A possibilidade de reversão da adoção à brasileira frente ao princípio da socioafetividade

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Esta relação de filiação é baseada no princípio da socioafetividade, que junto com o princípio do melhor interesse da criança, é que os juízes se pautam em buscar o mais perfeito desembaraço para os litígios do Direito de Família.

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem o escopo de apresentar a importância do princípio da socioafetividade nas relações entre pai/mãe e filho, embasando as decisões dos tribunais com relação as lides do Direito de Família.

Atualmente o tema abordado é de grande relevância social, pois busca garantir primeiro o direito da criança e do adolescente, sempre embasando tal garantia no melhor interesse ao perfilhado.

Este tema recentemente vem se desenvolvendo e ganhando espaço no mundo jurídico atual por se tratar de um evento reiterado pela sociedade, levando os magistrados a desenvolver novos conceitos de filiação analisando juntamente com o princípio da afetividade nas relações familiares a mutação de conceitos básicos que delineiam a possibilidade de tal instituto ser firmado no arcabouço jurídico da atualidade.

Será desenvolvido no segundo capítulo um breve recorte histórico acerca das famílias constituídas ao longo da história que contextualizam aspectos doutrinários referentes a institutos que no decorrer do caminho da evolução do Direito de Família foram se moldando com as perspectivas da sociedade, tais como, conceituação de filiação e sua importância constitucional, o espaço para legalidade que a doutrina e as demais leis infraconstitucionais deram aos filhos ilegítimos.

No terceiro capítulo será abordada a questão basilar de todo o estudo levantado neste trabalho, a afetividade. Tal instituto vem sendo reconhecido em nosso ordenamento jurídico como forma de nivelar os verdadeiros aspectos construtores das lides de família, o que a muito não se discutia pela falta de conhecimento doutrinário, hoje é um importante assunto a ser levado em consideração pela aceitação dos juristas da área. Assim como, a importância da carga genética versus a afetividade e os princípios norteadores da adoção à brasileira, vem sendo utilizados para dirimir tais conflitos e levar ao resultado sempre buscando o melhor interesse da criança.

No quarto capítulo onde será debatido sobre a Adoção à Brasileira, tratará de informatizar questões de direito. Sabendo-se ser um ato ilícito e contrario a lei, é levantada nesta parte do trabalho a possibilidade de sua descaracterização baseada na boa-fé dos pais perfilhantes; a pose do estado de filho tema abordado também nesta parte do trabalho é uma preliminar da possível agregação de valores que a adoção à brasileira precisa para que seja caracterizada a convivência, o reconhecimento perante a sociedade e o possível reconhecimento dos filhos adotados à brasileira; e como a jurisprudência e a doutrina tratam o assunto.

No quinto e último capítulo será analisada a possível desconstituição da adoção à brasileira nos dois principais casos de maior relevância para o direito, quando há o pedido do filho e quando é o pai quem pede tal desconstituição, levando sempre em consideração o princípio da afetividade para auxiliar na decisão dos magistrados. Tratará também das ações cabíveis nos casos citados a cima, assim como, a importância da identidade genética, para o filho adotado, que tem o direito de saber sua verdadeira carga biológica. Por fim o posicionamento dos tribunais e doutrinadores sobre essa descaracterização da filiação com base na adoção à brasileira.

Quanto a metodologia emprega, está se faz por meio de pesquisa bibliográfica utilizando doutrinadores renomados na área de Direito de Família, buscado jurisprudências nos sítios eletrônicos dos tribunais, tendo como basilar a Constituição Federal e demais leis infraconstitucionais referentes aos temas abordados.


2. FILIAÇÃO

2.1. Conceito

Hoje o conceito de filiação está ligado diretamente às relações sociais, jurídicas, afetivas e naturais que vincula pai/mãe e filho. Alguns conceitos são abordados de diferentes prismas. A filiação pode ser considerada uma relação de parentesco que se estabelece entre duas pessoas, uma das quais é considerada filha da outra (pai e mãe). Juridicamente, a filiação é toda relação entre pais e filhos desde sua constituição, modificação e extinção. Socialmente falando temos o conceito de Ferreira (2010), que aduz quê é a relação social de parentesco entre genitor, ou genitora, e progenitura, e que é, ao menos em parte, a base da identidade dos novos membros da sociedade e de sua incorporação aos diversos grupos sociais. Temos como base também o conceito de Silvio Rodrigues, que afirma que, filiação é a relação de parentesco consanguíneo, em primeiro grau e em linha reta, que liga uma pessoa aquela que o geraram, ou a receberam como se as tivessem gerado.

