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A normatização das finanças de campanha eleitoral à luz do direito de participação política do cidadão

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02/10/2014 às 15:15
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2. O Exercício do Poder Político

2.1 Poder Político e Democracia

É da essência do regime democrático que os poderes estatais não se concentrem em determinada pessoa ou ente, bem como que não haja perpetuação no poder por determinada pessoa ou grupo.

A melhor doutrina ensina que o poder político é um fenômeno sociocultural: um fato da vida social. O simples fato de pertencer a um grupo social subjaz que ele pode exigir certos atos ou condutas em conformidade com os fins pretendidos. Nesse diapasão o Estado, estratificação maior do grupo social, detém a expressão maior do poder: poder político ou estatal. [29]

O poder tem acepção primária no conceito de povo, conjunto de nacionais e que detém interesses nos rumos e na gestão da coisa pública em prol da finalidade maior do Estado: o bem comum.

Veja-se que a ideia central da relação de poder e democracia não se dissocia daquela atribuída a do poder constituinte, conquanto a própria Constituição solidificou a premissa maior de que “todo poder emana do povo, em seu nome será exercido por meio de Representantes”. (artigo 1º, parágrafo único Constituição Federal).

Esse poder, cuja titularidade só se legitima se amparada na premissa fixada na Constituição, é diluído de modo que nenhum ente, instituição ou órgão detenha sua totalidade ou se porte como detentor superpoderes.

José Afonso DA SILVA, com a precisão que lhe é peculiar, ao discorrer sobre a existência de requisitos necessários à configuração da democracia, crava que: “a democracia não precisa de requisitos especiais. Basta a existência de uma sociedade. Se seu governo emana do povo, é democrática; se não, não o é.” [30]

Seguindo no seu raciocínio o renomado mestre conclui:

“A democracia, em verdade, repousa sobre dois princípios fundamentais ou primários, que lhe dão a essência conceitual: (a) o da soberania popular, segundo o qual o povo é a única fonte de poder, que se exprime pela regra de que todo poder emana do povo; (b) a participação, direta ou indireta, do povo no poder, para que este seja efetiva expressão da vontade popular; nos casos de participação indireta, surge um princípio derivado ou secundário: o da representação.” [31]

Firmada a premissa constitucional que define a titularidade do Poder do Estado, é necessário compreender como se dá a sistematização e os mecanismos de controle do efetivo exercício desses poderes na estrutura orgânica do Estado.

A teoria da separação dos poderes do Estado corresponde efetivamente a sistematização da estrutura do Poder Político, dotado de mecanismo que o dê efetividade, visando a garantir o exercício e a convivência harmônica entre os poderes constituídos.

 O delineamento mais difundido em sede de separação de poderes é o de estruturado por Montesquieiu, cujo delineamento tem resquícios históricos em Aristóteles, em sua obra Política, passando por Jonh Locke e Rosseau.

O fato é que Montesquieu, adequado à efervescência do iluminismo e de oposição ao absolutismo, redelineou a divisão de poderes de modo que cada parcela do poder fosse exercida por órgãos distintos, e equilibrados por meio da instrumentalização do mecanismo de freios e contrapesos.

Não é nosso objetivo aprofundar no estudo das teorias de separação de poderes. Basta-nos rememorar que o Poder Constituinte originário, em sintonia com a divisão trinária acima mencionada, estabeleceu que são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Retomando a premissa inicial, temos que alternação no poder, ou a sua legitima possibilidade de ocorrência, é corolário dos princípios democrático e republicano.

CAETANO ensina que a “soberania contém originária e essencialmente dois poderes, o de a colectividade se organizar, instituindo os órgãos que tiver por convenientes (poder constituinte) e o de, através desses órgãos, orientar livremente a sua conduta (poder governativo)”. [32]

Por sua vez a função governativa é exercida pelos órgãos que cumprem a função política do Estado, exercida pelo agente político, não se confundindo com o órgão por ele ocupado.

O matiz da função governativa ou de exercício do poder está amparado na representação política, consubstanciada no primado de que as ações e primazias dos governantes se imputam aos governados.

Por primeiro há a possibilidade, em determinados casos, de exercício direito do poder pelo seu detentor: o povo.  O exercício direito da democracia, dado a massificação e o agigantamento dos Estados Nacionais, atualmente é bastante restrito, ficando circundo a determinadas localidades, sendo sempre citados alguns cantões da Suíça em que é frequente que toda a população seja chamada a se manifestar sobre assuntos de interesse geral.

