A justiça do trabalho até bem pouco tempo era vista e comentada como à “justicinha”, e os profissionais que nela atuavam, e aqui, peço “venia” para referir-me a meus colegas advogados, eram discriminados e pouco valorizados.
Ocorre que isso ficou mesmo no passado, posto que hodiernamente a justiça do trabalho é observada como vanguarda em tecnologia, celeridade e eficiência, sem olvidar do ótimo nível técnico e científico dos profissionais nela engajados cada vez mais capacitados para lidar com esse ramo dinâmico do direito, marcado pela proteção de valores sociais cada vez mais importantes para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária.
E nunca é demais ressaltar, talvez o maior marco desta evolução e valorização, advindo da EC 45/2004, que ampliou a competência desta especializada tal como consagrado no artigo 114 do texto Maior.
Conquanto, olhando para dentro do processo trabalhista vemos que a Justiça do Trabalho caminha alvissareira nesta senda de evolução e eficiência até o início da fase de cumprimento de sentença ou de execução judicial, como preferirem os adeptos de uma ou outra corrente, lembrando neste aspecto de procedimento, que a doutrina é bem divergente sobre o assunto, portanto, não sendo prudente entendê-los como sinônimos!
Mas, deixamos esta discussão para outro estudo, importando para o melhor entendimento deste singelo trabalho, o processo de execução judicial que se inicia com a citação do executado na forma do artigo 880 da CLT.
Pois, vemos hoje que na fase cognitiva do processo inclusive sob o desdobramento recursal, temos sim um processo mais célere e eficiente, sobretudo agora com o advento do processo judicial eletrônico - PJE - já implantado em boa parte dos fóruns de nosso Tribunal Regional da 2ª Região e do Brasil.
Doravante, receamos não poder dizer o mesmo da fase de execução da sentença, que segundo informações do CNJ e CSJT acumula o maior número dos processos hoje em andamento perante a especializada laboral.
Mas, vamos um pouco mais adiante nesta fase de execução ou cumprimento de sentença, especificamente no tocante as medidas de constrição de bens imóveis do devedor, cujo escopo é o de satisfazer o pagamento do crédito trabalhista.
Para falar da penhora de bens do devedor, sendo certo que o executando hoje bem informado ou simples conhecedor das leis, sabe que se não pagar/cumprir voluntariamente a sentença que lhe é desfavorável terá seu patrimônio varrido pelo Estado para o pagamento de seu débito, contexto no qual o mesmo pode perder seus bens móveis e imóveis, inclusive seu dinheiro disponível em conta bancária com o bloqueio online bacenjud.
E é justamente aqui que repousa a proposição a qual trazemos a lume por meio deste estudo, da penhora dos bens do devedor, máxime, de bens imóveis, momento em que muitos devedores trabalhistas cientes do início da execução e do caminho às vezes moroso que ela percorre, aproveitam-se para dilapidar seu patrimônio em fraude à execução, alienando-os de maneira particular a terceiros que, segundo a intelecção da Súmula 375 do STJ, são presumidamente de boa-fé quando não averbado o ato de penhora junto a matrícula do bem perante o Oficial de Registro competente; “ipsis literris”:
- Súmula 375: “o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”.
Objetivamente é o que diz o verbete acima, que se o terceiro adquirente de um bem imóvel do devedor trabalhista perquirido pelo processo executório o tenha adquirido antes da penhora, ou embora constrito, mas, antes do registro público do ato de penhora na matrícula do imóvel (ex vi legis 167, I, 21 da Lei 6.015/73), terá este presumida sua boa-fé livre de qualquer risco de ter o negócio suspeito reputado ineficaz com o bem reintegrado ao patrimônio do devedor trabalhista por fraude à execução.
No outro aspecto jurídico trazido pelo verbete sumular do C. STJ, verifica-se a exigência imposta ao credor exequente, de que prove a má-fé do terceiro adquirente!
Entendimento, data venia, do qual discordamos, ao passo que o mencionado verbete sumular tal como disposto e, como vem sendo aplicado neste especializada, vaticina duas injustiças, a primeira contra a Lei vigente a qual nos sujeitamos de maneira imperativa, e a segunda contra o credor trabalhista, face à quem impõe o triste, pesado e injusto fardo de ter de provar que o tal terceiro por ele totalmente desconhecido agiu com má-fé no negócio de alienação do bem imóvel do devedor, posto, que do terceiro se presume a boa-fé quando não averbada a penhora na matrícula do imóvel!