Diniz (2013, p. 488) conceitua de uma forma um pouco mais afetiva, mas deixando de destacar um ponto fundamental em sua abordagem, vejamos:

Filiação é o vinculo existente entre pais e filhos, vem a ser a relação de parentesco consanguíneo em linha reta de primeiro grau entre uma pessoa e aqueles que lhes deram a vida podendo ainda [...], ser uma relação socioafetiva entre pai adotivo e institucional e filho adotado ou advindo de inseminação artificial heteróloga..

Neste conceito, resta cristalino a falta da abordagem da adoção à brasileira, ponto de fundamental estima na sustentação do trabalho a ser desenvolvido. É claro que tais conceitos elencados acima são com base no casamento, até então considerado somente entre mulheres e homens, mas que tal evento foi desmistificado ao decorrer dos anos e pós Constituição de 1988.

A base para se conceituar a filiação está no reconhecimento da paternidade/maternidade, que gera o status de filho ao reconhecido, pouco importando se é havido na constância do casamento ou fora dele, e tal aprofundamento histórico será abordado mais a frente para melhor compreensão desta exposição.

2.2. Historicidade

O reconhecimento da filiação precisa ser fincado na verdade registral para que tenha validade no mundo jurídico, mas os meios para o qual se chega a essa verdade registral, é que hoje são despontados de inúmeras variantes. Como vimos no conceito acima de Diniz (2002), que além da relação de parentesco consanguíneo, em primeiro grau e em linha reta, pode ser através da adoção, de uma relação socioafetiva que além da inseminação artificial, hoje podemos pontuar a adoção à brasileira, como forma de buscar o reconhecimento da filiação evidenciada ao longo da convivência familiar.

A filiação é um direito intrínseco a todo ser humano, “onde o filho é titular do estado de filiação, da mesma forma que o pai e a mãe são titulares dos estados de paternidade e de maternidade, em relação a ele” (LOBO, 2004, p. 48); baseado que nenhuma criança/adolescente existe sem pai/mãe, observa-se a necessidade da identificação deste parentesco. Notando-se ainda que seja dever de seus genitores o reconhecimento desta filiação, contudo, não é apenas a verdade biológica que gera esse prestígio, a capacidade socioafetiva estabelecida nas relações dentro do âmbito familiar, e mais uma vez desmistificamos a família como sendo apenas a união entre homens e mulheres principalmente advindos apenas do casamento, ou somente da adoção, como também da inseminação heteróloga, a verdade social aqui aduzida, também é geradora deste direito/dever, pois baseado na:

[...] Convenção sobre Direitos da Criança adotada pela Assembleia-Geral da ONU em 20/11/1989 e com força de lei no Brasil mediante Decreto Legislativo n. 28, de 24/9/1990 e o Decreto Executivo n. 99.710, de 21/11/1990. [...] deve ser atendido o melhor interesse do filho, que significou verdadeiro giro Copérnico, na medida em que a primazia do interesse dos pais foi transferida para o filho. (LOBO, 2004, p. 48).

É fácil perceber a evolução da história da filiação e constituição da nova família ao decorrer do transcorrido tempo desde os primórdios do direito romano, canônico e germânico, até os tempos atuais. A Constituição Federal de 1988 preocupou-se em atender os princípios norteadores ao melhor interesse da criança/adolescente, baseando os entendimentos sobre novos fatos jurídicos e sociais em contentamento a socioafetividade.

É de fundamental importância não deixarmos de abordar sobre a evolução da família para melhor compreensão da historicidade da filiação, uma vez que existe uma comissura entre ambas e o entrelaçamento de conceitos e situações jurídicas que acarretam em anos de supressão do estado de filiação afetivo, em prol da verdade biológica.

2.2.1. Evolução das famílias

Primeiramente é importante demonstrar as modificações no conceito e no modelo de família, para que possamos entender a evolução legislativa aferida sobre o assunto. A evolução da família segundo Friedrich Engels pode ser dividida em quatro etapas: família consanguínea, família punaluana, família pré-monogâmica e a família monogâmica (CALDERAN, 2011).