As formas mais difundidas da manutenção da participação direta são: plebiscito, referendo e a iniciativa popular.

No mais, é amplamente prevalente o exercício da democracia indireta – aquela que se perfaz por meio da escolha de representantes legitimados, geralmente pelo voto.

SCHLICKMANN sintetiza com precisão a relação do Poder Político e democracia:

“Reside nos fundamentos da democracia a diferença singular entre poder político e as demais nuances do poder: aquele que emana do povo (tal como prescreveu a Declaração dos Direitos Humanos de 1789) e, como tal, atinge sua magnitude o conceito de legitimidade, o que lhe confere a possibilidade de resolver problemas sociais e harmonizar a vontade humana.” [33]

2.2 Poder Político e representação

Do que vimos até o momento podemos concluir que Estado se confunde com Poder ou com a materialização do seu exercício. CAVALCANTI, citado por SCHLICKMANN, pondera que: “a totalidade do poder temporal se reúne para integrar a sua personalidade, fruto de uma vontade coletiva, de uma concepção de unidade formal e ideológica, sem a qual não existe o Estado”. [34]

Assim, aos órgãos que exercem a soberania nacional é delegado o Poder Institucional, “que se torna necessidade absoluta para a disciplina da vida social.” [35]

O mister do exercício do poder deve ser o de concretizar ou viabilizar a resolução de problemas sociais e harmonizar a vontade humana. É incontestável que a sociedade, conceituada de forma unitária, é composta de indivíduos que tem histórias, necessidades e pensamentos plurais.

Já foi dito – item 2.1 – que o matiz da função governativa ou de exercício do poder está amparado na representação política, forma mais adequada e dinâmica de materialização da titularidade do Poder que, por imperativo constitucional, pertence ao povo.

Existem diversos modos para a seleção e escolha daqueles a que se acometerão o mister de representar a sociedade na condição de detentor direito do poder. É certo também que o sufrágio (voto) é a forma mais comum desse critério de seleção.

A eleição é o método mais difundido para escolha de governantes, materializando-se no direito de votar (capacidade política ativa) e no direito de ser votado (capacidade política passiva).

A assunção a um cargo eletivo inexoravelmente passa pela opção do Poder Constituinte concretizada na Constituição. Em alguns Estados há um maior espectro de cargos preenchidos de forma eletiva: magistrados, promotores públicos, chefes de polícias, além dos exercentes dos Poderes legislativos e Executivo.

Noutros Estado, a opção é mais restrita e comum aos Poderes Legislativos e Executivo; caso do Brasil.

De qualquer modo, é a opção política determinado momento – considerando que a Constituição reflete as necessidades e o ideário de época determinada – que definem o direito ao sufrágio, voto, casos de inelegibilidades, condições de alistamentos, domicílio eleitoral e as normas que regerão as eleições e o processo de apuração de votos.

Nesse contexto, as agremiações partidárias tem vital importância na concretização da democracia e no exercício do poder. É através dos partidos políticos que se expressa a vontade da maioria e a democracia indireta, sem que as minorias percam suas vozes, não podendo ser esquecida a coexistência de um estatuto jurídico das minorias.

STF: "(...) - A normação constitucional dos partidos políticos - que concorrem para a formação da vontade política do povo - tem por objetivo regular e disciplinar, em seus aspectos gerais, não só o processo de institucionalização desses corpos intermediários, como também assegurar o acesso dos cidadãos ao exercício do poder estatal, na medida em que pertence às agremiações partidárias - e somente a estas - o monopólio das candidaturas aos cargos eletivos. (...)" (MS 26603 / DF - DISTRITO FEDERAL - Relator(a): Min. CELSO DE MELLO) [36]

Evidente a importância do pluripartidarismo – ainda que sejam pertinentes os argumentos daqueles que criticam a excesso do número de partidos e a existências de legendas que se submetem ao clientelismo e oportunismo eleitoral – pois a diversidade da sociedade, mormente a diversidade de opinião, é concretizada na vida e participação partidária.

É certo que o detentor do poder político de fato é o povo; a sociedade.

