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Breve estudo sobre guias de trânsito e porte de armas de fogo.

Análise dos critérios, definições e enquadramento jurídico

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25/11/2014 às 12:13
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ERROS NA ITA 01-2014

Primeiro erro grave:

Ao contrário do disposto no Estatuto do Desarmamento, e no Dec. 5.123/04, o Exército Brasileiro NÃO SEPAROU atiradores em atividade nacional, atiradores em atividade internacional dos caçadores e colecionadores – ficaram todos com as mesmas restrições básicas, especialmente no que diz respeito ao transporte de armas municiadas e prontas para uso (porte de armas, no jargão comum).

Segundo erro, que importa possível crime de prevaricação:

O art. 8o afirma que “A GT não é válida como porte de arma de fogo, previsto nos termos da Lei 10.826, de 22 de dezembro de 2003”

Ora, os praticantes de esporte de tiro tem seu porte de arma definido no Art. 6o, Inc. IX, que ordena que este direito se materialize nos termos “do regulamento desta lei”.

O regulamento, por sua vez, explicita que o Direito de porte de arma dos CACs se aperfeiçoa mediante a presença da Guia de Trânsito.

Agora, vem um departamento do exército, subalterno ao Comando Logístico, que é subalterno ao Comando do Exército, que é subalterno ao Ministério da Defesa, que só pode criar orientações normativas visando o FIEL CUMPRIMENTO da lei especificados em Decreto presidencial, que por sua vez só pode dar fiel cumprimento à Lei Federal que tenha se submetido ao devido processo legislativo, e este chefe do DFPC atravessa uma orientação CONTRA A LEI, dizendo que está amparado na lei.

A GT não é válida como porte de arma de maneira geral, mas cumpre esta função quando se trata de armas de CACs, e em especial, quando se trata de armas de ATIRADORES, quando então não é admissível que no documento conste expressões tais como "NÃO VALE COMO PORTE DE ARMA DE FOGO", a teor do art. 5o, Inc. I.

Então o erro de fato não se encontra nos termos gerais e sim em não se seguir a distinção legal entre as diversas categorias de CACs. Se para todas as demais categorias a GT funciona como autorização do Exército para o transporte de PCEs, para os atiradores este documento tem algumas funções suplementares, a saber:

  1. Atestar a qualidade de atirador regularmente registrado no Exército Brasileiro;

  2. Atestar a regularidade da documentação da arma;

  3. Determinar a validade temporal do porte de arma;

  4. Determinar a validade espacial do porte de arma.

Tudo em um único documento.

Então, até mesmo para os atiradores a GT não tem a função de ser documento de porte de armas, mas é o documento hábil, previsto no Dec. 5.123/04, para se comprovar toda a regularidade do atirador e de sua arma, cumprindo-se assim o disposto na Lei 10.826.03, Art. 6o, Inc. IX.

COBERTURA TEMPORAL E ESPACIAL DE UMA GUIA DE TRÂNSITO

A cobertura temporal de uma Guia de Trânsito emitida pelo Exército Brasileiro para CACs é sempre expressa como “válida até”, complementado por uma determinada data.

Dentro do período de validade de uma Guia de Trânsito não existem vazios. Uma guia de trânsito não deixa de valer em fins de semana, ou em períodos noturnos, ou até mesmo em feriados nacionais. Como a atividade desportiva de tiro é muito variada, com CENTENAS de modalidades de tiro, a guia se presta a cobrir integralmente o tempo de sua validade.

Já a cobertura territorial varia de acordo com a qualidade do CAC. Uma guia para caça irá cobrir um episódio, seja uma semana, sejam alguns dias. As guias para colecionadores cobrirão um evento, com folga necessária para alguns dias antes e alguns dias depois do evento – tempo necessário para o deslocamento seguro das armas. Como já dito anteriormente, em ambos os casos as armas tanto de caçadores como de colecionadores deverão ser transportadas separadas de sua munição.

Já as guias de trânsito de atiradores tem a cobertura espacial definida pela afiliação do atirador. A regra geral é que todo atirador deve ser federado e ou confederado. Mas mesmo que não o seja, ainda assim a guia de trânsito lhe dará cobertura entre o MUNICÍPIO onde resida e o MUNICÍPIO onde se encontra o clube. Se houve coincidência de ambos em um mesmo município, então a cobertura da guia se dará apenas em um município, se se tratar de localidades diferentes, a guia cobrirá os dois municípios e o trajeto entre uma localidade e outra.