A família consanguínea era um modelo de família onde “[...] os grupos conjugais se separam por gerações. Todos os avôs e avós, dentro dos limites da família, são em seu conjunto, marido e mulher entre si” (ENGELS apud DILL; CALDERAN, 2011, não paginado). Aqui o relacionamento sexual era comum e próprio entre irmão e irmã, marido e mulher. Ressaltando que a separação conjugal era entre as gerações o que indisponibilizava a união entre pai e filha e sucessivamente.

A partir do modelo de família citado acima foi se dando lugar ao estado de barbárie e selvageria na concepção social, onde a família punaluana, proibiu a prática de sexo entre os membros da própria família, o que de certa forma aniquilou o que na época ainda nem existia, é o que hoje chamamos de incesto, proibindo também a união/casamento entre primos de segundo e terceiro grau. Essa nova família que surgia deu lugar a promiscuidade societária, que se passou a não haver mais como identificar a paternidade dos filhos, visto que a maternidade sempre seria certa e a mãe conhecia seus filhos, pois estava ligada a gestação, ela chamava todos os filhos da comunidade de seus e assim para com seus filhos, que eram de todas as mães. Contudo “a partir da proibição do casamento entre seus membros, a família foi se fortalecendo enquanto instituição social e religiosa” (DILL e CALDERAN, 2011, não paginado).

A partir desse marco da proibição a família vai si moldando nas condições dos atuais princípios vigentes da nossa Constituição Federal, evidente que com muitos acertos a serem feitos, mas com um viés de família que prega um modelo ideal de convivência.

Essa nova família se chama pré-monogâmica porque apenas à mulher incumbia o condão da fidelidade imposta por uma sociedade machista, se a mulher desrespeita-se essa nova ‘lei’ era atrozmente castigada. Já ao homem era liberado a poligamia. A partir daí o homem enfrentou uma enorme dificuldade para o acesso a várias mulheres, já que para elas era vedado o deleito que não fosse com seu ‘proprietário’, e aqui a nomenclatura de marido inicia-se apenas na família monogâmica, que acarretou também o inicio do instituto do casamento (CALDERAN, 2011).

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O casamento era uma forma de manter para si uma mulher, aqui já chamada de esposa, e era considerada uma forma de reprodução, mas mesmo instituindo o casamento não foi suficiente para aniquilar a poligamia praticada pelo homem, visto que a ele era defeso a infidelidade, com apenas uma condição para essa prática, a de não levar a concubina para o lar conjugal. Assim também ao homem fica estrito a possibilidade de somente ele romper o casamento ou repudiar sua mulher, em caso de traição ou esterilidade, e como naquela época a ciência era rasa e não havia como ser comprovada essa esterilidade, não se considerava a possibilidade de o homem ser infértil, daí, portanto atribuindo a culpa exclusivamente a mulher

2.2. Concepção da família

Optou-se por um recorte acerca das várias famílias formadas ao longo dos tempos para análise histórica acerca do tema da filiação. A concepção de família ao longo dos anos foi se modificando para acompanhar a evolução da sociedade frente as relações das pessoas, levando-se em consideração o que melhor atendesse as regras oriundas do povo para satisfação do interesse patriarcal, pois, e somente muito depois a mulher adquiri um lugar de destaque na orientação dentro de casa para com seus filhos.

2.2.2.1. Família romana

No direito romano o status de filho era dirigido apenas as crianças que pudessem perpetuar o culto religioso, visto que o afeto não apontava-se com característica basilar nas relações familiares, “a essa época, a família era estabelecida pelo vinculo religioso, em detrimento dos laços de sangue. Ademais, a autoridade máxima era exercida pelo chefe de família, também denominado de pater famílias”. Em Roma, o filho da mulher que não seguisse o culto doméstico não podia ser admitido na família, pois a base da filiação estava ligada diretamente a religião doméstica e o culto dos antepassados (MARTINS; SALOMÃO, 2011, não paginado).

Segundo Coulanges (1998, p. 36), “Para os romanos, era obrigatório ter filhos para se perpetuar os cultos religiosos, mas não bastava apenas ter filhos, era necessário que esses fossem frutos do casamento.” (evolução histórica e legislativa). Contudo, já naquela época as mulheres não estavam livres de serem estéreis, existindo ainda mais uma preocupação, pois, “os filhos que não fossem gerados pela esposa não podiam fazer parte do culto e oferecer refeições fúnebres”, e ainda era necessário ser um descendente homem que continuasse o culto familiar.