Cabendo ressaltar, por oportuno, que a fraude à execução pode ser perpetrada pelo executado também na fase de conhecimento do processo, observados os requisitos do artigo 593, do CPC, sobretudo, do inciso II.
Dito isto, ressaltamos que a referida súmula 375 do STJ cada vez mais invocada no processo trabalhista, reclamada dos operadores do direto maior cuidado e acerto na sua aplicação, sobretudo, sob o enfoque da equilibrada distribuição do ônus da prova.
Pelo que destacamos o comando da Lei 7.433/85, cujo texto dispõe de poucos, mas valorosos artigos, dos quais eclode com maior ênfase o artigo 1º, parágrafo 2º, que como se dessume traz para os negócios de alienação de bem imóvel e de seu registro público indispensável, a exigência da apresentação de certidões fiscais, “dos feitos ajuizados”, e ônus reais; grifo nosso:
- LEI Nº 7.433, DE 18 DE DEZEMBRO DE 1985 – que dispõe sobre os requisitos para a lavratura de escrituras públicas e dá outras providências.
- Art 1º - Na lavratura de atos notariais, inclusive os relativos a imóveis, além dos documentos de identificação das partes, somente serão apresentados os documentos expressamente determinados nesta Lei.
- § 1º - O disposto nesta Lei se estende, onde couber, ao instrumento particular a que se refere o art. 61, da Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964, modificada pela Lei nº 5.049, de 29 de Junho de 1966.
- § 2º - O Tabelião consignará no ato notarial, a apresentação do documento comprobatório do pagamento do Imposto de Transmissão inter vivos, as certidões fiscais, feitos ajuizados, e ônus reais, ficando dispensada sua transcrição.
- § 3º - Obriga-se o Tabelião a manter, em Cartório, os documentos e certidões de que trata o parágrafo anterior, no original ou em cópias autenticadas.
- Art 2º - Ficam dispensados, na escritura pública de imóveis urbanos, sua descrição e caracterização, desde que constem, estes elementos, da certidão do Cartório do Registro de Imóveis.
Impondo ao adquirente de bens imóveis um munus público no tocante a busca e protocolo perante o cartório de registro da situação do imóvel, de certidões diversas sobre o imóvel adquirido e sobre o alienante deste, de modo a garantir segurança jurídica que tal negócio exige.
Certidões que vão informar o terceiro adquirente e o oficial de registro competente sobre a situação do bem imóvel e de seu titular, além de sua regularidade perante terceiros, afinal é esta a finalidade do registro público, garantir segurança jurídica e paz social a sociedade de um modo geral.
Pelo que fazemos então a interpretação sistemática do verbete sumular 375 do STJ, com o artigo 1º, parágrafo 2º, da Lei 7.433/85, de modo a extrair da melhor exegese a seguinte ilação, de que para se presumir a boa-fé do terceiro adquirente do bem imóvel do devedor trabalhista, é preciso antes averiguar se este terceiro cumpriu com as exigências da Lei, quanto à busca de certidões, arcando caso contrário com o ônus de sua omissão! Lembrando que a jurisprudência tal como um extrato retirado da lei não pode se sobrepor a esta, revertendo-se apenas para sua melhor e uniforme hermenêutica na subsunção do fato à norma!
Nosso sistema jurídico impõe ao sujeito de direito um dever de conduta social muito além de sua individualidade, sendo cada um, ao mesmo tempo, um fiscal de si mesmo no cumprimento das leis inferiores e da Constituição Federal. O dever de boa-fé vem hoje insculpido na Lei Civil vigente ex vi artigo 422 do CC/2002, sedimentando a importância do comportamento ético do cidadão na prática do todo e qualquer negócio jurídico, pautado sempre na honestidade, lealdade e probidade.
Pelo que se verificar ilógico e incoerente, sobretudo, ilegal, presumir a boa-fé de alguém que não cumpriu a lei (Art. 3º - Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece - LINDIB), ou que se aproveitou da falta do registro da penhora ou até da ausência da penhora de determinado bem do devedor, embora já em fase de execução, para, de conluio com este ou não e, aproveitando-se da morosidade do estado e da cediça burocracia dos atos públicos, intentar fraude contra processo judicial prejudicando a imagem do Poder Judiciário e o direito do credor.