Se o atirador for FEDERADO, a guia de trânsito constará em “Local de Origem” os dados do município onde o atirador guarda suas armas, e em “Finalidade”, constará que a arma e munição destina-se a utilização em “treinamento”, ou “participação em competições”, ou “treinamento e/ou participação em competições” em ESTANDES DE TIRO SEDIADOS, (Estado onde o atirador é federado).

Se o atirador for CONFEDERADO, a guia de trânsito constará em “Local de Origem” os dados do município onde o atirador guarda suas armas, e em “Finalidade”, constará que a arma e munição destina-se a utilização em “treinamento”, ou “participação em competições”, ou “treinamento e/ou participação em competições” em ESTANDES DE TIRO SEDIADOS, BRASIL.

No caso de atirador federado ou confederado a cobertura espacial da guia atinge 100% do território da unidade da federação onde o atirador é federado, ou 100% do território nacional para o atirador confederado. O atirador pode se deslocar com a arma descrita na guia e com a munição lá relacionada por qualquer meio, até mesmo aéreo – desde que cumpra as exigências de segurança da autoridade aeronáutica. Normalmente é exigido a presença de uma autoridade do Exército Brasileiro ou da Polícia Federal para o embarque da arma, e a arma é entregue no balcão da empresa, desmuniciada e embalada, separada da munição que será também embalada.


DA AUTENTICIDADE DAS GUIAS DE TRÂNSITO

Guias de trânsito são documentos que podem ser emitidos uma a uma por autorização da autoridade, como no caso das guias emitidas pela Polícia Federal, podem ser emitidas em lotes, quando no caso de transporte de PCEs por pessoas jurídicas, podem ser emitidas por forma eletrônica no site do Exército Brasileiro, ou mesmo manualmente em muitos casos onde não é possível se emitir eletronicamente o documento.

A guias de trânsito do Exército Brasileiro são sempre dotadas de selo holográfico numerado, que lhe conferem autenticidade. Alternativamente é possível se aferir a guia no site do Exército [vii]. A má notícia é que o site nem sempre funciona, e quando funciona nem sempre autentica as guias. De qualquer forma, o selo tem validade jurídica e é dotado de fé pública, a exemplo do que acontece com selos de cartórios e de outros órgãos públicos.

Como vivemos em um país onde a insegurança jurídica é alarmante, é sempre aconselhável o próprio proprietário da arma conferir a autenticidade de todas as suas guias, uma por uma, e ao detectar qualquer erro, protocolar pedido de providências perante a autoridade militar, em que conste o número da guia e o número do selo, e sendo necessário se deslocar com a peça, levar consigo cópia protolizada deste documento.


DOS PORTES DE ARMAS DE CATEGORIAS ESPECIAIS

Tratam-se das pessoas listadas nos incisos do art. 6o da Lei 10.826/2003, sendo que aqui excetuamos os incisos VIII e IX, que trata de civis.

Por se tratar de matéria extensa, vou deixar a análise deste tópio para um outro artigo.

DO PORTE FORTUITO

Porte de arma fortuito, ocasional ou acidental pode acontecer por diversos motivos, mas em qualquer deles está ausente o dolo do agente, o que afasta a hipótese de crime.

A melhor forma de explicar é através de exemplos.

  1. Um delegado de polícia transportar sua arma em uma bolsa, entra em um restaurante para almoçar. Ao ir para o toilette, deixa a bolsa momentaneamente aos cuidados de sua esposa;

A esposa do delegado estaria praticando o crime do art. 16 do Estatuto do Desarmamento, porte ilegal de arma de fogo de calibre restrito. A questão do dolo ficaria a critério de saber se ela tinha ou não conhecimento da presença da arma dentro da bolsa.

  1. Um cidadão com porte de arma federal vai almoçar em um restaurante, e por ser proibido de adentrar com a arma nos termos do art. 26 do Dec. 5.123/04, deixa a arma no carro – que fica sob os cuidados do valete;

O valete está cometendo o crime do art. 14, portando arma de calibre permitido sem a devida autorização legal, enquanto o proprietário da arma TAMBÉM está cometendo o crime do art. 14, pois cedeu a arma ainda que indiretamente ao valete que sai dirigindo o seu veículo. O valete pode se defender alegando que não tinha como saber que havia uma arma no veículo, e como não existe a modalidade culposa para os crimes de porte de arma de fogo, estaria livre do crime – depois de gastar alguns meses de salário em sua defesa.