A partir desta possível impossibilidade de as mulheres gerarem filhos, surge o instituto da adoção como forma de perpetuar o culto na impossibilidade do filho de sangue dar segmento ao mesmo, vindo a favorecer os casais que não poderiam realmente ter filhos, vez que, ter filhos não era uma opção, mais uma imposição da sociedade, pelo fato da perpetuação dos cultos realizados nos âmbitos das famílias.

A filiação demonstrada nas relações das famílias no Direito Romano é de total incompatibilidade como o atual ordenamento jurídico, posto que o status de filiação era sobretudo uma imposição social, para que os cultos não fenecessem e assim, uma forma de eternizar a cultura local, e o afeto não tinham lugar de destaque como a propagação do culto tinha. Fica claro que tal direito não é fonte da atual investidura da socioafetividade entre pai/mãe e filho.

2.2.2.2. Família canônica e germânica

A família do Direito Canônico era nivelada basicamente por um caráter patrimonialista, advindo de uma instituição familiar ligada fortemente a um ordenamento jurídico da Igreja Católica Apostólica Romana. A partir da introdução da cerimônia religiosa ao casamento, dando uma grande variação a sua essência, e assim elevando o mesmo ao sacramento, a igreja começava a combater o aborto, o adultério e o concubinato, que antes eram aceitos pela sociedade, e que agora tinham como abominação tais ações, principalmente sobre o adultério. Não quer dizer que o adultério foi deixado de ser praticado pelos homens, mas que no tocante ao novo arcabouço sociológico que permeava a cultura nascida com o cristianismo, e levando-se em consideração que o divórcio era ato contrário a igreja por ser considerado “um instituto contrário a própria índole da família e ao interesse dos filhos, cuja formação prejudica”, os homens ainda praticavam discretamente com relação a família e a sociedade, por uma questão de respeito (WALD apud DILL; CALDERAN, 2011, não paginado).

Nesta concepção de família fica evidenciado que a filiação era algo tão distante quanto no direito romano, uma vez que, embora o sacramento marital selasse por toda vida o homem e a mulher através da troca de alianças, e que a partir de então a paternidade e maternidade começam a ter definição certa por conta do casamento, o catolicismo fortaleceu a autoridade do homem dentro do âmbito familiar, o que lhe concedeu poderes sobre a mulher e sobre o filho, assim podendo dispor do mesmo ou até matá-lo, com base em um poder absoluto, pois, a mulher quase não tinha autoridade perante o seio do lar e assim não podia manifesta-se sobre a criação dos filhos.

No Direito Germânico é fácil notar um novo elo entre os familiares, onde o autoritarismo paterno começa a transforma-se em compreensão e amor, dando início a uma nova corrente de filiação.

2.3. O afeto dentro das relações familiares

A partir da concepção da família pós-moderna, o afeto torna-se algo essencial ao convívio familiar, deixando de prevalecer apenas a manutenção dos bens e a honra. Neste novo modelo familiar, o autoritarismo perde vez para a união moldada em laços afetivos, principalmente porque a concepção de casamento muda, antes era uma forma de manter os bens vinculados a figura do homem, “chefe de família” e de procriação, e com a nova descoberta de métodos contraceptivos por volta de 1967, se trouxe a possibilidade do planejamento familiar, trazendo a opção de quando os casais teriam filhos (CALDERAN, 2011).

Portanto decidir ter um filho torna-se a nova conquista social dos casais, muito diferente do começo da história onde as famílias eram obrigadas a ter filhos para a perduração dos cultos, ou uma forma de vincular o patrimônio na mesma entidade familiar, ou até mesmo de perpetuar sua espécie. Os filhos agora eram gerados e esperados com ânimo afetivo, o que acentua a evolução contemporânea da nova forma de filiação baseada no afeto e na convivência, abrindo-se espaço para a nova moldura de carinho e amor, não somente ligando a filiação a laços sanguíneos como de costume, ou criando-se ou mantendo-se a mesma por interesses culturais.

2.4. Evolução histórica da filiação

A evolução histórica da filiação traz consigo um novo instituto que aos poucos foi se moldando e se caracterizando pela busca ao melhor interesse primeiramente dos membros da família em geral, depois estreitando a busca pelo melhor interesse dos filhos. Esse novo instituto chamado de afeto, afetividade, socioafetividade, vem nivelando o convívio harmônico e social das famílias brasileiras.

