dos ministros do mencionado julgamento, seja critérios observados na legislação ou a própria experiência da pratica forense.

Exemplificando, em seu voto, o Min. Luiz Fux propôs que se estabelecesse uma margem de flexibilidade de 5% sobre o limite legal para que os juízes concedessem a benesse, sugestão não acolhida pelo Pleno, eis que, ao fim, não se fixou qualquer parâmetro substitutivo para o critério legal tido por inconstitucional. Com efeito, tal proposta, com a devida vênia, levando-se em consideração todo o desígnio da decisão da Suprema Corte, não mereceria guarida, já que redundaria em mero apêndice ao critério legal anteriormente fixado.

 Por outro lado, há sugestões que podem ser de grande valia na aferição do critério da hipossuficiência econômica.

Na analise de laudos sociais em juízo, é corriqueiro que os magistrados excluam gastos mensais básicos do requerente (aluguel, medicamento, roupas etc.) quando do cálculo da renda familiar per capita, chegando ao extremo de se subverter o conceito de miserabilidade, retirando todos os gastos mensais, fazendo o cálculo da renda per capita a partir da renda líquida da família.

Analisando a questão sob um prisma mais razoável, seria de bom alvitre adotar tal prática se forem abonados na renda mensal do interessado, não os gastos corriqueiros, mas somente despesas inadiáveis, a exemplo de medicamentos, cuidados médicos, aluguel, e desta subtração for considerado um parâmetro objetivo. Nestes termos, tal equação pode servir de parâmetro coerente para a análise da miserabilidade.

Assim sendo, nas situações em que a renda familiar per capita for superior à ¼ do salário mínimo, deve-se subtrair os gastos despendidos em virtude da deficiência, em virtude de doença ou da idade avançada que acomete o requente, podendo restar poucas condições financeiras para viver com dignidade, estando preenchido, dessa forma, o requisito da hipossuficiência econômica.

Importante frisar que, em essência, o benefício assistencial tem como premissa básica concretizar mandamento constitucional cuja finalidade específica é de transferência direta de renda ao beneficiado, não como um complemento, mas exatamente como substrato único para sua manutenção. Por isso, exigiu-se, na redação original da Lei 8742/93, a comprovação da renda inferior a ¼ do salário mínimo per capita. 

Porquanto, já com o citado escopo de complementação de renda, foram criados pelo Governo Federal outros benefícios de caráter financeiro, em valores inferiores a um salário mínimo, como o Bolsa Família e a renda decorrente do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil.

Noutro giro, alguns textos legais, extravagantes a Lei 8742/93, também flertaram com essa busca pela definição do que seria hipossuficiência econômica e podem ser de grande utilidade nos objetivos que se buscam nessa resenha.

Posteriormente à Lei nº. 8.742/93 sobreveio a Lei nº. 9.500/97 que, ao autorizar o Poder Executivo a conceder apoio financeiro aos Municípios que instituíssem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas, estabeleceu critério mais vantajoso para analisar objetivamente a miserabilidade, qual seja, renda familiar per capita inferior à ½ salário mínimo (art. 5º, I)[9].

No mesmo sentido, a Lei nº. 10.689/03 veio instituir o Programa Nacional de Acesso à Alimentação (PNAA), determinando em seu art. 2º, §2º, que os benefícios do PNAA serão concedidos para unidade familiar com renda mensal per capita inferior a ½ salário mínimo.

Assim, constata-se que alguns programas de acesso à alimentação e de renda mínima, instituídos após a regulação do beneficio assistencial de prestação continuada, consideram como hipossuficiente aquele cuja renda mensal per capita é inferior a ½ salário mínimo vigente, parâmetro que poderia se coadunar com o atual entendimento do STF.

Uma outra linha de raciocínio vai no sentido de que a renda per capita de 1/4 do salário mínimo, sirva como um ponto de partida, um referencial para a aferição da situação familiar, não impedindo que, na via judicial, sejam reconhecidos outros indicadores que revelem a necessidade de amparo assistencial, tendência que, como já abordado neste trabalho, já vinha sendo trilhada por muitos magistrados e tribunais pátrios.

Explica Maíra de Carvalho Pereira{C}[10] que não se deve esquecer de que o critério objetivo da renda foi estabelecido para facilitar a aferição da miserabilidade, não podendo servir de empecilho à análise desta condição por outros meios.