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  1. Um atirador sai do clube de tiro, e ao invés de ir direto para sua casa, passa antes na casa de seu pai para jantar;

Aqui o que deve ser analisado é o teor da Guia de Trânsito da arma, quanto à sua cobertura espacial e validade temporal. Se a GTE está no prazo de validade, deve se analisar apenas se o trajeto que realizou na volta de sua atividade de prática ou competição está dentro dos limites da razoabilidade. Vale lembrar que atletas realmente competitivos participam quase diariamente, e em algumas atividades não há sequer limites de horário – há exercícios de tiros noturnos.


DO DEPÓSITO ILEGAL

    Vamos supor uma outra hipótese. Um cidadão que tem porte de arma vai ao banco, mas é proibido de entrar no banco com a sua arma. Para poder entrar no banco, guarda a arma em um cofrinho ou armário com chave na antessala do banco, e entra. Normalmente a instituição bancária apenas veda o ingresso do cliente, detendo-o através de mecanismos tais como porta circular com bloqueio e detector de metais. Aqui no Brasil não é possível nem sequer depositar moedas, pois em se tratando de metais, não podem passar pela porta.

    A alternativa é aceitar guardar a arma em um armário, que normalmente é disponibilizado nas entradas dos bancos. Um absurdo em termos de segurança – o cidadão que vai com sua arma para tentar diminuir a insegurança em lidar com valores em um país como o nosso, se expõe agora a ter, além dos valores, também a arma roubada. Mas o próprio Dec. 5.123/04 foi modificado em 2008, onde se incorporou agências bancárias como locais de acesso proibido para os detentores de porte de arma nos termos do art. 10 do Estatuto do Desarmamento. Não existe nenhuma lógica, pois as instruções internas da Polícia Federal são no sentido de se deferir o porte de armas para quem precisa se deslocar com valores, ao mesmo tempo em que é vedado o acesso de quem tem porte de armas nos locais onde se lida com valores. Neste ponto a ilegalidade do decreto é gritante.

    Mas a salvaguarda para o banco só existe quando o cliente é cidadão comum, e tem o porte federal nos termos do art. 10 – único caso em que é proibido o acesso em locais especificados no art. 26 do Dec. 5.123/04. Para todos os outros personagens a quem o porte de arma não é proibido, a vedação de acesso incorre em grave violação do direito de ir e vir.

    No caso de se guardar a arma para adentrar na agência bancária, a menos que a instituição bancária guarde a arma em local devidamente preparado para isto, inclusive vistoriado pelo Exército Brasileiro, o banco (ou o gerente) estará recebendo irregularmente em depósito uma arma de fogo. Neste caso existe o dolo, evidenciado pela porta com detector de metais, que obriga o cliente a se desarmar na entrada da agência. Além disto, se o cliente que teve que sacar e guardar a arma no cofre tiver sua arma roubada a seguir, fica clara a responsabilidade do banco. Se, no entanto, o banco decidir restringir qualquer outra pessoa listada nos incisos do art. 6o do Estatuto do Desarmamento, além de estar agindo em contrariedade à lei e ao seu regulamento – com penalização conforme a natureza do prejuízo provocado, nos termos do art. 927 do Código Civil – responderá inequivocamente por depósito irregular de arma de fogo, se obrigar o cidadão a se desarmar e guardar a arma de local de propriedade do banco, nos termos do art. 14 ou 16, a depender do calibre da arma.


    Notas

    i http://www.dpf.gov.br/servicos/armas/Cartilha%20de%20Armamento%20e%20Tiro.doc

    ii http://portal.mj.gov.br/sedh/pndh3/pndh3.pdf , pág. 111-112

    iii http://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/04/em-2012-brasil-respondeu-por-11-dos-homicidios-no-mundo-diz-onu.html , conforme disponível em 25/06/2014

    iv http://www.crpsp.org.br/portal/orientacao/manual/Instru%C3%A7%C3%A3o%20Normativa%2023-2005%20-DG-DPF.pdf

    v GT (Guia de Trânsito) ou GTE (Guia de Trânsito Eletrônica, ou liberada por meio eletrônico)

    vi PCE: Produto Controlado pelo Exército

    vii http://www.sgte.eb.mil.br/guiatrafego/login_consulta_autenticidade.jsp

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    Sobre o autor
    Arnaldo Adasz

    Advogado, Perito em Balística Forense e Legislação Brasileira de Armas de Fogo, Primeiro Presidente e co-fundador da Associação Brasileira de Atiradores Civis, membro do Conselho Consultivo de Fiscalização de Produtos Controlados do Exército Brasileiro.

    Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

    ADASZ, Arnaldo. Breve estudo sobre guias de trânsito e porte de armas de fogo.: Análise dos critérios, definições e enquadramento jurídico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4164, 25 nov. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30605. Acesso em: 28 mar. 2024.

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