2.4.1. Filiação e o código civil de 2002

O fator origem era a forma com que o Código de 1916 classificava a filiação, baseando-se pura e exclusivamente no casamento e em uma tendência patrimonialista da época, onde essa legislação era voltada somente para uma pequena parte da sociedade, demarcando um liame exclusivo entre o contrato a propriedade e a família. Isso se deve porque o vínculo afetivo dentro do domínio familiar naquela época não tinha relevância jurídica alguma.

O Código Civil de 1916 protegia apenas a família legítima. Tem-se por família legítima as pessoas havidas dentro do casamento, limitando aos demais - chamados de ilegítimos, que por sua vez eram divididos em naturais, pessoas que não estavam impedidas para o casamento e espúrios, estes se subdividem em adulterinos, havidos de relação extraconjugal e incestuosos, onde os filhos eram tidos de relacionamento entre pessoas da mesma família como pai e filha, irmão e irmã, etc. - direitos patrimoniais e convívio familiar (BRASIL, 1916).

Com o Código Civil de 1916 fica evidenciado o fator patrimonialista que regiam as instituições familiares, pois o parentesco era dividido em legítimo e ilegítimo, como abordado acima, e em natural, que advinha do casamento e civil, oriundo da adoção.

Os filhos ilegítimos não tinham total desamparo quanto aos seus direitos, mas apenas eram concedidos direitos aos filhos ilegítimos naturais, que poderiam ser reconhecidos pelo pai ou pela mãe, ou até mesmo por ambos. Os filhos ilegítimos espúrios não poderiam ser reconhecidos, e se assim “fossem, através da ação de filiação, o ato tornava-se nulo a partir do momento da prova de que o filho era adulterino ou incestuoso” (DILL; CALDERAN, 2011).

2.4.2. A importância do reconhecimento dos filhos ilegítimos

Mais tarde com o advento da Lei n° 883 de 1949, que disponha sobre o reconhecimento dos filhos ilegítimos, foi-se possível, através da ação de reconhecimento de filiação garantir direitos, inclusive os de alimentos aos mesmos, contudo, era necessária a dissolução da sociedade conjugal, e, depois de dissolvida a relação conjugal, ao filho ilegítimo era defeso a ação para o reconhecimento da filiação e ainda podendo acionar o pai à prestação de alimentos, em segredo de justiça, como consta no art. 1° da Lei 883 de 21 de outubro de 1949 que disponha: “dissolvida a sociedade conjugal, será permitido a qualquer dos cônjuges o reconhecimento do filho havido fora do matrimonio e, ao filho a ação para que se lhe declare a filiação”, e no art. 4° da mesma lei, onde fala que: “para efeito da prestação de alimentos, o filho ilegítimo poderá acionar o pai em segredo, de justiça, ressalvado ao interessado o direito à certidão de todos os termos do respectivo processo”. Mas, mesmo com a condição de dissolução do casamento, foi a partir desta lei que se obteve a igualdade de direitos entre os filhos, pouco importando a natureza da filiação, proibindo menção quanto à origem da filiação no registro civil (BRASIL, 1949, não paginado).

Posterior a esta lei mencionada em linhas acima, a Lei n° 6.515 de 1977, denominada Lei do Divórcio, que representou um grande avanço a defesa dos direitos dos filhos, permitiu o reconhecimento dos filhos mesmo na constância do casamento, dando-lhes direitos, o que era diferenciado pela Lei 883/1949, que somente se teria este reconhecimento assim que extinta a sociedade conjugal. Eis uma nova conquista para os pais que quisessem partilhar juntos aos filhos do estado de filiação, exprimindo ainda “que os filhos havidos de casamento nulo ou anulável, ainda que os cônjuges não o tivessem contraído de boa-fé, são legítimos” (DILL; CALDERAN, 2011, não paginado).

2.4.3. A Constituição Federal de 1988 e a defesa da igualdade entre os filhos

A Constituição Federal de 1988 denominada de “Constituição Cidadã”, pois propiciou uma profunda transformação na estrutura da sociedade e da família, trás consigo uma serie de novos princípios, onde o Direito de Família toma para si juntamente com os princípios que a CF/88 já defendia, como a igualdade e liberdade, o princípio norteador das relações de família, a dignidade da pessoa humana, proteção integral as crianças e aos adolescentes e a igualdade constitucional que é muito mais que uma “expressão de direito, é um modo justo de se viver em sociedade” tendo como posterior afirmação a partir da criação da Lei 8.069 de 13 de julho de 1990, que versa sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (SILVA, 2000, p. 217),

A partir daí, uma nova concepção sobre o que defender, surge para explorar os direitos agora arraigados na moderna e mutável sociedade do século XX. Antes a prioridade era a proteção ao casamento e aos filhos legítimos, depois da CF/88 a proteção volta-se à família enfocando os filhos como detentores de direitos advindos ou não do casamento, e uma forma das famílias alcançarem um fim social.