“ ..., ainda que a viabilização do processo democrático seja o mérito da atuação dos partidos políticos, a sociedade é a detentora do poder político puro, sem rótulos e preferências institucionais, características da organização partidária. Por isso, ainda que as diversas concepções sociais se expressem na formação dos partidos políticos, cabe aos indivíduos que compõe a sociedade (independente de filiação partidária) conferir a um ou a outro estrato social o poder político, através do voto”. [37]

Muito feliz a ponderação acima citada, conquanto sua Autora deixa claro a quem pertence a titularidade do poder político, ressaltando a importância da organização dos partidos políticos sob o viés democrático e de representatividade, mas concluindo que cabe a cada um dos indivíduos da sociedade o exercício da cidadania, através do voto, e independente de opção ideológica ou partidária.

O voto, portanto, é o instrumento de materialização do exercício do poder de que se utiliza a sociedade organizada ou não, para escolher livremente, observando-se as regras previamente definidas, a quem se conferirá o poder político de administração de seus interesses, posto que a vontade da maioria, ainda que sustentáculo do princípio republicano, não reflete a vontade de todos os indivíduos.

Em suma: “o princípio da representação política alicerça o regime democrático que operacionaliza a distribuição do poder político”. [38]


3. As eleições como forma legítima da representação popular.

Ao discorrer sobre o exercício do poder político afirmamos que na sociedade moderna prevalece o exercício do poder através da democracia representativa.

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Vimos, ainda, que existem diversos modos para a seleção e escolha dos representantes legítimos da sociedade na condição de detentor direto do poder, bem como que (voto) é a forma mais comum desse critério de seleção.

Assim, eleição é o método mais difundido para escolha dos representantes do povo, sendo de vital importância que se assegure o direito de participação política, seja através do voto (capacidade política ativa), ou no direito de ser votado (capacidade política passiva) e, sobretudo na liberdade que detém cada cidadão em participar efetivamente do processo eleitoral, apoiando candidatos, partidos e engajando-se em uma causa, um ideal ou modelo ideológico.

É nesse último ponto que reside o objeto principal do nosso trabalho: o direito de participação política e de engajamento pelo cidadão nas campanhas eleitorais.

No entanto, para a coesão do trabalho trataremos, ainda que brevemente, de alguns pontos de direito eleitoral, desembocando, por fim, na relação entre a arrecadação de recursos para as campanhas eleitorais e o direito de participação e engajamento político do cidadão.

3.1 Definição e objeto do Direito Eleitoral

Joel José CÂNDIDO, ao dissertar sobre as fontes e conceitos do Direito Eleitoral, observa com precisão que se trata de disciplina independente, com autonomina didática e científica, possuindo, mais que os outros ramos do direito, o Direito Constitucional como sede principal de seus institutos e fonte imediata de seus principais preceitos. [39]

Assim também entendemos, tanto o é que optamos por iniciar o presente trabalho delineando a relação entre Estado e Constituição, para após ingressar na seara da poder e representação política.

Para Fávila RIBEIRO “o Direito Eleitoral, precisamente, dedica-se ao estudo das normas e procedimentos que organizam e disciplinam o funcionamento do poder de sufrágio, de modo a que se estabeleça a precisa adequação entre a vontade o povo e a atividade governamental”. [40]

É evidente, em razão da natureza e do conteúdo do seu objeto, que o Direito Eleitoral sempre terá na Constituição Federal suas disposições principais, isso porque objetiva disciplinar o funcionamento do sufrágio popular em relação ao exercício do poder. 

Convém salientar que eleição e sufrágio não são propriamente sinônimos. Sufrágio tem conotação de direito de participação política, em sentido abstrato, calcado no fundamento de poder popular, enquanto a eleição é um fato social, decorrente do direito de participação.

Nesse contexto, as normas que regulam o processo eleitoral – este compreendido em sentido amplo, desde o alistamento eleitoral, até a eleição propriamente dita – são denominadas de normas substantivas.

Não restam dúvidas, portanto, que a finalidade do Direito Eleitoral é a garantir o exercício da cidadania, de forma plena, sem intercorrências que viciem a vontade popular ou que firam a normalidade do pleito, tais como: abuso de poder político, abusos de poder econômico, fraudes, dentre outros fatores.

O objeto do Direito Eleitoral são as normas jurídicas positivadas e os princípios eleitorais. A doutrina, de maneira geral, os divide em: objeto do direito eleitoral em direto e indireto. O primeiro, por sua vez, é subdividido em primário e secundário.

