4. Discriminação do deficiente
A OIT aprovou em 1983 a Convenção 159 estabelecendo a obrigação dos paises signatários de instituir uma política nacional sobre reabilitação profissional e emprego das pessoas deficientes, com a clara finalidade de promover oportunidades de ocupação para estas pessoas no mercado regular de trabalho.
Essa Convenção foi aprovada pelo Decreto Legislativo 51, de 15 de agosto de 1989 e promulgada pelo Decreto n. 129, de 22 de maio de 1991. Portanto, encontra-se incorporada ao ordenamento jurídico nacional.
Os seus signatários se comprometeram adotar ações de cunho afirmativo para promover a igualdade de oportunidades aos deficientes. E essas ações devem ter como "base o princípio da igualdade de oportunidades entre os trabalhadores deficientes e dos trabalhadores em geral", devendo-se "respeitar a igualdade de oportunidades e de tratamento para as trabalhadoras deficientes. As medidas positivas especiais com a finalidade de atingir a igualdade efetiva de oportunidades e de tratamento entre os trabalhadores deficientes e os demais trabalhadores, não devem ser vistas como discriminatórias em relação a estes últimos".
A Carta de 88 encampando os princípios constantes daquele documento internacional dispensou ao trabalhador deficiente um tratamento especial, de forma a promover a igualdade de direitos e oportunidades ao estabelecer, no inciso XXXI, do art. 7º, a proibição de "qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência".
Refletindo essa proteção a regra do art. 93, § 1º, da Lei 8.213/91 estabelece que a "dispensa do trabalhador reabilitado ou deficiente habilitado ao final do contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias, e a imotivada, no contrato por prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante".
Por outro lado, a Lei 7.853/89, que dispõe sobre as medidas de apoio às pessoas portadoras de deficiência, ordenou ao Poder Público garantir através de legislação específica a reserva de mercado de trabalho em face das pessoas portadoras de deficiência nas entidades da Administração Pública.
Dando cumprimento a essa recomendação a Lei 8.112/90 no § 2º, do art. 5º reserva até 20% das vagas oferecidas no concurso para as pessoas portadoras de deficiência, desde que haja compatibilidade com a deficiência.
Como se ver há todo um arcabouço protetivo ao trabalhador deficiente, e a jurisprudência tem se mostrado sensível à questão entendendo como prática discriminatória a dispensa imotivada de trabalhadores acometidos de doenças crônicas de elevada gravidade, como por exemplo, a AIDS 10 e o câncer.
Estas e outras doenças de gravidade extrema terminam por tornar o prestador um deficiente físico ou mental, em caráter de permanência, lhe permitindo, assim, uma proteção especial ou diferenciada pela ordem jurídica (arts. 7º, inciso XXXI, da CF e 471 da CLT).
Cabe, pois, as entidades sindicais, ao Ministério Público do Trabalho (art. 32, da Lei 7.853/89), ajuizar as ações judiciais para exigir o cumprimento das normas de proteção contra as práticas discriminatórias ao trabalhador deficiente. Afinal, nos termos do art. 10. da Declaração dos Direitos do Deficiente, proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, através da Resolução n. 3.447, de 09 de dezembro de 1975, "O deficiente deve ser protegido contra toda exploração, toda regulamentação e todo tratamento discriminatório, abusivo ou degradante", pois como acentua Hugo Nigro Mazzilli, "torna-se preciso compreender que o verdadeiro sentido da isonomia, constitucionalmente assegurada, é tratar diferentemente os desiguais, na medida em que se busque compensar juridicamente a desigualdade, igualando-os em oportunidades". 11
5. Discriminação em face do tipo de trabalho
O constituinte de 88 fez inserir no inciso V, do art. 7º da Suprema Carta a garantia de "piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho", e no inciso XXXII proíbe "distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual entre os profissionais".