Com a promulgação da Constituição de 1988 fica vedada a discriminação entre os filhos e a forma de filiação. “Desse modo, a terminologia do Código de 1916, filiação legítima, ilegítima e adotiva, de vital importância para o conhecimento do fenômeno, passa a ter conotação e compreensão didática e textual e não mais essencialmente jurídica” (VENOSA, 2010, p. 224).

Com a imposição da igualdade jurídica entre os filhos, a Carta Magna proibiu a abominável hipocrisia que rotulava os filhos pela condição dos pais. Portanto, adotando não apenas o princípio da isonomia, mas, sobretudo o da dignidade da pessoa humana, definiu ser incabível dar tratamento diferenciado às várias formas de filiação. (CASTELO, 2010).

Para Loureiro (2009 apud CASTELO, 2010), a igualdade entre os filhos contem dois significados, um formal e outro material.

A não discriminação ou igualdade em sentido formal, a menos importante, seria a vedação ao uso de termos como legítimos, naturais, bastardos. No que tange ao sentido material, a não discriminação impede qualquer distinção ou diferença de regime jurídico que consubstancie num desfavor ou numa desproteção que não seja objetiva e razoavelmente fundada. Neste caminho, o filho não pode sofrer discriminação relativa ao fato ou as circunstâncias de seu nascimento. Traz então, a igualdade de filiação, salutar consequência, pois não podem-se favorecer o filho “legítimo” ou penalizar o “ilegítimo”. São também incabíveis distinções entre filhos nascidos na constância do casamento ou de união estável, e os filhos havidos fora de sociedade conjugal (CASTELO, 2010).

Nota-se que a partir da constitucionalização do direito de família, esta teve uma maior e singela proteção integral não somente de bens, mais de todos os integrantes que compõem a família, no que tange principalmente aos filhos menores de idade, garantindo-lhes segurança as entidades familiares.

O que fez o constituinte, ao proteger a entidade familiar e alargar suas bases, foi reconhecer, dar oficialidade, ao que há muito já existia por conta da jurisprudência e da doutrina. Implementou, portanto, medidas necessárias e indispensáveis para o desenvolvimento das famílias. (CASTELO, 2010).

2.4.4. O código civil de 2002 e o estatuto da criança e do adolescente como asseguradores de direitos

Obedecendo ao disposto na CF/88 o Código Civil de 2002, “trouxe inúmeras modificações na matéria referente às famílias, principalmente no que concernem as relações de parentesco e a situação dos filhos (adotivos)” (MARTINS; SALOMÃO, 2011, não paginado). Segundo Wald (apud MARTINS; SALOMÃO, 2011, p. 32), “Eliminou-se toda referência a filiação legítima, legitimada, adulterina, incestuosa ou adotiva, visto que, a partir do novo ordenamento constitucional, a filiação é uma só, sem descriminação (arts. 1602. a 1635 e outros)”.

A distinção que o atual Código Civil faz é com referência aos filhos, que podem ser matrimoniais ou extramatrimonias, visto que, existe a presunção de paternidade e maternidade dentro do casamento, assim a filiação pode ser reconhecida de pronto ao nascimento da criança como também posteriormente, sendo conjuntamente pai e mãe, ou separadamente. Essa presunção advinda do casamento é pura e exclusivamente para proteger o interesse do nascido, que tem a concretude da maternidade na sua concepção e a paternidade no momento do seu nascimento.

A filiação passa a ser um direito inerente ao ser humano, ao passo que nos arts. 26. e 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), fica afirmado que esse direito é personalíssimo, indisponível e imprescritível, independente da sua origem, podendo ser exercido contra os pais ou herdeiros, sem nenhuma restrição, observado o segredo de justiça. O direito personalíssimo significa dizer que somente o titular do direito, neste caso quem procura o estado de filiação é quem pode exercer, sendo, portanto, intransmissível; o direito indisponível aqui significa que o titular não pode deixar de ter sua filiação reconhecida, visto que não existe ser humano sem pai ou mãe; e o direito imprescritível, é a segurança de que a qualquer tempo o direito a filiação pode ser arguido, visto que é um direito/dever a confirmação e a busca pela sua origem. Vejamos sobre o reconhecimento da filiação e o aludido acima nos artigos do ECA:

Art. 26. Os filhos havidos fora do casamento poderão ser reconhecidos pelos pais, conjunta ou separadamente, no próprio termo de nascimento, por testamento, mediante escritura ou outro documento público, qualquer que seja a origem da filiação.

Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou suceder-lhe ao falecimento, se deixar descendentes.

Art. 27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça (BRASIL, 1990, não paginado).

O art. 27. do ECA invalida o art. 1614. do CC/02, que dispõe da seguinte forma: “O filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento, e o menor pode impugnar o reconhecimento, nos quatro anos que se seguirem à maioridade, ou à emancipação” (BRASIL, 2002, não paginado).

O que fica evidenciado em nosso ordenamento jurídico é uma serie de emaranhados de dispositivos legais que figuram das mais diversas formas sobre a questão da imprescritibilidade.

O Código Civil afirma ser imprescritível a ação para o marido contestar a paternidade dos filhos de sua mulher, vejamos o art. 1.601. Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível. Já ao filho cabe-lhe o prazo de 4 anos a contar da sua maior idade para impugnar o reconhecimento de sua paternidade conforme consta o art. 1.614. O filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento, e o menor pode impugnar o reconhecimento, nos quatro anos que se seguirem à maioridade, ou à emancipação (BRASIL, 2002).

O Estatuto da Criança e do Adolescente defende a imprescritibilidade do reconhecimento de filiação, que seria proposta pelo filho com a ação investigatória. A quem defenda que o filho que não está registrado poderá investigar sua paternidade a qualquer a tempo; contudo se houver a existência de um registro civil de nascimento, este direito de ação ficará condicionado ao prazo de 4 anos que seria o mesmo da ação anulatória, assim decorrido tal prazo, quem foi registrado como filho de alguém não poderia buscar o reconhecimento da filiação de outra natureza, biológica ou afetiva, eclodindo nitidamente uma afronta ao princípio da igualdade (DIAS, 2011).

É importante resaltar esse direito imprescritível, pois a filiação da atual sociedade não se embasa somente em laços sanguíneos, mas a estrutura familiar se encontra alicerçada no afeto e com dever sobre a responsabilidade na criação, educação, etc., do menor. Portanto a forma de exteriorização na mudança do Código Civil de 2002 através da Constituição Federal de 1988 dar-se pela desbiologização da filiação.

2.5. O registro civil como vínculo jurídico

O registro civil é a formalização perante a sociedade da filiação, é um termo jurídico que define os atos da vida de um ser humano, para declarar vida, morte, estado de civil, adoção, interdição, dentre outros.

Para que sejam adquiridos direitos e também deveres ao filho é necessário que o mesmo tenha o reconhecimento da filiação, e este reconhecimento se faz por meio da certidão de nascimento, considerado um vínculo jurídico, que posteriormente determinará a vínculo civil das relações entre pai/mãe e filho. Para o Direito Brasileiro não basta apenas o convívio harmonioso, continuo e eficaz da relação entre pai/mãe afetivos, pois de nada vale este sentimento pulsante de serem, ou sentirem-se pais do filho senão tiver o reconhecimento preciso perante a justiça desta relação.

2.6. Os vínculos que permeiam a filiação

A filiação pode se dar por meio do vínculo: natural, civil e afetivo. Ambas as formas de vínculo precisa do reconhecimento da filiação através do registro civil de nascimento para garantia de direitos ao menor (LIMA, 2011).

Destarte, os doutrinadores e aplicadores do Direito de Família, tendem a mencionar o vínculo afetivo como sendo a base para qualquer dos outros vínculos de filiação. Assim, toda e qualquer relação deve ser pautada no princípio da afetividade e no amor para com o próximo.

2.6.1. Vínculo natural e o vínculo civil

É inegável que ambos os vínculos se tratem como sendo intrínsecos um ao outro. No vínculo natural, subentende-se que sejam aqueles os filhos havidos na constância do casamento, e, portanto, são necessariamente já denominados de filhos naturais, por terem a paternidade e a maternidade já certa.