As normas de cunho eleitoral sediadas na Constituição da República são denominadas de objeto primário do Direto Eleitoral, conquanto reflitam a posição adotada pelo Poder Constituinte materialmente sobre o Poder Estatal e seu exercício. É o caso das normas elencadas no Capítulo IV, do Título II da Constituição cidadã: alistamento eleitoral, a elegibilidade, capacidade eleitoral ativa e passiva, filiação partidária, dentre outros.

As normas denominadas de objeto secundário se dividem em diretos e indiretos.

Compreendem o objeto direto secundário as normas que surgem com o processo eleitoral, ou dela decorrentes, como por exemplo: o registro de candidatura, o exercício do direito de propaganda eleitoral, a recepção de votos, o sigilo do voto, a denúncia de irregularidades, a diplomação do candidato eleito, a interposição de ações e recursos etc.

Já as normas que compõe o objeto indireto são aquelas que versam sobre matérias que possibilitam e dão suporte ao o exercício do objeto direto. Ex: sistema eleitoral, organização da justiça eleitoral, dentre outros.

3.2 Fontes do Direito Eleitoral.

O estudo da fonte material busca revelar o órgão competente para criar a norma e a fonte formal diz respeito ao modo de exteriorização do direito eleitoral.

A fonte material do direito eleitoral é a União. De acordo com o artigo, 22, I, da Constituição da República, compete privativamente à União legislar sobre direito eleitoral, não cabendo aos estados-membros sequer matéria supletiva.

As fontes formais do direito eleitoral são classificadas em diretas ou primárias e indiretas ou subsidiárias. Entretanto existe uma divergência na classificação das fontes formais.

Para alguns doutrinadores, dentre eles o Ex-Procurador Regional Eleitoral Dr. Roberto Moreira DE ALMEIDA, [41] as fontes diretas são: Constituição Federal, Código Eleitoral, Lei dos Partidos Políticos e Lei das Eleições. Já as fontes indiretas são: Código Penal, Código de Processo Penal, Código Civil, Código de Processo Civil e Resoluções do Tribunal Superior Eleitoral.

No entanto, há doutrina que apresenta classificação diversa, sendo as fontes diretas os dispositivos legais eleitorais (Constituição Federal, Lei dos Partidos Políticos, Lei das Eleições, Lei das Inelegibilidades e demais diplomas legais eleitorais existentes), Consultas, Portarias, Resoluções e Súmulas do TSE; e as fontes indiretas são as legislações das demais matérias jurídicas (direito processual civil, direito processual penal, dentre outros), doutrina, jurisprudência, princípios e costumes.

A divergência que nos importa refere-se, em princípio, às Resoluções expedidas pelo Tribunal Superior Eleitoral, amparadas ao poder normativo da Justiça Eleitoral, com respaldo no artigo 23, IX, do Código Eleitoral, regulamentando ou disciplinando matéria eleitoral, interpretando e instrumentalizando as normas eleitorais e seus objetivos e especificando os requisitos e procedimentos de matérias de interessa da Justiça Eleitoral. 

Essa função normativa foi objeto de exame pelo próprio Tribunal Superior Eleitoral, o qual decidiu que suas resoluções têm força de lei ordinária. [42]

Parece-nos coerente compreender que as resoluções emanadas do Tribunal Superior Eleitoral têm caráter cogente e integram a legislação eleitoral, consubstanciando fonte direta do Direito Eleitoral.

Aliás, o tema está na pauta de diversas discussões jurídicas ante a postura proativa do Tribunal Superior Eleitoral em disciplinar, várias Resoluções, em clara posição de ativismo judicial. É o caso da edição da Resolução nº 22.610/2007, apreciada e declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, que disciplina o processo de perda de mandato eletivo por infidelidade partidária e da Resolução 21.702/2004 que impôs instruções sobre o número de vereadores a eleger com observância do número de habitantes de cada Município.

3.3 Insegurança do cenário legislativo.

Infelizmente o cenário eleitoral brasileiro é pautado pela surpresa e pela inovação legislativa às vésperas do período eleitoral. Com frequência, ao se avizinhar o pleito eleitoral, surgem matérias relevantes e outras nem tanto, que fomentam inúmeras discussões.

É o caso das discussões tidas em relação a aplicação da Lei da Ficha Limpa – Lei Complementar 135/2010 – já para o pleito de 2010. No mesmo sentido foram as discussões e incertezas da aplicação da Resolução 21.702/2004, que versou sobre o número de vereadores por município, já para as eleições municipais do ano de 2004.

