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Provas ilícitas lícitas ?

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01/08/2002 às 00:00
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5. Conclusões.

Pelo fio do exposto, força é concluir que, na medida em que a garantia da vedação da prova ilícita (hoje erigida a ordem constitucional), encontra-se dentro de um sistema maior, também ela deve ser interpretada de modo que permita a perfeita realização desse. O Estado, ao vedar a autotutela entre os particulares, comprometeu-se a oferecer jurisdição eficaz e deve garantir meios para que os direitos materiais alegados possam ser certificados, afinal também é sua preocupação bem cumprir o ofício jurisdicional.

De nada adianta fechar os olhos para aquilo que há do outro lado da balança no justo momento em que nos deparamos com uma prova prima facie contrária ao ordenamento. Convém lembrar que, somente através do cotejo da situação fática concreta, se poderá dizer quais provas devem ou não ser aceitas em determinado processado. É bem verdade que, como regra, a prova obtida por meio ilícito está vedada, pois o ideal, em qualquer processo, é encontrar meios de provas lícitos a comprovar as alegações, de modo que aquela ilícita não necessite constar nos autos. Dessa forma, cumprirá aos operadores justificar com todo zelo as exceções que exijam a restrição da garantia. E, aos efeitos de garantir a harmonia, de todo razoável a aplicação do princípio da proporcionalidade, o qual, em última análise, permite uma solução satisfatória para as questões apresentadas, preservando o Estado de Direito em seus aspectos mais relevantes.

Nessa linha, ainda é de se referir que, dado os valores que comumente estão envolvidos no juízo criminal, neste a admissão da prova ilícita deve se dar com o máximo de temperamento, mormente quando utilizada pela acusação. De outra banda, tampouco é possível afirmar que a prova ilegal possa ser sempre utilizada quando em benefício do réu, muito embora, por vezes e justificada exceção, também deva ser considerada. Como dito, é necessário medir as conseqüências da aceitação e ponderar todos os valores envolvidos na lide.

Em suma, não se pode dizer que a regra contida no art.5º, LVI, CF, que prevê a vedação da utilização da prova obtida por meios ilícitos, seja absoluta. Ela deve ser entendida com temperamento e, sob circunstâncias excepcionais, deve ceder, em homenagem à própria sobrevivência do sistema jurídico nacional. Assim, parece evidente que, para a perfectibilização desse comando, deveremos confiar em nossos magistrados, a fim de que esses não cometam atos de puro arbítrio - o qual é justamente combatido pelo princípio da proporcionalidade. As decisões, nessa medida, deverão ser cautelosamente fundamentadas, expondo todos os motivos que influenciem o convencimento pela aceitação da prova prima facie proibida, aos fins de prestigiar o Estado de Direito. A segurança jurídica, então, brotará da uniformização da jurisprudência, mediante a elaboração de critérios objetivos e abstratos para análise e valoração da aludida prova.


6. Bibliografia:

Álvaro de Oliveira, Carlos Alberto. Do formalismo no Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1997.

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Sentis Melendo, Santiago. La prueba es libertad. In Revista dos Tribunais, v.462.

Taruffo, Michele. La Prova dei Fatti Giuridici. Milano: Giuffrè, 1992;


Notas

1. Tratado das Ações, v.1, p.55.

2. Muito embora o contexto em que a verdade seja buscada relativize sobremaneira a idéia da existência de uma ‘verdade’, na medida em que admitimos que a falibilidade humana, a natureza e mesmo a tecnologia não logram representar com exatidão o acontecimento passado, força é reconhecer que não apenas no processo senão em qualquer área do pensamento humano a tarefa segue assaz complicada e de nada adianta diferenciar uma possível verdade processual de outra capaz de ser compreendida com maior exatidão por terceiros alheios a lide. Nesse sentido, vale transcrever lição de TARUFFO sobre o tema: non bisogna tuttavia pensare che da questa radicale relativizzazione del problema della verità processuale (come anche delle altre verità) derivi necessariamente la dissoluzione della possibilità di parlare sensatamente di accertamento della verità dei fatti all’interno del processo (La Prova dei fatti giuridici, p.57)

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3. Nessa linha, já advertia JHERING, lembrado pelo Professor CARLOS ALBERTO ÁLVARO DE OLIVEIRA, que o direito existe para se realizar. A realização é a vida e a verdade do direito, é o próprio direito. O que não se traduz em realidade, o que está apenas na lei, apenas no papel, é um direito meramente aparente, nada mais do que palavras vazias´.