Contudo, o vínculo civil vem ao mesmo passo que o natural, pois subentende-se que os filhos concebidos dentro matrimônio sejam de filiação natural aos pais casados. O vínculo civil é também caracterizado pela adoção, que é o interesse de casais em adotar uma criança; estes casais passam por uma burocracia jurídica para terem o reconhecimento do estado de filiação na condição de pais.

2.6.2. Vínculo afetivo e suas variantes

O vínculo afetivo é o que hoje comumente chamamos de posse de estado de filho, filho de criação, adoção à brasileira, etc. Na posse de estado de filho é importante destacar o vínculo socioafetivo já formador da relação familiar. Assim a nova família passa a ter a posse de estado de filho:

A posse de estado de filho é uma relação afetiva, íntima e duradoura, caracterizada pela reputação frente a terceiros como se filho fosse, e pelo tratamento existente na relação paterno-filial, em que há o chamamento de filho e a aceitação do chamamento de pai (BOEIRA apud BARROS, 2009, não paginado).

Dissipar o entendimento de que o filho de criação ou adotado à brasileira é o maior beneficiado com a relação da posse de estado de filho, é dizer que, supondo que a ele lhe é dada uma família, e a família lhe é dada o direito de criá-lo, nasce uma mutua relação de afeto e condições integrantes do âmbito familiar, a quem o maior beneficiado é o filho, que ganha uma família com seus direitos e deveres.

O que acrescenta uma importante característica a esta posse é na verdade a sua exteriorização para o mundo, pois não basta ter a posse do filho e não apresentar a sociedade esse status, é como se na verdade não houvesse a condição primeira de agregar um novo ente a família, neste caso o filho. Assim vejamos:

O estado de filho afetivo acrescenta o autor, é identificado pela exteriorização da condição de filho, nas seguintes circunstancias: a) sempre ter levado o nome dos presumidos genitores; b) ter recebido continuamente o tratamento de filho; c) ter sido constantemente reconhecido pelos presumidos pais e pela sociedade, como filho (GOMES apud WELTER, 2003, p.151).

Aqui se notam três elementos integrantes da relação socioafetiva: o nome, o trato e a fama, sendo que o nome não é uma primazia integral desta condição, basta que seja reconhecido os laços de afeto e o benevolente tratamento dos pais para com o filho para que haja constituído o vínculo socioafetivo. Vale ainda ressaltar que a posse de estado de filho é uma forma secundaria do reconhecimento da filiação no atual sistema jurídico.

A adoção à brasileira, assunto primário deste trabalho, é a mais comum forma de exteriorização dos laços de afetividade que envolve a relação do Direito de Família. É importante enfatizar que em todos os modos de filiação afetivas já citadas acima, devem estar presente como o próprio nome já diz, o princípio do afeto, sendo o mediador do reconhecimento dos filhos, contudo a adoção à brasileira é um ato no qual além de haver a verdade sociológica, denominada de vínculo afetivo, faz-se presente o vínculo civil, através do registro de nascimento.

A formalidade construída para averiguação do estado de filiação se faz presente após algumas etapas vencidas. Quando existe a vontade e a efetivação da criação dos filhos, do alicerce afetivo presente nesta criação, os pais sentem a necessidade de “legalizar” tal ato. Portanto recorrem aos cartórios para que tomem seus lugares de pais e mães, deixando para trás apenas o denominado conceito de pais de criação, mas não esquecendo que para moldar e valorar essa nossa condição, antes foi preciso no mínimo a posse de estado de filho e consequentemente que tenham sido pais de criação, tudo isso dentro do mínimo legal.

Falamos em mínimo legal, pois pode haver a formalização do estado de filho através da adoção à brasileira, sem esses primeiros passos alicerçados no afeto, para posterior decisão quanto a filiação. Pode ocorrer a indulgência dos pais para certificar o quanto antes o menor como filho, devido ao perigo de vida ou de sobrevivência do menor sem esse instantâneo reconhecimento.

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Sobre a autora
Maiane Rodrigues Corrêa Lobão

Formada no Curso de Graduação em Direito pela Faculdade Estácio de Sá no segundo semestre do ano de 2013. Iniciou na área de Licitação no ano de 2012, passando por órgãos municipais, estaduais e federais. Especializou-se na área direito de família pela Faculdade Venda Nova do Imigrante, atualmente é pós-graduanda em Compliance pela Faculdade Venda Nova do Imigrante e Docência da Educação Profissional e Superior pelo Instituto Florence de Ensino.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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