Artigo Destaque dos editores

Abolicionismo e minimalismo penal

A contração do avanço expansionista do direito penal contemporâneo

Exibindo página 3 de 3
06/11/2014 às 11:55
Leia nesta página:

6 CONCLUSÃO

A partir dos anos 1970, os movimentos abolicionista e minimalista passaram a ocupar o cenário do controle social e das políticas criminais nas sociedades capitalistas. O contexto em que estes movimentos emergem é o da deslegitimação dos sistemas penais, e, como resposta a esse processo de deslegitimação, o abolicionismo propõe a absoluta extinção do sistema penal, e, em sua substituição, a adoção de formas alternativas de resolução de conflitos, ao passo que o minimalismo penal defende, associado parcialmente aos postulados abolicionistas, sua máxima contração.

Nada obstante a diversidade apresentada por ambos os movimentos no plano teórico, na prática, tendo como ponto de partida críticas a situações patentes do cotidiano do sistema penal, o abolicionismo e o minimalismo penal oferecem interessantes e úteis ferramentas ao aprimoramento do sistema e à defesa da sociedade, sobretudo, no que tange à contenção da violência (redução dos níveis de criminalidade, ressocialização, descriminalização, despenalização etc) e salvaguarda dos direitos humanos.

De fato, a era da globalização neoliberal é também a era da onda expansionista e de relegitimação do sistema penal orquestrada pelo neopunitivismo (discursos como “Lei e Ordem”, “Tolerância Zero” etc), e não propriamente da hegemonia de práticas minimalistas e abolicionistas.

Sistemas penais seletivos e arbitrários, especialmente na América Latina, fazem do jus puniendi estatal um exercício de poder altamente violento e transgressor dos Direitos Humanos e dos direitos e garantias fundamentais do Estado Democrático de Direito, vale dizer, um exercício de poder deslegitimado que se manifesta como violência inútil.

A implementação dos postulados minimalistas significa a contração dos excessos da intervenção estatal punitiva e a contenção da sua violência. Isso implicaria em um processo amplo e necessário de descriminalização e despenalização, afastando-se os efeitos perversos e inúteis da criminalização e da prisão. A pena corporal seria aplicada somente em último caso, tolerando-se de igual modo uma série de condutas que não constituam grave lesão para os Direitos Humanos.

O Direito Penal não é panaceia para todos os males. De fato, ele é um dos males, malgrado necessário e em certa medida, mas não deixa de ser um mal. Portanto deve sofrer uma contração de seu campo de aplicação, a fim de assegurar-lhe uma correspondência entre o legalmente previsto e aquilo que é efetivamente cumprido quando da infração às suas normas.

A proposta final resumiu-se em demonstrar a necessidade de se dar efetividade e concretude ao princípio da intervenção mínima, com seus subprincípios da fragmentariedade, subsidiariedade e ultima ratio, conformando um Direito Penal racional e com atuação reservada às lesões extremamente relevantes aos bens jurídicos por ele tutelados.

Destacou-se, ainda, que a reforma não deve se concentrar e se reduzir ao campo penal. Ela deve alcançar também os demais instrumentos de controle social existentes nos outros ramos do Direito. Restou nítido o descrédito gerado pela ineficiência dos demais ramos do Direito no enfrentamento dos conflitos sociais e individuais, a ensejar a excessiva expansão da intervenção estatal punitiva (Direito Penal como prima ratio) devido ao incremento dos índices de criminalidade e ao déficit de solução dos conflitos nos outros campos.

Portanto, a pesquisa levada a termo neste trabalho revelou a necessidade de urgente revisão da atual política criminal de cunho expansionista, ou seja, uma revisão do mundo jurídico em diversos aspectos, abrindo-se caminho para novos instrumentos de controle social que não exclusivamente o Direito Penal, atualmente de cunho repressivo, punitivo e deletério, razão pela qual deve ser encarada pela comunidade jurídica a possibilidade de implementação de postulados abolicionistas e minimalistas, dando-se seguimento a estudos mais amplos e profundos.


REFERÊNCIAS

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. MINIMALISMOS E ABOLICIONISMOS: A CRISE DO SISTEMA PENAL ENTRE A DESLEGITIMAÇÃO E A EXPANSÃO. Disponível em: http://www.esmesc.com.br/upload/arquivos/2-1247232936.PDF. Acesso em: 19/07/2014.