Arrimado nas disposições do Estatuto do Idoso e conjugando a possibilidade de aferição da hipossuficiência por formas diversas, já vinha entendendo o Superior Tribunal de Justiça[11]:

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ASSISTÊNCIA SOCIAL. PREVISÃO CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO RECEBIDO POR PARENTE DO AUTOR. CÔMPUTO DO VALOR PARA VERIFICAÇÃO DE MISERABILIDADE. IMPOSSIBILIDADE. ART. 34 DA LEI Nº 10.741/2003. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA AO BPC. ART. 20, § 3º, DA LEI Nº 8.742/93. POSSIBILIDADE DE AFERIÇÃO DA MISERABILIDADE POR OUTROS MEIOS. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. O benefício de prestação continuada é uma garantia constitucional, de caráter assistencial, previsto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelo art. 20 da Lei nº 8.742/93, que consiste no pagamento de um salário mínimo mensal aos portadores de deficiência ou idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida pelo núcleo familiar. 2. O art. 34 da Lei nº 10.741/2003 veda o cômputo do valor do benefício de prestação continuada percebido por qualquer membro da família no cálculo da renda per capita mensal. 3. A Terceira Seção deste Superior Tribunal consolidou o entendimento de que o critério de aferição da renda mensal previsto no § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93 deve ser tido como um limite mínimo, um quantum considerado insatisfatório à subsistência da pessoa portadora de deficiência ou idosa, não impedindo, contudo, que o julgador faça uso de outros elementos probatórios, desde que aptos a comprovar a condição de miserabilidade da parte e de sua família. 4. Recurso especial a que se dá provimento”. (STJ – SEXTA TURMA – RELATORA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA – RESP 841060/SP – DJ 25/06/2007)

Ainda cerca dos critérios sociais a concessão do beneficio assistencial, muito se discutia acerca da possibilidade de cumulação do benefício assistencial com outros benefícios de natureza assistencial ou previdenciária.

Dirimindo esta controvérsia, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação 4374, declarou também a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 34 da Lei 10.471/2003 (Estatuto do Idoso). Assim, para fins de aferição da renda familiar per capita, qualquer benefício recebido por membro do grupo familiar no valor de um salário mínimo deve ser excluído do cômputo da renda familiar para fins de aferição da hipossuficiência, ainda que o titular não seja idoso e deficiente e que o referido benefício seja de natureza previdenciária, visto que é de destinação exclusiva daquele que o recebe.

Em arremate a todo o exposto e tendo em vista o novel entendimento vaticinado pelo STF, é de fundamental importância na análise da concessão do beneficio assistencial, seja em sede administrativa ou judicial, a qualificação e maior detalhamento da perícia social, devendo ser procedida por profissional capacitado para tanto.

 Especificamente em relação ao estudo social procedido em sede judicial, seu modus operandi terá que ser profundamente modificado. A reiterada prática resumir tal estudo a perguntas e respostas a um questionário deve ser abolida.

A utilização pelo Judiciário e da Advocacia Geral da União de ferramentas a disposição dos processos executivos fiscais, tais como, pesquisa ao INFOSEG, ofícios a registros de veículos e imóveis, juntada de declarações de imposto de renda, pesquisas externas no local da residência familiar, utilização de fotos da residência do interessado; são instrumentos extremamente esclarecedores da situação econômica do eventual beneficiário.

Tais instrumentos, quando bem utilizados, terminam, em muitos casos, por descortinar requerentes de considerável padrão financeiro, proprietários de veículos e residências que descaracterizam a condição de beneficiários do Benefício de Prestação Continuada., revelando, tentativas de fraudes a Previdência Social, o que só reforça a necessidade de aprofundamento na instrução processual, seja no momento da perícia, seja em sede de colheita de provas testemunhais.

Ressalte-se que tal sugestão constitui um desafio, diante do crescimento exponencial do numero de demandas ajuizadas no Poder Judiciário.

Por sua vez, mostra-se imprescindível por parte do INSS, o acompanhamento dessas pericias judiciais, na grande maioria dos casos, realizada de forma extremamente superficial e unilateral, sem o acompanhamento in locu por profissional da área.

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Em conclusão a todo o exposto, após o julgamento da Reclamação 4374/PE, a fixação de parâmetros de renda minimamente objetivos como ponto de partida e a realização de pericias sociais mais criteriosas são diretrizes a serem seguidos na escorreita análise da concessão do beneficio assistencial.