Entende com razão Maurício Godinho Delgado que a interpretação combinada dos dois preceitos superou em caráter definitivo a antiga discussão a respeito da validade ou não do estabelecimento de pisos salariais em face de uma certa categoria profissional por preceito inserto em convenção coletiva de trabalho ou através de sentença normativa. 12
Para o jurista mineiro é "interessante perceber que os dois dispositivos combinados (art. 7º, VI e XXXII, CF/88) têm dado suporte a uma interpretação isonômica contemporânea de grande impacto social, já que abrangente de uma crescente situação laboral criada no mercado de trabalho: a situação de terceirização. Há interpretações no sentido de que a contratação terceirizada de trabalhadores não pode, juridicamente, propiciar tratamento discriminatório entre o trabalhador terceirizado e o trabalhador exercente de função equivalente na empresa tomadora de serviços. Pelo parâmetro constitucional seria devido, em tais situações, o chamado salário eqüitativo, hábil a assegurar a equivalência isonômica entre os respectivos profissionais" 13.
6. Igualdade de tratamento entre o trabalhador avulso e o trabalhador com vínculo de emprego
Dando amplitude ainda maior ao princípio da isonomia, cuja matriz encontra-se no caput do art. 5º do Texto Maior, o constituinte de 88 fez inserir o preceito constante do inciso XXXIV, do art, 7º através do qual estabeleceu a "igualdade de direitos entre trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso".
Todavia, na prática, aquela garantia já tinha sido conquistada pela grande maioria dos trabalhadores avulso, que já havia alcançado a equiparação jurídica com os trabalhadores com vínculo de emprego.
Curiosamente, foi editada a Lei 8.630/93 que revogou de forma expressa vários dispositivos legais que asseguravam tais direitos, remetendo para o plano dos instrumentos normativos as regras laborais relativas a esta categoria (arts. 22. e 29 da chamada Lei dos Portos).
É evidente que na ausência de instrumentos normativos a garantia resta assegurada por força do preceito inserto no inciso XXXIV, do art. 7º, do Texto Maior.
7. Trabalhador rural
Em maio de 2000 foi promulgada a Emenda Constitucional 28 alterando o disposto no art. 7º, inciso XXIV, do Texto Supremo que passou a vigorar com seguinte redação:
"ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho".
O tratamento discriminatório dado pelo constituinte derivado ao trabalhador rural é manifesto.
O combate à discriminação é medida que só se tornará realidade se combinarmos a proibição de atos discriminatórios com as chamadas políticas compensatórias.
Para que se possa assegurar a igualdade não basta proibir a discriminação mediante legislação repressiva. É indispensável estabelecer estratégias promocionais capazes de estimular a inserção dos chamados grupos socialmente vulneráveis nos espaços sociais.
Como um poderoso instrumento de inclusão social situam-se as ações afirmativas, que se constituem em medidas especiais que têm por objetivo acelerar o processo de igualdade, com o alcance da isonomia não apenas formal, mas, substantiva por parte dos "grupos vulneráveis".
Estas ações no dizer de Flávia Piovesan, "enquanto políticas sociais compensatórias adotadas para aliviar e remediar as condições resultantes de um passado discriminatório, cumprem uma finalidade pública decisiva ao projeto democrático, que é assegurar a diversidade e a pluralidade social". 14
O Texto de 88 contém importantes preceitos que demonstram o objetivo do constituinte na busca dessa igualdade material.
Dentre eles encontramos a norma do inciso XXIV, do art. 7º, antes da alteração trazida pela Emenda 28, ao estabelecer um prazo diferenciado de prescrição do direito de ação para reclamar créditos decorrentes do contrato de trabalho rural.
Esse tratamento diferenciado - não discriminatório - levou em conta a diversidade das condições do trabalho no meio rural e a dificuldade de acesso à justiça por parte do trabalhador campesino, que sejamos corajosos em reconhecer, na sua grande maioria sequer tem conhecimento de seus direitos.
Ora, na medida em que autor da EC 28/2000 igualou o trabalhador rural ao urbano para fins de prescrição do direito de ação no âmbito do processo do trabalho terminou por violar o princípio da igualdade material, pois estamos diante de situações completamente diferentes.
Induvidoso, pois, que a EC 28 ao igualar o trabalhador rural ao trabalhador urbano, para efeitos de prescrição do direito de ação, cometeu evidente discriminação, pois tratou de forma isonômica situações completamente desiguais e com isso feriu o princípio da igualdade material, pois a ninguém é dado desconhecer as profundas diferenças entre as relações de emprego rural e urbana, especialmente quanto à conscientização dos direitos delas decorrentes e as dificuldades que o trabalhador campesino tem para acessar à justiça.
Assim, além ferir de forma absoluta o princípio da isonomia material, tratando de forma igual situações desiguais suprimido por meio de Emenda direito fundamental do trabalhador rural - acesso à justiça - na medida em que reduzindo o tempo de prescrição para o ajuizamento da ação enquanto vigente o contrato - quando o trabalhador encontra-se moral e economicamente coagido perante o empregador, o que o impede reivindicar eventuais direitos, dos sequer tem conhecimento - a EC 28 atenta contra também contra o princípio do acesso à justiça, violando a proibição constante do § 40, inciso IV, do art. 60, do Texto Maior.
8. Discriminação do negro
A discriminação em razão de cor e raça voltou à discussão com a pretensão do governo federal no sentido de garantir aos negros um determinado percentual das vagas nas escolas de nível superior e nos concursos para preenchimento de cargos no serviço público, a pretexto de garantir-lhes igualdade de oportunidades e direitos. 15
Temível se mostra, a nosso sentir, essa medida que embora teoricamente possa ser tida como uma ação afirmativa, de natureza inclusiva, no campo da prática pode institucionalizar a discriminação das pessoas negras, na medida em que não leva em conta suas capacidades mas a cor da pele, o que é inadmissível se constituindo em um grande retrocesso.
Não nos parece razoável a reserva de certo percentual de vagas nas universidades e nos concursos públicos, com base no critério da cor, como forma de permitir o acesso dos negros ao ensino superior e aos cargos públicos, como se eles fossem pessoas sem capacidade ou de cidadãos de segunda categoria. 16
Não se pode, sob pena de manifesta e afrontosa violação aos princípios da não discriminação e da igualdade previstos nos arts. 3º 5o da Constituição, tratar de forma desigual os estudantes e os trabalhadores negros - que têm, em igualdade de condições com todos os demais cidadãos, porque igualmente capazes, probos e dignos - o direito de acesso às vagas nas universidades e no serviço público.
Conclusão
Precisamos conscientizar e envolver toda a sociedade com a questão da discriminação para que todas as práticas discriminatórias sejam eliminadas.
Anota Otávio Brito Lopes, que "a discriminação no trabalho em razão do gênero, a discriminação racial é outro vírus que infecta o tecido social, e a cada dia que passa, vai merecendo das autoridades mundiais maior cuidado.
O trabalho em regime de cooperação entre a OIT e diversos órgãos governamentais brasileiros (Ministério Público do Trabalho, Ministério do Trabalho, Ministério da Justiça), no combate às práticas discriminatórias no emprego leva à constatação de várias formas de discriminação no trabalho, sendo mais comuns as seguintes hipóteses:
a) negros e mulheres têm o acesso dificultado a certos trabalhos que impliquem contato com o público, tais como caixa de banco, garçom, garçonete, relações públicas, etc;
b) os salários pagos aos negros e às mulheres são inferiores aos pagos aos seus colegas, com a mesma qualificação;
c) negros e mulheres costumam ser preteridos nas promoções no emprego;
d) em muitos casos a justificativa para a preterição das mulheres nas promoções é que seus colegas poderiam ter dificuldades em aceitar o comando feminino;
e) as mulheres estão sujeitas ao assédio sexual como instrumento de pressão no trabalho;
f) as mulheres são discriminadas com a demissão por motivo de gravidez, a exigência de atestado de esterilização e não gravidez no ato admissional". 17
Esse triste quadro mostra que o problema da discriminação infelizmente ainda é grave e que a solução não é tarefa das mais simples
É preciso um engajamento de toda a sociedade.
É indispensável a busca da igualdade material, tão almejada pelo cidadão, especialmente aquele desafortunado que é a maior vítima das práticas discriminatórias.
Como afirma Ronald Dworkim ao tratar da questão da igualdade que o pressuposto da legitimidade do Estado de Direito depende de que as instituições demonstrem igual respeito e preocupação com todos os cidadãos. Como o maior ou menor bem-estar das pessoas depende em grande parte do conteúdo das leis, o Estado perderá legitimidade se o funcionamento destas leis não tiver a capacidade de demonstrar obediência ao requisito de tratamento igual a todos. E se as desigualdades não forem atenuadas, não se pode alegar que o Estado esteja cumprindo sua obrigação de assegurar o requisito da igualdade. 18
É esse o desafio que devemos enfrentar.
Referências bibliográficas
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