Pois é isto o que a tal súmula está a indicar ao devedor trabalhista que se vê ameaçado de tornar-se inadimplente perante a justiça do trabalho, bastado que aliene seus imóveis antes do ato de penhora ou registro da penhora, ao passo que do terceiro adquirente, envolvido ou não na fraude, nesta condição especifica, presumir-se-á sua boa-fé. A má-fé deste terceiro tal como referido na súmula deve ser medida não apenas na sua possível participação no ato de fraude, mas, sobretudo, na sua má-fé, ínsita na inobservância da lei, em participar de um negócio jurídico com duvidoso em detrimento do Poder do Estado encarregado da pacificação do conflito social!
E acrescentamos ainda, o fato de que muitas negociações de bens imóveis em nosso país ocorrem de maneira informal, através do popular contrato de “gaveta” ou instrumento particular, logo, sem translação no Registro de Imóveis, o que sob a letra da súmula 375, inviabilizaria o registro da penhora; mas, no entanto, sob a ótica inovadora da lei 7.433/85, não a penhora do bem e a prova da má-fé do terceiro!
Obtemperando à discussão separamos diversos arestos recentes prolatados no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, primeiro, referente à corrente hoje majoritária, como maior repetição de decisões favoráveis a aplicação da Súmula 375 do STJ; o que reforça nosso alerta; senão vejamos:
- EMBARGOS DE TERCEIRO. FRAUDE À EXECUÇÃO NÃO EVIDENCIADA. Conforme o artigo 593, II, do CPC, a fraude à execução ocorre quando a alienação de bens se dá ao tempo em que corre "contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência". Há que se atentar, também, que a ausência de registro de penhora na matrícula do imóvel, no momento de sua venda, impede que o comprador saiba que, contra o devedor, há a tramitação de processo, o que, aliado à ausência de prova quanto à má-fé do primeiro, impede a constatação de fraude à execução, conforme a Súmula n. 375, do C. STJ. Inteligência dos artigos 615-A e 659, § 4º, ambos do CPC. (AGRAVO DE PETIÇÃO EM EMBARGOS DE TERCEIRO - DATA DE JULGAMENTO: 08/04/2014- RELATOR(A): SERGIO ROBERTO RODRIGUES - ACÓRDÃO Nº: 20140294702 - PROCESSO Nº:00009725720135020252 - ANO: 2014 – TRT 2ª – 11ª TURMA - DATA DE PUBLICAÇÃO DEJT: 15/04/2014)
- O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente. Inteligência da Súmula 375 do STJ. (AGRAVO DE PETIÇÃO EM EMBARGOS DE TERCEIRO - JULGAMENTO: 08/04/2014 - RELATOR(A): SUSETE MENDES BARBOSA DE AZEVEDO - ACÓRDÃO Nº: 20140320177 - PROCESSO Nº: 00022186620135020033 - ANO: 2014 – TRT 2ª R. – 17ª TURMA - PUBLICAÇÃO DEJT: 23/04/2014 - PARTES)
- Fraude à execução. Imóvel alienado antes de a execução se voltar contra o sócio. Demonstração de adoção das precauções exigíveis do adquirente de boa-fé, atento à ciência do universo de risco que circunda o bem objeto de alienação. Inexistência de restrições no imóvel ao tempo da aquisição. A fraude à execução constitui-se em ato atentatório à dignidade e administração da justiça (CPC, art. 593), tendo como requisito essencial que o ato seja praticado na pendência de um processo capaz de reduzir o devedor à insolvência. Pressupõe-se a existência de processo em andamento, suficiente para implicar a assunção do risco pelo adquirente e, por conseguinte, acarretar a ineficácia do negócio jurídico que, embora válido entre as partes que o celebraram, não surte qualquer efeito em relação à execução movida. À falta de registro de Penhora sobre o imóvel ao tempo da alienação, é necessária a demonstração de má-fé do adquirente, requisito sem o qual não se configura o ilícito (Súmula 375, do STJ), porquanto a presunção de fraude em prol do credor não é absoluta. O redirecionamento posterior da execução contra o sócio alienante não tem efeito retroativo de modo a tornar ineficaz, por fraude à execução, a alienação realizada com terceiros de boa-fé (Prevalência do princípio da boa-fé nas relações contratuais). Penhora desconstituída. (AGRAVO DE PETIÇÃO EM EMBARGOS DE TERCEIRO - DATA DE JULGAMENTO: 25/03/2014 - RELATOR: RAFAEL EDSON PUGLIESE RIBEIRO - ACÓRDÃO Nº: 20140246848 - PROCESSO Nº: 00012315220135020446 - ANO: 2014 – TRT 2ª R. – 6ª TURMA - DATA DE PUBLICAÇÃO DEJT: 31/03/2014 - PARTES)