BARATTA, Alessandro. Sobre a Criminologia Crítica e sua Função na Política Criminal. In: Congresso internacional de criminologia, IX, 1983, Viena: Faculdade de Direito de Coimbra, 1983. Separata.

BATISTA, Nilo; ZAFFARONI, Eugenio Raúl; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito penal brasileiro, v. I, p. 631.

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad. Paulo M. Oliveira. Rio de Janeiro: Ediouro, 1985.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da prisão. São Paulo: RT, 1993.

CABETTE, Eduardo Luiz Santos. NAHUR, Marcius Tadeu Maciel. Teoria pura e mínima do direito penal. Disponível em: http://atualidadesdodireito.com.br/eduardocabette/2012/06/20/teoria-pura-e-minima-do-direito-penal/. Acesso em: 19/07/2014.

CERVINI, Raúl. Os processos de descriminalização. Trad. Granja, Vaitsman, Pierangelli e Lornardi. São Paulo: RT, 1995.

CERVINI, Raúl. Os processos de descriminalização. 2 ed. Trad. Luiz Flávio Gomes. São Paulo: RT, 2002, p. 185.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

DORNELLES, João Ricardo W. Conflitos e segurança – Entre pombos e falcões, p. 54.

FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón: teoría do garantismo penal. Trad. Perfecto Andrés Ibanéz et al. Madrid: Trotta, 1995.

FERRAJOLI, Luigi. Diritto e Ragione. Teoria del garantismo penale. Roma: Laterza, 1989.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 14 ed. Trad. Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 1996, p. 69.

GOMES, Luiz Flávio. BIANCHINI, Alice. Abolicionismo penal. Disponível em: http://atualidadesdodireito.com.br/alicebianchini/2013/04/16/abolicionismopenal/. Acesso em 19/07/2014.

GRECO, Rogério. Direito Penal do Inimigo, Disponível em: http://atualidadesdodireito.com.br/rogeriogreco/2012/02/27/direito-penal-do-inimigo/. Acesso em: 19/07/2014.

HASSEMER, Winfried; Muñoz Conde, Francisco. Introducción a la Criminología y al Derecho penal. Valencia: Tirant lo Blanch, 1989.

HASSEMER, Wilfried. Perspectivas de uma moderna política criminal. Revista Brasileira de Ciências Criminais. n. 8, out./dez., p. 41 – 51, 1994.

HULSMAN, Louk. BERNAT DE CELIS, Jacqueline. Penas perdidas. Trad. Maria Lúcia Karan. Rio de Janeiro: LUAM, 1993. p. 55 e ss.

LAMPEDUSA, Giuseppe Tomasi di. O Leopardo. Trad. Leonardo Codignoto. São Paulo: Nova Cultural, 2002.

LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais, p. 28-29.

NEIMAN, Susan. O mal no pensamento moderno. Trad. Fernanda Abreu. Rio de Janeiro: Difel, 2003.

OLIVEIRA, Edmundo. Política Criminal e Alternativas à Prisão. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 21 – 32.

PAVARINI, Massimo. Los confines de la cárcel. Montevideo: Carlos Alvares Editor, 1995.

SANCHES, Samyra Haydêe Dal Farra Naspolini. DIREITO PENAL MÍNIMO E DIREITOS HUMANOS NA POLÍTICA CRIMINAL DE EUGENIO RAúL ZAFFARONI. Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010.

SILVA SÁNCHEZ, Jesús María. Aproximación al Derecho penal contemporáneo. Barcelona: J.M. Bosch Editor, 1992.

SILVA SÁNCHEZ, Jesús María. A expansão do Direito Penal. Trad. Luiz Otávio de Oliveira Rocha. São Paulo: RT, 2002.

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 14.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 1.

WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria, p. 26.

ZAFFARONI, Raúl. En busca de las penas perdidas. 2. ed. Bogotá: Ed. Temis, 1990.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do sistema penal. Tradução por Vânia Romano Pedrosa e Amir Lopez da Conceição. Rio de Janeiro: Revan, 1991b.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Alisson Trajano Camilo

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás. Pós-graduando em Criminologia, Política Criminal e Segurança Pública pela Uniderp/LFG. Advogado. Sócio do Escritório Trajano Advocacia e Assessoria Jurídica.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMILO, Alisson Trajano. Abolicionismo e minimalismo penal: A contração do avanço expansionista do direito penal contemporâneo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4145, 6 nov. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30622. Acesso em: 16 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos