5. ANÁLISE DE JURISPRUDÊNCIA NO ACÓRDÃO REFERENTE À ADIN N. 1753/DF
O julgamento foi proferido em 16/04/1998.
O Conselho Federal da OAB pede a suspensão cautelar do art. 4º da MPr. 1577-6, de 27/11/97, por meio de proposta de Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Relator: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE
Requerente: Conselho Federal da OAB
Advogado: Marcelo Mello Martins e outro
Requerido: Presidente da República
O Conselho Federal da OAB, conforme o relatório do Min. Sepúlveda Pertence, encaminhou ao Supremo Tribunal Federal, a proposta de ação direta de inconstitucionalidade, pedindo suspensão cautelar do art. 4º da MPr. 1577-6, de 27/11/1997, o qual tem o seguinte conteúdo:
“Art. 4º O direito de propor ação rescisória por parte da União, dos Estados, dos Municípios, bem como das autarquias e das fundações instituídas pelo Poder Público extingue-se em cinco anos, contados do trânsito em julgado da decisão.”
“Parágrafo único. Além das hipóteses referidas no art. 485 do Código de Processo Civil, será cabível ação rescisória quando da indenização fixada em ação de desapropriação, em ação ordinária de indenização por apossamento administrativo ou desapropriação indireta, e também em ação que vise a indenização por restrições decorrentes de atos do Poder Público, em especial aqueles destinados à proteção ambiental, for flagrantemente superior ao preço de mercado do bem objeto da ação judicial.”
Quer dizer, o primeiro preceito impugnado, constante do caput do art. 4º, aumenta de dois para cinco anos, o prazo da ação rescisória proposta pelas entidades de Direito Público. Já o segundo preceito impugnado, no parágrafo único acrescenta às hipóteses previstas no Código de Processo Civil, uma outra de rescindibilidade da sentença de mérito, qual seja, a indenização flagrantemente superior ao preço de mercado do bem, nas situações alentadas.
Após a apresentação do relatório pelo Min. Pertence, com vistas à decisão da medida cautelar, o feito foi levado à mesa do plenário.
No acórdão em análise, segue-se o voto do relator.
Em seguida há o voto do Min. Maurício Corrêa, acompanhando o relator.
Adiante, na medida liminar registra-se o voto do Min. Marco Aurélio, o qual deferiu a liminar, suspendendo a eficácia do ato impugnado.
Segue-se, ainda o voto do presidente, o Min. Carlos Veloso, que também acompanhou o voto do relator.
Transcrevemos abaixo a decisão do tribunal, presente no extrato de ata:
“Decisão: O Tribunal, por unanimidade, deferiu o pedido de medida cautelar, para suspender, até a decisão final da ação direta, os efeitos do art. 4º e seu parágrafo único da medida provisória n. 1632-11, de 09/04/98. Votou o Presidente. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Celso de Mello, Presidente, e Moreira Alves. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Carlos Velloso, Vice-Presidente. Plenário, 16.04.98.”
A petição do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil apoia-se em três razões, quais sejam:
1º) ausência de relevância e urgência para a edição de medida provisória acerca desse tema;
2º) ofensa ao princípio da isonomia e
3º) ofensa ao princípio do devido processo legal.
Adiante procuramos demonstrar, conforme o entendimento do requerente (o Conselho Federal da OAB), o alcance desfavorável à justificativa de relevância e urgência para a edição da medida provisória em questão. De fato considera o relator, em seu voto, que o Tribunal, apesar de se impor uma tendente auto-restrição no que respeita à avaliação do caráter da urgência na edição de medidas provisórias, “na espécie, a afirmação da urgência à edição da medida provisória questionada raia pela irrisão.”
Sob o enfoque da coisa julgada, o relator, adiante define que, “Se ainda não há coisa julgada, a presunção há de ser a de possibilidade de reverter a decisão ainda pendente de recurso, cuja absurdez se teme.”
E considera ainda, “Se ao contrário, já se formou a coisa julgada – além de casuística, o que lhe pode custar a irrogação de outros vícios – a medida provisória já não pode alegar urgência, porque terá chegado tarde demais.”
Mas, importa, desde já, empreender um corte na análise da decisão que implique no seu entendimento de acordo com o devido processo legal material.
Já a partir da ementa, no trabalho do relator, está a afirmação de que a igualdade das partes decorre, obrigatoriamente do devido processo legal. No caso de ser o Estado uma das partes, há em favor deste a existência de favores legais, bem como outras vantagens processuais da Fazenda Pública. Todavia, tais concessões, em favor de uma das partes podem ter a “consequência perversa de retardar sem limites a satisfação do direito do particular já reconhecido em juízo.”
E se estes favores - mesmo reconhecidos em lei - estiverem a desafiar “a medida da razoabilidade ou da proporcionalidade, passam a caracterizar privilégios inconstitucionais”, ofendendo evidentemente a essência do substantive due process of law, o qual tem por escopo proteger os direitos e as liberdades dos indivíduos contra a legislação que se revele opressiva ou, destituída do esperado coeficiente de razoabilidade.
Entendeu o Min. Relator que os privilégios processuais, porventura conferidos ao Estado são justificáveis apenas na medida em que apoiados nos fatos, e de acordo com o interesse público, afirmando que “a igualdade das partes é imanente ao procedural due process of law.” E, finalmente, que as discriminações, favorecendo o Poder Público em juízo teriam uma aura de respeitabilidade porque não arbitrárias, na medida em que tenham por escopo compensar as deficiências da defesa das entidades estatais.
Por isso adverte: “Se ao contrário, desafiam a medida da razoabilidade ou da proporcionalidade, caracterizam privilégios inconstitucionais.” Isto por tratar de forma não razoável e desproporcional, o Estado, como parte, e os cidadãos comuns.
O Min. Marco Aurélio, por sua vez quando profere seu voto, considera que o prazo maior, aludido no par. 4º da MPr. em questão, é previsto exatamente em favor do Estado (que tudo pode). Prosseguindo o Min. Afirma que “o Estado legisla, o Estado executa as leis, o Estado, em si, julga a execução das leis. Logo, considerados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, não vejo base para chegar-se a esse tratamento diferenciado.” A administração pública deve estar aparelhada visando a defender os interesses públicos.
O Min. Carlos Veloso, citando dissertação de Paolo Biscaretti di Ruffia, defende que se for identificada a falta de urgência, como requisito da medida provisória, “o legislador terá praticado o que os administrativistas denominam de excesso de poder, excesso de poder de legislar, no caso. Consequentemente, conforme a lição do Min. Do STJ, Adhemar Ferreira Maciel [na obra citada no trabalho], o Estado, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das suas atividades legislativas, não dispõe de competência para legislar “de forma imoderada e irresponsável” para que não venha a gerar - com o seu comportamento institucional – situações normativas de distorção ou mesmo a subversão dos fins previstos como sua função estatal.
6. À GUISA DE CONCLUSÃO
O exame da substância do direito, sob compreensão na atualidade, deve necessariamente prevalecer sobre antigos procedimentos formais.
Há que se buscar, tomando como base critérios de razoabilidade, a promoção efetiva dos direitos fundamentais contra ação irrazoável e arbitrária. E aqui, de maneira sintetizada encontram-se as razões do desenvolvimento da teoria do devido processo legal material (substantive due process).
Passa-se, portanto, a proteger o cidadão no aspecto material, impedindo que o Congresso ou os legislativos (não se deixando de considerar também os atos emanados dos poderes executivo ou judiciário, com força legislativa) estaduais elaborassem leis, embora formalmente constitucionais, mas que substancialmente estivessem despidas de razoabilidade. Há que se proteger enfim, o cidadão, no contexto do Estado Democrático de Direito, contra toda forma de arbítrio dos poderes constituídos, por meio do devido processo legal substantivo.
Neste sentido, enfim, apesar de todas as dificuldade históricas, tem sido a atuação do Supremo Tribunal Federal. Por meio de uma interpretação concretizadora, fazendo valer a aplicabilidade das normas constitucionais, consolidando seu entendimento jurisprudencial de conferir efetiva proteção aos indivíduos quanto aos direitos fundamentais.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Notas
[1] Cf. BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant. Trad. De Alfredo Fait, 3. ed. Brasília: Editora UnB. p. 62: Segundo Norberto Bobbio, “se por autonomia, se entende a faculdade de dar leis a si mesmo é certo que a vontade moral é por excelência uma vontade autônoma; porque, como já muitas vezes foi dito, a vontade moral é aquela, segundo Kant, que não obedece a outra lei a não ser à lei moral e não se deixa determinar por inclinações ou cálculos interessados. Lembramos que esta definição de autonomia coincide com a definição dada por Rousseau à liberdade, entendida como a obediência à lei que cada um prescreve para si mesmo.”
[2] Apud Norberto Bobbio, Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant, p. 134.