4. Lembra CARLOS LESSONA, que, de regra, ´el que quiere hacer valer un derecho, debe probar sencillamente los hechos que, según la relación normal, engendran el derecho y reclaman la aplicación del precepto-regla; el que contradice el derecho, debe probar los hechos anormales que impiden su existencia y hacen aplicable el precepto-excepción. In Teoria General de la Prueba en Derecho Civil, p.133, Instituto Editorial Reus, 1957.

5. Como ilustra a seguinte ementa: "Prova. Exame de DNA. Desistência não comprovada. A realização de exame de DNA independe de expresso requerimento da parte, podendo ser deferida de ofício pelo Juízo." (TJMG – AG 000.187.901-4/00 – 3ª C.Cív. – Rel. Des. Aloysio Nogueira – J. 15.02.2001)

6. A Garantia da Amplitude de Produção Probatória, In Garantias Constitucionais do Processo Civil, p.181

7. In Teoria do Ordenamento Jurídica, 5ª edição, Editora UnB, p.71.

8. Assim, o seguinte escólio: "Penal. Habeas-corpus. Denúncia. Quebra de sigilo bancário. Prova ilícita. Invalidade. A denúncia oferecida exclusivamente com fundamento em provas obtidas por força de quebra de sigilo bancário, sem a prévia autorização judicial, é desprovida de vitalidade jurídica, porquanto baseado em prova ilícita. Sendo a prova realizada sem a prévia autorização da autoridade judiciária competente, é desprovida de qualquer eficácia, eivada de nulidade absoluta e insusceptível de ser sanada por força da preclusão. Habeas-corpus concedido." Rel. Min. Vicente Leal, HC 9838/SP.

9. Tanto assim que o próprio Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento, no sentido de que, havendo outras provas para embasar a decisão judicial, que não apenas as ilícitas, o magistrado deverá considerá-las, como atesta a seguinte ementa: " HC. Constitucional. Processual Penal. Prova ilícita. O conjunto probatório precisa ser analisado organicamente. A prova ilícita, sem dúvida, é vedada pelo Direito e não pode fundamentar restrição ao exercício do direito de liberdade. Em havendo, contudo, outros elementos, sem vício jurídico, legal a decisão do juiz que os considerou para explicitar a decisão." Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, HC 9128/RO.

10. Sobre o tema, assim se manifestou o insigne Min. Vicente Leal, quando do julgamento do ROMS 8.327-MG: O direito constitucional-penal inscrito na Carta Política de 1988 e concebido num período de reconquista das franquias democráticas consagra os princípios do amplo direito de defesa, do devido processo legal, do contraditório e da inadmissibilidade da prova ilícita (CF, art. 5º, LIV, LV e LVI).

11. A Constituição e as Provas Ilicitamente Adquiridas. In Revista da Ajuris, 68/13.

12. E essa constatação é irrefutável, na medida em que o próprio direito à vida dentro do sistema jurídico brasileiro sofre restrições. Vide, por exemplo, a possibilidade de aborto quando a gestação decorre de estupro ou implica risco à vida da mãe, ou mesmo as excludentes da legítima defesa e do estado de necessidade, assim como a pena de morte garantida constitucionalmente em casos de guerra.

13. O princípio da proporcionalidade no direito constitucional e administrativo da Alemanha. In Revista Direito Público, 2/97.

14. Trecho do voto vencido, proferido no julgamento do HC 71.373-4 – RS, STF, Pleno, em 10.11.1994. Nesse particular, não se ignora a possibilidade levantada pela doutrina, de reconhecimento da formosa figura da paternidade sócio-afetiva. Apenas é trazido o exemplo da paternidade biológica, que depende de perícia, para ilustrar a necessária tutela que o sentimento do filho deva encontrar, preponderando sobre o egoísmo da parte disposta a inviabilizar o imprescindível exame. A discussão, aliás, encontra-se viva mais do que nunca, principalmente em virtude do ainda inintelegível caso Glória Trevi, no qual foi ordenada a apreensão da placenta para realização de exame. Quer-nos parecer que, in casu, não foi em nome do interesse da criança que a perícia foi procedida, indicando, em princípio e ao contrário do exemplo trazido, a ocorrência de uma prova ilícita.

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Sobre o autor
Daniel Ustárroz

advogado, mestrando em Direito pela UFRGS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

USTÁRROZ, Daniel. Provas ilícitas lícitas ?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3056. Acesso em: 22 nov. 2024.

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