- Execução. Fraude. Não ocorrência. Inexistência de registro de penhora ou ato de averbação. Aquisição de boa-fé. A aquisição do bem anteriormente a qualquer ato de averbação no registro de imóveis, não recaindo sobre o mesmo qualquer restrição judicial, é fator impeditivo para o reconhecimento de fraude à execução. A simples existência de ação judicial anterior ao ato de alienação do bem então pertencente ao executado é insuficiente para o seu reconhecimento. Aplicação do art. 615-A, parágrafo 3º, do CPC, além do entendimento consubstanciado na Súmula nº 375 do STJ. Agravo de Petição não provido. (AGRAVO DE PETIÇÃO - DATA DE JULGAMENTO: 16/01/2014 - RELATOR(A): DAVI FURTADO MEIRELLES - ACÓRDÃO Nº: 20140005441 - PROCESSO Nº:00010750820115020261 A28 ANO: 2013 – TRT 2ª – 14ª TURMA - DATA DE PUBLICAÇÃO DEJT: 24/01/2014 - PARTES)
- AGRAVO DE PETIÇÃO. EMBARGOS DE TERCEIRO. AQUISIÇÃO DE BEM IMÓVEL POR TERCEIROS DE BOA FÉ. A aquisição de imóvel antes do redirecionamento da execução para a alienante, sócia da executada, e da determinação de penhora, impõe o reconhecimento da boa fé do terceiro adquirente, afastando-se a fraude à execução decretada na origem, a teor dos artigos 615-A, parágrafo 3º e 659, parágrafo 4º, ambos do CPC, e da Súmula 375, do STJ. Agravo de Petição provido. (AGRAVO DE PETIÇÃO EM EMBARGOS DE TERCEIRO - JULGAMENTO: 28/11/2013 - RELATORA: SONIA MARIA PRINCE FRANZINI - ACÓRDÃO Nº: 20131324190 - PROCESSO Nº: 00012742020125020059 A28 ANO:2013 – TRT 2ª – 12ª TURMA - PUBLICAÇÃO DEJT: 06/12/2013 - PARTES)
E, por fim, no esteio do entendimento por nós preconizado, favorável à aplicação da Lei 7.433/85, atualmente como vetor da aplicação isolada do entendimento sumulado 375 do STJ, sobretudo, no tocante a apuração da boa-fé do terceiro adquirente:
- Era possível à agravante ter diligenciado para obter certidões negativas em nome do então vendedor, contexto que torna discutível a boa-fé da adquirente e afasta a aplicação da Súmula 375 do C. STJ. (AGRAVO DE PETICAO EM EMBARGOS DE TERCEIRO - DATA DE JULGAMENTO: 08/05/2014 - RELATORA: THAIS VERRASTRO DE ALMEIDA - ACÓRDÃO Nº: 20140398230 - PROCESSO Nº: 00023904320135020086 - ANO: 2014 – TRT 2ª R. – 17ª TURMA - DATA DE PUBLICAÇÃO DEJT: 16/05/2014 - PARTES).
Portanto, concluímos que ao Judiciário Pátrio na aplicação da Súmula 375 do STJ incumbe o dever de buscar o melhor proveito da Lei em estudo (Art. 5º - LINDIB - Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum), averiguando antes de presumir a boa-fé do terceiro adquirente, se este cumpriu por sua vez com seu papel social num negócio tão importante como a compra de um imóvel, simplesmente observando a Lei, ou seja, certificando-se afundo da situação do imóvel negociado e do proprietário de quem está comprando, para só então, com segurança jurídica (atributo do direito positivado), repisa-se, falar em ausência de fraude à execução e boa-fé do terceiro adquirente.
Sendo certo que cumprindo a lei 7.433/85, de posse de uma certidão de distribuição dos feitos trabalhistas, aliás, obtida gratuita e eletronicamente na forma da lei 12.440/2011 (artigo 642-A da CLT), nenhum terceiro deveras de boa-fé negociará com devedores trabalhistas, ainda que o bem ofertado em fraude não tenha sido penhorado, ou embora penhorado, ainda não tenha o ato averbado junto a sua matrícula.