A situação não é mais grave porque a Constituição da República, em seu artigo 16, estabeleceu o princípio da anualidade da Lei Eleitoral, ao dispor que “a ele lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até 1 (um) ano da data de sua vigência”.

O mencionado dispositivo constitucional buscou conferir segurança ao processo eleitoral, tolhendo mudanças abruptas ou oportunistas que pudessem comprometer a confiabilidade do pleito.

É fato que a situação já foi pior.

Mas com edição da Lei 9.504/1997 – Lei das Eleições – houve significativo avanço no tema, conquanto, não obstante tenha havido importantes alterações, não se perdeu a espinha dorsal e a linha mestra da normatização do processo eleitoral.

Poderíamos, para ilustrar nossos argumentos, fazer uma busca da evolução legislativa desde as eleições do período o Império. Todavia, seria demasiadamente moroso e cansativo, motivo pelo qual nos reportaremos somente às eleições da história recente; pós-redemocratização.

Até a edição da Lei 9.504/1997, a cada ano em que se realizavam eleições, fossem eles gerais ou municipais, um novo ordenamento era elaborado para regulá-las, trazendo várias inovações, e por vezes retrocessos, quase sempre fruto da atuação casuística e oportunista, fruto da atuação e existência de uma democracia de elite, seja de natureza oligárquica ou resquício da própria ditadura militar (1964/1985).

Nesse contexto, as eleições de 1986, restrita a governador e vice-governador de Estado, para composição de 2/3 do Senado, da Câmara de Deputados e das Assembleias Legislativas, foram reguladas pela Lei nº 7.493/1986.

Já as eleições municipais de 1988 foram regidas pela Lei 7.664/1988 e a eleição presidencial de 1989 foi realizada sob a égide da Lei 7.77389.

As eleições municipais de 1992 foram regidas pela Lei 8.214/1991 e as eleições gerais de 1994 foram regidas pela Lei 8.713/1993. Por fim, a Lei 9.100/1995 disciplinou as eleições municipais do ano de 1996.

 Com exceção desta última, as leis eleitorais até então editadas eram incompletas e não versavam sobre todos os pontos do processo eleitoral. Havia um mosaico a ser preenchido pelos operadores do direito considerando a Constituição e as diversas leis e regulamentos até então editados.

Patentes a insegurança e os prejuízos à evolução do Direito Eleitoral decorrente das inúmeras leis e de mudanças casuísticas tidas no ordenamento eleitoral.

Portanto, a Lei 9.504/1997 representou grande avanço ao Direito Eleitoral, conquanto sistematizou, em um único ordenamento, toda matéria relativa ao pleito eleitoral, sendo aplicável a todas as eleições desde o ano de 1998, dando maior segurança, fluência e operabilidade à evolução de relevantes à vida social.

3.4 O controle de legalidade: a premissa constitucional de normalidade e legitimidade das eleições.

A premissa estabelecida na Constituição Federal impõe que as eleições sejam legítimas e normais, ou seja, eleições em que não haja: abuso de poder econômico, abuso de poder político, uso da máquina pública, uso indevido ou tendencioso dos meios de comunicação de massa, corrupção, fraudes e cooptação de políticos ou grupos políticos através do financiamento público de campanhas.

Para que uma eleição seja legítima ou normal, não podem estar presentes qualquer desses elementos ou interferências externas que firam o processo eleitoral do Estado Democrático de Direito.

A Constituição da República – artigo 14, §§ 9º e 10º – dispõe sobre a proteção das eleições contra a influência e supressão da vontade popular pelo abuso de poder econômico e sobre a impugnação do mandato eletivo caso tal fator venha a ferir a normalidade do pleito.

O referido dispositivo constitucional não é novidade no sistema pátrio, pois o Código Eleitoral, no seu artigo 237, já dispunha que a interferência do poder econômico deveria ser coibida e punida na forma estabelecida em lei.

Art. 237. A interferência do poder econômico e o desvio ou abuso do poder de autoridade, em desfavor da liberdade do voto, serão coibidos e punidos.

§ 1º O eleitor é parte legítima para denunciar os culpados e promover-lhes a responsabilidade, e a nenhum servidor público. Inclusive de autarquia, de entidade paraestatal e de sociedade de economia mista, será lícito negar ou retardar ato de ofício tendente a esse fim.

§ 2º Qualquer eleitor ou partido político poderá se dirigir ao Corregedor Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, e pedir abertura de investigação para apurar uso indevido do poder econômico, desvio ou abuso do poder de autoridade, em benefício de candidato ou de partido político.

A normalidade do pleito ou, melhor, a adoção de medidas para resguardar a higidez do processo eleitoral são essenciais à prevalência da vontade popular e legítima de modo a evitar vícios os fatores externos que venham a macular.

A Lei Complementar 64/1990 ao delinear o rito e cabimento da Ação de Investigação Eleitoral (AIJE), juntamente com ação de impugnação de mandato eletivo (AIME), esta com sede constitucional, e do Recurso contra a expedição de diploma previsto no Código Eleitoral (artigo 262) são os principais instrumentos jurídicos aptos a coibir essas interferências externas no processo eleitoral.

É cediço que o poderio econômico, por meio da participação política de grupos ou pessoas que detém as riquezas de uma nação, é inafastável do processo eleitoral, gerando desequilíbrio entre os participantes e, se não controlados por mecanismos eficazes ou tolhidos, ferem a legitimidade do pleito e a existência do próprio estado democrático.

“É fenômeno mundial e, diria até, essencial aos agrupamentos humanos, que aqueles que detêm parte considerável das riquezas, tentem traduzir este poderio material em poder político, em poder de decisão do destino e dos rumos que estão sendo tomados por esta própria sociedade.

Destarte, ilusório e irreal que alguma ordem jurídica não considere esse fator como elemento indissociável do processo eleitoral, mas também, não pode jamais existir Estado Democrático de Direito deixar de criar instrumentos para que este poder econômico fique se controle, e controle rígido, a fim de impedir que ele, por si só, determine a condução do processo de escolha de governantes, mormente num Estado que se diga fraterno, pluralista e que tem a diminuição das desigualdades sociais e regionais como objetivo fundamental, como é o caso da República Federativa do Brasil (preâmbulo e art. 3º, III, da Constituição da República)”. [43]

No trecho citado o autor Caramuru Afonso FRANCISCO sintetiza com clareza a necessidade de tutela jurídica da legitimidade e normalidade do processo eleitoral.

O tema “abusos e vícios nas eleições” é extenso e permeia o cotidiano da sociedade brasileira – muito embora, como vimos, não seja se restrinja as nossas fronteiras e se mostre como um problema mundial e atemporal.

Vimos que o tema não é novo e já mereceu atenção do legislador pátrio no Código Eleitoral além de outros diplomas legais. Poderíamos discorrer várias linhas sobre esse mal que assola nossa democracia, mas este não é o foco principal do presente trabalho.

Queremos focar nossos esforços em um tipo de vício tão mais grave e nocivo, que na verdade não se dissocia do poder econômico, que é o financiamento das campanhas.

Diferentemente do abuso de poder econômico genérico, por assim dizer, o abuso e as fraudes decorrentes do financiamento de campanhas eleitorais nem sempre chamou a atenção ou foi objetivo de preocupação legislador pátrio e da própria sociedade brasileira.

É de se ver, naquele contexto já traçado neste trabalho, quando demonstramos a insegurança do cenário político eleitoral com a edição de um diploma legal para cada eleição vindoura, e citamos as Leis nº 7.493/1986, 7.664/1988, 7.77389, Lei 8.214/1991 e 8.713/1993, que nenhuma ou quase nenhuma importância foi dada a arrecadação de recursos e financiamentos das campanhas eleitorais.

Sendo assim, não é difícil concluir que esse foi um campo propício para inúmeros atos ilegais, enriquecimento ilícito e de abusos que inexoravelmente abalaram a estrutura republicana e a viciaram a vontade popular.

Não é necessário ir muito longe para encontrar exemplos de abusos. Na história recente de nosso país a Operação Uruguai acabou por se firmar como um marco divisor e, fruto da pressão popular e de classes, representou avanços na legislação eleitoral, concebendo formas de controles e, a cada eleição, se aperfeiçoando de modo a tornar a fiscalização e a prestação de contas mais confiável evitando inúmeras fraudes e abusos.

