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Aspectos legais do teletrabalho no Brasil

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01/08/2014 às 12:22
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8.       Questões polêmicas não-regulamentadas pela Lei 12.551/11

Tendo em vista que a lei promulgada apenas declarou válida a subordinação jurídica à distância, equiparando juridicamente os meios informatizados à presença pessoal do empregador, muitas questões referentes ao exercício do teletrabalho ainda permanecem desregulamentadas.

Fato é que, mesmo havendo controle, há a preocupação dos empregadores quanto à possibilidade de demandas judiciais onde os teletrabalhadores requeiram eventuais jornadas extraordinárias, prevendo inclusive a possibilidade de limitar ou proibir o acesso e a conexão com a empresa. Uma outra alternativa proposta pelos empregadores seria a promoção dos teletrabalhadores a cargos de confiança, eximindo-se assim, por previsão legal, do controle da jornada de trabalho.

Ademais, uma importante questão não tratada pela nova lei diz respeito ao grau de supervisão que o empregador poderá exercer sobre o teletrabalhador, já que, principalmente no trabalho em domicilio, a privacidade do empregado é mais facilmente exposta. O comando constitucional, em seu artigo 5º, incisos X, XI e XII, dispõe que se deve cuidar para que os direitos fundamentais do empregado sejam respeitados.

Desta forma, são invioláveis, nos exatos termos da Constituição Federal Brasileira, ressalte-se, inclusive em matéria de supervisão e controle teletrabalhista, o sigilo das correspondências e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, bem como são invioláveis a intimidade, a vida privada e a casa do teletrabalhador. Estas regras dificultam o empregador de inspecionar o ambiente de trabalho do seu teletrabalhador e, até mesmo, a fiscalização de órgãos públicos competentes.

A falta de fiscalização pelos empregadores, além do receio em adotar o teletrabalho, gera insegurança na medida em que torna impossível verificar se o teletrabalhador cuida de assuntos particulares em horário de serviço ou até mesmo outras atitudes graves.

Além disso, como o empregador pode responder pelos acidentes do trabalho, revela-se o principal interessado no estrito cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho, o que se torna praticamente impossível à distância. A lei 12.551 não fez referência a esta situação.

Outro ponto de discussão da nova lei refere-se a alteração do local do contrato de trabalho e seus requisitos. Conforme estabelece o artigo 444 da CLT, as cláusulas das relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre negociação entre as partes, desde que todo o estabelecido não seja contrário às disposições da legislação trabalhista.

  Entretanto, no artigo 469 do referido diploma legal, existe a determinação de que, nos contratos individuais de trabalho, só é licita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento – empregado e empregador- e ainda assim, desde que as respectivas alterações não resultem em prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade absoluta da cláusula que infringir esta garantia.

Neste aspecto, pela inteligência dos artigos citados, entende-se que o teletrabalhador que, por exemplo, não estiver exercendo com presteza suas tarefas à distância, não poderia ser reintegrado ao quadro de funcionários internos da empresa, visto que, mesmo com o consentimento deste, esta alteração lhe causaria prejuízos. Sob esta alteração, a lei também se omitiu.

Já em termos de proteção de informação, a legislação também silencia, deixando em aberto a possibilidade das empresas tomarem medidas de segurança destinadas a proteger informações profissionais confidenciais, a proteção dos dados e das informações transmitidas.

Em relação ao exercício do teletrabalho em si, há que se definir, cuidadosamente, os termos e as condições em que é efetuado. Aspectos como ergonomia, segurança e saúde devem ser observados, já que a distância entre o empregador e os teletrabalhadores, por vezes, impossibilita o aferimento, por parte daquele, das condições reais em que os serviços são prestados.

Desta forma, possíveis doenças e lesões poderão ser reclamadas pelo teletrabalhador, sem que o empregador tenha ciência se verdadeiramente fora contraída no âmbito da prestação dos serviços da empresa ou durante qualquer outra atividade realizada pelo empregado.

É Alexandra Agra Belmonte (2007, p. 27) quem exemplifica, em um rol não taxativo, alguns dos aspectos que deveriam ser abordados em uma possível lei regulamentadora das relações teletrabalhistas:

É preciso regulamentar minimamente o teletrabalho e fortalecer a representação sindical, buscando o estabelecimento autônomo e heterônomo:

- de critérios de avaliação do vínculo; de normas de higiene e segurança no ambiente do trabalho prestado à distância;

- de critérios para inspeção do local de trabalho pelo empregador e pela DRT;

- da obrigação de fornecimento do equipamento e de condições de reembolso das despesas;

- de métodos de avaliação da produtividade e de escolha da lei aplicável à regência do contrato; de critérios de mensuração do tempo à disposição e períodos de descanso;

- de preferência no preenchimento de funções correlatas no quadro interno da empresa;

- de critérios para o monitoramento do uso dos aparatos eletrônicos; de direitos e restrições relativos ao uso do equipamento corporativo;

- de promoção da interação periódica entre trabalhadores e objetivos globais empresariais: com quem trabalha, com quem compete e para quem trabalha?

- de estabelecimento de equipes de revezamento, com horários e fusos definidos na prestação on line de trabalho internacional, como SAC.