5-CONSIDERAÇÕES FINAIS

A concessão do benefício assistencial foi condicionada ao preenchimento do requisito da renda per capita familiar inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo, nos termos da redação original da Lei nº 8.742/93.

As discussões doutrinárias e jurisprudenciais geradas pelo critério da renda resultaram na manifestação do Supremo Tribunal Federal, na ADI 1232/DF, quanto à constitucionalidade do referido requisito. Não obstante a decretação de constitucionalidade do dispositivo do artigo 20 §3º da Lei nº 8.742/93, ainda persistiram muitas controvérsias acerca da caracterização da hipossuficiência social.

Diante desse panorama, o Supremo Tribunal Federal foi provocado novamente acerca do tema, na Reclamação 4374/PE, alterando seu entendimento e decretando a inconstitucionalidade do §3º do artigo 20 da Lei 8742/93 e do parágrafo único do artigo 34 da Lei 10.471/2003. 

Em consequência da ausência de parâmetros legais delineadores da hipossuficiência econômica, na decisão da Suprema Corte, coube aos magistrados, no caso concreto, concluir pela comprovação ou não da miserabilidade, o que vem gerando considerável  insegurança jurídica, tamanho o grau de diversidade de decisões, face a subjetividade dos critérios adotados.

A dificuldade acima aventada deve-se ao fato de que o STF não prescreveu novos parâmetros sobre tema; decidindo, tão somente, a atual insuficiência ou inadequação da norma e, por conseguinte, a possibilidade de sua superação. O que houve foi a pura e simples declaração da inconstitucionalidade do dispositivo, sem pronúncia de nulidade, sem modulação dos efeitos ou sentença aditiva.

Em síntese conclusiva a todo o exposto, após o julgamento da Reclamação 4374/PE, a escorreita analise da concessão do benefício assistencial, seja em sede administrativa ou judicial, deve ter como diretrizes a fixação de parâmetros de renda minimamente objetivos como ponto de partida e a realização de pericias sociais mais criteriosas. Com isso, serão contemplados os mandamentos constitucionais, nos termos da interpretação conferida pela Suprema Corte e, ao mesmo tempo, segurança jurídica, proporcionando, em ultima instância, pacificação social e redução da litigiosidade.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] CASTRO, Carlos Alberto Pereira de, LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 11. Ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2009.

[2] SANTOS, Marisa Ferreira Dos. Direito Previdenciário Esquematizado. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

[3] ÍBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 16. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011

[4] BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STF declara inconstitucional critério para concessão de benefício assistencial a idoso. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=236354>. Acesso em: 09 jullho de 2014. 

[5] Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1232/DF. Relator: Min. Ilmar Galvão, Relator p/ Acórdão:  Min. Nelson Jobim, DJ 01-06-2001 PP-00075

[6] STF, Rcl 4374, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-173 DIVULG 03-09-2013 PUBLIC 04-09-2013

[7]STF, Rcl 4374, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-173 DIVULG 03-09-2013 PUBLIC 04-09-2013

[8]WEBER, Aline Machado. Critério legal ou a critério do julgador? O benefício assistencial após a declaração, pelo STF, da inconstitucionalidade do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 3875, [9] fev. [2014]. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/26660>. Acesso em: 25 jul. 2014.

[9]CASTRO, Carlos Alberto Pereira de, LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 13. Ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2011.

[10]PEREIRA, Maíra de Carvalho. Considerações acerca do requisito da renda familiar per capita  para concessão do benefício assistencial previsto no art. 20 da lei 8.742/97. Revista da Defensoria Pública da União. Disponível em: < http://www.dpu.gov.br/escola_superior/arquivos/PDF/revista_03.pdf>. Acesso em: 09 julho. 2014, p. 13.

[11] STJ – SEXTA TURMA – RELATORA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA – RESP 841060/SP – DJ 25/06/2007  

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Sobre o autor
Paulo Henrique Carneiro Fontenele

Procurador Federal. Ex-Analista Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. Ex-Procurador Autárquico da Superintendência Estadual do Meio Ambiente do Estado do Ceará (SEMACE). Pós-graduado em Direito do Estado. Pós-graduando em Direito Administrativo. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC)<br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FONTENELE, Paulo Henrique Carneiro Fontenele. Critérios a avaliação da hipossuficiência social para concessão do benefício assistencial após o julgamento da Reclamação 4.374/PE. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4084, 6 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30531. Acesso em: 29 mar. 2024.

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