A operação Uruguai, em apertada síntese, envolveu altas autoridades, dentre as quais o então presidente e hoje Senador da República Fernando Collor de Mello, que por meio de notas fiscais frias e a atuação de doleiros de São Paulo e na cidade de Montevidéu no Uruguai simularam o pagamento de despesas feitas pelo tesoureiro de campanha Paulo César Farias. A Comissão Parlamentar de Inquérito apontou que a operação consistiu num suposto empréstimo realizado pela empresa Alfa Trading, no valor aproximado de US$ 3,7 milhões (especula-se que os valores possam ter superado as cifras de US$ 5,0 milhões), feito por uma empresa do Uruguai durante a campanha de 1989, como forma de ocultar a real fonte do dinheiro: recursos obtidos de forma ilegal no curso da campanha. [44]

Vale lembrar que, até então, a arrecadação de recursos e a prestação de contas de campanha foi normatizada pela Lei 4.740 – Lei Orgânica dos Partidos Políticos – que em seu artigo 71 dispunha sobre a obrigatoriedade de os Partidos Políticos prestarem contas anualmente, ao Tribunal de Contas da União, dos recursos recebidos no exercício financeiro anterior.

Posteriormente o tema passou a ser tratado pela Lei 5.682/1971, ainda no campo restrito aos Partidos Políticos, impondo à agremiação renitente ou com as contas desaprovadas, total ou parcialmente, a perda ao direto do recebimento de novas quotas do fundo partidário, bem como a responsabilização civil e criminal dos membros das comissões executivas e do Diretório faltoso.

É cedido que o financiamento das campanhas eleitorais figura como o ponto mais sensível e combalido do processo Eleitoral. Caramuru Afonso FRANCISCO demonstra com precisão essa preocupação:

“É no financiamento das campanhas eleitorais que se encontra o início de um processo de aliciamento de políticos, de atrelamento destes aos mais diferentes interesses existentes no tecido social, interesses estes vinculados ao poderio econômico e que, não raro, contrapõem-se aos interesses maiores da sociedade e ao próprio bem-estar da população” [45]

É evidente a necessidade de sistematização e do estabelecimento de mecanismos legais e de cooperação de órgãos estatais para tolher abusos, fraudes e o cometimento de crimes, de modo a impedir que o financiamento de campanha continue a ser um fator desestruturador da democracia.

A evolução do tema se deu na primeira parte da década de 1990, decorrente da preocupação mundial com o financiamento de campanhas e, no Brasil, no bojo das discussões que ensejaram no impeachment do então Presidente da República Fernando Collor de Melo decorrente das investigações e comprovação do enriquecimento ilícito na arrecadação e financiamento de campanhas eleitoral da operação Uruguai.

O primeiro passo foi dado com a edição da Lei 8.713/1993, que inovou o ordenamento pátrio no tocante ao regramento da administração financeira de campanha, prevendo a responsabilização de candidatos e partido políticos, bem como sistematizando a forma de fiscalização e de prestação de contas.

A Lei 9.100/1995, seguindo a mesma sistemática, ao estabelecer normas para a realização das eleições municipais do ano de 1996, trouxe num só diploma o regramento consolidado que regeria o pleito: escolha dos candidatos, registro de candidaturas, exercício de propaganda, arrecadação e aplicação de recursos na campanha, bem como regras para a prestação de contas.

A mudança de premissa e a criação de legislações que controlem a influência do poderio econômico são penosas. Somente com a pressão popular, de setores da sociedade e da comunidade jurídica que a Lei Geral das Eleições – Lei 9.504/1997 –, tendo por base as premissas da Lei 9.100/1995, evolui e sistematizou de forma definitiva e atemporal o regramento das eleições futuras, tendo sido objeto de alteração louvável pela Lei 11.300/2006 no tocante à normatização de arrecadação de recursos e prestação de contas.

Fundamental, da mesma forma, é a atuação pró-ativa do Tribunal Superior Eleitoral em concretizar a fiscalização através da edição de Resoluções, portarias e por meio de convênios com a Receita Federal, Fazendas Estaduais, Banco Central, valendo-se do cruzamento de informações para tolher abusos e responsabilizar os infratores.

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Sobre o autor
Alexsandro Trindade

Graduado em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba (2001), possui especialização em Direito Constitucional Aplicado (2013) e em Direito Registral e Notarial (2013). Atuou como Advogado, Assessor Jurídico no Poder Legislativo Municipal e Analista Judiciário da Justiça Eleitoral. Atualmente é Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais da sede da Comarca de Ibiúna/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TRINDADE, Alexsandro. A normatização das finanças de campanha eleitoral à luz do direito de participação política do cidadão . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4110, 2 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30996. Acesso em: 22 nov. 2024.

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