5 CONCLUSÃO
O presente trabalho procurou abordar de forma detalhada a responsabilidade pela perda de uma chance. Como se pôde notar, tal instituto vem se mostrando cada vez mais presente no direito brasileiro, conquistando espaço no âmbito da doutrina e jurisprudência. A técnica vem recebendo grande importância e evoluindo de acordo com as necessidades surgidas. Há algum tempo atrás, poucos eram os estudos mais aprofundados a respeito do assunto e a jurisprudência vinha enfrentando o tema de forma menos constante.
A partir de uma transformação no cenário social, principalmente, com o advento da Constituição Federal de 1988, o contexto se alterou, colocando-se como foco o respeito aos princípios da dignidade da pessoa humana, da justiça distributiva e da solidariedade social. O apreço por esses princípios motivou uma reestruturação no campo do Direito Civil, que atingiu, sobretudo, o sistema de responsabilidade civil.
A sociedade se encontra num momento em que o Direito Privado sofre cada vez mais influência do Direito Constitucional, contribuindo para o surgimento de um novo caminho metodológico: o Direito Civil Constitucional. Ou seja, os institutos do Direito Privado são agora analisados de acordo com a própria Constituição Federal e seus princípios.
Por força do princípio de proteção da dignidade da pessoa humana, o Direito visa possibilitar cada vez mais a reparação de danos injustos, almejando retornar ao status quo ante. Sem dúvida, a responsabilidade civil atua como um importante mecanismo na função social e, por isso, deve merecer grande enfoque.
Primeiramente, tal sistema da responsabilidade civil apresentou alterações quanto aos seus pressupostos, ou seja, o elemento subjetivo “culpa” deixou de ser essencial para ensejar o ressarcimento de um dano causado. Sendo assim, reconheceu-se a responsabilização objetiva. E esse seria apenas o começo de uma grande evolução no campo da responsabilidade, pois o direito moderno ampliou, consideravelmente, as hipóteses de danos ressarcíveis.
Outro avanço promovido em virtude de um paradigma solidarista se deu a partir da aplicação da teoria da perda de uma chance, cuja origem advém da França. Essa teoria mostra-se plenamente compatível com princípio da reparação integral dos danos, que norteia o sistema de responsabilidade civil. E, ainda, pode-se afirmar que ela está atrelada à evolução das relações sociais, que conduzem à adequação do Direito ao contexto e exigências atuais.
Apesar de não haver um amparo legal específico para aplicação da teoria, o direito brasileiro apresenta uma série de dispositivos que vão ao encontro da possibilidade de reparação integral dos danos, contemplando, com isso, a ampliação dos danos ressarcíveis. Dessa forma, a ausência de previsão legal não impõe óbice à reparação pela perda de uma chance.
Ademais, deve-se ressaltar que os pressupostos caracterizadores da responsabilidade civil abrangem também a perda de uma chance, pois se mostram presentes, nesses casos, a conduta, o dano, o nexo de imputação e o nexo de causalidade. Conduto, torna-se necessário atentar para o fato de que o nexo de causalidade a ser demonstrado é entre a conduta e a chance perdida e não entre a conduta e o resultado final almejado.
Vale dizer que a chance é um objeto abstrato, não possuindo dimensões materiais, o que dificulta a imposição de limites. Verifica-se, assim, uma tendência de seu emprego ocorrer sem a devida parcimônia, dando embasamento a demandas sem considerável teor de importância. Sendo assim, diante do contexto fático de expansão de sua aplicação, é fundamental imporem-se limitações à sua utilização, a fim de se evitar que a técnica confira um campo aberto ao oportunismo travestido em prejuízo.
Visando-se afastar a banalização de seu uso e a vulgarização de seu conteúdo, tornou-se fundamental a criação de barreiras conceituais. Com isso, apenas será indenizável a chance perdida que se apresentar como sendo séria e real. Dessa maneira, excluem-se os danos considerados meramente hipotéticos.
Alguns doutrinadores entendem, ainda, que se poderia implementar uma limitação no que diz respeito ao percentual de chance que enseja a reparação do dano. Tal posicionamento considera que apenas as chances superiores a 50% (cinquenta por cento) serão passíveis de indenização, já que, para esses juristas, somente essas chances mostram-se sérias e reais.
Contudo, essa última solução não vigora, no Brasil, no âmbito do STJ. Pode-se depreender isso a partir da leitura do leading case do “Show do Milhão”. Adotou-se, no julgado, apenas a solução criada pela jurisprudência francesa, embasada na chance real e séria.
Outrossim, ao se fixar o quantum indenizatório, mostra-se imprescindível se ater ao fato de que o valor da indenização jamais poderá ser correspondente ao valor da vantagem final esperada, sendo indenizável apenas a probabilidade de chance que se detinha para alcançar a vantagem ou se evitar um prejuízo. Quanto maior a chance de se alcançar o resultado esperado, maior a indenização cabível ao prejudicado. Sendo assim, o cálculo para atingir esse valor deve tomar como parâmetro o valor total do resultado esperado e sobre este incidir um coeficiente de redução proporcional às probabilidades de obtenção do tal resultado.
Como se pôde observar, ainda há uma série de divergências no âmbito da doutrina e jurisprudência no que se refere à natureza jurídica da perda de uma chance. Ora ela é classificada como um dano emergente, ora como um lucro cessante e, até mesmo, como um dano moral ou um terceiro gênero.
Contudo, talvez a classificação mais adequada seria aquela que a caracteriza como uma subespécie de dano emergente. Considerando a perda de uma chance como uma espécie de propriedade anterior do sujeito que sofre lesão, eliminar-se-ia o problema da certeza do dano.
Além dessa dificuldade de definição dos conceitos, observam-se grandes equívocos cometidos por parte da jurisprudência. Infelizmente, há, ainda, muitos julgados conferindo à indenização pela perda da própria vantagem e não pela perda da oportunidade de obter a vantagem, o que resulta na transformação de uma chance em realidade.
Diante do exposto, verifica-se uma ampla necessidade de harmonização dos conceitos e critérios de aplicação da teoria. A ampliação dos danos ressarcíveis mostra-se de extrema relevância no contexto atual, contudo, é essencial a imposição de limites, a fim de se evitar o uso indevido da técnica, que não objetiva reparar danos hipotéticos. Sendo assim, conferir uma aplicação mais criteriosa da teoria significa conferir adequação do Direito às exigências sociais, além de se garantir a observância de princípios constitucionais de extrema importância.
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