[3] Dicionário de Política. Brasília: EdUnB, 1997. p. 327-329.
[4] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 207.
[5] Na lição de SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, 3.ed. rev. amp. atual. São Paulo: Malheiros,1998, p. 64-66: eficácia “é a capacidade de atingir objetivos previamente fixados como metas. Tratando-se de normas jurídicas, a eficácia consiste na capacidade de atingir os objetivos nelas traduzidos, que vêm a ser, em última análise, realizar os ditames jurídicos objetivados pelo legislador.”[Grifo nosso]. Sob a ótica do normativismo, distingue-se, com precisão, a vigência da eficácia. De fato, para Hans Kelsen (apud) a vigência da norma pertence à ordem do dever-ser, e não à ordem do ser; significa, enfim a existência específica da norma. Dizer de uma norma que ela vale, ou que é vigente significa algo diferente de afirmar que ela é efetivamente aplicada e respeitada, apesar de[Kelsen(apud)] considerar que “um mínimo de eficácia é condição de vigência da norma.” Entretanto, destaca, e consideramos relevante: “Uma norma jurídica, no entanto, entra em vigor antes de tornar-se eficaz, isto é, antes de ser seguida e aplicada.”
[6] SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 81.
[7] SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, p.82.
[8] SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 99 e apud Rui Barbosa apud Aplicabilidade das normas constitucionais, p.99.
[9] SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, p.116.
[10] Aplicabilidade das normas constitucionais. p. 79 e p. 145-151.
[11] Aplicabilidade das normas constitucionais, p.138.
[12] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 435-438.
[13] Curso de Direito Constitucional. p. 440.
[14] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 464-465.
[15]Cf. ARANHA, Márcio Nunes. As dimensões objetivas dos direitos e sua posição de relevo na interpretação constitucional como conquista contemporânea da democracia substancial. Revista de Informação Legislativa. Brasília a. 35 n. 138 abr/jun. 1998.
[16] COELHO, Inocêncio Mártires. Temas e problemas da interpretação constitucional. Notícia do Direito Brasileiro. Brasília, p. 185. N. 2. 2 semestre de 1996.
[17] Cf. a respeito deste tema ARANHA, Márcio Iorio. Interpretação constitucional e garantias institucionais dos direitos fundamentais. São Paulo: Atlas. A garantia institucional tem sua existência condicionada pelo Estado(especialmente cf. o entendimento de Schmitt), e por seu turno, o direito realiza a sua conexão com a sociedade a partir do “sentimento uniforme de instituições e de necessidades”.p54
[18] MACIEL, Adhemar Ferreira. O devido processo legal e a Constituição brasileira de 1988. In Revista de Processo, São Paulo, ano 22, n. 85, jan./mar. De 1997. p. 175-180.
[19] Problemas de direito positivo: Estudos e pareceres. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1953, p. 37
[20] Problemas de direito positivo: Estudos e pareceres. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1953, p. 41-42.
[21] BRINDEIRO, Geraldo. O devido processo legal e o Estado Democrático de Direito. Notícia do Direito Brasileiro, p. 109.
[22] A interpretação dos direitos fundamentais na Suprema Corte dos EUA e no Supremo Tribunal Federal. In Jurisdição constitucional e direitos fundamentais. José Adércio Leite Sampaio (Org.). Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 315-345, p. 319.
[23] José Alfredo de Oliveira Baracho. A interpretação dos direitos fundamentais na Suprema Corte dos EUA e no Supremo Tribunal Federal. In Jurisdição constitucional e direitos fundamentais, p. 320.
[24] Apud José Alfredo de Oliveira Baracho, A interpretação dos direitos fundamentais na Suprema Corte dos EUA e no Supremo Tribunal Federal. In Jurisdição constitucional e direitos fundamentais, p. 320.
[25] José Alfredo de Oliveira Baracho. A interpretação dos direitos fundamentais na Suprema Corte dos EUA e no Supremo Tribunal Federal. In Jurisdição constitucional e direitos fundamentais. José Adércio Leite Sampaio (Org.). Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 315-345, p. 325.
[26] José Alfredo de Oliveira Baracho, A interpretação dos direitos fundamentais na Suprema Corte dos EUA e no Supremo Tribunal Federal. p. 332.
[27] LIMA, Maria Rosynete Oliveira. Devido Processo Legal. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1999. p. 273-274.
[28] Apud Maria Rosynete Oliveira Lima, Devido Processo Legal, p. 279.
[29] MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2000. p. 255.