Por estas dificuldades, não regulamentadas em lei, as empresas encaram o exercicio do teletrabalho com enorme cautela. Não foram analisadas pela lei 12.551 questões polêmicas relativas a adequada atribuição de direitos e deveres às partes de tais relações contratuais.

Não se pode deixar a regulamentação destes pontos polêmicos à livre interpretação nem de empregadores, nem dos teletrabalhadores. O Brasil possui uma diversidade cultural muito grande, o que incontestavelmente gera, em determinadas regiões, diferentes interpretações da mesma lei. Por ter como principal característica de sua prestação a mobilidade, se tornará corriqueira a confusão e o choque de interpretações e de aplicações normativas subsidiárias aos teletrabalhadores, o que poderá ser evitado.

  Por estes motivos, defende-se que o teletrabalho carece de uma atenção especial de nossos juristas e dos representantes no legislativo. Portanto, cabe ao Estado, resolver os problemas decorrentes da automação nas relações de trabalho, inclusive por garantia constitucional, implementando políticas públicas, através do legislativo e do executivo, que propiciem o acesso a informação e a regulamentação adequada do teletrabalho e, ao judiciário, a interpretação das relações de trabalho, garantindo o justo equilíbrio entre os interesses das empresas e da classe trabalhadora, com respeito aos direitos fundamentais do trabalhador.


9.       Considerações finais

Dada sua especificidade, o teletrabalho é uma atividade de natureza jurídica polêmica, tendo em vista a dificuldade de fiscalização e de controle na execução dos afazeres, além da ausência de normatização precisa sobre pontos polêmicos, que são traduzidos em insegurança jurídica à empresa que pretende adotá-lo.

Entende-se fundamental a regulamentação do teletrabalho, a fim não apenas de solucionar os conflitos dele oriundos, de forma a compor a relação de trabalho à distância com maior perfeição, mas também como forma de restringir o uso da analogia e a ampliação de conceitos e interpretações, que podem prejudicar o teletrabalhador que, como parte hipossuficiente na relação, deve ser protegido pelo Direito do Trabalho, consagrando assim o princípio da proteção ao trabalhador, bem como causar insegurança jurídica aos empregadores.

É nesta conjuntura em que se desenvolve o Teletrabalho, uma modalidade de emprego que tende a ampliar-se no mundo moderno, intimamente relacionado à flexibilização do meio e do lugar da prestação do serviço, utilizando-se dos meios telemáticos de comunicação para obter os mesmos resultados de uma relação clássica, tradicional, de trabalho, ainda, sem descaracterizar o contrato de trabalho, obtendo os empregados à distância as mesmas garantias protecionistas dos empregados tradicionais.

Transcendendo as barreiras geográficas, modernos meios de comunicação passaram não apenas a interligar pessoas e mercados, como também os próprios meios de produção e prestação de serviços. Assim, o surgimento do trabalho via tecnologia-informática, teletrabalho, propicia inclusive, além desta interligação cultural, novas oportunidades para pessoas com dificuldade de inserção no mercado de trabalho.

No tocante ao seu reconhecimento jurídico, resta comprovado que o advento da recente lei 12.551/11 dispensou qualquer discussão acerca da possibilidade da aplicação da telesubordinação às relações laborais, entretanto, não trouxe novidades à matéria, já que apenas sedimentou o entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência que já reconheciam a possibilidade de configurar a subordinação à distância, exercida através dos meios telemáticos, como um dos elementos essenciais ao reconhecimento de um contrato de trabalho.

Porém, apesar de termos um ordenamento jurídico relativamente moderno, que em princípio não afastaria o instituto do teletrabalho, haja vista a possibilidade de interpretar as leis já existentes, adequando ao caso concreto teletrabalhista, ainda existem alguns pontos não definidos que, não apenas para dirimir, mas também para prevenir os conflitos judiciais, precisam ser particularmente regulamentados, evitando assim diferentes interpretações dadas a uma mesma matéria.

Diante de todo o exposto, concluímos que, apesar de dispormos de normas que possam ser aplicadas subsidiariamente ao Teletrabalho,  faz-se necessária a criação de lei que regulamente as especificidades desta atual modalidade de trabalho, a fim de solucionar e prevenir os conflitos dela provenientes.

Assim, a regulamentação do Teletrabalho ajudará a compor a relação de emprego com maior exatidão, a fim de garantir a perfeita aplicação das leis trabalhistas, que visam, fundamentalmente, a proteção ao trabalhador hipossuficiente, sob pena de deixarmos os teletrabalhadores à mercê de divergentes entendimentos jurisprudenciais, bem como impedir o aumento de conceitos e do uso da analogia, que sempre dão margem a interpretações duvidosas ou injustas.

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Sobre o autor
Allan Cantalice de Oliveira

Graduação em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa (2012), com especialização em Direito Material e Processual do Trabalho pela Escola da Magistratura da Paraíba - ESMAT (2013). Membro da Comissão de Ética da OAB/PB. Atualmente é advogado da Prefeitura Municipal de João Pessoa-PB.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Allan Cantalice. Aspectos legais do teletrabalho no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4048, 1 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30546. Acesso em: 28 mar. 2024.

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